INSUCESSO - O Governo completou esta semana dois anos de mandato, é certo que apresentou muitos powerpoints e projectos, que divulgou muitas listas de coisas a fazer, mas na verdade poucos planos estão cumpridos, muitos dos itens das listas estão ainda por ser iniciados. Quase que é possível dizer que o Governo fez mais no seu primeiro ano de vida do que no segundo, onde se nota que começou a perder capacidade de concretização. Nestes próximos dois anos a aritmética pré-eleitoral vai começar a interferir nas contas. É inevitável, e no PS não falta – já se viu esta semana – quem vá chamando a atenção para o assunto. A marca que o Primeiro Ministro gostaria de deixar é a de um fazedor – não é certo que o consiga. Tem tido êxito a fazer o que não disse (aumentar os impostos), tem tido pouco sucesso a concretizar o que tem andado a prometer – emprego, obras públicas, diminuição da despesa. A ver vamos se alguma reforma estruturante fica feita.
COBRADOR - Aquilo em que o Governo mais coisas tem feito é na área dos impostos – um dos seus primeiros actos foi ir contra uma promessa eleitoral, de os não aumentar. Aumentou o IVA, diminuíu a competitividade, tornou a vida do comum cidadão mais difícil tornando a carga fiscal maior e mais injustamente distribuída, com o argumento das cobranças atingiu um ponto de invasão da esfera privada de que está a tocar o limite do suportável. O governo tem um apetite devorador sobre impostos e sobre os rendimentos dos cidadãos, mas não mostra a mesma energia a cortar o peso da máquina do Estado. Em matéria de impostos a acção do Governo parece-se com a dos cobradores do fraque – tenho as minhas dúvidas de que seja um bom método.
INVENTOR - Depois de andar meses a fechar serviços de saúde, há no Governo quem comece a sugerir que poderá ser criado um novo imposto exclusivamente para os custos do sistema de saúde. Isto é pôr o mundo ao contrário: os cidadãos aceitam pagar impostos sobre o trabalho para que o Estado lhes forneça algumas coisas básicas – saúde, educação, segurança e justiça. Não é exagero dizer que estas questões básicas são aquelas que o Estado precisamente garante pior. Querer agora inventar impostos sectoriais é roubo à mão armada.
LITIGANTE - Na acção do Governo existe um lado de permanente litigância – esta semana o Ministro da Saúde atacou autarcas simplesmente por não concordarem com ele e se manifestarem publicamente e o Ministro das Obras Públicas veio atacar, de forma violenta, o bastonário da Ordem dos Engenheiros por este ter dito que talvez a Ota não fosse a melhor solução para o novo aeroporto. Um curioso perfil de José Sócrates publicado no «Público» dizia que ele odiava ser contrariado – se calhar está a passar para os seus Ministros esta sua característica.
RESPONDER - Por muito que Alberto João Jardim seja excessivo e desbragado, a verdade é que a sua atitude desta semana veio chamar a atenção para uma coisa: a acção política tem regras básicas e uma delas é não perder a iniciativa e responder aos ataques de forma atingir o adversário. A lógica da acção política de Jardim, ao demitir-se e agir por forma a provocar eleições na Região Autónoma da Madeira, mostra isso mesmo: resposta rápida e firme, marcar agenda, tirar a iniciativa ao adversário, obter apoio popular. De repente, a iniciativa passou a estar do seu lado e não do Governo. É uma lição sobre a forma de fazer política na oposição.
LER – A edição de Fevereiro da revista «Wired» dedicada aos grandes mistérios que continuam a dominar a nossa existência no mundo. De que é feito o universo? Porque é que o corpo-humano não se auto-regenera? Será que o passar do tempo é uma ilusão?
OUVIR – Um belo disco de Harry Connick Jr. Baseado nos sons de New Orleans, nas melodias populares dos velhos bairros. Acompanhado por uma banda de 16 músicos, Connick surpreende pelo gozo que a gravação transmite – e sente-se como os músicos gostaram de a fazer. «Chanson Du Vieux Carré», Harry Connick Jr., edição Marsalis Music, distribuição Universal.
VISITAR – A Garrafeira Internacional, na Rua da Escola Politécnica nºos 15 a 17. Boa selecção de vinhos, preços razoáveis, serviço simpático, petiscos variados para complementar.
BACK TO BASICS –É muito perigoso querer ter razão quando o Governo está errado – Voltaire.
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ELUCIDATIVO - No dia 24 de Janeiro os jornais noticiavam que uma vereadora da Câmara Municipal de Lisboa havia sido constituída arguida. Já lá vão 24 dias, quase um mês, e nada mais se sabe sobre o assunto. Os factos resumem-se a isto: a polícia conseguiu que ela saísse de funções, a polícia induziu uma crise política nessa autarquia e sobre a essência do caso nada mais se ouviu falar. Na mesma altura fontes policiais disseram à cada vez mais oficial agência Lusa que outro vereador iria ser constituído arguido nos dias seguintes; nada se passou até agora. O Ministro da Justiça e o Procurador Geral da República não acham esta situação estranha? Não consideram que a actuação judiciária teve até agora mais consequências políticas que policiais? Acham estes procedimentos normais? Na minha modesta opinião isto que temos não é justiça – é uma fantochada, cobardia política mascarada de vendetta. Resta saber quem ganha com o assunto – alguém há-de ganhar, de alguma forma, com o que se está a passar.
CASTIGADOR - Há um outro caso judicial esta semana que mostrou em que mãos anda a Justiça em Portugal: um juiz conselheiro aproveitou um programa de televisão para fazer uma interpretação muito pessoal da lei e, em tom de ameaça, preconizou que cada um dos 10 000 cidadãos que subscreveram um pedido de «habeas corpus» no caso do militar Luís Gomes, seriam punidos com um pagamento – como se estivesse efectivamente a clamar por castigo, uma coima a bem dizer. Mais tarde a hierarquia, o Supremo, veio desautorizar o juiz e repor a verdade dos factos. O que interessa aqui é que um juiz conselheiro reage em público como se um pedido de «habeas corpus» merecesse punição – porque foi disso que efectivamente se tratou – o tal juiz conselheiro acha que os cidadãos que tentarem evitar abusos de poder devem ser como que multados. Chocante.
REGIME - No Domingo passado a maioria dos eleitores voltou a abster-se. Independentemente da natureza da pergunta o facto é este: o sistema está desacreditado. Bem sei que agora não era este o caso, mas em muitos dos actos eleitorais recentes os eleitores votaram em determinadas promessas que depois foram esquecidas, sendo que os eleitos se têm habituado a fazer, em alguns temas fundamentais – como a carga fiscal – o oposto daquilo que prometem em campanha eleitoral. Chamo a isto a nova demagogia – basear uma campanha em posições que depois não têm correspondência com a realidade. Por este andar, mais cedo ou mais tarde o regime vai viver - em geral e não só nos referendos – dos votos de uma minoria do universo de eleitores. Meter a cabeça na areia, atirar as culpas para cima dos temas ou da sintaxe das perguntas não ajuda a resolver o que de facto é um sinal de doença do regime.
PARLAMENTO – Não percebo porque é que em Portugal se perdeu o hábito das crónicas parlamentares, porque é que nenhum jornal coloca alguém a relatar o dia a dia do Parlamento, dos seus corredores, das comissões, em jeito de crónica, de olhar aguçado e observador. Bem sei que o nosso Parlamento não é grande coisa – mas faz-me um bocado de impressão que sejamos um dos poucos países europeus onde os media só dão pelo Parlamento em dia de bronca ou em dia de debate mensal com o Governo. Talvez uma presença mais assídua fosse boa para toda a gente.
OUVIR – Hoje e amanhã podem ouvir o trio de Jef Neve no Hot Club, à Praça da Alegria. Pelas 23h00 os belgas Jef Neve no piano, Piet Verbist no contrabaixo e Teun Verbruggen na bateria vão dar a conhecer o seu disco mais recente, «Nobody Is Illegal», uma bela gravação já disponibilizada em Portugal pela Universal. Jef Neve tem-se destacado como um dos mais criativos e interessantes músicos de jazz na cena europeia e este seu últimos disco, largamente aclamado pela crítica, veio confirmar o seu estatuto – razão adicional para os concertos do Hot gerarem boa dose de expectativa.
PETISCAR – Nove da noite, não apetece jantar e só apetece petiscar? Uma boa solução pode ser o tapas bar do Restaurante Luca , na Rua de Santa Marta 35. Por trás da sala do restaurante, em cima, num espaço amplo, com decoração de inspiração no norte de África, pode-se experimentar um buffet de antipasti italianos, com matéria prima de primeiríssima qualidade e variedade abundante. Na boa companhia, é um belo princípio de noite.
BACK TO BASICS – A repetição não transforma uma mentira em verdade – Franklin D. Roosevelt.
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JUSTIÇA? – O sistema judicial português – em particular a Procuradoria da República e a Polícia Judiciária - tornaram prática corrente uma forma muito século XXI da justiça popular pós revolucionária de má memória: insinua-se uma acusação a alguém, de alguma coisa, não se apresentam provas nem acusação concreta, constituem-se arguidos ad-hoc, dá-se boa cobertura jornalística ao sucedido avisando de buscas domiciliárias, inquirições, e arguições, atenta-se ao bom nome das pessoas de forma metódica e sistemática. Depois, o processo não anda, as provas não surgem, a acusação não é concretizada – mas o mal está feito e as pessoas vão sendo afastadas do que faziam. A utilização destas práticas em processos de matriz política é assunto corrente. Kafka escreveu sobre isto no século passado, mas é no século XXI que o sistema judicial português e a sua justiça popular pós-moderna são cada vez mais kafkianos.
ACASO – Estou para ver se por algum acaso do destino as entidades judiciais resolvem constituir arguido mais algum vereador da Câmara Municipal de Lisboa, ou o seu próprio Presidente, precisamente na altura em que o PS já estiver pronto para apresentar candidato – processo turbulento, difícil e de calendário complicado. O caso, recordo aqui, não seria inédito na forma: o ex-Presidente da República, o socialista Jorge Sampaio, só encontrou razões para convocar eleições antecipadas quando o seu partido já estava pronto para as disputar. Ele há métodos que fazem escola…
IMPOSTOS – O insuspeito Medina Carreira disse na semana passada, em entrevista ao Rádio Clube Português, que a via administrativa para cobrar mais impostos estava a ficar esgotada – é um alerta para o que começam a ser sinais de abuso de poder da administração fiscal contra os cidadãos, reflexo de uma atitude generalizada do Estado. Na realidade fica cada vez mais evidente que, incapaz de concretizar reformas estruturais, o socratismo utiliza o Estado para perseguir os cidadãos e não para os servir. É o mundo ao contrário.
LIVRO – Uma fantástica e muitíssimo oportuna edição de um dos mais divertidos e certeiros escritos de Arthur Schopenhauer, «A Arte De Ter Sempre Razão». Eu oferecia de bom grado este livro ao Ministro António Pinho e ao Primeiro-Ministro José Sócrates – havia de lhes ser muito útil. Esta bela edição da Frenesi tem a vantagem de incluir ainda excertos de outro texto fundamental do autor, «O Fundamento da Moral», outro tema muito desconhecido pelo Estado nos dias que correm. A edição da Frenesi tem uma boa tradução e um certeiro prólogo de Jorge Pereirinha Pires intitulado «Da Linguagem Como Arte Marcial».
FOTOGRAFIA – Olho para a exposição dos seleccionados para o prémio BES Photo e fico com a sensação de que, em três quartos do que está exposto, estou no reino da Floribella. De facto são uma desilusão os seleccionados para o prémio BES Photo de 2006: com a excepção de Daniel Blaufuks, o resto das escolhas do júri revela um provincianismo gritante, a adesão ao kitsch como abordagem estética, a subalternização da fotografia como forma de expressão e a sua consagração como mero suporte e meio técnico de cópia. É uma pena que esta iniciativa tenha escorregado para a lógica dos jogos florais pictóricos onde contam mais as influências que o talento. No CCB até 18 de Março.
OUVIR – O disco mais tropicalista alguma vez feito em Portugal chama-se «JP Simões 1970» e acabou de ser editado. Os temas originais de JP Simões, que foi a voz e boa parte do espírito dos Bellechase Hotel, são deslumbrantes. A forma de dizer, mais do que cantar, isola a música das palavras de uma forma quase provocatória, que contribui para tornar este disco uma das mais importantes gravações portuguesas dos últimos anos. É impensável não salientar a genial versão de um original de José Mário Branco, «Inquietação». Há muitos anos que fora do hip-hop não havia um disco de originais portugueses com esta qualidade e vigor. CD edição Nortesul.
REFERENDO – Voto pela liberdade individual de escolha e contra a hipocrisia. Voto sim.
BACK TO BASICS – Devemos fazer encolerizar o oponente, pois no seu furor ele fica incapaz de um juízo correcto e de perceber o que é do seu interesse – A.Schopenhauer.
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DESPUDOR - Da maneira que as informações sobre investigações em curso, sobre buscas domiciliárias e sobre os trâmites do sistema judicial se tornam publicitadas, valia a pena pedir ao senhor Procurador da República para ordenar escutas aos telefones e vigilância aos computadores de agentes, magistrados e juízes, para ver quem anda a fazer o que não deve. Se há justiça, ela deve ser para todos e o Procurador não pode ficar sob a suspeita de deixar utilizar investigações e investigadores como um elemento de pressão na opinião pública nem como arma de contendas políticas - a menos que esteja disposto a continuar as linhas mestras do triste mandato do seu antecessor.
REGISTAR – Este ano a Câmara Municipal de Lisboa acabou com duas bienais – a Lisbon Photo e a Experimenta Design, dois momentos diferentes na vida da cidade, que a valorizavam e projectavam internacionalmente. Mais do que acabar conjunturalmente com uma edição dessas bienais, o gesto da vereação da Cultura da Câmara deita para o caixote de lixo o investimento feito nos últimos anos nestas duas iniciativas, e que ao longo do tempo foi dando os seus frutos. O mais curioso é que o anúncio do fim destas duas bienais coincide com o anúncio de um investimento numa nova iniciativa, uma trienal de arquitectura, para a qual se vai utilizar o Pavilhão de Portugal. Não vejo problema nenhum em criar uma mostra de arqutectura, vejo é com muita desconfiança uma gestão que prefere delapidar investimentos passados e extinguir o que ía bem existindo, apenas para deixar uma obrinha sua. Estas manias persecutórias e este afã de deixar obra arrasando o passado são uma das maiores demonstrações do nosso atávico provincianismo, dos orgulhos pacóvios de paróquia, dos joguinhos de interesses que desprezam o interesse público, que delapidam os investimentos anteriormente realizados com o dinheiro dos contribuintes e que revelam apenas uma completa ausência de estratégia de posicionamento cultural da cidade. A coisa, já agora, é tanto pior quanto é certo que, na segunda metade do ano, Lisboa recebe a presidência da Comunidade Europeia e ninguém parece ter-se preocupado com o assunto.
VER – As fotografias de Annie Leibowitz, num dos mais fantásticos álbuns dos últimos tempos, feito a propósito da exposição que entre 20 de Outubro do ano passado e 21 de Janeiro esteve no Brooklyn Museum, de Nova York: «A Photographer’s Life, 1990-2005». A exposição (e o álbum) traçam paralelos entre o trabalho de Leibowitz para revistas como a «Vanity Fair» e a «Rolling Stone», ao mesmo tempo que mostram o seu percurso pessoal, nomeadamente a relação com a ensaísta Susan Sontag – e a doença que acabou por a derrotar no final de 2004. É curioso contrastar a produção colocada em fotografias de moda e publicidade, com a simplicidade de algumas imagens a preto e branco, muito íntimas, delicadamente pessoais. Leibowitz é uma das grandes retratistas da segunda metade do século XX e uma das fotógrafas que melhor seguiu o mundo do entretenimento, nomeadamente das estrelas do rock e das estrelas do cinema. O álbum foi um delicioso e inesquecível presente que me deram e alivia-me a mágoa de não ter partilhado a exposição propriamente dita. Edição Random House.
OUVIR - É engraçado notar como a estratégia editorial de uma das maiores etiquetas de música clássica – a Deutsche Grammophon – se tem agilizado nos últimos anos. A mudança é curiosa porque incorpora alguns dos truques editoriais da música pop num repertório clássico, em gravações e interpretações com o elevado padrão de qualidade a que a editora habituou o seu público. Depois de em Novembro ter lançado o disco da soprano Anne Netrebko dedicado aos compositores russos, que há semanas lidera o top clássico na Europa central, o disco de estreia da meio-soprano Elina Garanco, «Ária Cantilena», editado em Dezembro (e que inclui uma deliciosa interpretação da «Cantilena» das «Bachinas Brasileiras» de Villa-Lobos, segue carreira similar e obtém críticas elogiosas. A culminar, escassas duas semanas depois do tradicional concerto de Ano Novo de Viena, eis que a Deutsche lançou já no mercado a gravação desse mesmo concerto deste ano, com a Filarmónica de Viena, dirigida por Zubin Mehta, com valsas de Johan e Josef Strauss, incluindo uma interpretação inédita da arrebatadora valsa «Wo die Zitronen bluh’n».
BACK TO BASICS –As leis são como as salsichas, é melhor não querermos saber como são feitas - Otto von Bismark
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MAO MAO
marcas da revolução
Andy Warhol estava bem longe de poder ser considerado um maoísta – mas o seu célebre retrato de Mao Zedong (1973) mostra como a pop art compreendeu rapidamente o valor do maior ícone revolucionário daquela época. Warhol colocou Mao no mesmo limiar simbólico de uma lata de sopa, de uma nota de dólar, de uma garrafa de Coca-Cola ou de um pacote de detergente - na época isto pareceu uma heresia para alguns. Na realidade Warhol apropriava-se de imagens universalmente conhecidas e tornava-as em imagens de marca da sua própria criação artística: objectos numa primeira fase, pessoas num segundo momento – foi quando, no trabalho do pintor, Mao conviveu com Marylin Monroe, Elvis Presley, Jacqueline Kennedy e Che Guevara. Quando Warhol fazia esta apropriação, passava ao mesmo tempo um certificado de credibilidade à imagem inicial que o inspirara, tornava-a em parte numa marca criativa.
A imagem de Mao – e da revolução chinesa – não surgiu apenas pela mão de Warhol. Os ícones da revolução desde cedo se tornaram boa fonte de rendimento nas sociedades ocidentais para os vendedores de T Shirts e de posters que encheram com os seus produtos, estampados com as caras de Mao ou de Guevara, os quartos e a imaginação dos protagonistas dos dias agitados de 1968, moda que entrou pelo início dos anos 70.
A revolução chinesa – como quase todas as grandes revoluções do século XX – foi muito iconográfica e mais não fez que seguir o exemplo da revolução soviética de 1917. Os dirigentes soviéticos desde cedo perceberam o valor da imagem (do vermelho, do contraste da foice com o martelo) e investiram talentos e recursos em cartazes, de um acutilante propagandismo baseado no hiper-realismo, cartazes que pretendiam divulgar objectivos políticos, assim como mobilizar apoiantes; mais tarde utilizaram cineastas como Vassiliev ou Eisenstein para fins idênticos e fabricaram filmes revolucionários onde a estética realista mostrava o que ainda não existia, e era apenas um modelo ou um objectivo. A estrela vermelha começou por pretender ser o farol da revolução e, nos anos 80, acabou a servir de marca a jeans e de inspiração a capas de discos e logótipos variados.
No caso chinês, o formato das enormes bandeiras vermelhas, sobre o alto em vez de ser sobre o comprido, acabou por inspirar os desenhadores de bandeirolas publicitárias. Da mesma forma a combinação improvável, mas irresistível, do vermelho e do amarelo vivo, acabou por ser utilizada numa série de outras situações que nada tinham a ver com a revolução.
Subconscientemente, nos símbolos das revoluções, combina-se a utopia de um ideal com a energia da luta, a afectividade a uma causa com um desejo de mudança. A utilização da simbologia das revoluções de forma comercial tem a ver com isto mesmo, com a utilização dos factores subconscientes que tornam os ícones da revolução em marcas massificadas e invejáveis.
Não me surpreenderia se, depois de passar a fase em que está a resolver o conflito interior com o seu passado recente, a China retomasse a imagem de Mao e utilizasse a sua enorme carga simbólica como imagem de marca internacional. A História já viu coisas mais improváveis – e, se isso acontecer, Pequim limitar-se-à a fechar o círculo com a Nova York onde Warhol criou os seus heróis.
(publicado no «Diário Económico» de 31 de Janeiro)
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