Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
MUDE – O Museu do Design e da Moda abriu ontem com grande propaganda. Acontece que o que foi inaugurado é uma mostra provisória da colecção, que ficará estrategicamente exposta apenas até Outubro, coincidindo portanto com o período eleitoral. O edifício da Rua Augusta que vai acolher a colecção ainda não teve obras, há-de ter depois, e o Museu propriamente dito é apenas uma intenção por enquanto – mas já se percebeu que as coisas foram feitas tão à pressa que não está seguro qual será o programa de utilização total do edifício, ex-BNU, e da sua divisão por várias entidades – na realidade até já vieram a lume umas disputas. A exposição esta semana inaugurada foi apenas um pretexto de propaganda eleitoral de António Costa que, na realidade, não teve nenhum papel na aquisição das colecções Capelo, mas de cujo usufruto mediático rapidamente se apropriou. Os festejos incluíram a edição de uma revista de 266 páginas, distribuída em banca, e com uma tiragem de 25.000 exemplares, e que em tudo surge como umas edição essencialmente propagandística e eleiçoeira. Adiante se saberá quanto custou esta acção e quantos exemplares se venderam – que é para depois se medir o efeito prático, comunicacional, efectivo, da acção. A publicação resume-se a um catálogo das colecções marcado por dois textos – um auto-propagandístico de António Costa e outro panegírico em relação ao mesmo Costa, escrito por Francisco Capelo, o próprio. Ambos deixam de lado um pormenor histórico – que foi o de esta colecção pertencer agora à cidade de Lisboa porque em 2003 houve uma decisão nesse sentido por parte do Presidente da Câmara da época, Pedro Santana Lopes, que não aparece citado em lado algum. Recordo que ele tomou essa decisão – polémica na época - perante a intenção manifestada por Capelo de querer levar a colecção para fora do país. Reescrever a história, apagando nomes e factos, é uma atitude pouco digna e nada séria.
PARLAMENTO – Para memória futura: no espaço de apenas uma semana o PS quis impedir que o Parlamento ouvisse declarações do polémico Presidente do Eurojust, Lopes da Mota, e de Francisco Marcelino, o ilusionista que dirige o Instituto de Emprego e Formação Profissional e que tem artes de fazer diminuir o número de empregados graças a oportunos lapsos informáticos e metodológicos.
SINTOMÁTICO – Num panorama destes, Manuel Alegre decidiu reformar-se do Parlamento e desistiu de ir a votos, não integrando as próximas listas do PS. Todos aqueles que diziam que ele vale um milhão de votos ficarão agora na dúvida do peso eleitoral que ele possa de facto ter – fora da tribuna parlamentar onde durante décadas se baseou para a sua acção política, Manuel Alegre fica reduzido a bem pouco. A dúvida está em saber se saiu das listas do PS para intensificar tomadas de posição críticas, ou se perde palco e protagonismo.
POPULAR – O fim do Museu de Arte Popular, decidido na semana passada em Conselho de Ministros, mostra como o Estado subalterniza a produção artística e artesanal de origem popular, subalternizando o seu estatuto cultural. Além da colecção e do edifício, perde-se a oportunidade de ter junto ao rio um pólo de atracção turística, que será substituído por um «Museu da Língua» que ninguém sabe bem o que será, mas que é copiado de uma instituição que alguns governantes de Sócrates viram no Brasil e acharam tecnologicamente muito interessante. Para assegurar que a delapidação do património avance chamou-se, como vem sendo hábito quando se trata de estragar a cidade, a Sociedade da Frente Ribeirinha do Tejo, igualmente incumbida por este Governo dos desmandos do Museu dos Coches e da Praça do Comércio. Disto – que afecta, e bastante, Lisboa – nada diz António Costa.
FOTOGRAFIA – Semana rica em exposições de boa fotografia: Inês Gonçalves e Kiluange Liberdade mostram S. Tomé e Príncipe na Galeria Pente 10 (Travessa da Fábrica dos Pentes, às Amoreiras) e uma visão diferente de Luanda, esta na Plataforma Revólver (Rua da Boavista 84-3º); na P4Photography (Rua dos Navegantes 16), o moçambicano José Cabral merece ser descoberto com a inesperada exposição «Urban Angels»; e por fim, num outro registo, Pedro Tropa, na Quadrado Azul (Largo Stephens 4) mostra os seus desenhos e fotografias sob a designação «Cahier de Cent Dessins» numa instalação intimista.
LER – Tanta fotografia – e tanta polémica em torno da fotografia e dos critérios do prémio BES – tornam muito oportuno ler a reedição de «A Câmara Clara», de Roland Barthes, agora feita pelas edições 70. É obviamente um texto datado mas as reflexões de Barthes sobre a imagem fotográfica continuam oportunas, certeiras e sagazes – muito mais quando hoje assistimos a alguma estética baseada em verdadeiras mistificações, que ele bem localizou.
VER – A instalação de Fernanda Fragateiro «Construir É Destruir É Construir», no Museu da Electricidade, em Lisboa é baseada em três momentos diversos, todos evocando formas de sentir paisagens, sintetizadas na frase-manifesto pintado em mural no exterior - «A Paisagem Não Tem Dono».
PETISCAR – A Loja dos Açores abriu recentemente em Lisboa, na Avenida Elias Garcia 57, e, além de alguns produtos de artesanato oferece a possibilidade de se fazer uma petisqueira só com produtos do arquipélago – desde queijos a enchidos (como as reputadas morcelas) ou fumados, passando por doces (como o doce de Capuchos), até à carne dos afamados bovinos locais, os licores florais e até biscoitos.
OUVIR – O novo disco da cabo-verdeana Lura, «Eclipse», mistura uma produção mais ao gosto internacional com repertório tradicional e contemporâneo de Cabo Verde, composições de B.Leza , Toy Vieira ou Orlando Pantera. Menos tropical que discos anteriores, inesperadamente surpreendente como em «Tabanka» ou «Canta um Tango», este «Eclipse» surge como um curioso ponto de redefinição na direcção da carreira de Lura. (CD Lusafrica)
BACK TO BASICS - As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca acabam, Almada Negreiros
(Publicado no diário «Meia Hora» de 19 de Maio
O Museu de Arte Popular, em Belém, está encerrado há cerca de três anos e o seu espólio foi transportado em caixotes para o Museu de Etnologia, onde permanece fechado em caixotes e inacessível do público. O edifício original, o único que restou da Exposição do Mundo Português, está agora ameaçado por um projecto de adaptação que o ameaça tornar irreconhecível. Inaugurado em Julho de 1948, foi projectado por Jorge Segurado e no seu interior e nas suas paredes tinha frescos e obras de nomes como Manuel Lapa, Tom, Eduardo Anahory, Carlos Botelho, Estrela Faria e Paulo Ferreira. Durante anos reuniu uma colecção única de artesanato e arte popular que inspirou gerações de artistas e que atraía milhares de pessoas.
Apesar de tudo isto, na semana passada o Conselho de Ministros aprovou naquele local a instalação do Museu da Língua e o processo de concretização desta transformação foi entregue à Sociedade Frente do Tejo SA, uma entidade que parece estar destinada a ficar para a História como coveira de Lisboa – veja-se o caso dos contentores, da renovação da Praça do Comércio, do estapafúrdio novo Museu dos Coches e agora da destruição do Museu de Arte Popular.
A ideia do Museu da Língua, que é uma espécie de bandeira da muito coxa política cultural deste Governo, não é uma criação original – na realidade trata-se de uma cópia de um museu, muito tecnológico, com o mesmo nome que uns membros do actual governo português viram há tempos em S.Paulo e acharam muito engraçado. O facto resume uma maneira de pensar política e cultura: para fazer obra nova copia-se alguma coisa que se viu lá fora e destrói-se algo de original e nacional e que era único. Na dinamização do Museu de Arte Popular não se quis investir, mas na sua destruição e na construção do novo Museu da Língua o Estado vai colocar 2,5 milhões de euros. Isto diz tudo.
A atitude do Governo espelha o entendimento dominante dos políticos sobre a Cultura: o que é popular na origem e consegue ter público não tem estatuto. Esta forma de estar contamina tudo e prejudica o desenvolvimento de formas de expressão contemporâneas e populares. Em Portugal, ao contrário de muitos outros locais com uma criação artística florescente, a cultura popular é considerada menor. Infelizmente, a relação do Estado com a cultura popular está exemplarmente demonstrada nesta liquidação do Museu de Arte Popular. Melhor seria que quem nos governa admitisse o erro e voltasse atrás neste disparate. Para mais informações e formas de protesto vejam o blog www.museuartepopular.blogspot.
(Publicado no diário Meia Hora de 12 de Maio)
Esta semana li, algo surpreendido, um texto de propaganda sobre o que seria a política cultural da Câmara Municipal de Lisboa, protagonizada por António Costa. Publicada no sábado no «Público», a reportagem mostra um António Costa – pela primeira vez no seu mandato – preocupado com as questões da política cultural.
Presidente de uma vereação onde a Cultura é actividade acessória, confinada a estudos estratégicos de programa pré-definido e universo estreito, António Costa pouco mais fez do que mostrar como é presa de preconceitos e de lugares comuns, evitando falar de coisas concretas.
A estratégia de António Costa nesta matéria é curiosa: em vez de fazer uma política para a cidade, fez uma política e desenvolveu uma estratégia para querer seduzir pessoas, organizações e instituições ligadas às actividades culturais, dentro de um círculo razoavelmente restrito e com elevada dose de fidelidade política – na prática desprezou os públicos. O resultado é que a cidade perdeu aura, embora algumas pessoas tenham ganho ocupação subsidiada.
As iniciativas populares e o entretenimento – áreas marcantes da cultura popular contemporânea – têm-lhe merecido desprezo, substituídas por apoios avulsos a iniciativas muito especializadas e demasiado sectoriais. Mesmo num dos seus cavalos de batalha – a multiculturalidade, o seu mandato fica marcado pela extinção do África Festival, substituído por uma África.cont. que ainda ninguém sabe bem o que será e que, a bem dizer, não existe além do papel.
Mas o pior do curto mandato de António Costa em Lisboa tem sido a sua submissão ao Governo: foi assim com a Colecção Berardo, em que a Câmara devia ter imposto a solução do pavilhão de Portugal, na Expo, como equipamento receptor; foi assim no caso do inconcebível projecto do Museu dos Coches; foi assim na discutível transformação do Pavilhão dos Desportos num Museu do Desporto que ninguém sabe bem o que será e para que servirá.
O facto de em Lisboa conviverem instituições culturais nacionais com locais faz com que a Câmara deva ter voz activa nos equipamentos que estão na cidade. Mas como António Costa se demitiu desse assunto para não afrontar o Governo, Lisboa está no marasmo em que se encontra – à procura da fonte milagreira de onde brote o elixir que num instante transforme Lisboa numa cidade criativa – difícil quando se quer regulamentar e planificar a criatividade em vez de a deixar fluir.
(Publicado no diário Meia Hora de 5 de Maio)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.