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O PRAZER DO OLHAR

pensamentos ociosos 24 - em sapo.pt

por falcao, em 14.06.25

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Nos últimos tempos dou comigo a gostar mais de ir ver as exposições depois das inaugurações. O dia da inauguração tem quase sempre demasiada gente, não se consegue ver bem o que se quer. Fala-se mais do que se vê. A melhor parte de visitar uma exposição é descobrir pormenores, sobretudo na pintura. Os grandes artistas não procuram o acaso, trabalham persistentemente para transformar as ideias em obras de arte, estão constantemente a desafiar-se a si próprios. Recentemente li uma frase de Van Gogh em que ele dizia que insistia em fazer o que ainda não fazia como queria, de maneira a aprender a fazê-lo como deve ser. É esta persistência que me encanta e que vejo em muitos dos artistas que tenho a sorte de conhecer e com quem vou falando. Também  sinto que cada vez mais me desafio a olhar para uma exposição como deve ser, ir para além da impressão imediata. Esta fotografia que hoje partilho foi efectuada na Fundação Gulbenkian, numa recente exposição sobre pinturas de mestres venezianos que se chamava “Veneza em Festa”. Enquanto percorria devagar a exposição dei com esta senhora a contemplar uma obra, o perfeito exemplo de quem se encanta com o que está a ver e quer fazer perdurar esse prazer. Segui-a durante um pouco e, frente a vários quadros, repetiu esta mesma posição:  sentada num dos pequenos bancos portáteis do Museu, a ver com atenção o quadro que estava à sua frente. Cada vez mais, nesta época acelerada onde tudo parece ser instantâneo, prezo mais o luxo de poder ter tempo, de ficar a olhar, apenas a ver, saborear a descoberta. Ficar a olhar e ver bem o que temos à frente é o desafio que muita gente evita. Contemplar é uma das melhores formas de entender o que se passa à nossa volta.



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publicado às 09:00

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SOBRE A CULTURA   - Mais importante que o lugar ocupado no Governo, o que interessa é a forma como o poder vê a questão da política cultural. Nesta matéria estou sobretudo interessado em observar o comportamento de quem manda no Governo ou autarquias. De forma umas vezes subreptícia, de outras ostensiva, políticos de vários quadrantes proclamam de maneira destacada, mais do que medidas a tomar, a ideia de que a política cultural não deve privilegiar as elites. A afirmação pode à primeira vista parecer razoável, mas serve apenas para justificar aquilo a que se tem assistido - um ganhar de terreno, não da cultura popular, mas de uma amálgama que é equivalente, no espectáculo e na produção artística, ao populismo conservador e retrógrado, avesso à criatividade e ao talento. A situação cria paradoxos. Por exemplo, algumas destas figuras, como Carlos Moedas, gabam-se de apostar em startups e novas tecnologias, ao mesmo tempo que atribuem medalhas de mérito cultural a plagiadores confessos, desprovidos de talento ou criatividade como Tony Carreira, também por acaso um artista do agrado de Luís Montenegro, outro político ultimamente muito virado para a inovação, pelo menos em palavras. Existe uma clara contradição entre o que dizem na área económica e tecnológica e o que praticam na área das artes e cultura, como se as coisas se pudessem separar e devessem ser antagónicas. As políticas culturais, além da defesa do património, são o alicerce da preservação para as futuras gerações da criatividade artística dos dias de hoje e do testemunho do estado da sociedade. E se é importante em qualquer arte conseguir comunicar e estabelecer ligações com os públicos, também é importante explorar e desbravar novos caminhos, alargando o conhecimento, reforçando a cidadania, estimulando a reflexão e o espírito crítico. O mais paradoxal  nestes cruzados anti elitistas é que, nomeadamente nas autarquias,  subvertem as leis do mercado ao canalizar contratos e apoios para quem tem actividades comerciais rentáveis e promovendo concertos gratuitos que fazem concorrência a produtores privados. O oportunismo, de braço dado com a boçalidade, tornaram-se linhas de pensamento e ação na actividade cultural do governo e autarquias e isso é um péssimo sinal. O papel do Estado, em vários casos, mas também na política cultural, deve ser o de complementar o que os privados não fazem e não concorrer com eles. Uma das tarefas que o Estado cumpre mal é promover o talento português no exterior, não fomentando a internacionalização de artistas das diversas áreas, o mesmo é dizer apostar na presença da língua e cultura portuguesa no mundo, sabendo usar a cultura como uma arma da diplomacia para reforçar a imagem de Portugal e não para a apoucar. Como alguém me dizia no dia em que se conheceu o novo governo, agora o desafio é conseguir manter as coisas, porque melhorar vai ser difícil.

 

SEMANADA - Dois terços dos fundos europeus do PRR estão em risco a um ano do fim do programa; apenas quatro por cento dos lugares previstos no PRR para creches, lares e apoio domiciliário estão concluídos; os 133 mil lugares no programa Creche Feliz só chegam para 53% das cerca de 250 mil crianças até aos três anos com direito a beneficiar da medida; um estudo da OCDE indica que 15% dos jovens portugueses ficam nervosos ou ansiosos quando estão sem telemóvel; o Portal da Queixa revela um aumento expressivo nas reclamações dirigidas à Carris e nos primeiros cinco meses de 2025, o número de queixas contra a empresa subiu mais de 70%, face a 2024;  atrasos e incumprimento de horários representam 38% dos problemas denunciados pelos consumidores; na Área Metropolitana de Lisboa existem atualmente 27 bairros de barracas, vários criados de raiz nos últimos três anos e estima-se que em conjunto albergam cerca de 3 mil famílias;  em 2024 as reservas de ouro do Banco de Portugal valorizaram 8.000.000.000 de euros; mais de um terço dos activos bancários em Portugal são de investidores estrangeiros; desde 3020 foram apreendidas nos aeroportos portugueses  mais de sete toneladas de cocaína proveniente da América do Sul num valor estimado de 175 milhões de euros; Entre 2023 e 2024, registaram-se 2851 casos de violência contra profissionais de saúde, mais cerca de 230 face ao ano anterior.

 

O ARCO DA VELHA -Portugal tornou-se num importante ponto de entrada de cocaína na Europa, tendo sido apreendidas 22 toneladas desta droga em 2023.

 

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UM GUIA PARA  A MUDANÇA - Logo na capa deste livro surge uma frase, como que um subtítulo, que resume o que depois se pode ler lá dentro: “O modelo económico europeu está obsoleto e tem de ser reinventado”. O autor é António Costa Silva, que foi Ministro da Economia e do Mar, depois de uma longa carreira no sector privado. O livro, agora editado, chama-se "Portugal na Europa e com a Europa: que futuro?”. O autor, ao longo de cerca de 180 páginas sublinha a importância de a Europa fazer mudanças futuras sob pena de se transformar num museu, aborda a questão energética e a dependência do gás russo, as crises da defesa e segurança, a perda de competitividade e os desafios que se colocam a Portugal e à Europa,  depois de sublinhar que a rigidez e ortodoxia de alguns responsáveis europeus minam a capacidade de enfrentar problemas e fazer as mudanças necessárias. “O que temos hoje é uma Europa perdida num mundo que viu a geopolítica pura e dura, do confronto de poder, do uso dos recursos, da tecnologia, do comércio, das próprias cadeias logísticas e de abastecimento como armas de competição estratégica entre as grandes potências, em particular entre os Estados Unidos e a China”, sublinha Costa e Silva. Ao longo do livro surgem várias referências ao relatório Draghi, que preconiza mudanças importantes na Europa e defende a necessidade de renovação do projecto político europeu. O autor indica mudanças que Portugal deveria concretizar para aumentar a sua competitividade, num contexto europeu mas também mais global. O livro inclui já os efeitos da política de Trump e a escalada do conflito provocado pela Rússia na Ucrânia e que faz com que estejamos “ a viver o momento mais perigoso da História depois da Segunda Guerra Mundial”. Um livro que dirigentes partidários e membros do Governo deviam ler sem preconceitos Edição Guerra & Paz.

 

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AMBIENTES MUSICAIS- Brian Eno, que nos últimos anos se tem dedicado sobretudo à produção e às artes plásticas, surge com um duplo disco, muito ambiental, com baladas em que o músico é acompanhado pela voz de Beatie Wolfe. Os dois conheceram-se primeiro através do trabalho que ambos apresentaram em galerias de arte e a colaboração musical nasceu daí. De facto Eno e Wolfe fizeram dois discos, agora editados:  “Luminal” tem 11 canções e é apresentado como “Dream Music”; já  “Lateral”, apresentado como “Space Music”,  apresenta oito variações sobre um mesmo tema. Estes trabalhos constituem uma surpresa e já estão disponíveis nas plataformas de streaming.

 

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ARTE E VIDA  - Ao longo da vida Julião Sarmento (1948-2021), que foi um dos mais importantes artistas plásticos portugueses e com maior projecção internacional, reuniu uma colecção de obras de outros artistas, portugueses e estrangeiros, umas vezes provenientes de trocas entre pares, outras compradas pelo próprio ou que lhe foram oferecidas. Essa colecção, com cerca de 1500 obras, está agora no Pavilhão Julião Sarmento, inaugurado há poucos dias na zona de Belém. O edifício resulta de uma transformação do anterior Pavilhão Azul, bem projectada pelo arquitecto Carrilho da Graça, para acolher o novo museu que ostenta o nome de Julião Sarmento. Nesta primeira exposição, comissariada por Isabel Carlos, que dirige o equipamento, estão quase uma centena de obras da colecção, numa escolha que permite ter uma visão de proximidade do universo pessoal, estético e afectivo de Julião Sarmento. O objectivo deste equipamento não é expôr obras do próprio Julião Sarmento, mas sim partilhar com o público obras de uma colecção única em Portugal que ele construíu ao longo da vida. “TAKE 1 – A Coleção do Artista Julião Sarmento” é o título desta exposição inaugural, centrada em duas áreas: “Arte e Vida” dedicada à  amizade, amor, partilha e celebração entre artistas, e “Espaço e Arquitetura”, revelando como Julião Sarmento tinha, nas palavras da curadora,  “o fascínio pelo habitar, pela construção do desenho arquitetónico e pela materialidade”. Nesta exposição podem ser vistas até Abril de 2026 obras de Andy Warhol,  Joseph Beuys, Marina Abramovic, Ernesto Neto, Robert Morris, Juan Muñoz, Cristina Iglesias, Rui Chafes, Richard Long, Lawrence Weiner, Ângela Ferreira, John Baldessari e  Rita McBride, entre outros. O Pavilhão Julião Sarmento fica na Avenida da Índia 126.

 

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ROTEIRO -  De 11 de Junho a 30 de Setembro está patente na Galeria de Exposições Temporárias do Museu de S. Roque, em Lisboa, a exposição “Casar!”, que reúne centenas de fotografias do arquivo Ephemera, provenientes de álbuns familiares e espólios diversos e que abarca um arco temporal que percorre todo o século XX (na imagem). A exposição, além das fotografias, inclui quatro vestidos de noiva de épocas e origens bem diversas, ementas de copos de água, um vídeo com numerosas imagens, e uma adaptação original da Marcha Nupcial de Mendelssohn, da autoria de Fast Eddie Nelson. Na exposição é possível observar as diferenças sociais patentes nas cerimónias de casamento realizadas quer nas grandes cidades e vilas, quer no interior do país, em casamentos ricos e pobres, em igrejas ou até em Las Vegas. Outra exposição de fotografia a merecer atenção decorre no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa e revisita o trabalho que António Pedro Ferreira fez em Paris entre 1982 e 1984 com comunidades de emigrantes portugueses na capital francesa. São quatro dezenas de imagens reunidas sob o título “Allez Paris”, numa exposição com curadoria de Sofia Castro Até 20 de Setembro, na Rua da Palma 246. 

 

ALMANAQUE - A Colecção Pinault no edifício da Bourse du Commerce, em Paris, recuperado pelo arquitecto japonês Tadao Ando, apresenta a exposição “Corps et Âmes” com obras, entre outros, de Gideon Appah, Ali Cherri, Deanna Lawson, Philip Guston, Duane Hanson, Marlene Dumas, Miriam Cahn , Latoya Ruby Frazier, Robert Frank, Irving Penn, Michael Armitage e, a finalizar, “Avignon” de Georg Baselitz. 

 

DIXIT - “A preparação, a sensatez e a integridade não têm grandes hipóteses contra o cálculo, a resiliência, a ambição e a desfaçatez.”- Sérgio Sousa Pinto 

 

BACK TO BASICS -  “Os livros, a realidade e a arte são a mesma coisa para mim”- Van Gogh





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publicado às 09:15

O ESTRANHO CASO DA MÃO ESTENDIDA

pensamentos ociosos, no sapo.pt às sextas

por falcao, em 07.06.25

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Admiro a imaginação das pessoas que assim de repente colocam uma mão plástica no meio de um arbusto. Isto é criatividade pura, uma mão às riscas, preta e branca, que salta no meio do verde, como se nos estivesse a pedir alguma coisa. Qual seria a intenção de quem ali plantou esta mão, na sebe de um largo muito bem arranjado, a contrastar de tal forma com o que está à sua volta que inevitavelmente chama a atenção de quem passa? É como se alguém assim fizesse um manifesto. Esta mão grita:”Olhem para mim!”. E eu fiquei ali a olhar, sem saber se a mão pertencia a algum putativo candidato presidencial, se era uma mensagem subliminar para as próximas autárquicas ou se era um gesto a anunciar que tudo está a mudar e nada vai ser como era. É que antes não saíam mãos dos arbustos, muito menos às riscas e com um buraco no meio. Esta é uma mão surrealista, uma intervenção deliciosamente provocatória. Agora imaginem que esta mão artificial era uma dessas plantas invasoras que se multiplicam na natureza. Já pensaram o que seria um bosque cheio de mãos assim, despudoradamente acenando para quem passa? Levo o pensamento mais longe. Fecho os olhos, imagino o hemiciclo de S.Bento todo coberto de densos arbustos verdes, com mãos destas saltando por todo o lado. Os ecologistas claro que ficariam todos contentes, os defensores dos animais iriam certamente proteger as mãos não fossem elas ter algum ser vivo por trás, os grandes partidos entrariam em crise profunda, tecendo suspeitas de tenebrosas conspirações. E algum tribuno com vivos dotes oratórios faria um discurso exacerbado sobre a necessidade de regular a existência destas estranhas mãos que surgem em arbustos. Já vi coisas piores no Parlamento.



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O QUE VEMOS, OUVIMOS E LEMOS?

por falcao, em 06.06.25

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PAISAGEM MEDIÁTICA - Sabem qual é o jornal mais lido? A rádio mais ouvida? Os canais de televisão mais vistos? Vamos às respostas e começamos pelos jornais. O “Correio da Manhã” com 34 094 exemplares por dia lidera as vendas em banca, de acordo com os mais recentes dados divulgados da Associação Portuguesa para  o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT). Ainda nas vendas em banca, em segundo lugar surge o semanário “Expresso”, com uma média de 29.709 exemplares por edição (caiu 13% em comparação com o mesmo período do ano passado). A seguir vem o diário desportivo “Record”, com uma venda de 12.327 exemplares por dia  e o ‘Jornal de Notícias’, com 12.795 exemplares. Depois vem a revista ‘Sábado’, que registou uma venda média de 9337 exemplares, e o ‘Público’ com 8398 jornais diários vendidos. O “Diário de Notícias” teve uma venda diária em banca  de 966 exemplares, mas há outras publicações com vendas consideráveis: a revista “Maria” teve 24 415 exemplares, a “Nova Gente” teve 21 882 exemplares, a “TV 7 Dias” teve 24 526 exemplares e a “TV Guia” 19 759. Nas publicações económicas este “Negócios” é líder incontestado com uma circulação global, entre vendas em banca e assinaturas digitais, de 6925 exemplares. Nas assinaturas digitais o volume, nalguns casos já é assinalável: o “Público” tem 54.301 assinantes digitais e o “Expresso” tem 49.987. Nos jornais regionais a liderança pertence ao “Diário de Coimbra” com 5.847 exemplares vendidos, seguido pelo “Notícias da Madeira” com 4.812 e o “Diário de Aveiro” com 3.388. Alguns títulos tomaram a decisão de não serem auditados pela APCT e daí a sua falta nesta lista. Passemos agora à rádio. Segundo o mais recente estudo de audiências de rádio da Marktest a estação com maior share de audiência é a Rádio Comercial com 26,3%, seguida pela RFM com 21,4% e a M80 com 9,6%, enquanto a Antena Um tem 7% de share, a TSF 3,8%, a Rádio Observador 1,3% e a Smooth FM regista 1,2%. E chegamos à televisão: no final de maio, entre os canais generalistas, a SIC liderou as audiências pelo segundo mês consecutivo, seguida pela TVI e a RTP1. Os canais generalistas em conjunto captam cerca de 40% dos espectadores e os canais de cabo e plataformas de streaming são vistos por 60%. No cabo a CMTV é líder há mais de 700 dias consecutivos e em maio conseguiu mesmo o melhor share médio de sempre, com 6,6%, que compara com 2,7% da CNN, 2,5% da SIC Notícias e 1% da RTP3. De notar que o News Now, também do grupo Presselivre, tendo sido lançado há menos de um ano, já regista 1,5% de share. Uma espreitadela  às plataformas de streaming revela que no primeiro trimestre de 2025, os telespectadores portugueses preferiram a Netflix que tem agora uma quota de mercado de 24%. A Prime Video ocupa o segundo lugar das preferências com 22% e a Disney+ o terceiro com 16%. A Max está na quarta posição, com 13% , seguida da Apple TV+ e da SkyShowtime, ambas com 9% e a Filmin, que fica nos 3%.

 

SEMANADA - Os acidentes com trotinetas e velocípedes são 3,6% do total; os portugueses gastam 21 milhões de euros por ano em novos medicamentos para obesidade; em 2024 as apostas realizadas em Portugal ultrapassaram 24 mil milhões de euros, impulsionadas pelo jogo online; as perdas dos apostadores ultrapassaram os 2600 milhões de euros; em 2024 realizaram-se 1044 casamentos entre pessoas do mesmo sexo; mais de metade das crianças portuguesas brincam menos de uma hora por dia com a família; cerca de 220 mil automóveis atravessam diariamente as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama; oito dos 10 vídeos de conteúdo político mais visualizados no TikTok desde 2021 são protagonizados por André Ventura, que tem quase meio milhão de seguidores, mais que qualquer outro dirigente partidário; na zona de Lisboa tem-se sucedido a descoberta de dormitórios clandestinos e sem as condições mínimas, que alojam emigrantes - o caso mais recente localizava-se na Penha de França e alojava 50 pessoas; os serviços de informações da República debatem-se com a passagem à reforma dos agentes mais antigos e com dificuldade em recrutar novos espiões o que põe em causa o funcionamento do serviço; mais de dez mil pessoas passaram à reforma desde o início de Janeiro no conjunto da Função Pública; há 72 mil pessoas à espera de cirurgia que já ultrapassaram o tempo máximo de espera definido por Lei.

 

O ARCO DA VELHA - A SILPOR, empresa que importa  grande parte dos cereais que consumimos, está em liquidação há 25 anos num processo que até ex-ministros consideram “inexplicável” e já recebeu do Governo um perdão de dívida no valor de 157 milhões de euros.

 

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UMA HISTÓRIA DESCONHECIDA  - Que papel tiveram as mulheres na História de Portugal? Conhecemos muitos exemplos, desde a Padeira de Aljubarrota à Rainha Santa Isabel ou D. Maria II, mas há uma época, pouco conhecida, que merece atenção. Durante quase um século, entre os reinados de Manuel I e D. Sebastião (1495-1578), um grupo de mulheres, que eram mais cultas do que os homens, comandava a vida intelectual na Corte portuguesa de então. Era um grupo restrito mas poderoso que permanece desconhecido da maioria dos portugueses cuja importância é agora contada pelo historiador André Canhoto Costa no recente livro “A Corte das Mulheres”. No século XVI Lisboa foi uma das capitais do mundo, mas é pouco conhecido o facto de ter florescido nessa época uma Corte dominada por mulheres, uma autêntica Universidade Feminina, conforme lhe chamaram diversos autores na época. Eram eruditas, escritoras, leitoras e autoras de filosofia, apaixonadas pela improvisação poética, cantoras e compositoras, exímias dançarinas, proprietárias e organizadoras de valiosas bibliotecas, mecenas de escritores, dominando línguas clássicas como o grego, o siríaco e o latim e autoras de gramáticas de línguas modernas. Eram princesas, damas e aias, que nos palácios davam conselhos a ministros e embaixadores, argumentando diante dos doutores, correspondendo-se com o papa, colocando no centro do debate a ascensão da mulher e a crítica do poder, o raciocínio sobre o amor e o desejo. Durante esse tempo em que a Corte das Mulheres existiu brilharam a erudição de Joana Vaz, Públia Hortênsia de Castro e Luísa Sigeia, a música de Paula Vicente, ou o comportamento irónico e provocador de Francisca de Aragão e Guiomar de Blaesvelt que foram marcantes na época da Renascença em Portugal. “A Corte das Mulheres” está escrito como um romance que narra a ascensão e queda desse grupo que foi esquecido ao longo dos séculos. Edição Quetzal.

 

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AS PALAVRAS QUE SE VÊEM - Cristina Guerra, inaugurou em simultâneo, na sua própria galeria e num local exterior, o Panteão Nacional, duas exposições que vivem da observação do mundo contemporâneo e da utilização de palavras e das letras que as constroem como ferramentas de criação artística. Na Cristina Guerra Contemporary Art (Rua de Santo António à Estrela 33), Antoni Muntadas apresenta até ao início de Julho  “Outros Lugares/Everywhere” (na imagem). Muntadas nasceu em Barcelona mas vive e trabalha em Nova Iorque desde 1971. O seu trabalho aborda frequentemente temáticas sociais e de comunicação, com recurso a fotografia, vídeo, texto, reprodução de imagens da imprensa ou da internet. A actual exposição tem curadoria de Carolina Grau que, no texto de apresentação, sublinha que a obra de Muntadas se baseia “num princípio orientador que se tornaria central na sua prática: Arte ⇄ Vida (1974). Este mote afirma a ligação indissociável entre arte e vida, uma convicção que atravessa tanto a sua obra como a sua vivência quotidiana, sintetizada na afirmação: “Trabalho onde vivo e vivo onde trabalho” . Ao mesmo tempo que Muntadas está na galeria, Cristina Guerra mostra no Panteão Nacional  a obra “Around the World”  de um dos artistas que tem divulgado, o norte-americano Lawrence Weiner. André de Quiroga, num texto que escreveu para a ocasião, sublinha a importância da colaboração entre monumentos nacionais e artistas contemporâneos e o responsável pelo Panteão Nacional, Santiago Macias, sublinha que a linguagem é um ponto central da prática artística de Lawrence Weiner. Até 31 de agosto as ideias, palavras e frases de Weiner podem ser vividas no espaço único do Panteão Nacional.

 

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ROTEIRO - Esta semana o destaque vai para a fotografia e a exposição "Venham Mais Cinco, O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa – 1974-1975" que apresenta duas centenas de imagens feitas na época por três dezenas  de fotógrafos e fotojornalistas estrangeiros que passaram por Portugal nessa época. A exposição decorre no Parque Empresarial da Mutela, em Almada, num antigo silo automóvel, que o arquitecto Pedro Pacheco adaptou para poder acolher, em cerca de 2000 metros quadrados a exposição destas fotografias de grande formato. A concretização da exposição e a pesquisa partiu da iniciativa de Sérgio Tréfaut, depois de desafiado pela jornalista Ana Soromenho e por Margarida Medeiros, uma crítica de fotografia e professora universitária, já falecida, e que foi das figuras mais importantes na história recente da fotografia em Portugal. As fotografias não estão apresentadas por ordem cronológica, mas por áreas temáticas e a exposição decorre até finais de Agosto na Avenida da Aliança Povo MFA (Almada), de Quinta a Domingo, entre as 1 e as 19 horas, com entrada livre. Está prevista a edição de um catálogo e a possibilidade de a exposição ser apresentada noutras cidades. A imagem que acompanha esta nota é do fotógrafo francês Jean-Paul Miroglio.  

 

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JARRETT EM VIENA - Em 2016 Keith Jarrett realizou a sua derradeira digressão europeia. Agora, por ocasião do seu 80º aniversário, a ECM editou um registo inédito de um concerto realizado nesse ano em Viena, numa das mais importantes salas da cidade, a Musikverein, construída no final do século XIX, conhecida não só pela sua beleza arquitectónica, mas sobretudo pela qualidade acústica. O título do disco é  “New Vienna - At the Musikverein, 2016”, tem cerca de uma hora de duração, inclui nove improvisações de Jarrett e uma versão de “Somewhere Over The Rainbow". Disponível nas plataformas de streaming.



DIXIT  - “Mais um falhanço estrondoso em empreender reformas e atacar a raiz dos problemas e será mesmo para os braços de Ventura que os portugueses inevitavelmente se virarão” - Pedro Norton, no “Público”.

 

BACK TO BASICS - “Evitem o excesso, deixem a moderação ser o vosso guia” - Cícero

 

A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE  NEGÓCIOS

 






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publicado às 12:00

JUNTAR FORÇAS, FAZER, MUDAR

por falcao, em 30.05.25

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O VERDADEIRO PODER - O mundo está difícil, o nosso rectângulo à beira-mar plantado vai pelo mesmo caminho e no entanto há políticos com um persistente sorriso Colgate como se tudo estivesse bem. Infelizmente não é nada disso que se passa. Depois das recentes eleições a situação política tende a radicalizar-se, mesmo que finalmente o bom senso impere e se consiga um acordo parlamentar que garanta alguma estabilidade. Mas para isso é preciso que o PS e o PSD aceitem não debater egos dos respectivos líderes e pensar primeiro no país, ou seja, ir além de manter o poder, e mostrar que governar passa por resolver problemas das pessoas e não das respectivas tribos partidárias, e que estejam dispostos a mudar o que tem de ser mudado, a começar na justiça. Estava eu a pensar nestas coisas quando dei com um artigo escrito para a edição de Junho da revista “Monocle” por Joseph S. Nye, que entretanto morreu na semana passada aos 88 anos, um professor de Harvard, conselheiro de vários presidentes norte-americanos e que foi o criador do termo “soft power” - a capacidade de conseguir acordos com base no diálogo em vez da força. Para Nye o soft power de um país vem de três fontes principais: a cultura capaz de atrair outros; a forma como vive e assume os seus princípios democráticos e defesa dos direitos humanos e a liberdade individual e de expressão; e as políticas democráticas e de  desenvolvimento que os governos e políticos assumem e concretizam. Tudo isto pode influenciar outros políticos e servir de exemplo e base de entendimento. O soft power é esta capacidade de influência e exemplo que os líderes partidários portugueses bem podiam praticar entre si. Podia ser que o ambiente político nacional ficasse menos fétido.

 

SEMANADA -  Em 2024 cerca de 1600 enfermeiros pediram declaração para emigrar; nos últimos três anos mais de 2700 médicos pediram à Ordem certidões para exercer no estrangeiro; em 2024 a unidade especial de combate a carteiristas da PSP registou 5762 ocorrências e deteve 149 suspeitos; 25% dos alunos do ensino secundário estão em estabelecimentos de ensino privados; Portugal produziu 177 mil toneladas de azeite em 2024/2025, mais 10% que na época anterior, e as exportações cresceram 46%; há 60 mil hectares com amendoal em Portugal e nos últimos três anos a área de cultivo de frutos secos aumentou 50%; Portugal é um dos países europeus com menos pensões de reforma complementares  acordadas entre trabalhadores e as empresas; Portugal é o terceiro país na zona euro para o qual a Comissão Europeia está a antecipar que ocorra um maior desvio relativamente ao compromisso assumido do cumprimento das regras orçamentais; quase 25% dos bebés nascidos em Portugal nos últimos seis anos são de ascendência estrangeira e Índia e Bangladesh já integram o top 10 das nacionalidades; um relatório do Conselho da Europa afirma que o sistema judicial é o ponto fraco no combate à violência contra mulheres e recomenda que se combatam “as atitudes patriarcais que permanecem entre alguns membros do sistema judicial”.

 

O ARCO DA VELHA - O inquérito que visava o presidente da Câmara Municipal de Vizela, Victor Hugo Salgado, por uma queixa de violência doméstica  foi arquivado, apesar de os registos clínicos do Hospital de Guimarães, onde sua mulher foi assistida, revelarem uma fratura no nariz, uma escoriação e várias equimoses.  A procuradora encarregue da investigação concluiu que aqueles elementos eram insuficientes e o autarca não foi interrogado pela magistrada nem constituído arguido.

 

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AS MUDANÇAS DA VIDA - O escritor inglês  Julian Barnes, agora com 79 anos, é um dos mais notáveis autores da sua geração, vencedor do Booker Prize, em 2011 e autor de 14 livros que se tornaram clássicos, como “O Papagaio de Flaubert”, “O Sentido do Fim”, “O Homem do Casaco Vermelho” ou “Elisabeth Finch”, entre outros. A estes junta-se agora “Mudar de Ideias”,  que reúne cinco ensaios originalmente escritos há cerca de uma década para um programa de rádio e que foram este ano editados em livro pela primeira vez no Reino Unido. A tradução portuguesa, muito boa, é de Salvato Teles de Menezes, e foi agora publicada. Nestes cinco curtos ensaios o autor defende que uma pessoa inteligente deve ser capaz de repensar convicções antigas face à experiência que vai acumulando de vida e a novos factos que vai conhecendo. “Quando os factos mudam, eu mudo de opinião”, escreve logo no primeiro ensaio, “Memórias”. E, no ensaio “Política”, escreveu:  “Apesar de ter votado em seis partidos diferentes durante toda a minha vida - e nalguns candidatos independentes em eleições locais- não me vejo como alguém que tem mudado de opinião (…) Os partidos políticos é que mudaram, guinando para aqui e para ali, esquivando-se à cata de votos; eu, votante, permaneço um homem de princípios”. “Palavras”,  “Ler” e “Idade e Tempo”, reflexões sobre livros e a própria vida, são os temas dos outros ensaios que completam “Mudar de Ideias”. Julian Barnes estará na Feira do Livro de Lisboa a 14 de junho. Edição Quetzal. 

 

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FOTOGRAFIAS -  Até que ponto é que a fotografia de moda, publicitária, ou de vida selvagem e natureza se devem considerar formas de expressão artística? Aqui está um tema que divide os apreciadores de fotografia. Não há uma resposta única para este tema mas há questões que podem balizar a discussão, como a capacidade de ver e descobrir, a capacidade de captar o instante, mas também a capacidade de imaginar, criar e ultrapassar a realidade, assim como o domínio da técnica, quer para a colocar em primeiro plano, quer para a subverter. David Yarrow  é um fotógrafo britânico que tem trabalhado na moda, publicidade e vida selvagem. Em Lisboa pode ser vista até 1 de Junho a sua exposição “Storytelling”, que reúne trabalhos efectuados nos últimos dez anos e que integram o livro do mesmo nome. A exposição é iniciativa da galeria In The Pink, sediada em Loulé e dedicada exclusivamente à fotografia, que em Lisboa utiliza temporariamente um espaço  na Rua de Santo António à Estrela 74 que no final do ano acolherá uma nova galeria. A exposição de David Yarrow integra três dezenas de fotografias, de grande formato, tiradas em vários locais de África e da Europa, como esta imagem que aqui se publica, intitulada “The Amalfi Coast” e que é um bom exemplo do processo de trabalho de Yarrow, muito encenado e produzido. Os preços das fotografias oscilam entre os 15 e os 75 mil euros e parte do produto da venda reverte para causas filantrópicas patrocinadas pela Fundação de Yarrow.

 

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ROTEIRO - Esta semana todas as atenções se concentram na ARCO Lisboa, a Feira de Arte Contemporânea que se realiza na Cordoaria Nacional entre 29 de Maio e 1 de Junho e que vai este ano na sua oitava edição. Vão ser  mostradas obras de 470 artistas e estão presentes 83 galerias de 17 países. A presença das galerias portuguesas, 30 no total,  representa 36% da Feira, enquanto o segmento internacional se fixa nos 64%, reunindo 53 galerias, com especial relevo para a proveniência europeia, designadamente de Espanha, Alemanha e Itália, a que se junta o Brasil.  A Feira organizar-se-á em três núcleos: o Programa Geral, que reúne 61 galerias; a secção “Opening Lisboa”, com uma seleção de 18 galerias e que dedicará atenção aos novos espaços e linguagens artísticas e “As Formas do Oceano”, integrando 5 galerias  com um programa centrado nas relações entre África, a sua diáspora. Este ano há uma boa novidade: será permitida a entrada gratuita a jovens até aos 25 anos nas tardes de sexta-feira (30) e sábado (31), a partir das 15h00. Para além da ARCO Lisboa há muito para ver na cidade. Por exemplo, na Fundação Carmona e Costa há duas exposições novas: “Gatos” de Teresa Segurado Pavão, com o subtítulo “o som da chávena a partir na gaveta”, e descrita como “exercícios para aprender a lidar com a ruína” e que estará exposta até 20 de Dezembro. A outra exposição é “Código Civil”, de Carla Filipe (na imagem) que trabalha a relação entre texto e imagem, com recurso frequente ao desenho,  baseada num trabalho de investigação em torno das leis que regulam a comunidade, e que estará exposta até 20 de Setembro. A Fundação Carmona e Costa fica na Rua Soeiro Pereira Gomes, Lote 1, 6º andar.

 

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UM REGRESSO BEM SUCEDIDO - Depois de um interregno de 15 anos os Stereolab voltaram a estúdio para gravar um novo álbum de originais, intitulado “Instant Holograms On Metal Film”. Criados em 1990 pelo compositor e guitarrista inglês Tim Gane e a cantora e teclista francesa Lætitia Sadier, os Stereolab têm estado no limbo desde 2009 até agora, quando de repente surgiu este novo álbum. A sonoridade reconhece-se de imediato nas teclas e na voz de Sadler, a composição e produção claramente a evocarem o pop dos anos 90 e o som “easy-listening” que foi a imagem de marca do grupo nessa altura. Os títulos das canções estão igualmente na linha da tradição dos Stereolab: “Aerial Troubles”, “Colour Television”, “Electrified Teenybop!” ,  “Vermona F Transistor” ou “Esemplastic Creeping Eruption”, por exemplo. A voz e os teclados de Lætitia Sadier são como sempre a base do som eclético do grupo, fruto de influências que vão do experimentalismo do krautrock à electrónica, passando por vezes pelo jazz e percussões latinas (como em “Immortal Hands”) até sonoridades que lembram bandas sonoras de séries antigas de televisão. Destaco, a finalizar, o instrumental “Electrified Teenybop!” e “Flashes From Everywhere”, exemplos do prazer que claramente os Stereolab sentem em voltar a estas suas formas musicais. Disponível nas plataformas de streaming.

 

ALMANAQUE - Até 21 de Setembro o Museu do Prado, em Madrid, apresenta uma exposição dedicada à obra de Paolo Veronese, um dos mestres do Renascimento veneziano, que viveu entre 1528 e 1588. A exposição reúne mais de uma centena de obras de Veronese, naquela que é a maior mostra realizada em Espanha sobre a obra do pintor. Esta exposição completa o ciclo dedicado aos mestres do Renascimento italiano e que no Prado já acolheu Tiziano , Tintoretto e Lorenzo Lotto.

 

DIXIT  - “Caso António Costa não se tivesse demitido em 2023, ainda o PS governaria confortavelmente sentado numa maioria absoluta até Outubro de 2026 e, em vez da sua possível extinção, estaríamos agora a falar do domínio do PS sobre o sistema político” - Luciano Amaral, no “Correio da Manhã”.

 

BACK TO BASICS -   “Evitem o excesso, deixem a moderação ser o vosso guia” - Cícero

 

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A JANELA ARRUINADA

pensamentos ociosos 21

por falcao, em 24.05.25

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Passo em frente a esta janela quase todos os dias, no meu passeio matinal para comprar jornais - sim, pertenço a uma espécie em vias de extinção. A janela espelha um prédio que, há muitos anos, foi uma bela construção, de janelas amplas e fachada larga e altiva, desenho marcado por cantoneira trabalhada que se foi desfazendo com o andar do tempo. Este último inverno deu-lhe um golpe forte, as coisas ficaram pior, o pedaço do passeio em frente foi isolado, não fosse alguma coisa cair. Agora colocaram umas chapas, que protegem a rua do desfazer do edifício. Quem passa vê ruínas, a porta entaipada e uma parede coberta de graffitis. Fazem-me impressão estes prédios assim, em decomposição, de janela aberta para a destruição. Fico sempre a pensar que o estão a deixar desmoronar-se, para depois construírem um mamarracho, em vez de o recuperarem. Ponho-me a imaginar como seriam as salas, que, de fora, parecem ter sido grandes e de pé direito alto. Visualizo corredores compridos, sei que atrás há um belo logradouro, agora parecido com uma malta selvagem. Estes pedaços de ruína no meio da cidade são o sinal do que correu mal na vida de alguém, talvez de uma zanga familiar entre herdeiros que não se entendem. Até pode ser que a história seja outra, mas o que quer que tenha sido, o resultado é este: um sítio destruído, para onde se espreita por uma janela arruinada. É um bocado o retrato do país depois das eleições. Em meio século tudo se decompôs, ninguém sabe bem como voltar a ganhar a confiança e construir, em vez de apenas contemplar a destruição e explorá-la.



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TRÂNSITO COMPLICADO NO PARLAMENTO

por falcao, em 23.05.25

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A AFLITIVA SURDEZ DOS POLÍTICOS - Enquanto os líderes partidários derem mais ouvidos ao aparelho dos seus partidos do que ao que se diz na rua o voto de protesto  continuará a ganhar peso e a tendência destas eleições irá acentuar-se ainda mais. Como bem afirma António Barreto, “as eleições democráticas, sempre justas, têm destas coisas: são escolhas, mas nem sempre são soluções”. O maior indicador saído destas legislativas é que uma grande fatia do eleitorado quer mudanças, não está satisfeito com o estado das coisas e  não tem os velhos partidos em grande conta. Mesmo em relação ao PSD, que é o vencedor claro, ficará sempre a dúvida sobre se poderia ter alcançado a maioria absoluta se não fossem as polémicas em torno de Luís Montenegro. Aconchegado pelo resultado eleitoral, o líder do PSD levou a Spinumviva para o palco do seu discurso da vitória naquilo que, se não foi uma provocação desnecessária, foi uma atitude de muito mau gosto. Uma coisa é certa: no dia 18 de Maio o sistema político e partidário levou um cartão vermelho de mais de um milhão e trezentos mil cidadãos descontentes, quase um quarto dos eleitores. A esquerda, à excepção do Livre, que fez uma campanha mais próxima dos problemas que afligem as pessoas, foi o único partido a subir. O resto teve quedas estrondosas e, pela primeira vez em meio século, o espectro político do centro direita e direita teve dois terços dos deputados eleitos. O Chega, que há seis anos parecia um fenómeno passageiro e residual, cresceu ao ritmo do descontentamento e insatisfação das pessoas, sobretudo nas geografias onde a esquerda era tradicionalmente dominante e está taco a taco com o PS, o partido que mais anos governou em Portugal desde 1974. Luciano Amaral escreveu no “Correio da Manhã” um retrato do que se passou: “O resultado catastrófico do PS e o correspondente excelente resultado do Chega mostram algo que começava já a ser visível nas últimas eleições: o Chega não é sobretudo um problema da direita. É um problema de todo o sistema político, mas sobretudo da esquerda”.  É cedo para saber o que se vai passar a seguir, mas deixo uma frase de João Pereira Coutinho: “Se houvesse juízo nos dois principais partidos, haveria um entendimento qualquer ao centro, com outra liderança socialista. Não para travar o Chega. Para travar as razões que alimentam o Chega. Haveria um combate sério à corrupção. Uma política de imigração regulada. E a longa lista de reformas – na justiça, na saúde, na fiscalidade – que o país reclama”.

 

SEMANADA - A um ano do fim do PRR na Europa nem metade da verba foi gasta pelos 27 países da União Europeia; os subsídios do PRR a startups localizadas em Portugal têm uma execução de apenas 30,6% com o prazo a terminar no final deste ano; o emprego público em Portugal atingiu novo máximo no final do primeiro trimestre do ano  e aproxima-se dos 759 mil trabalhadores; quase 1600 enfermeiros pediram declarações para emigrar em 2024; em três anos mais de 2700 médicos pediram à Ordem certidões para exercer no estrangeiro; há 13 anos um médico ganhava 5,9 vezes mais que o salário mínimo nacional, valor que baixou para 3,9 vezes em 2025; o declínio da escola pública é evidenciado pela percentagem de alunos que estão no ensino secundário privado e que já atinge os 25% ; os acidentes com autocarros da Carris têm vindo a aumentar e em 2024 registou-se o número mais elevado de sempre - de acordo com dados da empresa foram registados 1519 “acidentes de exploração”; o crédito ao consumo atingiu em Março o montante mais elevado desde 2013, ultrapassando 777 milhões de euros; os portugueses jogam cinco milhões de euros por dia em raspadinhas; no dia Internacional dos Museus, que se celebrou domingo passado, 13 dos 37 equipamentos culturais do Estado estiveram encerrados total ou parcialmente, devido a obras em curso; a queda da economia portuguesa, de 0,5% no primeiro trimestre, foi o segundo pior desempenho em cadeia na zona euro, logo a seguir à Eslovénia e antes da Hungria.

 

O ARCO DA VELHA - Portugal é o segundo país da União Europeia com mais eleições em sete anos, apenas ultrapassado pela Bulgária.

 

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UM MISTÉRIO DESENHADO - Para me acompanhar na última semana de campanha eleitoral escolhi um livro que relata a investigação de um mistério em torno de uma sucessão de assassinatos. Fiquei mais fascinado com o livro do que com a retórica dos políticos. “Strange Pictures - Imagens Estranhas” é um policial peculiar: as pistas para o crime são desenhos espalhados ao longo das páginas. O seu autor, japonês, assina como Uketsu e é apresentado como um web writer especializado no género de terror. Conhecido por usar uma máscara branca e um fato preto, também é YouTuber e tem mais de 1,7 milhões de seguidores. Os seus livros são considerados «mistérios desenhados» e o autor desafia os leitores a descobrirem as pistas escondidas numa série de imagens estranhas. Uketsu já vendeu perto de 3 milhões de exemplares no Japão desde 2021 e foi traduzido para 27 línguas. O verdadeiro nome e a identidade de Uketsu permanecem desconhecidos. Mas vamos ao livro: os esboços de uma jovem grávida descobertos num blogue aparentemente inofensivo escondem um aviso arrepiante. Além disso, o desenho aparentemente inocente de uma criança junto da sua casa contém uma mensagem secreta e sombria. E um rabisco feito por uma vítima de homicídio nos seus últimos momentos de vida conduz um detetive amador a uma espiral que revelará uma serial killer. Ao longo de “Strange Pictures”, cada imagem estranha que é descoberta contém uma pista. Quando todas se juntam revelam uma história complexa e sinistra. Com um final absolutamente inesperado. edição Singular.

 

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ENIGMAS -   Daniela Krtsch é uma pintora alemã que desde há alguns anos vive e trabalha em Lisboa. O seu trabalho, maioritariamente figurativo, está entre a realidade e a ficção e algumas das suas obras baseiam-se num olhar inesperado e na criação de atmosferas que deixam qualquer coisa em suspenso. Na Galeria Salgadeiras a artista apresenta uma exposição com dez obras novas, intitulada “Some day in may”. O crítico e historiador de arte Bernardo Pinto de Almeida escreveu a propósito desta exposição:  “Dela se poderia dizer, parafraseando a célebre observação do filósofo, também alemão, Walter Benjamin, a propósito das imagens dos lugares de Paris capturadas por Eugène Atget — fotografias de espaços muitas vezes abandonados, e como que suspensos num tempo de estranheza —, que elas fixavam o que parecia ser o momento imediatamente anterior ao do ocorrer de um crime. Assim, também com a Artista, cuja obra está discretamente carregada de breves signos do pressentimento.” Na obra de Daniela Krtsch há uma tensão constante entre o observado e o observador, como se cada tela fixasse um gesto que pode desencadear outros. Até 27 de Julho na Galeria Salgadeiras, Avenida dos Estados Unidos da América 53D.

 

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ROTEIRO - O destaque desta semana vai para uma exposição  da espanhola Tamara Feijoo que fica até 21 de Junho  na Appleton Square (Rua Acácio de Paiva 27). Sob o título “Breviário” a artista apresenta obras que formam uma colecção de peças que funcionam como amostras e experiências, como se fossem um livro de notas do que ela vai imaginando. A exposição mostra o trabalho de Tamara Feijoo no desenho e na pintura, trabalhados em vários suportes, muitos deles não tradicionais, mostrando o seu desejo de experimentar e arriscar. Em Sintra, no Museu das Artes de Sintra, localizado no edifício do antigo casino da vila, está até 31 de Agosto a exposição “Partida”, integrada no ciclo “Joga o Jogo” - um título que é uma  evocação da antiga utilização do espaço e que mostra obras da colecção da Caixa Geral de Depósitos, obras de Pedro Cabrita Reis que fazem parte da colecção do Museu, fotografias do Arquivo Municipal de Sintra que revelam a história do edifício e a série “New Age Kids” um trabalho da fotógrafa Pauliana Valente Pimentel. No Museu do Oriente está até 12 de Outubro a exposição “Foto Arte Ganesh”, que resulta do espólio do fotógrafo goês Krishna Navelkar, ou Ganesh, o nome com que assinava os seus trabalhos. Ele registou quase quarenta anos de história, do fim do colonialismo português às grandes transformações sociais e políticas que moldaram a Goa moderna num arquivo único de um cronista que fixou em imagens o evoluir dos tempos.

 

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O CANTO - No dia depois das eleições pus-me a ouvir o novo disco da colombiana Lido Pimienta, “La Belleza”. Fui atraído para o disco ao ler no jornal britânico “The Guardian” que o trabalho reunia o canto gregoriano à percussão sul americana do reggaeton e que o resultado era sublime. Nascida na Colômbia, mas a viver no Canadá, Lido Pimienta chamou o produtor Owen Pallett  e, com a Orquestra Filarmónica de Medellin gravou este seu quarto álbum, onde canções de amor se misturam com reflexões sobre o seu país. Em meia hora e nove temas Lido Pimienta mostra como a sua voz e da sua forma de cantar conseguem combinar-se quer com as secções de cordas e metais da orquestra, quer com as percussões. Temas como “Ahora”, “Quiero Que Me Beses”, “El Dembow del Tiempo” e “Aún Te Quiero” mostram isto mesmo. O disco é emocionante e arrebatador, a produção é exemplar, a entrega da voz de Pimienta é arrebatadora. Há muito que um disco não me emocionava tanto. Edição Anti, disponível nas plataformas de streaming.

 

ALMANAQUE - Em Paris há duas exposições de fotografia para ver. Na Fondation Cartier Bresson,  até 12 de Outubro, está uma exposição de Richard Avedon centrada na sua série “In The American West”, realizada entre 1979 e 1984, que é pela primeira vez apresentada integralmente na Europa. E na Magnum Gallery está uma exposição de 40 imagens de Raymond Depardon, um dos grandes fotógrafos da agência com imagens de locais que percorreu, como França, Nova Iorque ou Escócia, entre outros.

 

DIXIT  - “A sensação de abandono e desinteresse do poder político para os problemas reais das pessoas tem terreno para medrar. E agora há um partido que está formatado para capitalizar esse descontentamento” -  Paulo Ferreira, no Observador.

 

BACK TO BASICS - As pessoas que querem compreender o funcionamento da democracia deviam passar menos tempos a reflectir sobre o que Aristóteles escreveu e mais tempo nos autocarros e no metropolitano a ouvir o que as pessoas dizem” - Simeon Strunsky

 

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CONVERSA COM OS MEUS BOTÕES

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por falcao, em 17.05.25

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As pequenas lojas de bairro sempre me atraíram. Na minha rua existia até há pouco tempo uma retrosaria das antigas. Gostava de entrar, de falar com a dona, uma senhora já de alguma idade, muito simpática, sempre disposta a ajudar os clientes com sugestões. Muitas vezes entrava só para a cumprimentar, para ver as prateleiras da loja, as linhas, as lãs, os botões, os fechos, os rolos de tecido, a fascinante mistura de cores e materiais, sempre cuidadosamente arrumados nas prateleiras antigas, de madeira, bem conservadas, que existiam por toda a loja em torno de um belo balcão, também em madeira. Uma vez perguntei-lhe se a podia fotografar e ela, delicadamente, pediu-me para não o fazer mas disse-me que podia fotografar a loja à vontade desde que ela não aparecesse. Foi num desses dias que fiz esta fotografia. Agora, há umas semanas, a loja encerrou, tem a porta fechada e as montras tapadas. Por alguma razão a senhora deixou de ser uma companhia na rua. Não sei o que acontecerá ao interior daquela bela loja, nem como se sentem os vizinhos que ali paravam para dois dedos de conversa com a dona, sempre com um sorridente bom dia a quem entrava.. Resta-me ficar a falar com os meus botões, estes que guardei na memória e que aqui vos deixo com as suas cores e feitios.Termino, para não dizerem que não falo da situação política, com uma citação roubada à coluna de Miguel Esteves Cardoso no Público: “Não há planta tão trepadora como um gato. A planta trepa para poder crescer, para ter onde se agarrar. Mas o gato trepa por trepar (...) Também há políticos assim: sobem aos mais altos postos, gostam durante um minuto, mas depois não sabem o que fazer lá em cima.”



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O QUE É UM VOTO ÚTIL?

por falcao, em 16.05.25

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AS ELEIÇÕES - Não vale a pena fazer prognósticos antes do final de jogo - até porque a disputa eleitoral tem cada vez mais o aspecto de um confronto clubístico com muito pouco de racional. Existe a probabilidade de o resultado manter uma diferença tão pequena entre os dois principais partidos que a situação de instabilidade vivida nos últimos anos corre o risco de se manter, se não existir um acordo entre vários partidos. Nesta campanha eleitoral debateram-se muito temas marginais e muito pouco se disse sobre propostas de mudanças necessárias em áreas cruciais para que Portugal progrida. Apesar de o caminho da democracia ter já mais de meio século, o sistema político e partidário português continua avesso a coligações pós eleitorais entre partidos que garantam estabilidade. É certo, como já foi sublinhado nos últimos dias, que estes acordos só valerão a pena se tiverem por base um programa claro que defina reformas importantes: desde logo na justiça, mas também na habitação, na saúde, no ensino, na fiscalidade e, claro, na lei eleitoral - que evite que  quase 700 mil votos não sirvam para nada, como aconteceu em anteriores legislativas. O caso da justiça é particularmente importante porque mexe com os cidadãos e empresas, porque dificulta os actos mais simples, perpetua a ausência de decisões e, em especial na justiça tributária, parte do princípio que primeiro há que pagar e depois que contestar, mesmo quando o erro seja claramente do Estado. A questão da fiscalidade, sobre os cidadãos e empresas, estrangula a economia e o desenvolvimento do país e perpetua o círculo vicioso dos baixos salários e alta carga fiscal. Na hora de votar vale a pena pensar quem tem ambição reformista, quem está disposto a fazer mudanças, quem as propõe e em que termos pugna por elas nos seus programas e na sua acção quotidiana. O único voto útil é o que mostre o desejo de reformas e fortaleça quem as pode influenciar.

 

SEMANADA - A taxa de mortalidade infantil em Portugal subiu 20% em 2024 face ao ano anterior; a região da Península de Setúbal regista o valor mais elevado, com uma taxa de mortalidade infantil de 3,7 por cada mil nascimentos, acima da média europeia;  em 2024  mais 118.011 pessoas subscreveram seguros de saúde– uma média de 323 por dia – e no total já há 3,7 milhões abrangidos por esse tipo de seguro;  em 2024 cerca de 138 mil pessoas foram pelo menos cinco vezes às urgências do SNS; nos primeiros seis meses deste ano estão previstas mais de 1600 aposentações de professores; em 2024 as queixas de assédio laboral aumentaram e quase 30 % dos profissionais relatam ameaças ou abusos; quase cinco milhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido a acidentes laborais; em Dezembro de 2024 residiam em Portugal 1,5 milhões de estrangeiros;  a população empregada em Portugal chegou aos 5,18 milhões, um novo máximo histórico; em 2024 registou-se um aumento de 11% nas compras efetuadas com pagamentos electrónicos; segundo a REN o apagão de 28 de Abril cortou o consumo de 62,3 GWh de energia muito além dos 2 GWh de eletricidade que foi cortada na rede operada pela REN há 25 anos, no apagão parcial do país, devido a um incidente com uma cegonha; segundo o Instituto +Liberdade, nos últimos 10 anos, foram arquivados quase 3 mil processos de corrupção e crimes conexos e por cada 4 condenações, mais de 100 processos são arquivados.

 

O ARCO DA VELHA - Os senhorios que praticam rendas congeladas aguardam há meio ano o pagamento da compensação legislada e estão agora a ser confrontados com notas de liquidação de IMI, do qual a lei os isenta. O Fisco diz aguardar “orientações superiores” e aconselha a pagar primeiro e reclamar depois.

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A TRANSFORMAÇÃO DA MÚSICA - João Gobern é um dos mais prestigiados jornalistas da área da cultura e espectáculo, com especial foco na música. Dirigiu publicações, faz programas de rádio, escreve livros e tem um saber enciclopédico sobre a música portuguesa.  Depois de há uns anos ter escrito “Quando a TV parava o país” pegou agora no que foi descobrindo sobre a edição discográfica em Portugal e em mais algum trabalho de pesquisa e escreveu “Tira o Disco e Toca ao Vivo”. Ao longo de centena e meia de páginas conta como todo o sistema económico da música se modificou nos últimos anos e que no fundo está resumido no título: os artistas, os seus agentes e as editoras obtêm hoje maiores receitas dos concertos e digressões do que da venda dos discos, uma inversão daquilo que se passava há duas décadas. Como João Gobern sublinha, “antes, faziam-se concertos para vender discos. Agora, editam-se discos para conseguir concertos. A música mudou, até na forma como a consumimos. “O autor aborda a forma como o digital e as plataformas de streaming alteraram os hábitos de quem ouve música, provocando  o declínio das lojas, levando a novos modelos contratuais entre artistas e editoras. O efeito das transformações efetuadas e  dos avanços tecnológicos e a alteração do modelo de negócio tiveram efeitos nos criadores, instrumentistas e cantores e tiveram consequências estéticas. e muitas vezes não foram para melhor. No final, Gobern, referindo-se à situação dos músicos, sublinha: “eles têm hoje mais muros para enfrentar do que pontes para aproveitar, quando o salto tecnológico - dos meios de gravação às possibilidades de distribuição - poderia sugerir o contrário”. O livro é editado pela colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

 

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IMAGENS DO ORIENTE -   A nova exposição da Ochre Space, uma galeria dedicada à fotografia e focada no trabalho de fotógrafos do Oriente, apresenta uma dupla exposição:  To Add One Meter to An Anonymous Mountain mostra uma performance criada em 1995 por dez jovens artistas da comunidade Beijing East Village, que se deitaram, nus, em pirâmide, sobre uma montanha nos arredores de Beijing e fizeram história. A exposição mostra as três fotografias do final da performance, captadas por Lu Nan, Bagena e Robyn Beck que estão nas colecções de alguns dos mais importantes museus internacionais, o conjunto de fotografias que compõe a integralidade da performance, incluindo algumas fotografias totalmente inéditas de um anónimo que esteve no local e que nunca tinha revelado o material, e o vídeo amador original da performance, feito por Ji Dan. Na imagem está uma das fotos mais conhecidas, de Lu Nan, um dos mais importantes fotógrafos chineses que tem documentado extensamente a vida na China. Em simultâneo a Ochre mostra uma selecção de 22 imagens de RongRong, um dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, e que viveu na comunidade artística Beijing East Village, documentando extensivamente o modo de vida e a actividade dos artistas dessa comunidade, que se tornou uma das mais importantes na vanguarda artística chinesa dos anos 90. A Ochre fica na Rua da Bica do Marquês 31 (à Ajuda), a exposição, que tem curadoria de João Miguel Barros, que dirige a galeria, decorre até 21 de junho de 2025 e está aberta ao público de quarta a sábado entre as 15:00 e as 18:30.

 

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ROTEIRO - Em 1988 Pedro Cabrita Reis realizou na Galeria Roma e Pavia, no Porto, a exposição “Cabeças, Árvores e Casas”. Agora aceitou o desafio do galerista Pedro Oliveira, ligado na época a essa galeria, e apresenta até 28 de Junho 20 obras inéditas  sob o título “outras cabeças, outras árvores e outras casas” (na imagem). Todos os trabalhos são mix media em papel. No texto escrito para a exposição original, em 1988, Pedro Cabrita Reis afirmava: “Vejo uma árvore e nomeio-a: árvore. E sei que é também madeira e poderei dizer casa, barco, caixão, mesa. Vejo uma árvore e nomeio-a: árvore. E sei que é também fogo e poderei dizer território, viagem, morte, festa.”. E mais adiante:  “Pertenço aos que amam na errância das aparências a possibilidade de encontrar um sentido.” A Galeria Pedro Oliveira fica na Calçada de Monchique 3, no Porto. Em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes (Rua Barata Salgueiro 36) está patente até 7 de Junho a exposição "Sombras Rosas Sombras" de Maria Capelo, com curadoria de Nuno Faria. Na CC11, Rua do Vale de Santo António 50, um espaço dedicado à fotografia, Filipe Bianchi apresenta  “Joy Bangla”, um ensaio fotográfico que retrata o quotidiano da comunidade bangladechiana no bairro do Intendente. 

 

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NOVAS CANÇÕES PORTUGUESAS - Hesitei antes de escrever, ando a ouvir este disco há umas duas semanas. Na primeira audição pensei que era apenas mais um disco de Rodrigo Leão. Sonoridades mais do mesmo. Mas depois, numa segunda audição, percebi que este “O Rapaz da Montanha” é um disco novo, de canções diferentes. A sonoridade é a de Rodrigo Leão, a sua marca própria. Mas estas canções vão buscar algo mais. Há uma influência maior da música popular portuguesa, desde a construção das melodias aos arranjos, passando pela forma de cantar, com destaque para a utilização de coros. Os temas reflectem preocupações com os tempos que vivemos. A maioria das palavras das canções foi escrita por Ana Carolina Costa, como é hábito, mas Gito Lima, Francisco Menezes e João Pedro Diniz também participam. Uma das grandes diferenças é que neste disco as canções têm uma linguagem mais directa que aborda questões concretas deste “país do “Se” que ficou por fazer”, como “Madrugada”. No disco participam Pedro Oliveira (a voz da Sétima Legião), que canta “Esperança”, escrita por outro dos Sétima Legião, Francisco Menezes, o acordeonista Gabriel Gomes, José Peixoto na guitarra clássica, Carlos Poeiras também no acordeão e Francisco Palma na voz. E, claro, como tem sido usual em trabalhos recentes de Rodrigo leão, também participam  a cantora Ana Vieira – a voz principal do disco – Viviena Tupikova (violino), Bruno Silva (viola), Celina da Piedade (acordeão), Carlos Tony Gomes (violoncelo e autor dos arranjos de cordas), João Eleutério (guitarra, baixo e sintetizador), António Quintino (contrabaixo) e Frederico Gracias (bateria e percussão). A ilustração de capa é de Tiago Manuel. Deixo-vos com o apelo de “O Rapaz da Montanha”, a canção que dá título ao disco: “Lá em baixo não há nada/ mas há tanto p’ra fazer!”. Disponível nas plataformas de streaming.

 

DIXIT  - “O conservadorismo está bem presente, uma vez mais, nesta campanha eleitoral. Num país que odeia reformas, ninguém fala delas, com raras e honrosas excepções” - Luis Marques, no “Expresso”.

 

BACK TO BASICS -   “A justiça deve ser o pilar do funcionamento da sociedade” - Aristóteles

 

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EM BUSCA DA LUZ PERDIDA

pensamentos ociosos 19 - às sextas em sapo.pt

por falcao, em 10.05.25

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Como é que este anjo, encontrado por acaso na entrada de um prédio, segurando uma tocha, terá vivido o apagão? Sem a tocha acesa, para que servia ele? No dia do apagão toda a gente percebeu, de repente, que este nosso mundo de hoje fica virado de pernas para o ar quando não há electricidade. Há uns anos não haver electricidade queria dizer que se ficava às escuras quando fosse noite. Agora quer dizer que se fica sem telefone, sem acesso às funções básicas da internet, como os emails, sem poder ver notícias nos “sites” dos meios de comunicação, sem poder ver um filme ou ouvir um disco em streaming, nem encomendar qualquer coisa para comer num serviço de entregas. Durante um dia os velhos aparelhos de rádio, a pilhas, esquecidos num canto da casa, foram reis e senhores e a quase única forma de ir sabendo o que se passava. De repente desejei ter ainda um walkman a pilhas para ouvir uma cassette com as canções de que gosto mais - tinha uma (já não sei onde anda) com os Joy Division, os Smith, Nick Cave, Clash, Doors e Lou Reed. Bem gostava de os ter ouvido nesse dia. Até a campanha eleitoral em curso teve um apagão, debates foram adiados e os políticos pouco falaram - até porque não tinham quem os ouvisse. Mesmo quando a electricidade voltou percebeu-se que, da maneira que as coisas estão, com ou sem electricidade, os debates já não chegam a tanta gente como dantes. Quando comparados com os números do ano passado, os debates televisivos entre os líderes dos principais partidos  registaram uma queda de 13% nas audiências do cabo e de 40% nos canais generalistas. O problema que motivou esta quebra, este desinteresse, não foi a falta de electricidade. Foi o facto de a maioria dos debates ser chato e sem assunto que interesse às pessoas. A indiferença aumenta, e isso não é nada bom sinal.




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