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(publicado no diário «Meia Hora» de 7 de Maio)


A situação no PSD pode ser um bom momento para se perceber como poderá evoluir o sistema político-partidário português nos próximos anos. A situação criada pela demissão de Luís Filipe Menezes criou espaço para estas mini-primárias, que decorrerão até ao final do mês.


O que está em jogo em cima da mesa é eleger um líder partidário, que será igualmente o candidato a Primeiro Ministro nas legislativas do próximo ano, o responsável pelos outros próximos processos eleitorais (europeias e autárquicas) e, também, o responsável pela constituição do próximo grupo parlamentar do PSD, o que não é de todo uma questão menor e, em determinadas circunstâncias (por exemplo não conseguir derrotar Sócrates), é mesmo decisivo para o futuro do partido.


Na realidade, apesar do pouco tempo para o processo, o que está em jogo nestas directas do PSD é muito mais o médio-longo prazo que o imediatismo do curto-médio prazo. Por isso mesmo era bom que o debate se centrasse em questões estratégicas e políticas, e saísse da esfera em que está, essencialmente centrado em torno de pessoas, das suas reputações, histórias, intenções ou memórias. Se é certo que as pessoas são importantes, não é menos certo que o problema maior do PSD nos últimos anos está na diminuição do seu espaço político, na ausência de ideias novas, da sua descaracterização. Falando claro, o PSD perdeu valor enquanto marca, perdeu posicionamento. É preciso uma espécie de processo de rebranding, não no sentido de mudar de logótipo nem de colocar apenas uma cara nova nos cartazes, mas sobretudo em apontar uma nova missão e novos valores, procurando credibilizar o produto político – desculpem a linguagem «técnica», mas neste caso ela adequa-se bem à situação.


Na conjuntura actual, em que Sócrates ocupou o centro-direita e pegou em muitas questões que eram bandeiras do PSD, o novo líder social-democrata terá que mostrar que não é igual a Sócrates, que tem alternativas concretizáveis e uma linha política que seja capaz de voltar a congregar vontades, unir os militantes e conquistar independentes.


Da maneira que as coisas estão não é tarefa fácil levar o PSD a encontrar o seu lugar.


A tentação do conforto e segurança que as opções «regresso ao passado» apresentam, podem aparentemente parecer as mais seguras, mas arriscam-se também a ser as mais desmotivadoras – sobretudo quando se evita discutir política e ideias. E o fundamental, para assegurar a vida para além dos próximos feriados de Junho, é discutir propostas políticas e ideias, e não apenas pessoas. 

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publicado às 00:26

O SEXO E MAIO DE 68

por falcao, em 05.05.08

(Publicado no «Jornal de Negócios» de 2 de Maio)




AGORA - Se pensam que Maio de 68 mudou o mundo, o melhor é olharem para estes últimos anos, desde o 11 de Setembro de 2001: emergência do fanatismo religioso, escalada no preço do petróleo, instabilidade bolsista, o crescimento da China e Índia e os reflexos no resto do planeta, a derrocada do sistema financeiro, o descontrolo no preço dos alimentos: estes dez primeiros anos do último milénio prometem deixar mais marcas que os últimos 32 do milénio passado.


 
ANTES - E, no entanto, 1968 foi um ano marcante: A Primavera de Praga e a chegada de Dubcek ao poder levaram à invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, desencaderam a crise na heterodoxia comunista e significaram o princípio do fim do império soviético.  No mesmo ano, nos Estados Unidos, foram assassinados em atentados Martin Luther King e Robert Kennedy Jr. Para além da França, manifestações diversas, mas significativas, ocorreram na Itália, na Alemanha, no Brasil e no México, quase sempre a partir das universidades – eram jovens nascidos por volta de 1950, frutos dos casamentos do pós guerra e da súbita evolução da sociedade e dos costumes. Em 1967 os hippies, acabados de surgir, tinham lançado ao mundo o slogan « Make Love, Not War».


Nesse tempo, as notícias chegavam mais pela rádio e pela imprensa que pela televisão, e as imagens do que se passavam no mundo vinham nas revistas. O meu Maio de 1968 foi marcado pelas edições especiais do «Paris-Match» e do «L’Express» que cá chegavam, e que mostravam o que de outra maneira não se conseguia ver. 


A ORIGEM  - Maio de 1968 não foi um fenómeno súbito, teve a ver com dois movimentos essenciais que se cruzaram: em primeiro lugar o pacifismo, alimentado nos protestos contra a guerra do Vietname; e, em segundo lugar, a reivindicação de liberdade sexual e a recusa da autoridade.


É curioso recordar como tudo começou, em França, nesse ano de 1968: Paris-Nanterre era uma Universidade periférica, para onde eram arredados os que não haviam conseguido ingressar na Sorbonne ou em outras prestigiadas escolas superiores do centro de Paris. Era o que se podia dizer uma universidade contestatária: tinha-se indignado com a morte de Che Guevara em finais de 67, protestava regularmente contra a guerra do Vietname e devorava com avidez as notícias da Revolução Cultural que Mao Tse Tung dirigia na longínqua e enigmática China.


Mas na realidade o rastilho dos primeiros incidentes da Universidade de Paris-Nanterre (que foi onde tudo se iniciou) foi inflamado pela proibição, em Março de 1968, pelas autoridades académicas, de uma conferência sobre a obra de Wilhelm Reich, um psicanalista de origem austríaca que preconizava que os adolescentes deviam viver livremente a sua sexualidade e, de uma forma geral, defendia a liberdade sexual. A revolta começa contra as autoridades académicas, conservadoras, que não viam nas teorias de Reich nada que merecesse ser discutido numa Universidade. No centro das suas teorias estava o «orgónio», uma forma de energia que derivaria directamente do acto sexual e do prazer nele obtido. Reich morreu, só e desacreditado, em 1957, nos Estados Unidos, mas em meados dos anos 60 as suas principais obras foram reeditadas e ganharam uma súbita segunda vida. Foi, em parte, o mentor involuntário do célebre Verão do Amor, na Califórnia, em 1967. A originalidade e liberdade do  Festival de Monterrey e os slogans «Make Love Not War», chegaram à Europa com uns meses de atraso. Mas chegaram com força. 




A UTOPIA - Foi também esse o tempo suficiente para que em Paris se desse pela obra de Herbert Marcuse, o livro «O Fim da Utopia», publicado em 1967 nos Estados Unidos. Ao contrário de Engels, que defendia que o socialismo avançava a partir do utópico para uma análise científica da sociedade, Marcuse desejava resgatar o valor mobilizador das utopias – o slogan «A Imaginação Ao Poder», que inundou as paredes de Paris nesse Maio, tinha aqui as suas verdadeiras origens. Marcuse, que vivia nos Estados Unidos, estava na vanguarda dos teóricos da nova esquerda, que renegavam o papel do proletariado das sociedades industriais na revolução, acusando-o, com muita justeza, de estar acomodado ao consumismo. Para ele os agentes da transformação social deveriam ser os que estavam fora dos compromissos sociais estabelecidos, os estudantes, as minorias étnicas, os intelectuais que continuavam a ser livre pensadores. Aqui não havia uma ideologia, apenas um protesto, e desses grupos sociais é que, ainda que inconscientemente, partiria a contestação ao sistema capitalista e à ordem autoritária. Para os estudantes e intelectuais franceses isto era música celestial. Estava legitimada teoricamente a acção, coisa que como se sabe é sempre útil em França. Se a proibição da discussão da obra de Wilhelm Reich foi o pretexto, o resto nasceu pura e simplesmente do combate à autoridade e aos valores estabelecidos. E o resto foi uma enorme roda livre, uma explosão de tensões, que provocou forte susto à autoridade, mas que no entanto rapidamente se restabeleceu, como a estrondosa vitória eleitoral do General De Gaulle em finais de Julho, dois meses depois das barricadas, deixou bem claro.


Nesses meses, deu-se o declínio da esquerda tradicional, completamente ultrapassada pelos acontecimentos – o caso havia de lançar socialistas e comunistas franceses numa longa crise. O PSF era já quase inexistente e o Partido Comunista Francês demarcou-se sempre das manifestações estudantis, o que levou Jean Paul Sartre a dizer, com uma ingénua evidência: «Os comunistas temem a revolução ». Uns anos depois, seis para ser mais exacto, o mesmo aconteceu por cá. Uma parte do pós 25 de Abril foi o nosso Maio de 68, com o atraso do costume. E, como em França, no fim, a autoridade foi restabelecida. 
 

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publicado às 11:03

LISBOA GOVERNAMENTALIZADA

por falcao, em 05.05.08

(Publicado no diário «Meia Hora» de 30 de Abril)


 


Nesta semana o Primeiro Ministro anunciou oficialmente um conjunto de importantes obras em Lisboa, que vão ter repercussões na vida dos lisboetas e que vão provocar grandes transformações numa das zonas mais importantes da cidade, Alcântara.


O mais curioso de tudo é que Sócrates fez o anúncio sozinho, sem a presença de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ex-membro do actual Governo. A ausência, por mais justificações que sejam dadas, é sintomática. Existe uma corrida a protagonismo nas grandes obras públicas e existe alguma precipitação no anúncio de soluções que ainda não recolheram consenso de todas as partes envolvidas. Este Governo tem tratado Lisboa como um feudo seu – diz onde quer o aeroporto que serve a cidade, onde quer a ponte, onde vai fazer obras. O problema de ter na Câmara de Lisboa um aliado do Primeiro Ministro é mesmo este: Lisboa deixou de ser governada pela sua autarquia, o centro de decisão passou da Praça do Município para S. Bento, como aliás já se tinha visto na questão da sociedade que vai gerir a frente ribeirinha, estratégica para a cidade, mas dependente exclusivamente do Governo.


Sócrates entrou oficialmente no ciclo eleitoral. Após anos de paralisia das obras públicas, agora, como que por acaso, a ano e meio das eleições, vai entrar-se numa época de grande fartura de obras fantásticas – linhas de comboios, mais auto-estradas, barragens, hospitais, nova ponte, novo aeroporto, gigantescas reformulações urbanísticas.


Desde há um século os grandes debates nacionais são em torno dos mesmos temas – que obras fazer, onde as fazer. Raramente alguém pergunta para quê fazê-las, raramente se desenhou alguma estratégia coerente de desenvolvimento sustentado. Na realidade,


sem obras nada parece funcionar, sem obras quase nem há debate político – se virmos bem, o novo aeroporto e a nova ponte foram os dois grandes momentos de polémica da sociedade portuguesa do último ano. É triste, mas é assim. A política portuguesa vive há demasiados anos enredada nos negócios em torno das obras públicas. Seja qual for o partido no poder, esta é uma sina imutável. E como os interesses em jogo são imensos, ele há momentos em que as coisas se agitam de alguma forma mais intensa, digamos.


Na realidade, o vislumbre de grandes obras públicas no horizonte pode acelerar fortes convulsões no sistema político. Estamos a viver um desses períodos. 

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publicado às 11:02

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