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VOZES PELA COMUNICAÇÃO é o título do livro promovido pelo ISCTE Executive Education que reúne artigos de outros tantos especialistas para debater o futuro da comunicação e as grandes questões que se colocam nessa área. O meu artigo aborda a relação entre marcas e consumidores. A tecnologia leva a alterações cada vez mais frequentes nos mídia e a que os ciclos de comportamento dos consumidores mudem de forma cada vez mais acelerada.
ONDE ESTÁ O CONSUMIDOR?
Um dos livros a que volta e meia regresso é “Publicidade Sem Espinhas”, um relato de episódios de vida e reflexões desse grande publicitário português que foi António da Silva Gomes. No seu livro, escrito com imenso humor, ele diz que quem inventou a publicidade foram os vendedores ambulantes e os pregoeiros, criativos na forma como anunciavam, o que vendiam, como o “esquimó fresquinho” dos vendedores de gelados, e peritos no contacto directo com o consumidor, hoje em dia tão desejado. Mas a parte mais estimulante do livro é sobre a relação com os clientes. Conta, por exemplo, que era frequente perguntarem-lhe se a agência que dirigia punha reclames na televisão. E recorda que volta e meia aparecia um eventual cliente com uma publicidade já feita por um amigo jeitoso - um deles, depois de saber que podia fazer reclames na televisão, enviou-lhe uma zincogravura com a nota “É para sair amanhã no telejornal…” . É de Silva Gomes esta pergunta ainda hoje em dia tão actual: ”Se nós, publicitários, não fazemos projectos de engenharia, porque é que há tanto engenheiro no quadro dos anunciantes a retalhar textos e a fazer maquetas?”.
Desde a altura em que este livro foi publicado, 2003, e os dias de hoje muita coisa mudou - na mídia, nas agências, nos clientes. Mas persiste ainda por vezes a ideia de que, tal como há treinadores de bancada e médicos de google, também há publicitários de aviário. Sobretudo neste século XXI o mundo da publicidade, em termos gerais, sofisticou-se imenso, o conhecimento sobre o comportamento dos consumidores aumentou, os dados sobre audiências tornaram-se muito rigorosos e o digital veio trazer uma complexidade enorme que só equipas técnicas muito preparadas, em talento humano e em tecnologia, podem assegurar. A publicidade precisa de criatividade mas não é um lugar para amadores, sobretudo quando se chega à fase mais decisiva, que é conseguir contactar e impactar o consumidor pretendido para cada produto.
Uma das maiores mudanças tem a ver com aquilo a que podemos chamar “a jornada do consumidor”. Até ao final da primeira década deste século as coisas, tendo já algumas alterações, ainda eram pacíficas. Mas com o advento dos smartphones, no caso o primeiro iPhone, em 2007, tudo mudou de uma forma muito rápida. Na antiguidade da comunicação contemporânea as pessoas ouviam rádio de manhã no carro, liam um jornal algures durante o dia, voltavam a ouvir rádio no regresso a casa e depois viam um dos poucos canais de televisão que então existiam. De repente os jornais impressos começaram a decair, substituídos pelas aplicações que tinham as suas edições digitais, nos carros começou a entrar o streaming de aplicações como o Spotify e, mais recentemente, os podcasts; a rádio passou a ser consumida ao longo do dia, também nas horas de trabalho, graças às suas emissões online enquanto a TV se fragmentou em dezenas e dezenas de canais e nas plataformas de streaming, graças à crescente penetração da fibra óptica. No final de 2024 em Portugal, 92 em cada 100 famílias tinham banda larga fixa, e dessas cerca de 68% eram de fibra óptica, que continua a crescer. Tudo isto provoca alterações enormes nos hábitos dos consumidores, de qualquer idade e estatuto social. Hoje em dia a arte - cada vez mais científica e menos intuitiva - está em descobrir quais os pontos de contacto ideais para que cada produto possa eficazmente atingir os seus potenciais consumidores. Não é tarefa fácil entre as solicitações das redes sociais, dos canais de cabo e convencionais e dos websites mais visitados.
Vamos a dados: actualmente os canais FTA (Free To Air, RTP1 , RTP2, SIC e TVI), alcançam em média, no conjunto, 40% do total de espectadores de televisão, enquanto o conjunto dos canais de cabo alcança 40% e as plataformas de streaming outros 20%. Ou seja, 60% dos espectadores não frequentam os canais generalistas, FTA, quando há não muitos anos eles valiam mais de 60% do universo - e a tendência natural é que continuem a perder audiência. Isto tem repercussões na distribuição do investimento publicitário. Se pegarmos nos últimos números disponíveis as televisões FTA têm 33% do investimento publicitário total e estão em queda (chegaram a ultrapassar os 60%), o conjunto dos canais de cabo têm 13% e estão a subir, a imprensa no seu todo tem 1,6% quando chegou a ser o segundo meio em valor de investimento captado, a rádio, tem cerca de 5,6%, o OOH (outdoor, publicidade de rua) tem 16% e tem vindo a subir, a publicidade em salas de cinema vale 0,5% do investimento publicitário total do mercado português e o Digital já passa ligeiramente os 30% e continua aos poucos a crescer. Quanto ao digital convém dizer que há um volume apreciável que não entra nas contas do mercado português porque, apesar de se dirigir aos consumidores portugueses, é comprado junto das grandes operações, Google- Alphabet e Meta- Facebook, nas suas sedes europeias, nomeadamente na Irlanda.
O crescimento do outdoor, que tem sido impressionante nos anos mais recentes, reflecte precisamente a tentativa de contornar a fragmentação das audiências na televisão e no digital. O racional é que a publicidade de rua pode ser vista por toda a gente, os consumidores que estão dispersos pelos canais de cabo, plataformas de streaming ou sites e aplicações da internet. Outra novidade vem da utilização frequente de influenciadores. Eles existem há muitos anos mas as redes sociais proporcionou o seu crescimento exponencial nos anos mais recentes. Mas a aferição dos resultados que obtêm é difícil e os resultados práticos nas vendas são ainda muitas vezes uma incógnita.
Um estudo recente, Influencer Trust Index, da National Advertising Division norte-americana, indica, em relação ao marketing de influência, que apenas 5% dos consumidores inquiridos confia plenamente em influenciadores, 26% dizem que não confiam de todo e 69% admitem confiar de alguma forma. O contraste com os números da publicidade tradicional, incluído no mesmo estudo, mostra as diferenças: 87% dos consumidores inquiridos dizem confiar na publicidade que vêem, e 13 % dizem que não confiam. Os consumidores entre os 25 e os 34 anos são os que menos confiam na publicidade.
Este panorama obriga a voltar à questão do processo de elaboração de uma campanha de publicidade, que, de forma genérica, se divide em duas grandes áreas: a criatividade (que imagina, elabora e produz a publicidade, seja gráfica, digital ou audiovisual); e o planeamento de meios, a estratégia de comunicação integrada, que estuda a melhor forma de conseguir que uma campanha de publicidade atinja os alvos pretendidos em termos de consumidor. Num mundo ideal o cliente podia pedir à sua agência de meios para estudar quais devem ser os meios a utilizar para alcançar os seus objetivos. E a criatividade deveria criar os conteúdos publicitários para os meios escolhidos. Mas isto raramente acontece porque na cabeça de muitos clientes continua a haver um criativo de bancada. O resultado é que muitas vezes surgem conteúdos desadequados à estratégia de meios ideal até porque, a sobrevivência obriga , as agências criativas muitas vezes preferem produzir o que lhes dá maior margem. A luta de classes na publicidade está sempre entre estes dois pólos. a criatividade e o planeamento. Continuo a achar que ver primeiro o mapa para se saber onde quer chegar é mais eficiente do que escolher o veículo em que se faz a viagem Essa continua a ser a grande s questão, cada vez mais decisiva, à medida que a fragmentação aumenta, a tecnologia avança e os ciclos de comportamento dos consumidores mudam cada vez de forma mais rápida. e saber onde eles andam e qual o mix ideal que deve ser usado na comunicação para os impactar com a mensagem é o grande desafio.
Manuel Falcão, Consultor de Estratégias de Mídia

Foi bonita a festa. Havia quem falasse, houve quem cantasse e tocasse. A sala estava cheia e o dia cinzento convidava a um agasalho. Quando a sala se esvaziou e as pessoas se dirigiram para o local onde estavam a ser servidos aperitivos, ficou perdido numa cadeira este casaco. Onde estaria o seu dono? Se os objectos falassem talvez se ouvisse ali, naquela sala agora vazia, a pergunta: onde está o meu dono que me deixou aqui abandonado? Às vezes acontece isto: encontra-se alguém conhecido, que há muito não se vê, e deixamos para trás alguma coisa que trazíamos quando chegámos. Foi, se calhar, assim: trocámos o que tínhamos por uma conversa que desejávamos. E como uma conversa puxa outra e uma cara conhecida nunca vem só, acaba o objecto por ficar sozinho, a quebrar o vazio das cadeiras de uma sala. Ali perto o seu dono envolve-se cada vez mais em palavras e olhares. Os encontros desejados que demoram tempo a ser alcançados, quando se concretizam finalmente, ocupam o espaço da atenção disponível. Não se pensa em mais nada do que dizer o que antes ficou por falar, na esperança que a conversa retomada possa trazer de volta a emoção que antes se sentira e nunca mais se repetira. E o casaco perdido fica ali solitário, no frio da sala vazia, enquanto a conversa que o substituíu envolve quem o deixou para trás. A vida é isto - perdem-se umas coisas quando se encontram outras.

A POLÉMICA DOS ELEFANTES NO ALENTEJO - Na semana passada surgiu a notícia de que numa herdade alentejana, nos concelhos de Vila Viçosa e Alandroal, vai ser criado, em cerca de 400 hectares de montado, um espaço que se intitula como “o maior refúgio” de elefantes reformados da Europa, estando previsto que venha a acolher 24 paquidermes vindos de circos e zoos de vários países europeus, já a partir de 2026. A iniciativa é de uma organização criada no Reino Unido, Pangea. Na cerimónia de apresentação foi anunciado o apoio das Câmaras Municipais de Vila Viçosa e Alandroal, assim como da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. A escritora António Ruivo entrou no debate sobre esta iniciativa e partilhou alguns dados que dão que pensar. Antónia Ruivo sublinha que o montado é um ecossistema produtivo e frágil e os elefantes adultos, cada um com um peso da ordem das quatro toneladas, comprimem o solo, quando os animais repetirem o mesmo trilho todos os dias. “O solo comprimido no Alentejo é solo que não embebe a água, e solo que não embebe será a sentença de morte para o sobreiro. A perda de renascimento natural será uma ferida ecológica que perdurará por décadas.”, afirma Antónia Ruivo. E mais: “a isto acrescentamos o embate direto sobre a fauna e a flora locais já que o trânsito constante de megafauna altera corredores ecológicos, destrói sub-bosques essenciais à reabilitação, afugenta aves nidificantes e força espécies residentes a competir pela água em períodos de seca extrema” . Um elefante adulto bebe 150 a 200 litros de água por dia, podendo chegar aos 250 litros em alturas de grande calor, muito mais que as espécies animais habituais na região. Sublinha também: “A flora mediterrânica adaptada ao Montado não suporta pisoteio continuado. A fauna local não compete com elefantes em contexto de escassez. O resultado previsível é a perda gradual de biodiversidade e a aceleração dos processos de desertificação.” São também de Antónia Ruivo estas palavras: “É preciso que alguém o diga, sem medo de ser classificado como inimigo da fauna ou da piedade universal: o projeto do santuário de elefantes no Alentejo não é um acto de nobreza ética, é um monumento à impulsividade política e um risco”. Resta saber o que dizem de tudo isto as autoridades ambientais e agronómicas locais responsáveis pela defesa do montado.
SEMANADA - No sábado da semana passada o tempo médio de espera para doentes urgentes no Hospital Amadora-Sintra ultrapassou as dez horas e mais de 15 horas para doentes pouco urgentes; a 30 de junho deste ano havia um milhão de pessoas à espera da primeira consulta de especialidade no SNS, mais 20% que um ano antes; milhão e meio de pessoas continuam sem médico de família; o Conselho de Finanças Públicas alertou que não foi dada fundamentação cabal para a redução projectada nas despesas com Saúde no Orçamento de Estado para 2026; 60% dos alunos das quatro escolas de medicina dentária do país são estrangeiros; os cursos de português para obtenção de nacionalidade estão esgotados e há imigrantes que têm de fazer os exames noutros países; a dívida pública portuguesa está a aumentar há três trimestres seguidos; os partidos apresentaram 2176 propostas de alteração ao Orçamento de Estado, um novo recorde; em semana da Web Summit vale a pena recordar que em cinco anos, foram concedidas apenas 490 autorizações pelo regime especial criado para atrair imigrantes empreendedores e fundadores de startups.
O ARCO DA VELHA - A organização da Web Summit montou uma barraca debaixo da pala do Pavilhão de Portugal, um edifício desenhado por Siza Vieira e classificado como Monumento de Interesse Público. A barraca foi autorizada pela Câmara Municipal e pela Reitoria da Universidade de Lisboa, que gere o espaço.

MESA DE CABECEIRA - “A Corte das Mulheres”, de André Canhoto Costa, relata a presença de influentes mulheres na corte portuguesa entre 1495 e 1578, período que abrange os reinados de D. Manuel I e D. Sebastião. Foram amantes de livros, apaixonadas pela improvisação poética, cantoras afeiçoadas aos bailes, exímias dançarinas, rodopiando em salas, tocando alaúde, improvisando versos, dando conselhos a ministros e embaixadores, argumentando diante dos doutores. Na Corte das Mulheres brilharam nomes como Joana Vaz, Públia Hortênsia de Castro, Luísa Sigeia, Paula Vicente ou Francisca de Aragão, entre outras. Edição Quetzal. “Construtoras de Impérios” é outro livro sobre a presença das mulheres na nossa História e mostra o seu protagonismo na construção do império colonial português. Esta obra mostra que a expansão ultramarina portuguesa não foi uma mera história feita por homens, foi também obra de mulheres, portuguesas e autóctones, com papel activo na política, na economia e na sociedade - em Portugal e em espaços ultramarinos. O livro baseia-se na investigação de um grupo de autores, coordenados por Amélia Polónia. Edição Temas e Debates.

PENSAMENTO - A Presses Universitaires de France (PUF) confiou a três prestigiados académicos franceses, Emmanuelle Hénin, Xavier-Laurent Salvador e Pierre Vermeren a coordenação de uma obra sobre os excessos do wokismo, no quadro de um debate intelectual consistente. Assim nasceu o livro “Face ao Obscurantismo Woke”. Os três coordenadores convidaram mais de duas dezenas de cientistas, filósofos, historiadores, engenheiros, e médicos que se debruçaram sobre o mecanismo religioso e fanático que marca a pseudociência woke. Quando começaram a circular informações sobre o livro uma violenta campanha de imprensa acusou as PUF de estarem ao serviço da extrema direita e desta obra ser financiada por esse sector político. A edição chegou a estar suspensa até que se provou a seriedade e independência do trabalho, ultrapassando a censura e pressões políticas e intelectuais que pretendiam silenciar este livro - nada que surpreenda nos defensores do wokismo. Nascida nos departamentos de ciências humanas, a pseudociência militante woke invade a medicina e as ciências exactas, pretendendo impor-se através da intimidação e rejeitando qualquer crítica. O livro mostra como o wokismo representa hoje um profundo recuo da racionalidade e do universalismo. Edição Guerra & Paz.

PINTURA E IRONIA - Pedro Casqueiro é um pintor português contemporâneo com obra em algumas das mais importantes colecções institucionais e privadas e integrou um dos vários grupos informais de artistas que frequentaram a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa nos anos 80. São dele estas palavras numa entrevista ao jornal “Público”: “Durante muitos anos não houve pintores e em certas alturas a pintura foi esquecida. É um trabalho mais solitário e demorado e talvez muitos artistas não estejam à altura ou talvez estejam todos fartos de pintar”. Casqueiro não está farto, este ano mostrou novos trabalhos na Galeria Miguel Nabinho e agora, até dia 6 de Abril, o MAAT apresenta,no edifício da antiga Central eléctrica, uma exposição antológica , “Detour”, com cerca de 80 obras que percorrem o percurso artístico de Casqueiro entre 1985 e 2025, entre as quais este “Sweater”, de 2018 que aqui se reproduz. João Pinharanda, que comissaria a exposição, sublinha que os trabalhos expostos mostram a grande variedade da sua produção, o uso da cor, a figuração e não figuração e a utilização da palavra pintada. A obra de Casqueiro tem frequentemente uma inspiração arquitectónica, noutras utiliza formas geométricas, por vezes evoca a banda desenhada e algum imaginário da pop art, com uma presença de humor e ironia que são também uma das suas imagens de marca.

ROTEIRO - Na Galeria Fernando Santos, no Porto, inaugura dia 15 “Endscape”, uma exposição de fotografia de Luís Campos, de grande formato, a preto e branco, As fotografias antecipam um mundo depois do fim, paisagens sem humanos, sem animais, apenas com vestígios da natureza (na imagem). Restam rochas, desertos, árvores queimadas ou fossilizadas, glaciares em dissolução e vestígios da nossa passagem soterrados na areia, imagens de uma destruição que ameaça a nossa extinção enquanto espécie. A exposição fica até 11 de Janeiro, na Galeria Fernando Santos, Rua Miguel Bombarda 526, Porto. No Centro de Artes Villa Portela, em Leiria, está patente até 28 de Fevereiro uma nova exposição individual de João Paulo Feliciano, resultado da coleção da Fundação de Serralves. “Subir ao Palco/Back Home”, tem curadoria de Joana Valsassina, reúne obras de João Paulo Feliciano desde os anos 90 até 2025. E em Lisboa a Galeria Diferença mostra uma exposição de pintura de Bettina Vaz Guimarães com o título “Cartografia do Olhar” e outra de escultura, de Maria Ribeiro, “Argamassa”. A Diferença fica na Rua de S. Filipe Nery 42, ao Rato.

UM DISCO A NÃO PERDER - Com “Lux”, o novo álbum da espanhola Rosalia, a cantora atinge um novo patamar graças a uma produção cuidada, ao leque de colaborações que conseguiu juntar e, sobretudo, ao seu trabalho de composição. As edições físicas do disco têm 18 temas, as digitais, em streaming, apenas 15. No disco colaboram nomes como, Bjork, a portuguesa Carminho, Estrella Morente, Sílvia Perez Cruz, Yahritza y su Esencia e também Yves Tumor. Composto ao longo de dois anos, as letras foram escritas por Rosalia em 14 idiomas diferentes - além do catalão e do castelhano que são as línguas nativas da cantora, há canções em árabe, inglês, francês, alemão, italiano, hebraico, japonês, latim, mandarim, português, siciliano e ucraniano. Trabalho profundamente místico, em que Rosalia canta os seus amores e a sua relação com a religião, cada idioma foi escolhido para evocar a vida de uma santa distinta. Rosalia assegurou que todas as letras fossem revistas para não conterem erros e aprendeu a cantá-las nesses idiomas, com as pronúncias e técnicas vocais necessárias para cantar em cada língua. O tema interpretado por Rosalia e Carminho, “Memória”, conta com a participação do Coro de Cambra del Palau de la Musica Catalana e da Escolania de Montserrat.e à semelhança de todo o álbum foi gravado com a Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida por Daniel Bjarnason. “Lux”, o quarto álbum de Rosalia, é o mais surpreendente dos seus trabalhos. Disponível nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Os partidos populistas aparecem quando os partidos tradicionais deixam de fazer o que lhes compete na segurança, na imigração, na corrupção” - João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã.
BACK TO BASICS - “Competição não rima com arte” - Maria João Pires
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS

Nesta altura do ano sonho com o barulho das cascas das nozes a estalar, quando, ao abrirem-se, desnudam aquelas asas deliciosas que sinalizam o Outono. Esta é também a estação do ano dos sabores únicos e frescos dos sedutores bagos de romã, da excitante marmelada recém cozinhada, das castanhas assadas a fumegar na rua. Uma prova da perfeição da natureza é perceber como estes sabores e odores se completam na perfeição. Posso imaginar-me a partir nozes durante uma tarde, com cuidado, sem as esmigalhar, enquanto intercalo com um pedaço de marmelada. Com sorte incluo neste bacanal outonal umas castanhas assadas, ainda mornas, abertas ao meio e com uma leve camada de manteiga dos Açores, da boa. E remato tudo com uns bagos de romã que trinco com volúpia. O verdadeiro e simples prazer das coisas do campo encontra-se na sua melhor forma nesta estação do ano. Nas outras há boas frutas, mas talvez seja o Outono aquela estação que tem em si o conjunto mais rico e explosivo para as nossas papilas gustativas. O mais curioso de tudo é que estas delícias, sendo boas por si sós, são tão ricas que partilham o que de melhor têm quando são misturadas com outras delícias numa salada, assadas no forno ao lado de uma peça de carne, ou servindo de companhia a um queijo bem curado. E não me esqueço das romãs, essas pérolas de prazer que alma gentil me descasca, salvaguardando-as num frasco de vidro que fica no frigorífico para eu ir assaltando ou para começar o dia da melhor forma, misturando-as no meu iogurte matinal. A vida feita de coisas simples pode ser boa. Nós é que muitas vezes a complicamos.
(estes pensamentos estão semanalmente em sapo.pt)

ESTE PAÍS - Na edição desta semana do semanário “Sol”, o jornalista José Cabrita Saraiva fez uma entrevista com um guarda prisional da penitenciária da Carregueira. Vou citar um excerto dessa entrevista: “No caso da Carregueira estamos a falar de uma prisão que foi planeada para 500 reclusos e já vai nos 800. O que era uma cela para 4 pessoas passou a ser para 5, 6 ou 8. (...) É como se fosse uma cidade que está a ficar sobrepovoada. Você não tem uma enfermaria maior, não tem um pátio maior, não tem um refeitório maior, não tem nada maior. Mas tem mais reclusos. Menos guardas e mais reclusos.” Leio estas linhas e é impossível não pensar que este é também o retrato do nosso país hoje em dia. Temos mais gente mas no funcionamento do Estado tudo diminui: faltam professores, faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam políticas eficazes de habitação. A culpa não é só deste Governo, bem entendido: é de uma sucessão de anos de má governação em que ninguém olhou para a realidade que se desenhava e que inevitavelmente produziria este resultado, apesar de muitos avisos terem sido feitos. O que na realidade acontece é que o Estado tem obrigação de assegurar que áreas cruciais como a saúde e a educação funcionem e deve desenvolver políticas que estimulem a habitação social. Nada disto está a ser feito e o novo Orçamento de Estado prevê mais cortes que vão piorar ainda mais a situação nestas áreas. Não se trata de seguir a conversa, que está na moda, de os portugueses se sentirem estrangeiros no seu país. É mais ao contrário: temos um Estado desligado do país e de quem cá vive.
SEMANADA - Segundo o bastonário da ordem dos médicos todos os anos saem 800 médicos de Portugal; quatro milhões de portugueses têm seguros de saúde; as famílias portuguesas gastam 20 milhões de euros por dia em despesas relacionadas com a saúde; o Governo deixou cair do PRR o novo Hospital Oriental de Lisboa, 18 centros de saúde, 3550 camas na rede de cuidados continuados e paliativos; na área da Cultura foram retirados 15 milhões de euros do PRR que se destinava a livrarias, apoios à tradução e edição de de obras literárias e digitalização de arquivos audiovisuais; o reforço e alargamento da cobertura das escolas com redes de wi-fi também foi retirado do PRR; trabalham hoje em Portugal 5,624 milhões de pessoas, o valor mais alto desde 1998; segundo promotores imobiliários a aprovação de novos empreendimentos é mais ágil no Porto do que em Lisboa, o que leva à fuga de investimentos na capital na área da habitação; os bancos portugueses concederam 18 mil milhões de empréstimos para a compra de casa nos primeiro oito meses do ano, um valor sem precedentes; os impostos sobre a habitação representam 80% da receita fiscal das autarquias; as exportações portuguesas caíram 0,1% no terceiro trimestre e as importações cresceram 5.2%; a dívida pública atingiu um novo máximo histórico de 294,3 mil milhões, ou seja cerca de 27 mil euros por habitante; há mais de 1200 horários ainda por preencher nas escolas; as polícias portuguesas apreenderam dez toneladas de cocaína em seis meses, o valor mais alto de sempre.
O ARCO DA VELHA - Mais de 30% da violência doméstica registada pela PSP no primeiro semestre é de filhos contra pais.

A SEDUÇÃO DA MONOTIPIA - A nova exposição de Ana Jotta e Jorge Nesbitt, que já têm um histórico de colaboração, tem um título baseado na música de Robert Wyatt, “Black Pudding”. Na realidade a exposição, que está patente na Galeria Miguel Nabinho, tem três momentos. O primeiro, e que está exposto (na foto), é constituído por um mural em rolo de papel, com a dimensão de 14 metros, no qual os artistas imprimiram monotipias a partir de linóleos previamente usados noutras circunstâncias. O segundo momento é uma série de 13 trabalhos feitos em papel japonês, também com monotipias e marcador com dimensões aproximadas de um metro por 1,60 m. E o terceiro é um conjunto de duas dezenas de livros de artista, com capa em serigrafia, reproduzindo um poema de um monge irlandês do século IX, e cada um tem dentro um desdobrável, prova única de monotipia e marcador em papel japonês, com 30 cm x 1,75 m. O grande mural exposto está concebido (e marcado) para poder ser vendido em segmentos de um metro. A exposição fica patente até final de Novembro na Galeria Miguel Nabinho, Rua Tenente Ferreira Durão 18.

AMORES CRUZADOS - Can Xue é considerada a maior escritora chinesa contemporânea, tem um novo romance editado em Portugal - “A Última Amante”, uma história de amores cruzados repleta de ironia. No romance desfila um conjunto de maridos, esposas e amantes, entrelaçados em relações complicadas. As personagens envolvem-se nas fantasias umas das outras, mantendo conversas que são autênticos jogos de adivinhação. Can Xue escreve sobre o desejo humano colocando as personagens em bares decadentes e ruas escondidas. O romance está repleto de personagens fabulosas, como Joe, vendedor de uma empresa de vestuário num país ocidental desconhecido, e a sua mulher, Maria, que realiza experiências místicas com os gatos e as roseiras da casa. Reagan, cliente de Joe, tem um caso com Ida, uma funcionária da sua plantação de borracha, enquanto Vincent, dono de uma loja de roupa, foge da mulher em busca de uma mulher de negro que desaparece sucessivamente. É no fundo um romance sobre a busca pelo amor, às vezes ingénua, outras desamparada. Edição Quetzal.

MESA DE CABECEIRA - Os dois livros que destaco esta semana têm ambos um prefácio de Paulo Portas. Começo por “Algoritmo Cracia”, de Adolfo Mesquita Nunes. O subtítulo é “Como a IA está a transformar as nossas democracias” e Paulo Portas afirma que “este é um livro essencial para quem quer perceber a política dos nossos dias”. Mesquita Nunes é um advogado que tem estudado e trabalhado nos desafios jurídicos que as novas tecnologias e em particular a IA colocam. O autor sublinha que a Inteligência Artificial não é apenas uma inovação tecnológica, mas um dos maiores desafios à sobrevivência das democracias liberais” (edição D. Quixote). O outro livro é uma segunda edição, actualizada e aumentada, que conta o percurso de Rui Pedro Bairrada, “De Estafeta a CEO e de CEO a Chairman”, fundador da Doutor Finanças, uma empresa de intermediação de crédito que promove a literacia financeira. No seu prefácio Paulo Portas destaca três atitudes de Rui Pedro Bairrada que o impressionaram:” a disposição para mudar profissionalmente, a disposição para fazer uma introspecção com humanismo terapêutico e a disposição para partilhar experiências e vivências” (edição Contraponto)

NOVAS DESCOBERTAS DE DYLAN - “Through the Open Window” é a 18ª edição de gravações inéditas e piratas de Bob Dylan, conhecida por “The Bootleg Series”. Neste caso grande parte são gravações efetuadas quando Dylan tinha apenas 20 anos, pouco depois de chegar a Nova Iorque. A edição é uma caixa com oito discos baseada nas sessões de estúdio feitas em finais de 1961 para gravação do seu primeiro disco, com o produtor John Hammond. Ali estão gravações não aproveitadas dessas sessões, entre elas uma versão desconhecida do tradicional “Man of Constant Sorrow”, que Dylan tinha ouvido na voz de Judy Collins. Mas este conjunto de gravações vai mais longe e abarca o período entre 1956 e 1963, incluindo a primeira gravação conhecida de Robert Zimmerman, feita numa loja de música, uma versão de “Let The Good Times Roll”. Na realidade este conjunto de discos ajuda a seguir o percurso de Dylan, do Midwest até Nova Iorque, com registos efectuados em pequenos clubes, em casa de amigos e até em manifestações, cantando temas de Woody Guthrie. Ao todo há 48 faixas completamente inéditas, incluindo gravações da sua actuação no Gerde’s Folk City em 1961, o local onde um crítico do New York Times o ouviu e depois escreveu um texto que lançou a carreira de Dylan. A caixa, compilada por Steve Berkowitz e Sean Wilentz, encerra com a gravação integral do seu concerto no Carnegie Hall. Disponível nas plataformas de streaming.

ALMANAQUE - Esta semana o destaque vai para o leilão que a Cabral Moncada realiza em Lisboa no dia 10 de Novembro e que tem 217 obras de referência, 86 das quais provenientes da Colecção João Esteves de Oliveira. Coleccionador, galerista, mecenas, amante das artes e das letras, João Esteves de Oliveira (1946-2023) nasceu no Porto, estudou Economia e teve uma longa carreira na Banca internacional antes de se tornar um galerista de referência e uma figura incontornável no mercado Português de Arte Moderna e Contemporânea. Durante os tempos em que trabalhou na Banca, viveu em Londres e Paris, visitou galerias, museus e antiquários e criou relações de amizade com vários artistas, nomeadamente Júlio Pomar e Jorge Martins que, mais tarde, tiveram um papel relevante na galeria. Na sequência da reestruturação do sistema financeiro em Portugal, abandonou a Banca, e abriu a sua galeria “João Esteves de Oliveira Trabalhos sobre papel, Arte Moderna e Contemporânea”. A sua missão era promover as obras sobre papel, independentemente das técnicas utilizadas nesse suporte, o que era inédito no panorama artístico português da época. No texto que escreveu para o catálogo do leilão, Isabel Andrade Dias, que trabalhou com o galerista durante quase duas décadas, sublinha que “a atividade de João Esteves de Oliveira foi determinante para a valorização do trabalho sobre papel, conferindo-lhe uma visibilidade e um reconhecimento que até então lhe haviam sido recusados”. E prossegue: “segundo Pedro Cabrita Reis, pela mão de JEO o desenho deixou de estar guardado nas pastas dos ateliers dos artistas e ganhou autonomia e identidade”. Da sua colecção sobressaem obras de artistas com carreiras relevantes na arte contemporânea: Ana Jotta, José Loureiro, José Pedro Croft, Julião Sarmento (na imagem está a sua obra que vai a leilão), Pedro Cabrita Reis, Jorge Queiroz, Jorge Pinheiro, Fernando Calhau, António Sena, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, Joaquim Bravo, Manuel Caldeira, Jorge Nesbitt, Marco Pires e Vasco Futscher, entre outros. O leilão, presencial, decorre na sede da Cabral Moncada, Rua MIguel Lupi 12D, no dia 10 pelas 18h00.
DIXIT - Cada vez há menos portugueses a acreditar que os dirigentes do PS não soubessem nada sobre o modo como Sócrates exercia o poder e beneficiava dele” - João Marques de Almeida, no “Sol”.
BACK TO BASICS - “Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina” - Nelson Rodrigues.
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Há um ditado popular que volta e meia me vem à memória quando sou defrontado com uma coisa inesperada: “quem não tem cão, caça com gato”. Foi isso mesmo que pensei quando me deparei com este pequeno lago no meio de Amieira do Tejo, uma aldeia do concelho de Nisa. Nesse lago as figuras principais, que me atraíram o olhar, são estes patos de plástico. Foi a solução possível para o lago ser habitado e não ficar ali vazio, só com a água e os limos que sempre vão crescendo. Lembrei-me de perguntar à Inteligência Artificial de onde vem este ditado popular e que quer ele dizer. A resposta veio pronta, e aqui a reproduzo: “A expressão "quem não tem cão caça com gato" significa usar meios alternativos quando não se tem o ideal para atingir um objetivo. Há uma outra versão, que usa a expressão "caça como gato", uma invenção recente que, embora faça sentido por valorizar a astúcia do gato, não é a forma histórica. A forma "com gato" está atestada em textos do século XIX, incluindo obras de Machado de Assis, enquanto a versão "como gato" só apareceu muito mais tarde. E assim, olhando para o pequeno lago, vendo os seus patos plásticos, acabei por descobrir que o grande Machado de Assis, esse expoente da literatura brasileira do século XIX também se viu levado a pensar no gato. Eu por mim, depois de ficar ali um bocado a namorar o lago, saí a trautear “todos os patinhos sabem bem nadar”....
os pensamentos estão ás sextas em sapo.pt

UM PAÍS INVISÍVEL - Uma das questões mais graves da política cultural portuguesa é a fraca visibilidade no estrangeiro dos nossos artistas e das suas obras, excepção feita aos esforços de entidades privadas que asseguram presença em festivais de cinema, feiras de arte contemporânea ou festivais literários. Ao contrário de outros países, as embaixadas portuguesas têm muito pouca actividade nesta área cultural, resultado de um misto de esclerose do Instituto Camões com falta de verba, falta de dinamismo e criatividade por parte dos embaixadores e dos adidos culturais. Há excepções, Paris é uma delas, Madrid também, mas pouco mais. Ou seja, a divulgação da criação artística portuguesa no exterior não é uma preocupação e uma prioridade, é fruto das circunstâncias e de vontades individuais esporádicas. O mesmo se pode dizer em relação à actividade do serviço público audiovisual nesta área, mais vocacionado para as estrelas fugazes do que para a criação de um acervo que testemunhe o presente para gerações futuras. A criação de documentários sobre grandes nomes da cultura portuguesa é praticamente inexistente, o que tem reflexos nas iniciativas possíveis de dinamizar no exterior. Há uma linha comum nisto tudo: a inexistência de uma política cultural com objetivos e rumo conhecidos. Há iniciativas pontuais, muito fogo de artifício mas pouco trabalho consistente e continuado. A presença cultural de um país no exterior é um barómetro daquilo que os respectivos governos fazem dentro de portas. Se preferem fogachos a um trabalho sério e consistente os resultados não são bons nem interna nem externamente. O que falta na política cultural em Portugal é um desígnio, uma estratégia que sirva o país e que permita desenvolver a percepção da nossa imagem em termos internacionais. Hoje em dia um país sem uma política pública que dinamize uma produção audiovisual que espelhe a sua realidade criativa não existe neste novo mundo digital. Nesta matéria, infelizmente, caminhamos para a invisibilidade. Esta ausência de desígnio e de estratégia é o mal maior da situação da Cultura em Portugal.
SEMANADA - Na habitação o preço por metro quadrado pago por estrangeiros em Lisboa é 60% superior ao que é pago por compradores com domicílio fiscal em Portugal; a AIMA atribuiu 386.463 autorizações de residência até 22 de outubro deste ano, mais 60% do que no mesmo período de 2024; os portugueses continuam a não conseguir poupar e 64% afirmam conseguir guardar menos de 10% do seu salário líquido enquanto 36% dizem não conseguir poupar sequer 5% do que recebem; segundo a Marktest 3,7 milhões de pessoas apostaram na lotaria ou outros jogos de sorte nos últimos 12 meses, o que representa 49,8% dos residentes em Portugal; os estudantes portugueses de 15 e 16 anos consomem menos álcool, tabaco e substâncias ilícitas que a média dos seus congéneres europeus, mas envolvem-se mais em jogos de apostas a dinheiro; os crimes contra idosos aumentaram 26% entre 2020 e 2024, ano em que 42.313 pessoas com 65 ou mais anos foram vítimas; mais de vinte viaturas são roubadas todos os dias em Portugal; segundo a Marktest a rede social X/Twitter foi a mais abandonada no último ano pelos portugueses que utilizam redes sociais, na segunda posição ficou o Snapchat e na terceira o Facebook; o mesmo estudo revela que quase 24% dos utilizadores destas plataformas em Portugal abandonaram pelo menos uma rede no último ano.
O ARCO DA VELHA - Meia centena de bebés foram abandonados à nascença ou nos primeiros seis meses de vida entre 2019 e 2024.

IMAGENS QUE MARCAM - Até 29 de Novembro pode ser vista em Lisboa, na galeria Ochre Space, a obra de um dos maiores fotógrafos contemporâneos, o chinês Lu Nan, que integra a prestigiada agência Magnum e vive em Pequim. O seu trabalho resulta de observações prolongadas dos temas que aborda. Nesta exposição pode ser vista a série que realizou sobre as prisões e condições de detenção no norte da Birmânia, realizada ao longo de três meses em 2006. Estão expostas 63 fotografias, imagens duras, por vezes quase chocantes, mas incontornáveis e que permitem documentar a realidade que se vive nesses locais. Ao mesmo tempo a galeria projecta num vídeo de 28 minutos a totalidade das imagens do seu trabalho mais conhecido, “Trilogy”, que engloba as séries “the Forgotten people”, 56 fotografias sobre a doença mental na China, “On the Road” , 60 fotografias sobre a presença da igreja católica na China e “Four Seasons”, 109 fotografias sobre a vida diária dos camponeses tibetanos. Estas fotografias foram realizadas entre 1989 e 2004, ao longo de um intenso trabalho de 15 anos focado na condição humana. “Trilogy” está editado num livro que inclui as três séries e que está disponível na galeria. João Miguel Barros, que dirige a Ochre Space e fez a curadoria desta exposição, sublinha que a obra de Lu Nan “é uma síntese rara entre ética, estética e espiritualidade.” Lu Nan, prossegue” não nos oferece imagens para consumir - oferece-nos imagens para contemplar, para escutar, para encontrar”. A Ochre Space, fica na Rua da Bica do Marquês 31A, à Calçada da Ajuda, e está aberta quartas e sábados das 15h00 às 18h30.

MESA DE CABECEIRA - Esta semana trago dois livros que nos permitem conhecer melhor o planeta e a sua História. “A Rota do Ouro - Como a Índia Antiga transformou o mundo” relata como durante um milénio e meio, a Índia exportou a sua civilização diversificada e criou à sua volta um vasto império de ideias. A arte indiana, as religiões, a tecnologia, a astronomia, a música, a dança, a literatura, a matemática e a mitologia cruzaram o mundo ao longo de uma Rota do Ouro, que se estendia do Mar Vermelho ao Oceano Pacífico. O jornalista norte americano William Dalrymple recorda a posição da Índia enquanto coração da antiga Eurásia. Relata como a Índia transformou de facto o mundo, do maior templo hindu em Angkor Wat ao budismo da China, do comércio que ajudou a financiar o Império Romano à invenção dos números que usamos na atualidade (incluindo o zero). O autor mostra que a Índia marcou a cultura e a tecnologia não só do mundo antigo, como também do mundo de hoje. Edição D. Quixote. O outro livro, “Pólo Norte, história de uma obsessão” , é escrito por Erling Kagge, um explorador norueguês e a primeira pessoa a ter conseguido atingir os três pólos: o Pólo Norte, o Pólo Sul e o pico do Evereste. O Pólo Norte foi durante séculos um mistério e só há uma centena de anos começou de facto a ser melhor conhecido. Ali, no limite setentrional do planeta, há um único nascer do sol por ano, e o dia dura seis meses; depois, o sol põe-se, e a noite dura outros seis. Erling Kagge fez a sua primeira expedição ao Ártico em 1990, com Børge Ousland e a mais recente ocorreu em 2023 e permite-nos conhecer melhor a natureza no lugar que é considerado o mais inóspito do planeta. O livro tem uma enorme actualidade , já que nunca como hoje o Ártico, a Gronelândia e o Pólo norte estiveram nas primeiras páginas dos jornais e nos grandes debates de geopolítica. Edição Quetzal.

ROTEIRO - A Galeria Ratton apresenta até final de Dezembro a exposição “Correspondências”, que assinala os 38 anos da Galeria Ratton, celebrando azulejos criados por Menez, Graça Morais, Virgínia Fróis e Júlio Pomar. A Ratton tem uma actividade centrada no azulejo e tem trabalhado regularmente com alguns dos maiores artistas portugueses. Na imagem um painel com quatro azulejos de Júlio Pomar. Na galeria pode ainda ver, além desta exposição, algumas obras do seu extenso e importante acervo. No grande hall do MACAM está patente “Juliet and Juliet”, de Isabel Cordovil, a segunda parte do projecto Murmur que integra o programa de exposições temporárias do museu com a apresentação de obras de artistas portugueses e estrangeiros concebidas especialmente para aquele local. Isabel Cordovil apresenta uma instalação em torno da identidade, entre a herdada e a desejada, com curadoria de Carolina Quintela.

OS BLUES, SEMPRE - O saxofonista Charles Lloyd tem um novo disco, “figure in blue, memories of duke” , um dos seus melhores registos recentes. Acompanhado por Jason Moran no piano e por Marvin Sewell na guitarra, Lloyd apresenta 14 temas, predominantemente influenciados pelos blues, ao longo de hora e meia. Entre baladas como “Hina Hanta, the way of peace” e a sonoridade própria dos blues do delta do Mississipi, como Chulahoma”, o disco é uma homenagem a Duke Ellington, em temas como “Black Butterfly” and “Heaven.” e inclui originais de Lloyd além de versões de temas clássicos do jazz e dos blues como em “Blues for Langston”, “Abide for Me”. A forma de tocar guitarra de Sewell, recorrendo ao uso de bottleneck, um clássico dos blues do Mississipi, é uma preciosa contribuição para este disco e o piano de Jason Moran completa o trabalho do trio. A última faixa do disco é “Somewhere”, um tema de Leonard Bernstein para “West Side Story” , aqui numa versão notável. Este é o 12º disco de Charles Lloyd para a editora Blue Note e está disponível nas plataformas de streaming.

ALMANAQUE - Até dia 31 de Janeiro está patente na Lisboa Social Mitra, ao Beato, a exposição “Francisco Sá Carneiro e a Construção da Democracia Portuguesa”, organizada pela Associação Cultural Ephemera, com curadoria e textos de José Pacheco Pereira. A exposição pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 14 às 18 horas, e aos sábados, domingos e feriados das 10 às 18 horas. Ali podemos seguir o que foi a vida pública de Francisco Sá Carneiro com três grandes núcleos temporais e documentais: antes do 25 de Abril, do período revolucionário até à consolidação do regime democrático e, por fim, o legado político do fundador do PPD. São também apresentados documentos inéditos pertencentes ao Arquivo Ephemera e um dos pontos altos é o espólio de Sá Carneiro, guardado pela sua secretária pessoal, Conceição Monteiro, que conservou grande parte dos documentos, pela primeira vez agora revelados ao público.
DIXIT - Todos os fundadores (do PPD) consideravam uma questão de fronteira, uma “linha vermelha” como agora se diz, o seu partido não ser um partido de direita, mas um partido de centro-esquerda (…) como Sá Carneiro sempre repetiu até à morte” - José Pacheco Pereira, no Público.
BACK TO BASICS - “A liberdade é importante, mas tão importante quanto a liberdade são a solidariedade e sermos capazes de lutar pela igualdade” - Francisco Pinto Balsemão
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS

Amada por uns, temida por outros e odiada por mais uns tantos, a chuvinha voltou a entrar nas nossas vidas, um mês depois de o Outono se ter manifestado. Foi para já uma chuva tímida, a preparar as mentes para o inverno que ainda está a meio do seu sono. Um bom dia para ir a um restaurante de bairro, ao lado de casa, onde servem umas febras como eu gosto, finas, grelhadas e estaladiças, acompanhadas por umas batatas fritas naturais sem vestígio de congelador. É meio dia e meia e a casa já está cheia. Estão televisões ligadas num canal de notícias nas duas pontas da sala: enquanto duram as notícias de futebol a atenção dos comensais está mais nos ecrãs que nas bochechas estufadas, que eram o prato do dia. Desaparece o futebol retomam as conversas. De Paris vêm duas notícias: a prisão de Sarkozy com uma Carla Bruni chorosa a dizer-lhe adeus; e logo depois o relato de um tufão que deixou um rasto de destruição em Paris. Sobre a primeira notícia na mesa ao lado ouvi duas raparigas a exclamar “coitada, e tão gira ainda, olhem que cinco anos preso é muito tempo”; e, sobre a outra notícia, ouço apenas um desabafo, masculino por sinal: “já não se pode confiar no tempo, está tudo a mudar, por este andar, depois desta chuvinha de hoje ainda vem para aí um nevão”. Lá fora estavam 21 graus. Tomo o meu café e saio para a rua. Debaixo do toldo do restaurante duas freguesas fumam daqueles cigarros modernos que deitam enormes nuvens de vapor perfumado a tabaco. Fujo dali, escapei ao cheiro da fritura das batatas, não me apetece levar com este em cima. A chuva é pouca, daquela que molha parvos. Assumo a minha humilde condição e lá vou molhar-me.

EXEMPLOS AUTÁRQUICOS - Agora, depois das autárquicas, em que os eleitores escolheram quem querem a governar as suas terra é tempo de deitar mãos à obra, estudar para além dos seus genéricos programas eleitorais e procurar bons exemplos. Trago dois exemplos: uma grande cidade, capital de um país, e outra mais pequena, de outro país, também da Europa, mas mais a sul. A primeira cidade é Copenhaga, a capital da Dinamarca. A segunda é Montpellier, no sul de França, a uma escassa dezena de quilómetros do mar mediterrânico. Copenhaga foi nomeada em Junho como a cidade mais habitável do mundo, num ranking do Global Liveability Ranking, da revista The Economist, que analisou 173 cidades. Copenhaga teve pontuação alta em estabilidade, educação, infraestruturas, saúde, cultura e meio ambiente. O estudo sublinha que Copenhaga conseguiu a “harmonia entre o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento urbano”. Estatísticas oficiais dinamarquesas indicam que mais de um terço dos edifícios habitacionais de Copenhaga pertencem a cooperativas e a evolução dos seus preços tem um efeito regulador sobre o resto do mercado, travando a especulação imobiliária. Este modelo permite ainda que as cooperativas proprietárias dos edifícios impeçam a sua utilização por alojamentos locais turísticos. Ao mesmo tempo as autoridades municipais estimularam a criação de apartamentos para a terceira idade em regime de de utilização comum, o “senior cohousing”. Em Montpellier, uma cidade da província, o número de habitantes cresce e a economia desenvolve-se. Michel Delafosse, o Presidente da Câmara, tem 48 anos, é considerado um potencial candidato presidencial em França e tem sido o responsável pela transformação da cidade, que hoje em dia é um exemplo de urbanismo de vanguarda, com uma nova zona de crescimento económico, a Cidade Criativa, que ficará pronta em 2027. Numas antigas instalações militares, agora desocupadas, disponibilizou 10.000 metros quadrados para estúdios de artistas e áreas de exposição e cosntruíu 2500 novas casas, um terço das quais destinadas a habitação social. E certamente existirão mais exemplos além destas duas cidades. Basta investigar, aprender com os melhores. E fazer de facto, em vez de dizer que se quer fazer.
SEMANADA - Os estudantes do Ensino Superior falharam o pagamento de mais de 36 milhões de euros em propinas às principais universidades e politécnicos públicos, um valor acumulado dos últimos três anos lectivos; 20% dos estudantes do ensino superior frequentam instituições privadas; entre 2019 e 2024 os preços de restauração e alojamento em Portugal subiram 31,4%, bem acima da média de 19,7% dos principais países da europa do sul; dois em cada cinco residentes em Lisboa são estrangeiros; no final de 2024 residiam em Portugal milhão e meio de estrangeiros, 85% dos quais em idade activa; os imigrantes são 17% da força de trabalho; o índice de preços na habitação disparou 22,8% no espaço de um ano e 6.9% face ao trimestre anterior; vários bancos consideram que o crescimento dos preços da habitação, que mais que duplicaram nos últimos dez anos, pode não ser sustentável e constitui um risco de crédito; cada português produziu 519 quilos de lixo em 2024; a potência eléctrica pedida pelos centros de dados que estão em projecto supera toda a capacidade de produção de energia eléctrica actual em Portugal; mais de metade dos docentes portugueses tem mais de 50 anos; o número de alunos nas escolas portuguesas aumentou 30% nos últimos cinco anos; um estudo da Universidade da Beira Interior indica que mais de metade do país corre o risco de ficar sem cobertura jornalística e indica que cresce o número de concelhos sem órgãos de comunicação social que acompanhem a realidade local.
O ARCO DA VELHA - Na proposta de Orçamento de Estado para 2026 o peso dos impostos indirectos na receita fiscal atinge 53,5% , o valor máximo da década.

UM POLICIAL COMO DEVE SER - O título deste romance policial é todo um programa: “A Solidão do Manager”. Trata-se do oitavo livro publicado por Manuel Vásquez Montalbán, em 1977, a época da transição da Espanha do regime franquista para a democracia. É, claro, uma investigação do detective Pepe Carvalho, o personagem criando por Montalbán, um nativo de Barcelona, que mistura ter pertencido ao partido comunista, ter sido agente da CIA e assumidamente ser um gastrónomo que nos deixa as receitas dos petiscos que cozinha noite fora enquanto matuta na investigação que está a fazer naquela altura. A sua escrita é irónica, reflecte os ventos políticos dessa época em Espanha, sobretudo na Catalunha. Neste livro Carvalho e o seu indispensável ajudante Biscuter procuram esclarecer o assassinato de um gestor, catalão, de uma multinacional, depois de ter descoberto que nas contas da empresa falatavam 200 milhões de pesetas - ainda não havia euro na época. Foi encontrado morto com umas cuecas femininas no bolso. Não vou contar a história, mas se querem um policial sério ponham-se na pista do grande Pepe Carvalho, das ruas mal afamadas que frequenta, dos petiscos que devora e das aventuras em que se mete. Edição Quetzal.

MESA DE CABECEIRA - Esta semana, duas leituras que acabam por estar ligadas entre si. Em “As Teorias da Conspiração” (edição Guerra & Paz), o filósofo e historiador Pierre-André Taguieff explica como podem surgir essas teorias, apontando a sua autoria a um ou vários grupos secretos compostos por conspiradores que encontram nas redes sociais um palco privilegiado para a sua actividade, amplificando-a. Em “Teorias da Conspiração”, Taguieff afirma que o conspiracionismo é a resposta a uma procura social por sentido e coerência, e defende que para enquadrar o caos deste mundo nada é melhor do que formular a hipótese de um inimigo invisível e diabólico que explica todos os males da humanidade. O outro livro, “O Clube de Leitura da CIA” (edição Casa das Letras) revela a história verídica de um programa secreto da espionagem norte-americana que conseguiu contrabandear dez milhões de volumes através da vastíssima e fortemente vigiada Cortina de Ferro. A missão visava minar diretamente a censura imposta pelo regime soviético e levar visões políticas e culturais alternativas a um povo privado de acesso à informação livre. Liderado por George Minden a partir dos escritórios da CIA em Manhattan, um homem nascido em Bucareste que compreendia profundamente as realidades e necessidades culturais do Leste, o programa enviava uma diversificada seleção de literatura para a Europa de Leste , desde clássicos de George Orwell a autores populares como Agatha Christie. Estes livros, que funcionavam como faróis de esperança e ar fresco intelectual, eram transportados através de todos os meios imagináveis de contrabando: a bordo de camiões e iates, enviados por balões, escondidos em compartimentos secretos de comboios, ou dissimulados na bagagem de viajantes comuns. Esta história real é narrada pelo jornalista Charlie English e mostra como o impacto desta torrente clandestina de literatura foi particularmente forte na Polónia, onde os livros circularam avidamente contribuindo para o colapso da censura naquele país no final dos anos 80.

OS CICLOS DO OLHAR - Maria Condado utiliza a pintura para combinar a maneira como olha em seu redor com a forma como encara o mundo actual repleto de tensões e conflitos. O título da sua actual exposição na Galeria Carlos Carvalho é “turn, turn,turn”, nome roubado a uma canção de Peter Seeger, popularizada pelos Byrds em 1965. A canção relembra que todas as coisas têm o seu tempo e que se repetem ciclicamente. A exposição está dividida em duas partes - na sala principal da galeria o conjunto de novas pinturas (na imagem) e na sala lateral é apresentada uma projecção de 80 dispositivos em projecção contínua que mostram os ciclos que se sucedem durante os meses de preparação de uma exposição , combinando o tempo da criatividade com a realidade do caos dos dias de hoje. A exposição fica patente até 6 de Dezembro na Galeria Carlos Carvalho, Rua Joly Braga Santos Lote F.
ROTEIRO - Com uma carreira assinalável na área de restauro de obras de arte antigas, Nazaré Tojal apresenta nesta exposição na Galeria Sá da Costa obras suas, novas, que reflectem a sua atracção pela criação de novas formas a partir da recuperação das memórias e de um cuidadoso trabalhar dos materiais diversos onde aplica várias técnicas. “Criaturas Sem Sombra” é o título desta exposição (na imagem) que pode ser visitada até dia 13 de Novembro, de segunda a sábado, entre as 14h30 e as 19h, na Rua Serpa Pinto 19. Na “Pequena Galeria” (Avenida 24 de Julho 4C) o fotógrafo espanhol Antonio Sánchez-Barriga apresenta até 8 de Novembro a exposição “Aberto a Portugal”, que mostra a sua visão sobre o país. Mas o ponto alto da semana é a oitava edição da Drawing Room, uma feira de arte dedicada ao desenho contemporâneo, que decorre na Sociedade Nacional de Belas Artes até domingo, 26 de Outubro. Esta edição reúne obras de mais de 60 artistas nacionais e estrangeiros apresentadas por 23 galerias. A feira acolhe ainda os trabalhos dos finalistas do Prémio FLAD Drawing Room.

QUEBRAR O SILÊNCIO - Este ano Brian Eno já nos tinha brindado com dois trabalhos, “Lateral” e “Luminal”, os dois primeiros passos de uma trilogia que agora se completa com “Liminal”. Todos estes álbuns foram feitos em parceria com Beatie Wolfe, uma artista norte-americana considerada uma das mais inovadoras criadoras na área da música produzida através de recursos digitais. Para algumas pessoas, Eno é hoje em dia pouco mais que um fazedor de música ambiente destinada apenas a ocupar o silêncio. No entanto seria interessante que ouvissem estes trabalhos, todos disponíveis nas plataformas de streaming, e sobretudo este último onde evidencia o facto de ser um compositor capaz de escrever música que vai para além do imediato. Temas como “Corona” ou “Shudder Like Crows” são prova disso mesmo, do talento em conjugar harmonias com a voz e sons dos instrumentos que os dois músicos utilizam. Todos os discos da trilogia, editados pela Verve, estão disponíveis nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Recentemente, alguns activistas foram notícia por rasgar exemplares do livro do Henrique Cymerman (...) Não se defende a liberdade, nem as ideias contrárias às nossas, com censura ou proibição, queima ou rasgar de livros” - Vicente Ferreira da Silva, no Observador.
BACK TO BASICS - “Pintar é apenas outra forma de manter um diário” - Pablo Picasso.
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS

Estou numa aldeia, num caminho de terra que leva a uma fonte, muros de um lado e outro. Nalguns pontos despontam atrás dos muros as cores de uma romãzeira, noutros vislumbram-se dióspiros na sua árvore, descubro depois que também é chamada de caquizeiro, tem origem asiática e pode atingir 10 metros de altura. Se um dióspiro maduro cai lá de cima espalha-se o meio do chão todo esborrachado. É assim que está o chão ao pé daquele muro. Já só se vêem dióspiros nos ramos mais altos, os que ficavam ao alcance da mão sumiram-se naturalmente. A melhor parte de passear assim num caminho no meio do campo, ao fim da tarde, é podermos ver o que numa cidade não se vê. E não falo só da natureza, das árvores, dos frutos, da água que corre da fonte para o ribeiro. Eu gosto de olhar para pormenores e os muros de pedra fascinam-me sempre. De repente vejo isto - um muro de pedra que levou com um tijolo a espreitar lá no meio. Não há imaginação que explique como aquele tijolo foi ali parar. Que faz um tijolo numa parede de pedra? Da maneira que está pode ser que tenha sido usado para espreitar de um lado para o outro do muro. Sendo assim, talvez seja um tijolo espião, que facilite a vida aos espreitadores. Será que do outro lado alguém gosta de ver quem passa no caminho? Ou é a forma de ver quem quer lançar a mão aos dióspiros? Fico parado a olhar, percebo que também eu posso deste lado espreitar. Estas coisas, para mim, são fascinantes. Ponho-me logo a pensar quem terá tido a ideia de montar este sistema de observação. Ou será que estou a fantasiar e isto foi apenas um acaso do destino, uma maneira de tapar um buraco no muro com o que estivesse à mão? Nunca vou descobrir o que faz este tijolo naquele muro.
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