RELATO DA BOLA
Há uns 15 dias convenceram-me a ir ao futebol, ver o arranque da Liga no estádio do Sporting, que por acaso é o meu clube – quer dizer, isto é uma coisa vaga porque não ligo muito ao assunto. Digamos que é uma questão de fé. Não costumo ir à bola, não vou aos estádios.
Bem sentado no camarote, entre amigos, comecei a reparar nalgumas coisas. Em primeiro lugar nos comentários. Acho que são parecidos com algumas análises políticas. O comentário de que gostei mais é um clássico: «se tem entrado, era golo!». Faz-me parecer uma declaração solene de qualquer membro, de qualquer governo, face a uma crise. Fez-me parecer uma daquelas explicações cabalísticas sobre a razão de não acontecer o que se anuncia.
Mas aquilo de que que gostei mais foi de ver o movimento. Os jogadores a fazer aquecimento, o trabalho dos apanha-bolas, os vigilantes das claques. Num estádio passam-se muitas coisas ao mesmo tempo, há acções a decorrer em paralelo, e no entanto na televisão só vemos uma delas, que é o jogo propriamente dito. Se calhar um estádio dava uma boa série de ficção – há mundos cruzados que chegam para isso – no camarote ao lado do meu, por exemplo, estavam mulheres e namoradas dos jogadores e, evidentemente, davam nas vistas. Achei muito engraçado o papel dos treinadores: levantam-se, gesticulam, gritam. Não acredito que aquilo tenha efeito prático – mas espera-se que eles façam isso, que façam um papel assim no estádio e eles desempenham emoções. No fundo é como um quelquer primeiro-ministro, tem que estar sempre na ribalta, a dar que falar, a fazer-se visto e ouvido.
No fim do jogo dei por mim a pensar que ver um jogo no estádio ou segui-lo pela televisão é bem diferente. É como saber o que se passa no país ou viver apenas dos relatos e imagens de jornais e televisões. É uma realidade moldada. Não é a verdade.
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