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No sábado passado resolvi aproveitar a manhã para ir fazer algumas compras em lojas de rua, no comércio tradicional. Quando ía a chegar, um carro que estava estacionado, saíu. Aproveitei e estacionei. Um pouco à frente estava um carro em dupla fila e um pouco atrás estava outro, em cima do passeio. A zona onde parei, Avenida António Augusto de Aguiar, tinha parquímetros e eu não tinha moedas. Ao lado havia um café e eu, pobre ingénuo, pensei assim: tomo um café, compro o jornal, fico com trocos e já cá venho. Ainda olhei à volta a ver se via algum EMEL, para o avisar, mas nada. Estacionei em cima das 11h00. Demorei no máximo dez minutos a tomar o café. Quando cheguei tinha um aviso no carro, com indicação de que era das 11h05. Não havia rasto de nenhum agente da EMEL. Presumo que estivesse emboscado antes, à espreita, e que depois tivesse zarpado, muito contente com o seu feito. O carro em dupla fila continuava no mesmo sítio e em cima do passeio estava o outro. Nenhum deles tinha multa nem aviso da EMEL.
Dei comigo a pensar que é assim que se dá cabo de uma cidade. António Costa prometeu há uns anos acabar com os carros em segunda fila. Como todos sabemos a segunda fila tem crescido ao mesmo ritmo do aumento de poderes da EMEL e da sua intransigente perseguição aos lisboetas.
Depois do incidente de sábado dei comigo a pensar nisto: o racional da EMEL é evitar que entrem tantos veículos para estacionar em Lisboa. Ora, ao sábado de manhã, a entrada de carros na cidade é muito diminuta quando comparada com os outros dias. E é legítimo pensar que a maioria dos carros que circulam ao sábado de manhã na cidade são de residentes. Por isso acho que seria uma medida positiva para o comércio de rua da cidade que ao sábado não se pagasse estacionamento – até porque é mais barato estacionar no parque de um centro comercial que na rua. Ao perseguir e punir munícipes ao sábado de manhã a EMEL acaba por ser inimiga do comércio tradicional e beneficiar os centros comerciais e as grandes superfícies. É Esta a cidade que queremos?
(Publicado no diário Metro de 29 de Novembro)
FRENTISMO – Nos anos 30, muito por inspiração dos partidos comunistas, através dos sindicatos, e perante a cumplicidade dos partidos socialistas (ou social-democratas na época), desenvolveu-se a política da Frente Única, que se destinava a juntar as forças de esquerda contra a direita e o capitalismo. Nalguns países a Frente Única teve vitórias eleitorais, noutros ganhou identidade como forma de resistência, já a guerra despontava ou estava em pleno.
Assistimos nestes dias a um ressurgir das ideias e práticas da Frente Única, bem expressas no Manifesto encabeçado por Mário Soares contra as políticas de austeridade. Há aqui um fenómeno curioso – nos anos 30 a Frente Única reivindicava protecção social, melhores salários, horários mais reduzidos. Anos mais tarde, no pós-guerra, muitos desses objectivos foram conseguidos criou-se na Europa o Estado Social, que acabou por chegar a Portugal mesmo no anterior regime, e com a satisfação de reivindicações as águas separaram-se e as várias partes da Frente Única seguiram cada uma o seu rumo. O progresso social foi enorme – o problema foi ter deixado crescer a protecção do Estado muito para além das posses do próprio Estado – quase sempre com o pano de fundo do acenar promessas eleitorais. Quem rejeita a ideia de viver melhor? E quem disse quais os custos que muitas medidas teriam a longo prazo? Quase oito décadas depois, e um pouco por todas as economias em crise, ensaiam-se novas frentes únicas – com mais ou menos indignados.
Esta nova vaga de protestos acontece porque o Estado Social ameaça ruína e aquilo que se dava por garantido, afinal já não está seguro nem certo. A evolução das sociedades industriais na Europa e o próprio progresso tecnológico aceleraram de forma dramática o desemprego – sem grandes possibilidades de criação em massa de novos postos de trabalho. Em muitos países a produção industrial quase desapareceu. O abandono dos campos, a concentração nas cidades, a ilusão da abundância, alteraram o precário equilíbrio das sociedades – e Portugal, com a desertificação do interior, o abandono das pescas e da agricultura, a falência de sectores da indústria, é um case study do crescimento desorganizado – e fora de tempo – de uma sociedade. A Frente Única, ontem ensaiada na greve, quer que o papel do Estado não mude, apesar de o Estado manifestamente não ter dinheiro. ~
Aquilo a que assistimos – e que nos atinge a todos - resulta de anos de encargos excessivos, de deficits acumulados, de dívidas aumentadas. Não se pode distribuir aquilo que se não tem, e distribuir com base em dívida é sempre uma péssima solução como agora vemos – é isto que a Frente Única não percebe, e que Soares bem sabe mas que quer aproveitar em mais um esforço para voltar a ser protagonista da História. Acontece que, em boa parte, foram os seus amigos socialistas, por essa Europa fora, que inspiraram ou incentivaram esta economia cronicamente deficitária, em nome de uma ilusória distribuição da riqueza, que afinal não existia. E em Portugal foram eles que, nos últimos 15 anos, conduziram alegremente o aumento exponencial da dívida, dos encargos do Estado, da falsa prosperidade. A Frente Única é uma receita do passado – e numa certa medida a responsável pela situação que se desenvolveu e que nos conduziu aqui – a do Estado gastar mais do que aquilo que podia. A geração de políticos do pós guerra construiu este modelo e deixou de herança os encargos. E agora aparece, sobressaltada, a querer revisitar o passado sem se preocupar, mais uma vez, com o futuro.
ESPIRAL – O sistema financeiro tem evidentes culpas no cartório, os reguladores dos mercados têm evidentes culpas no cartório, mas é justo reconhecer que os Estados têm também uma boa parte dessas culpas. Para satisfazerem os compromissos crescentemente deficitários com as políticas sociais – desemprego, saúde, educação, subsídios diversos – e também para pagarem obras muitas vezes desnecessárias e políticas incompreensíveis, os Estados foram pedindo mais e mais dinheiro aos bancos, já que as receitas não chegavam para a despesa; os bancos acharam que emprestar aos diversos Estados era um negócio seguro, que rendia bons juros e, de certa forma infindável – os deficits aumentavam, o serviço da dívida aumentava, cada vez era preciso maior financiamento. Desta forma os bancos alegremente compraram dívida pública de vários países. Pior, toda a sociedade se habituou a viver de dinheiro que não existia – os particulares com créditos de consumo, as empresas com créditos para toda a espécie de projectos - muitas vezes baseados em planos de negócio utópicos. Criou-se a prosperidade aparente baseada num sistema de dívida crescente.
Quando alguém se lembrou de fazer contas e disse que os devedores não tinham dinheiro para pagar as dívidas, o mundo ficou em estado de choque. A espiral tinha tomado conta da situação. Essa é a situação em que nos encontramos e esse é o grande problema – que fez surgir o apetite cada vez maior pela especulação e que acelerou a crise na zona Euro – uma zona artificialmente criada e que, agora, para sobreviver, substitui governos eleitos por técnicos escolhidos. O aprofundamento da Democracia, que a Europa era suposta proporcionar, afinal está a cair por terra.
SEMANADA – Jardim vai gastar três milhões de euros em iluminações de Natal e fogo de artifício; Paulo Penedos recebeu 1,2 milhões de Manuel Godinho; funcionários do parlamento ponderam fazer greve no dia da votação do Orçamento de Estado; em 2010 a violação do segredo de justiça deu origem a um processo por semana.
ARCO DA VELHA – Parece que em 2012 vão desaparecer os incentivos para a compra de carros eléctricos. E agora para que servem os electrões que andam aí pelas ruas a ocupar bons lugares de estacionamento? E o dinheirão que se gastou naqueles equipamentos todos? - há mais carregadores que carros…
VER– Até Domingo à noite, no Pavilhão 1 da FIL, no Parque das Nações, decorre a Arte Lisboa – ainda não percebi porque não realizam esta Feira na Junqueira; Em Coimbra, no Centro de Artes Visuais, fotografias de Pedro Medeiros e de Mauro Cerqueira; na Galeria Avenida 211 (Avenida da Liberdade 211, 1º-esq) fotografias de Álvaro Rosendo (que bom rever o seu trabalho!), de José Drummond e instalações de Edgar Massul; na re-searcher gallery (Rua da Madalena 80D), Luis Miguel Castro expõe curiosos retratos de figuras portuguesas, de Mário de Sá Carneiro ao Marquês do Pombal, num traço onde a ironia e a observação se complementam.
OUVIR – Gordon Sumner nasceu em 1951 e a partir de 1977 começou a ser conhecido como Sting, quando os Police iniciaram o seu percurso musical e rapidamente ganharam fama. Na sua carreira Sting tem mais de 100 milhões de discos vendidos e recebeu 16 grammys. A sua música foi oscilante, mas ele é indiscutivelmente um grande compositor de canções, daquelas que ficam associadas a épocas ou episódios da vida de cada um. Para assinalar os seus 25 anos de carreira a solo e 60 de idade foi agora editado um duplo CD com 31 temas dos seus discos, desde “If You Love Somebody Set Them Free», de 1985, até «End Of The Game» de 1910, passando por «Moon Over Bourbon Street», «Englishman In New York» ou «Mad About You». Todos os temas foram remasterizados e algumas, do primeiro disco, foram remisturadas. Edição AM/Universal
LER – Na Vanity Fair deste mês a capa é uma bela fotografia de Scarlett Johansson feita por Mario Sorrenti. Lá dentro a actriz fala do seu novo filme «We Bought A Zoo» de Cameron Crowe, do trabalho com Woody Allen e até dos seus percalços na internet. Outros artigos de interesse abordam os mitos de Jacki Kennedy, uma revisitação dos anos em que Margaret Thatcher esteve no poder e as guerras de sucessão no império Murdoch. Finalmente, aqueles que se interessam pelos negócios do desporto gostarão de ler sobre o método de trabalho de Billy Beane, o homem que revolucionou a gestão da equipa de baseball Oakland A’s com base na psicologia cognitiva.
PROVAR – As Conservas Nero renasceram da cinza e propõem dois petiscos: a Muxama de Atum Catraio em conserva e o Peixe Espada Preto de Sesimbra em conserva de azeite. Ambas resultam muito bem em cima de pão tostado, com um bocadinho de azeite e umas gotas de limão. Nestes últimos anos a tradição conserveira portuguesa está a renascer e isso é uma boa notícia. Com estas conservas pode preparar-se uma bela entrada ou até, no caso do peixe espada preto, uma salada com um toque inesperado. Em época de crise as conservas tradicionais são uma boa alternativa para manter o espírito gourmet numa versão low budget.
BACK TO BASICS – Falar por soundbytes é o estado contemporâneo da política e isso não acrescenta informação nem enriquece o debate – Sting.
(publicado no Jornal de Negócios de 25 de Novembro)
Na semana passada foram conhecidas as contas dos gastos partidários nas eleições legislativas deste ano. Poucos cumpriram, vários excederam, e, no caso do PS, a situação das finanças partidárias é caótica e se em vez de um partido político fosse uma empresa, teria que fechar portas.
É terrível ver como muitos dirigentes partidários e políticos, nos seus partidos e nas funções oficiais a que são chamados, seja em autarquias, no Governo ou em empresas públicas, geram mais despesa do que a receita que conseguem obter.
Penso que existe uma explicação para este estado de coisas, que corrói a sociedade portuguesa: o grande problema de muitos políticos é que o dinheiro que usam (e de que abusam), não é deles – seja no partido, seja no Estado. O princípio geral que é seguido nestes casos é que alguém há-de, um dia, pagar. Usam o dinheiro dos outros de uma forma despreocupada.
Estamos a viver as consequências deste laxismo – nas empresas públicas, no sistema de saúde, na educação, nas autarquias. E como o dinheiro dos outros vem sempre do mesmo sítio, o resultado é sempre o mesmo: aumentar taxas, impostos, inventar forma de ir buscar mais dinheiro ao bolso dos contribuintes. O Estado é mais criativo na forma de nos tirar dinheiro da algibeira do que em encontrar soluções para os gastos.
Nos últimos tempos tem sido evidente uma outra situação – muitos políticos que foram chamados a assumir funções de gestão em empresas ou que criaram os seus próprios negócios meteram-se em maus lençóis. Hoje em dia existem muitos casos em que se tornou claro que os maus hábitos e más práticas que tinham no Estado se passaram de armas e bagagens para a sua actividade privada. Mas porventura o mais chocante é a forma como alguns políticos centraram a sua actividade empresarial privada exclusivamente em actividades especulativas e em obtenção de contratos de favor.
Uma democracia, para funcionar, precisa de políticos, competentes, sérios e dedicados à causa pública. Nos últimos anos têm sido raros.
(Publicado no diário Metro de 22 de Novembro)
O GRUPO – Foi finalmente conhecido o relatório do Grupo de Trabalho sobre o serviço público de comunicação. Dedica mais atenção à televisão do que à rádio e agência noticiosa, mas isso reflecte o peso das audiências nas decisões políticas. De uma forma geral a primeira constatação é que o estudo é muito marcado pela conjuntura e é bastante mais pródigo em recomendações tácticas do que numa reflexão estratégica assente no estudo comparado de vários modelos e virada para o futuro. Embora use muito palavreado digital, a nova realidade dos media é de facto pouco analisada e, de uma forma geral, a repercussão desta realidade no futuro da comunicação é vista de passagem. É pena, porque se isto é para ser aplicado depois de 2012, como já disse o Ministro Miguel Relvas, este seria o caminho mais interessante a explorar, porque o resto já se encontra decidido pelo Governo – talvez por saber isto mesmo o estudo faz recomendações para o curto prazo, numa espécie de afirmação de demarcação do executivo. O melhor do estudo é apontar um caminho de não concorrência do serviço público aos operadores privados; o pior do estudo é uma sugestão de interferência demasiado grande nas políticas de programação e editoriais, algo que não se esperava. Para resumir de outra maneira, o estudo preocupa-se mais com a forma de distribuição dos conteúdos do que com os conteúdos em si – e essa é a sua maior falha.
SEMANADA – A propósito da audiência com Obama, o “Washington Post” fez esta tradução fonética do nome do Presidente português Anibal Cavaco Silva: ah-NEE’-bal ca-va-COO’ SEEL’-vuh; terça feira de manhã o Ministro Santos Pereira anunciou o fim da crise; no mesmo dia, já depois de almoço, anunciou que afinal era apenas o início do fim da crise; segundo o Eurostat Portugal é o único país da zona Euro em recessão técnica; em Viseu a PSP não conseguiu efectuar uma perseguição porque todos os seus carros estavam avariados.
ARCO DA VELHA – O coordenador e porta-voz do grupo de trabalho sobre o serviço público de televisão preconizou, na TSF, que a informação emitida pela RTP Internacional deve ser “filtrada” e “trabalhada” pelo Governo, sublinhando que esse tratamento “não deve ser questionado” e tudo isto, como salientou, «a bem da nação».
VER – «Sangue do Meu Sangue», de João Canijo, é um dos mais brilhantes filmes portugueses que me lembro de ter visto. É uma crónica contemporânea do que se passa ao lado das grandes cidades. Eça de Queiroz escrevia sobre os conflitos na burguesia da província, mais de um século depois Canijo filma a tensão nos bairros periféricos. Mas, em épocas e com meios diferentes, ambos acabam por ter pontos comuns, fruto da condição humana e da persistência dos comportamentos. Este não é um filme passadista, é muito actual e real. Canijo é dos realizadores portugueses que mais filmou, graças aos anos em que trabalhou como assistente de realização de Manoel de Oliveira e isso sente-se no domínio da técnica, algo que, no cinema, só vem com o tempo. Mas sente-se nele também a influência da cultura popular urbana, que apareceu em filmes e na música inglesa nos anos 90, e cujos exemplo e linguagem visual João Canijo assume. A ideia do argumento funciona e os diálogos – escritos num processo colaborativo com os actores – são quase perfeitos e, mesmo nas cenas mais duras, são naturais. No filme é muito curiosa a opção, em diversos momentos, por fazer decorrer duas acções diferentes em simultâneo, com recurso a soluções de enquadramento ou de cenário que são uma mais valia da realização. A produção – exemplar, assinada por Pedro Borges – acompanha este esforço de realização ao garantir meios para uma captação sonora que facilitou a criação de ambientes diferentes, ou, ainda, pelo cuidado posto no guarda roupa. E, claro, o filme vive também da intensidade e qualidade da interpretação de Rita Blanco, Cleia Almeida, Rafael Morais, Anabela Moreira, Fernando Luís ou Nuno Lopes. E, também, deve muito à fotografia de Mário Castanheira. «Sangue do Meu Sangue» foge a moralismos fáceis ou cartilhas de encomenda. É um retrato do que se passa à nossa volta e que por vezes muitos não querem ver.
OUVIR – Jorge Palma é um dos maiores talentos da música portuguesa e um dos compositores que melhor sabe usar a língua portuguesa, uma fonética nem sempre fácil para canções. Muita gente considera que os melhores poetas dos tempos que correm são os que escrevem grandes canções. Se isso é assim – e eu acho que sim – Jorge Palma é um desses grandes poetas modernos da língua portuguesa. Mas neste disco fez questão de cantar outras escritas, como a de José Luis Peixoto em «Pensámos em nada», ou o marcante «Uma Alma Caridosa» de Carlos Tê, que começa logo assim: “Recebi um postal com carimbo do Estado/ Sem razão para tal senti-me logo culpado/fui a quem de direito pedir explicações/ninguém sabia do meu caso nas repartições.” Haverá melhor retrato do nosso Estado do que este? Este novo disco de Jorge Palma, «Com Todo o Respeito», é também surpreendente do ponto de vista musical, na mistura de gerações e influências, de Flak (ex Rádio Macau), que produziu, aos jazzmen Carlos Bica e Carlos Barreto, ao Gabriel Gomes e o seu acordeão, a voz fadista de Cristina Branco e o sólido rock d’Os Demitidos. Tenho o disco há uma semana e é raro o dia em que não o oiço. Destaques: «Página em Branco», «Tudo por Um Beijo», «Anjos de Berlim», «Pensámos em Nada», «Uma Alma Caridosa» e «Soltos do Chão». Aos 55 anos de idade Jorge Palma faz um dos seus melhores discos – e leva dezena e meia no activo.
LER – «Cartas do Meu Magrebe», de Ernesto de Sousa, é um livro que de início me aborreceu – parecia a descrição de alguém encantado com os bons selvagens e irritado com o som dos transístores nas ruas de Marrocos e da Argélia. Depois a coisa suaviza, mas nunca se perde o sentimento do ocidental que foi ver uma revolução anti-colonial no terceiro mundo num estado de algum encantamento. O interessante da história é que tudo isto se passa no início dos anos 60, em crónicas de viagem ao estilo de curtas reportagens, enviadas para o «Jornal de Notícias» - que publicou 17 e guardou outras seis na gaveta porque entretanto começou a Guerra Colonial e a Argélia tinha uma posição contrária a Portugal. As crónicas mais interessantes são as menos políticas, as que derivam mais da observação e de conversas do que de reflexões. Mas na realidade o ponto alto do livro são algumas das fotografias do próprio Ernesto de Sousa, nomeadamente a da página 26, «o amigo marroquino». “Nunca fui um bom turista”, escreve Ernesto de Sousa numa das crónicas deste livro – não esperem por isso encontrar aqui o tradicional livro de viagens. No regresso a Portugal Ernesto de Sousa enveredou decididamente pelo cinema (nessa altura já tinha feito “Dom Roberto”), pela fotografia e pela vídeo arte, de que foi um precursor. Este é apenas um episódio curioso na sua vida. Edição Tinta da China.
PROVAR – O SoulFood Café é aquilo a que se poderia chamar uma cafetaria moderna. Também serve cafés, umas boas empadas e uns apreciáveis pastéis de nata, mas basicamente é um belo sítio para almoçar, comer umas tapas ao fim da tarde e eventualmente fazer um sossegado jantar de amigos. Há sugestões de pratos do dia ao almoço e também uma lista com sanduíches, tostas, massas e saladas, além de hambúrgueres (bons, caseiros, bem temperados) e um honestíssimo pica-pau. Os pratos da lista podem ser pedidos a qualquer hora, das 11 às 23. Ao almoço há sopa de legumes sempre fresca e nos pratos do dia o campeão das preferências é o Bacalhau SoulFood mas, para mim, o mais surpreendente é o arroz de pato, invulgar e cativante. Todos os dias há sobremesas diferentes, e do bar, além do trivial engarrafado, pode pedir um smoothie ou um sumo natural, ou uma das boas sugestões de vinho a copo. O serviço é muito simpático, o trabalho da cozinha é atento e criativo e a matéria prima é boa. Os preços são adequados à crise. Falta dizer que a música ambiente é basicamente soul e jazz e que no ecrã de plasma passa muitas vezes a Fashion TV. O ambiente é agradável e confortável – a sala é comandada por Joana Costa e Pedro Pereira e a cozinha por Luísa Sousa. Av. Miguel Bombarda 133 B, telefone 213 161 163
BACK TO BASICS – O primeiro sinal da decadência de uma sociedade é fazer crer que os fins justificam os meios – Georges Bernanos
(Publicado no Jornal de Negócios de 18 de Novembro)
Se é utilizador de transportes públicos, provavelmente as greves recentes afectaram o seu conforto e prejudicaram o seu trabalho. Também se sente afectado pelas medidas de austeridade, e agora está na dúvida entre as medidas e os protestos contra essas medidas. Provavelmente já percebeu que a vida de todos nós está a mudar e que muito pouca coisa continuará como dantes.
Usando uma expressão popular, acabaram os anos das vacas gordas - só que essas vacas engordaram à custa de uma ilusão, de empréstimos atrás de empréstimos, para pagar despesas que nunca deviam ter sido criadas, encargos absurdos.
Os transportes públicos – comboios, metro, autocarros, estão todos numa situação próxima da falência. Se nada for feito o risco é que eles deixem de poder funcionar ou que funcionem em moldes muito mais reduzidos.
Os sindicatos também têm uma quota de responsabilidade na situação criada – aqui, como noutros sectores da esfera pública, reivindicaram remunerações, prémios, bonificações e subsídios que tornaram os custos de pessoal num pesadelo – nalgumas empresas de transportes, e nalgumas categorias profissionais operacionais, existe um prémio por comparecer ao trabalho, para além da remuneração normal. Além de poder ter havido má gestão, houve também uma total falta de noção da realidade. A recusa da realidade tem custos e são eles que aí estão agora, a pôr em causa um sistema e a comodidade dos passageiros.
Durante anos o Estado recusou-se a encarar o facto de os preços dos bilhetes e dos passes estar desactualizado face ao aumento dos custos de pessoal, de combustível e de exploração das redes existentes. Os prejuízos acumulados criaram esta situação insustentável. Uma parte dos impostos de todos é consumida a subsidiar estas empresas de transportes, que mesmo assim foram acumulando elevados prejuízos. Não é preciso ser vidente para perceber que as coisas não podem continuar assim. Os tempos mudaram e todos temos que nos adaptar a eles.
(Publicado no jornal Metro de hoje)
DEVERES – Cada vez que se fala em direitos lembro-me logo do pouco que se fala em deveres. Os direitos não são coisas abstractas – têm consequências práticas e fazem parte daquilo que deve ser o comportamento de cada um na sociedade – por isso mesmo não são imutáveis porque existem num conceito sujeito a mudanças. Muitas vezes não se pensa nisto, mas os direitos têm também muitas vezes repercussão económica - e devia ser um dever ter em consideração se eles são ou não suportáveis e sustentáveis.
Nos últimos dias assistimos a acções, no sector dos transportes, que me parecem carecer de algumas notas: muitos trabalhadores destes sectores acumularam ao longo dos anos uma série de prémios e bonificações, para além da sua remuneração contratada, que manifestamente os beneficia em relação a outros cidadãos; há casos em que existem prémios simplesmente por se comparecer ao trabalho – como no caso do Metro de Lisboa em algumas funções - e, de uma forma geral, foi montado um sistema complexo de adicionais que contribuíu para levar as empresas de transportes ao estado de falência técnica em que se encontram, com custos fixos de pessoal incomportáveis.
O que me parece claro é que os direitos que alguns reclamam não vão de certeza existir se estas empresas falirem e fecharem. Os sindicatos, que patrocinaram e instigaram as reivindicações que levaram a esta situação ajudaram a pôr em causa o equilíbrio destas empresas e em boa lógica devem também ser responsabilizados por isso. E agora, sabendo perfeitamente o que se passa nessas empresas, no sector público e no país, alguns sindicatos estão a reproduzir o modelo clássico de oposição, persistindo em reivindicar o que já é utópico e com o mesmo método de sempre: greves em sectores críticos para agravar o descontentamento popular, preparando terreno para uma greve geral, anunciada para dia 24. Este esquema, tradicional, tem o objectivo de conseguir uma grande mobilização – daí as greves sectoriais, para criarem efeito bola de neve.
Acontece que a evolução demográfica, o agravamento do desemprego, o progressivo afastamento das organizações sindicais das novas formas de trabalho e das novas profissões pode começar também a criar um efeito paradoxal – aumentar o número daqueles que são contra a greve geral e contra a ausência de perspectiva de realidade nas reivindicações apresentadas. Estou com curiosidade de ver como isto evolui – e de observar como fora dos sectores tradicionais, da órbita do Estado e das empresas públicas, a adesão à greve se concretiza. Os sindicatos estão a conduzir muitos cidadãos a desconfiarem cada vez mais de quem trabalha no sector público – e esse não é um bom serviço que estão a prestar a esses trabalhadores.
GERAÇÃO – Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas, Jorge Moreira da Silva, Pedro Pinto e alguns outros menos conhecidos fazem parte de uma das primeiras gerações de quadros da JSD que têm uma coisa em comum: há muitos anos atrás participaram em acções de formação política patrocinadas e orientadas por parceiros internacionais do PSD e por organismos ligados aos social-democratas em Portugal.
No decurso desse período criaram sólidos laços uns com os outros, desenvolveram um corpo de pensamento, aperfeiçoaram um método de de actuação política e estabeleceram convicções ideológicas que hoje moldam de forma clara o posicionamento do PSD, mais do que na generalidade das anteriores direcções dos social-democratas.
De certa maneira quase se poderia dizer que esta é a direcção mais ideológica que o PSD tem, aquela que ensaia a ruptura com as questões paroquiais para se posicionar de uma forma mais globalizada. A minha dúvida é se esta ruptura e este posicionamento não vêm tarde, quando globalmente o posicionamento já é outro.
De qualquer forma é interessante seguir este percurso, observar como as formas de actuação são diferentes de anteriores Governos e como no PSD existe um posicionamento ideológico mais vincado e pouco tradicional no partido, por natureza eclético e muito mais táctico que estratégico. Será interessante também perceber como o PP conseguirá manter o seu terreno próprio, bem demarcado nos últimos anos, no meio desta nova forma de intervenção do PSD.
SEMANADA – Realizou-se a cimeira do G20; o primeiro ministro grego saíu de cena; os juros da dívida pública italiana continuaram a subir; o primeiro-ministro italiano anunciou ir sair de cena; a Espanha está em vias de mudar de Governo; o euro acentuou perdas face ao dólar; Armando Vara admitiu em tribunal ter recebido robalos e pão de ló de Manuel Godinho, que no anterior regime fez fortuna a comprar sucatas.
ARCO DA VELHA – Angela Merkel disse quarta-feira passada num discurso, em Berlim, que a Europa deve agir rapidamente para travar a crise.
VER – A pintora mexicana Frida Khalo é uma lenda – confunde-se às vezes o seu génio com a sua saga pessoal. No Museu da Cidade, ao Campo Grande, até 29 de Janeiro está patente uma exposição constituída por 250 fotografias do arquivo da Casa Azul/Museu Frida Kahlo, no México e que permite ter uma visão mais alargada da intimidade da artista. A exposição mostra ainda a forma como alguns fotógrafos viram a pintora – de Man Ray a Manuel Alvarez Bravo, passando por Edward Weston ou Brassai.
OUVIR – Isto é que nos faz velhos: perceber que um disco de que gostámos muito quando saíu, e que continua fresco na memória, afinal já foi editado há 20 anos. É isso que se passa com «Achtung Baby» dos U2, na minha opinião o seu melhor trabalho e o pico de uma carreira que a partir daí se centrou mais na glorificação de Bono e na criação de uma máquina bem oleada, mas bem menos criativa. Por ocasião deste 20º aniversário foi feita uma edição especial com dois CD’s, o primeiro a reproduzir os 12 temas da edição original e o segundo com lados B dos singles da época e misturas alternativas. Uma peça de colecção.
LER – A revista Monocle do mês de Novembro é muito oportunamente dedicada aos prazeres da comida – quase sem falar de restaurantes, mas abordando o aparecimento de lojas onde estão disponíveis produtos de qualidade, de produção local e biológicos, onde o serviço é um elemento diferenciador e onde a criatividade pode ser decisiva para captar clientes. De certa forma é o reverso da globalização encarnada pelos hipermercados onde existe tudo mas nada tem sabor. É parte do movimento do aproximar a produção de quem a consome. Para além deste tema de capa, a nova edição da revista tem outros pontos de interesse como o nascimento de novos negócios no Egipto, novas formas de trabalho e novas atitudes dos diplomatas (um artigo que seria muito útil para muitos embaixadores portugueses) e uma estimulante reportagem sobre a criação artística contemporânea em Los Angeles. Como a Monocle é essencialmente um sinalizador de tendências, vale a pena destacar a nova aventura dos editores da revista: depois da edição em papel e na internet, eis que surge uma aplicação para iPhone e iPad que permite ouvir a rádio Monocle, uma estação digital que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. Consultem detalhes no site da revista, www.monocle.com, através do qual também podem ouvir as emissões.
PROVAR – O Tamarind (Rua da Glória 43) é um dos mais interessantes e peculiares restaurantes de gastronomia indiana em Lisboa, já aqui elogiado. É um espaço pequeno, que foi construindo a fama ao longo dos anos e que é dirigido pelo chef Hardev Walia, nascido na Tanzânia e com formação e experiência adquiridas em Londres. Há uns anos atrás rumou a Lisboa e abriu o Tamarind, que cedo deu que falar. Até dia 15, no âmbito da semana gastronómica da Índia, Hardev Walia mudou-se de armas e bagagens para o Restaurante Terraço, no Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade. Ao almoço funciona um buffet e ao jantar a lista é quem mais ordena – estimulada por danças indianas ao longo da noite. São já célebres as entradas vegetarianas, ou de carne e marisco, os papadums com molho de tamarindo, iogurte e chutney de manga, assim como o caril de camarão malai ou a galinha tikka masala. Podem ser feitas reservas para o Terraço do Tivoli para o telefone 213 198 934.
BACK TO BASICS – A forte convicção de que em todas as circunstâncias alguma coisa tem que ser feita, está na origem de muitas más decisões (Daniel Webster)
(Publicado dia 11 do 11 de 2011 no Jornal de Negócios)
Começo com uma citação, extraída de um artigo de opinião de Manuel Maria Carrilho, publicado na semana passada, sob o título “Opções Inadiáveis”. Carrilho, que foi dirigente do PS e Ministro no Governo de Guterres, chama a atenção para a necessidade de os políticos assumirem as suas responsabilidades, “não tanto a responsabilidade pela assinatura do Memorando com a troika, mas a responsabilidade pelas opções que o tornaram incontornável e inegociável para Portugal”.
E sublinha: “A prolongada negação da crise e das suas consequências, em 2008, e a total desvalorização do endividamento do País e dos seus efeitos, em 2009 e 2010, fizeram o País perder tempo precioso. Foram erros nacionais, que a crise internacional não explica. E os portugueses não esquecerão tão cedo estas opções - nem o líder que as tomou, nem o Partido em nome do qual governava. Não há como contornar ou relativizar esta questão. Ela exige um sério exame de consciência e uma tão humilde como clara assunção de responsabilidades perante o País.”
Muitas vezes discordo de Carrilho, mas nisto ele tem toda a razão – no texto refere-se obviamente aos Governos de Sócrates, cuja actuação aliás criticou, mas eu tomo como boas as suas palavras em relação a todos os que tiveram responsabilidades políticas.
E é por achar estas palavras tão certeiras que fico chocado com a atitude daqueles que dentro do PS, como José Lello e outros, vieram apelar ao voto dos socialistas contra o orçamento, um voto que teria um duplo significado: em primeiro lugar sinaliza que o PS não quer cumprir o acordo com a troika; e em segundo lugar, e isso é que é mais interessante, mostra que aqueles que preferiam votar contra não vêem motivos de censura naquilo que o Governo do PS andou a fazer ao longo dos anos em que negou a realidade e permitiu que as coisas se degradassem ao ponto onde chegaram. Sabe-se que o próprio José Sócrates andou a instigar esta posição do voto contra, entre recados e encontros, mostrando assim que assumir responsabilidades é coisa que o continua a incomodar .
(publicado no Metro de 8 de Novembro)
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