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(Publicado no Metro de 25 de janeiro)
No momento da vitória Cavaco Silva congratulou-se com o facto de não ter usado cartazes de rua na sua campanha. Na realidade ele foi o candidato do silêncio – sem cartazes, sem respostas às perguntas. Uma das consequências desta estratégia do silêncio foi afastar os eleitores da política e, por isso, Cavaco Silva pode gabar-se de ter sido o Presidente eleito com menos votos e com maior abstenção. É Presidente de um país que neste Domingo disse não acreditar nos políticos, ele incluído.
Vamos a contas: Cavaco foi eleito com o seu menor voto de sempre nas três eleições presidenciais que já disputou: 2.230.104 votos, menos meio milhão que em 2006. Os seus votos representam uns meros 23% do total de eleitores inscritos. Isto não lhe tira legitimidade, mas mostra uma evidência: só conseguiu o apoio de menos de um quarto dos portugueses.
Mais interessante ainda é vermos que 64% dos eleitores optaram por não votar em qualquer dos candidatos apoiados por partidos – e aqui incluo as abstenções, os votos brancos e nulos, os votos em José Manuel Coelho e Fernando Nobre – ao todo 6.200.636 eleitores. Só as abstenções, votos nulos e brancos somam 5.417.428 eleitores num total de 9629.630 – ou seja 59,56% do total. A verdade é esta – quase 2/3 do país não se revê nos candidatos do sistema político. Dá que pensar. O recado é claro: o regime está vazio.
Há outro número curioso – Manuel Alegre perdeu 306.338 votos de 2006 para cá, apesar do apoio expresso do Bloco de Esquerda e do PS. Mas Fernando Nobre, sem apoios partidários, teve 593.868 votos, o que quer dizer que roubou votos aos candidatos institucionais. Manuel Alegre escusa de procurar muito onde estão os votos que perdeu – a maioria deve ter ido para Fernando Nobre.
Por isso é que me apetece dizer que o grande vencedor da noite eleitoral esteve sossegado, afastado da ribalta, e cultivou, ele também o silêncio. Chama-se Mário Soares, e ontem deve ter sorrido ao ver os resultados. Há cinco anos Alegre desfez-lhe a ele, Soares, os resultados eleitorais; ontem Soares serviu-lhe a vingança. Fria, como convém.
ELEIÇÕES – Não tenho memória de uma campanha eleitoral tão fraca e desinteressante. Dos discursos dos candidatos aos tempos de antena, tudo é bafiento, vazio, desinteressante. Existem mais ataques pessoais do que debate de questões importantes. Dificilmente se percebe qual a posição dos candidatos sobre o papel da Alemanha e França na crise europeia. Análises sobre as consequências da evolução tecnológica no mercado de trabalho não existem. Ligações com a realidade do mundo em que vivemos são quase nulas, para além dos habituais muros de lamentações. Manuel Alegre é um poço de contradições, Cavaco Silva deixou-se enredar num poço de negações, Fernando Nobre é incompreensível e os outros candidatos não têm existência real – um fora do aparelho que o alimentou, outro fora da fantasia que criou e o último fora do ridículo que cultiva.
Os cartazes são incipientes e, a propósito, sugiro que visitem o blogue www.imagensdecampanha.blogs.sapo.pt que fez um belo apanhado de cartazes eleitorais de presidenciais anteriores.
É muito curioso que em 2011 os tempos de antena televisivos sejam tão pobres, tecnicamente rudimentares, mal feitos até. Não é só uma questão orçamental -certamente é também a prova de como os próprios candidatos consideram pouco úteis os tempos de antena e acabam por optar não os utilizar de facto, limitando-se a ocupar da forma mais básica o espaço que lhes foi dado. – até porque concentram esforços em criar todos os dias oportunidades de imagens para os noticiários das televisões, que é o veículo que privilegiam e verdadeiramente lhes interessa. Esta questão deve aliás fazer pensar na lógica de penalizar as estações privadas de televisão com um considerável espaço de tempo de emissão, em horário nobre, que na prática lhes retira audiência. Em muita coisa precisamos de mudar a Lei Eleitoral – para além do sistema político – e estas presidenciais estão a ser a prova disso. Muito provavelmente os resultados vão ajudar a comprovar isto mesmo, mostrando que é importante existir uma reflexão profunda sobre a forma como se faz política e como se devem dinamizar os processos eleitorais para assegurar maior participação. Tenho curiosidade em ver como vão ser as abstenções, os votos nulos e os votos brancos. Tenho curiosidade em ver como será o resultado de Alegre versus Nobre. E tenho curiosidade de ver quantos portugueses não votarão em nenhum dos candidatos, como eu – farto que estou de andar a escolher o mal menor.
ARÁBIAS – Esta semana fartei-me de pensar no livro «Os Charutos do Faraó», um dos clássicos das aventuras de Tintim. Foi nesse livro que apareceu um personagem chamado Oliveira de Figueira – e já que estamos em época de celebrar a Wikipedia é de lá que retiro este texto: «Ele é um comerciante oriundo de Lisboa, vendendo suas mercadorias em pleno desero do fictício país de Khemed. Dotado de uma grande facilidade para convencer, consegue vender a Tintim uma grande quantidade de objectos inúteis, assim como aos árabes que aparecem de todas as partes ao escutá-lo a falar. » Pois surgiu-me natural e óbvia a comparação entre Oliveira de Figueira e José Sócrates no seu périplo destes dias pelas Arábias. Sócrates apregoou tudo o que quis – das energias renováveis ao progresso tecnológico. Da venda da nossa dívida não falou em público, mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros encarregou-se de dizer que também a dívida fazia parte do catálogo da venda ambulante. Na última semana antes das eleições Sócrates vestiu-se de personagem de banda desenhada e preferiu os ares das arábias aos jantares de carne assada do seu candidato. É uma curiosa coincidência.
ARCO DA VELHA – Se Alegre perder, o PS prepara-se para acusar o Bloco de Esquerda – lido nos jornais.
VER – «Encenações» é o título da exposição de 40 novas obras de Manuel Amado, que ficará na bela sala da Sociedade Nacional de Belas Artes até 15 de Março. O habitual traço minucioso do pintor contrasta com o universo que projecta personagens de fantasia, criando por vezes como que instantâneos de sonhos. Alguns dos quadros respiram num universo próximo da banda desenhada, proporcionando leituras diversas – na cor, no enquadramento, na narrativa visual. Há um lado contemplativo nesta série de novas obras, em que o autor posiciona as personagens que criou no exacto ponto em que ele próprio se colocou para visualizar (ou imaginar) as imagens pintadas. Rua Barata Salgueiro 36, das 14 às 20h00, fecha domingos e feriados.
LER – A revista «Monocle» reincidiu na edição de um jornal. É a segunda vez, a primeira foi no Verão e o jornal estreia em formato jornal da «Monocle» era dedicado ao sol e ao mediterrâneo. Esta segunda edição é dedicada à neve e à montanha. Mais uma vez surpreende a capacidade de adaptação do formato contido da «Monocle» ao tamanho de um jornal e a capacidade que a equipa da publicação tem em fabricar conteúdos temáticos de forma tão interessante. E é isso exactamente que é o mais interessante quando se folheiam estas 72 páginas , ao longo de artigos sobre os encantos da capital da Islândia, exemplos de boa arquitectura em retiros de montanha, devaneios gastronómicos adequados ao Inverno ou uma bela reportagem sobre Andorra, que por acaso é um dos destinos de neve preferidos pelos portugueses.
OUVIR – «Dig» é o nome de um álbum gravado em 1951 com Miles Davis (trompete) e Sonny Rollins (sax tenor), a liderarem um grupo que incluía também Art Blakey na bateria, Tommy Potter no baixco, Jackie McClean no sax alto (a sua primeira gravação para disco) e Walter Bishop no piano. A presente reedição, remasterizada, em CD, reproduz os sete temas do LP, quatro dos quais são originais de Miles Davis (como «dig», a faixa título» e outros três versões, entre as quais destaque para «It’s Only A Paper Moon». O que é mais curioso é que esta gravação é posterior a «birth Of The Cool», o histórico registo que projectou Miles Davis, e é bem diferente do ponto de vista da sonoridade. Miles Davis tinha 25 anos na altura e Sonny Rollins tinha acabado de fazer 21. É muito engraçado descobrir hoje como eles encaravam e faziam música na altura – há exactamente 60 anos. Disponível na FNAC.
PROVAR – Ao fundo do Campo Grande, paredes meias com o estádio universitário, depois de passada a Reitoria e seguindo em frente, fica o Hipódromo do Campo Grande. Lá dentro está um restaurante que vale a pena visitar. A sala é confortável, ampla, a misturar o clássico e o contemporâneo, com uma ampla janela sobre o relvado do hipódromo. A cozinha é claramente portuguesa, tradicional, com uma proposta variada de carnes onde se destacam de bifes e umas iscas que são de perdição, algumas tentadoras ofertas de bacalhau, peixes no carvão e uma dourada à Bulhão Pato que chamou a atenção. Boa carta de vinhos, preços ajuizados para a qualidade da matéria prima, da confecção e do serviço. E do local, também, que a sala merece elogios. Estacionamento fácil, encerra domingos ao jantar. Telefone 217 957 521.
BACK TO BASICS – Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça - Bismarck
(Publicado no diário METRO de 18 de Janeiro)
Domingo que vem há eleições e encaro seriamente a possibilidade de, pela primeira vez na vida, não ir votar em nenhum candidato. Gostava de poder e querer ir votar mas estou farto do mal menor. Não me apetece votar num candidato que passou um mandato a ver se não incomodava ninguém, para poder ser reeleito. Estou farto de superioridades morais apregoadas. Nenhum dos candidatos me motiva.
A campanha eleitoral é um exemplo do que não deve acontecer: insultos em vez de ideias, mentiras em vez de esclarecimento, promessas em vez de factos. Irrita-me a política tratada como um jogo de futebol: o nosso sistema reduziu a actividade política e cívica a uma guerra clubística entre partidos e entre quem eles apoiam.
Cada cidadão tem o dever de participar – e votar é uma forma de participação. Mas os políticos, os candidatos, têm o dever de nos mobilizarem, têm o dever de, mais por actos do que por palavras, nos convencerem. Mas da mesma forma que votar é uma forma de participação, não votar é uma forma de rejeição do sistema, dos seus intervenientes. Se não encontro candidato que me satisfaça, não sou obrigado a votar em ninguém.
A minha única dúvida está em saber exactamente como vou fazer isto – se me abstenho por ser incapaz de escolher um voto, ou se faço voto nulo e escrevo qualquer coisa. Uns amigos meus – aviso já que até são à esquerda – vão escrever « FMI»no boletim de voto. Eu talvez escreva «eleições antecipadas». Tenho até ao fim de semana para decidir, mas uma coisa é certa: nenhum destes candidatos leva o meu voto e não me apetece encher-me de comprimidos contra a azia no Domingo à tarde.
Domingo à noite, quando os resultados forem conhecidos, vou contar a soma de abstenções, com votos nulos e votos em branco. E vou ver quantos votaram. Eu aposto que a maioria dos eleitores não vai querer participar nisto, não vai votar em nenhum dos candidatos – e se isso acontecer, ainda bem. Talvez se perceba que é preciso mudar alguma coisa.
SITUAÇÃO – Durante anos o Estado passou rasteiras à classe média, quer em matéria de impostos e taxas, directos e indirectos, quer através de milhentos ardis para lhe dificultar a vida. Com as novas medidas de austeridade a coisa refina-se: ainda mais impostos e taxas, penalizações nos custos de saúde, nas deduções dos recibos verdes, ameaças de maior desemprego, diminuição do poder de compra. Este aperto da classe média, que vive cada vez mais sufocada entre os empréstimos que a ilusão de progresso incentivou, e a dura realidade da diminuição efectiva dos seus rendimentos, só pode ter efeitos de bola de neve.
As grandes cadeias de supermercados vão facturar menos, os concessionários das auto-estradas vão receber menos portagens, todo um sistema de funcionamento da sociedade que está montado, em boa parte, para viver das receitas do estilo de vida da classe média, está agora em risco de entrar em colapso. Olho para o lado e vejo dezenas de amigos e conhecidos que já sabem, na sua própria família directa, o que é o desemprego; olho para pessoas com cinquenta e poucos anos que não conseguem encontrar trabalho para as qualificações e experiência que têm; olho para o outro lado e vejo jovens recém-licenciados que desesperam por conseguir aplicar aquilo que estudaram e que a proliferação de cursos ajudou a pensar que um diploma só por si seria uma chave para uma vida sem problemas. Estamos agora a enfrentar décadas de irracionalismo – na educação, mas também no consumo, no modo de vida, na falta de incentivo a poupanças, na construção de uma sociedade que beneficiava o facilitismo, a começar pelos políticos que laboriosamente dela se alimentaram.
MEMÓRIA - Manuel Alegre foi, durante um semestre, secretário de Estado do I Governo Constitucional. Nessa qualidade encerrou as quatro publicações do grupo da Sociedade Nacional de Tipografia, entre as quais o diário «O Século», em Fevereiro de 1977, atirando para o desemprego 900 trabalhadores. Talvez a história dos media portugueses fosse bem diferente se Alegre não tivesse assumido o papel de carrasco do maior grupo de imprensa que então existia e que integrava o diário «O Século» e as revistas semanais «Século Ilustrado», «Vida Mundial» e «Mulher- Modas e Bordados». Quando assinou a morte do grupo do «Século», Manuel Alegre fez promessas de uma reestruturação que nunca foi sequer iniciada. É este o candidato que se nomeia campeão da Liberdade.
PRESIDENCIAIS – Olhando para o que se passa só posso achar que a candidatura de Defensor de Moura é uma lebre propositadamente largada para servir de tambor a Manuel Alegre nos seus ataques a Cavaco. Nestas presidenciais não há ideias, nem linha política, apenas ataques e contra-ataques. É um jogo de futebol mal jogado, um péssimo espectáculo para os eleitores. Não admira que comecem a aparecer frases como esta, de Pedro Rolo Duarte, no seu blogue: «É desolador querer votar e não ter em quem votar».
DESTAQUE – O cartonista Luis Afonso resumiu da melhor forma a situação que se vive em Portugal: «Ajuda financeira não sei, mas ajuda psicológica precisamos de certeza».
ARCO DA VELHA – «Senhor Professor, tomei dois supositórios para poder estar aqui hojea vê-lo» - declaração de uma apoiante de Cavaco Silva durante uma acção de campanha eleitoral no Fundão.
VER – Quem gosta de banda desenhada não pode perder a exposição que está no Museu Berardo desde o início desta semana, «Tinta dos Nervos» - e que precisamente se dedica à banda desenha contemporânea feita em Portugal, com um selecção cuidadosa de autores feita por Pedro Vieira de Moura. Aqui coexistem nomes menos conhecidos, com actividade quase só em fanzines, como autores mais conhecidos com obra editada e divulgada. E algumas surpresas, como bandas desenhadas feitas pelo pintor Eduardo Batarda ou do músico Carlos Zíngaro.
LER – Quando passeamos nas ruas de uma cidade e nas estradas que lhe dão acesso vemos continuamente manifestações de arte urbana – dos graffittis a instalações. A editora Taschen reuniu centenas de imagens destas num livro absolutamente fantástico - «Trespass, História da Arte Urbana Não Encomendada». O título em si vale a pena, porque de facto é de arte não encomendada que falamos, quando falamos destas formas de arte urbana contemporânea. É uma actividade que nasce do improviso, do desejo de auto-expressão, do impulso criativo do momento. No prefácio do livro Sara Schiller sublinha que esta é uma viagem «por testemunhos efémeros» que se tornam parte da paisagem e sublinha «o forte espírito de comunidade destes artistas», para depois fazer notar uma evidência que me tinha passado despercebida: «A internet, combinada com a máquina fotográfica digital ou mesmo os telemóveis actuais, permitiu partilhar imagens e torná-las conhecidas do outro lado do mundo»; ou seja, possibilita que se veja mesmo sem se ir ou estar, de forma praticamente instantânea. Quando se folheia o livro, ao longo das suas 320 páginas, percebe-se este espírito de partilha, e de descoberta. No posfácio, Anne Pasternak sublinha que esta é uma «arte não encomendada mas intervencionista, uma arte em que os artistas concretizam as suas ideias por conta própria; onde há parede ou asfalto há uma superfície que pode servir aos artistas intervencionistas, que estão por todo o lado».
OUVIR – A coisa mais verdadeira que li sobre este CD dos LCD Soundsystem, «This Is Happening», é que cada disco é o resultado da colecção de discos dos seus criadores. Ouvindo este álbum, geralmente considerado como um dos melhores do ano passado, é isso mesmo que transparece. Aqui as influências são de David Bowie, de Eno, de Robert Fripp, mas também de Iggy Pop ou dos Human League. O resultado final é uma conjugação de ritmos que não nos deixa ficar quietos, uma constante provocação dos sentidos e das memórias auditivas. Entretenimento inteligente.
PROVAR – Uma boa refeição faz-se de um somatório de componentes: conforto da sala, qualidade dos ingredientes, o saber do cozinheiro e, finalmente a simpatia e qualidade do serviço. Vai sendo cada vez mais raro encontrar tudo isto num mesmo espaço, sobretudo em Lisboa, onde às vezes a vaidade de alguns chefes se sobrepõe ao respeito pelos clientes. Felizmente não é o caso de Henrique Mouro, o chefe que está por trás do restaurante Assinatura – que fica perto do Rato, numa perpendicular à Rua Alexandre Herculano. Henrique Mouro ganhou fama no Club, em Vila Franca de Xira, e transportou o seu saber, sem pretenciosismos escusados, para Lisboa. A sala é de boa dimensão, bem iluminada, mesas e cadeiras confortáveis. O serviço é competente e não intrusivo mas é na criatividade colocada na forma de interpretar receitas tradicionais portuguesas que se encontra a chave do sucesso do restaurante. Ao almoço há menus executivos (com a vantagem de se poder escolher apenas um prato ou fazer várias combinações entre as propostas) e à noite, em querendo, há propostas de degustação. A lista de vinhos é boa e a preços moderados. Assinatura, Rua do vale de Pereiro 19ª, Telefone 213 867 696.
BACK TO BASICS - Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança , Nicolau Maquiavel.
(Publicado no diário Metro de 11 de Janeiro)
O mesmo candidato que, nos seus cartazes eleitorais, promete garantir democracia e estado social é um político com mais de três décadas de parlamento, mas com quase nula experiência governativa ou de gestão concreta de assuntos do Estado.
Na realidade Manuel Alegre foi secretário de Estado do I Governo Constitucional por escassos seis meses e fica na história por ter sido o governante que encerrou as quatro publicações do grupo da Sociedade Nacional de Tipografia em Fevereiro de 1977, atirando para o desemprego 900 trabalhadores daquele que era, à época, o maior e mais prestigiado grupo de imprensa existente em Portugal.
Talvez a história dos media portugueses fosse bem diferente se Alegre não tivesse assumido o papel de carrasco de um grupo de imprensa nessa altura. Por isso as suas declarações sobre o seu apego à Democracia esbarram no incontornável facto de, enquanto governante, a ter diminuído ao limitar – e muito - a oferta de imprensa existente.
O grupo de imprensa que Manuel Alegre encerrou integrava o jornal diário «O Século» e as revistas semanais «Século Ilustrado», «Vida Mundial» e «Mulher- Modas e Bordados». Era, em termos de qualidade e diversidade de títulos, um grupo ímpar na imprensa portuguesa da época.
Manuel Alegre acabou com ele de um dia para o outro, basicamente porque a linha editorial do «Século» o incomodava – a ele e ao Partido Socialista.
Quando assinou a morte do grupo do Século, Manuel Alegre fez promessas de uma reestruturação que nunca foi sequer iniciada. Na realidade o que interessava era encerrar aquelas publicações, limitar as vozes discordantes do Governo do PS.
No site da candidatura ou nos documentos oficiais de Manuel Alegre não se vê uma referência a esta sua acção enquanto governante. Manuel Alegre é do género de preferir esconder o que não lhe interessa. Talvez por isso esqueceu que tinha sido convidado por uma agência publicitária a escrever para uma campanha do BPP – e depois, quando a coisa se soube, meteu os pés pelas mãos.
Na realidade, Manuel Alegre não é um político fiável. Prefere esconder os seus erros a assumi-los.
DÉCADA – A primeira década do século XXI foi, no caso português, uma década de enorme desperdício – de tempo, de oportunidades, de recursos, de ideias e de decisões. Uma década marcada por uma larga maioria de anos de governação do PS, em que o país não avançou. Na primeira metade da década Jorge Sampaio manobrou a forma e o timing das suas decisões, de acordo com os interesses do seu partido, para partir tranquilo de Belém, depois de ter entregue o Governo a José Sócrates.
Na segunda metade da década, José Sócrates fez ouvidos de mercador a todos os que avisavam dos perigos e da gravidade da situação – mesmo de dentro do seu partido - e conduziu o país ao descalabro, perante a relativa complacência de Cavaco Silva. E foi, ainda, a década em que a utopia da Europa se começou a desmoronar, em que o predomínio franco-germânico se consolidou, e em que as políticas comuns foram esquecidas. Tudo o que foi base do funcionamento dos Estados da Comunidade nas últimas duas décadas está em processo de revisão. E o tão enaltecido Tratado de Lisboa já é, maioritariamente, letra morta. «Foi porreiro pá» - dizia José Sócrates a Durão Barroso na cerimónia final desse Tratado. Viu-se, não é?
DISTRACÇÃO – As comemorações do Centenário da República custaram milhões e mobilizaram pouca gente. Serviram para glorificar mais uma ideologia do que um ideal. E, no fim, arriscam-se a ter sido a ante-câmara da eleição presidencial menos votada dos últimos 37 anos. Se a abstenção passar dos 50 por cento ficaremos pelo menos com uma certeza: teremos um Presidente – e um regime - que não representa eleitoralmente a maioria dos portugueses. No entretanto a campanha alimenta-se de chicanas políticas, entre um Manuel Alegre desesperado para quem vale tudo, e um Cavaco apostado em ser o maior obstáculo à sua própria reeleição.
CULTURA – A actuação de Gabriela Canavilhas no Ministério da Cultura é uma desilusão. Sem orçamento nem força política, limita-se a gerir o caos em que o seu Ministério se foi transformando, sugerindo medidas avulsas, a maior parte das vezes irreflectidas, como é a questão da fusão dos Teatros Nacionais na polémica Opart ou as várias demissões que já provocou. São actuações como estas que levam a pensar se não fará sentido deixar de existir Ministério da Cultura, neste momento apenas um centro de custos, ainda por cima com despesas de funcionamento consideráveis para os resultados produzidos.
Não seria de estudar outro modelo? Aqui está um caminho que vale a pena debater, sobretudo na situação actual: qual o papel do Estado na Cultura? Como e onde se devem investir recursos públicos nesta área? E que pode o Estado fazer para incentivar o desenvolvimento da actividade privada – pelo menos em boa parte das actividades relacionadas com a criação artística? A oposição teria aqui muita matéria para agitar as águas e quebrar preconceitos se se dedicasse ao tema com seriedades e sem demagogias.
PERGUNTA – Que diz António Costa aos aumentos decretados pelo Ministério da Administração Interna nos desbloqueamentos de veículos, reboques e estacionamentos em parques da polícia? São aumentos entre os 50% e os 100%, que tornam a vida ainda mais difícil aos lisboetas, sempre perseguidos pelos esbirros da EMEL. Lembrei-me, a propósito, do novo slogan que os trabalhistas britânicos criaram para denunciar os aumentos de impostos: «wrong tax, wrong time». Pense nisto, Dr. António Costa.
LISBOA – Os jornais relataram esta semana um caso que é um exemplo do desgoverno e inacção existentes na Câmara Municipal de Lisboa. O Centro de Dia, construído de raiz pela autarquia da capital em Campo de Ourique, ficou pronto em 2008 e custou perto de 900.000 euros. Desde então está vazio, a degradar-se, e nestes últimos dias foi vandalizado. As culpas deste estado de coisas vão passando de mão em mão sem ninguém assumir responsabilidade – a Junta de Freguesia diz que não é com ela, a Câmara diz que é com a Misericórdia, a Misericórdia diz que não tem a ver com o assunto e o vereador do pelouro de Acção Social, Manuel Brito, diz desconhecer o caso e fez esta declaração extraordinária: «Ainda tenho o pelouro da Acção Social, mas, na prática, deste há muitos meses que ele está nas mãos do senhor Presidente». Nem vale a pena comentar…
ARCO DA VELHA – Ricardo Rodrigues, aquele deputado ilusionista que fez desaparecer gravadores durante entrevistas incómodas, quando estava a ser inquirido sobre aspectos pouco claros da sua actuação enquanto advogado, foi o melhor que o PS se lembrou de arranjar para presidir à nova Comissão de Inquérito sobre Camarate. O mais espantoso de tudo é que, sobre o furto dos gravadores aos jornalistas, o Parlamento nada disse na altura. Vai-se a ver e, agora, o ilusionista recebe, em vez de admoestação, uma recompensa. Como é que se há-de acreditar no Parlamento?
DESCOBRIR – A revista «Computer Arts» tem uma edição internacional que se tornou um objecto de culto no meio do design digital. Desde há dois meses existe também uma edição portuguesa, muito bem feita por sinal. Para além de conteúdos comuns com a edição internacional, apresenta portfolios e entrevistas com criadores portugueses como André Beato, Luis C. Araújo, Luis Bacharel ou Vasco Vicente, entre outros. A entrevista do mês é com André Carrilho, o caricaturista português que mais se internacionalizou. Da publicidade à banda desenhada, passando por jogos, novo software e conselhos práticos de negócio, a Computer Arts aborda várias áreas. Destaque, nas duas edições já em banca, para a rubrica estúdio do mês, em Janeiro dedicada á equipa da Dub Video Connection.
FOLHEAR – Magnífica a edição de Janeiro da «Wallpaper». Sob o título «What Happens Next» a revista leva-nos a descobrir as novas tendências da arquitectura, fotografia, design e moda – mas também da gastronomia. Esta edição inclui ainda os nomeados para os Design Awards e uma lista de novos empresários que dão nas vistas em todo o mundo – entre os quais está Catarina Portas com os seus quiosques e as lojas a Vida Portuguesa. A outra presença portuguesa na revista é uma belíssima página de publicidade á Renova - «The Sexiest Paper On Earth»ssinatura da empresa é magnífica - «Renova, the black toilet paper company». Aqui está um belo exemplo de uma empresa portuguesa que está a trabalhar bem a sua marca além fronteiras.
OUVIR – «My Beautiful Dark Twisted Fantasy» é um dos discos que mais apareceu nas escolhas dos melhores do ano em 2010. O seu autor é Kanye West, um rapper com um invulgar talento para fazer grandes canções – de tal forma que este seu álbum parece mais um «best of» que um disco de originais. Embora se decrete com regularidade a morte do hip-hop, a verdade é que Kanye West escreve de forma interessante, é diferente da maioria dos outros artistas, indiscutivelmente criativo, tem um ego do tamanho do universo e é consideravelmente louco. Mas no fim o resultado musical é magnífico. E magnético. Apetece repetir audição após audição.
PROVAR – Antes que o Sushi Café abra portas na Barata Salgueiro, continua a valer a pena experimentar os seus pratos nas Amoreiras. É um dos restaurantes de sushi com melhor relação de qualidade-preço e, também, um dos mais populares. Quem não gosta de sushi tem outras especialidades da cozinha japonesa onde pode fazer belas descobertas – desde massas a carnes. É um dos melhores restaurantes existentes nos centros comerciais de Lisboa. Telefone 213840299
BACK TO BASICS – Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito (Albert Einstein)
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