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REALIDADE – A realidade, dura e pesada, que vivemos hoje em dia, tem as suas raízes numa ideia simpática mas irrealista de uma Europa unificada, ideia traçada há décadas, numa fase de prosperidade. Ao longo de décadas o sonho europeu transformou-se, por força do irrealismo dos seus criadores e da falta de capacidade dos seus dirigentes, num terrível pesadelo. É escusado recordar o papel da Alemanha em tudo isto – a culpa não é só da Alemanha, é de quem acreditou que se podia gastar cada vez mais sem olhar para as contas. Como bem se sabe a situação atingiu vários países na Europa – cinco já pediram resgate e tudo indica que a médio prazo mais se lhes seguirão. Embora seja muito simpática a ideia europeia, a situação onde deixámos que nos metessem não se resolve com boas intenções nem com retórica apaixonada, pintada com laivos ideológicos. Aquilo por que estamos a passar é o resultado de décadas de ciclos eleitorais onde o voto foi trocado por promessas de cada vez mais obras públicas, prosperidade, apoios e garantias. Os custos brutais que foram incorridos – muito maiores que as receitas - levam agora a distinguir com dificuldade o que era necessário do que foi supérfluo e sobretudo coloca em causa a seriedade de quem geriu o país – e, também, a Europa - nestas décadas. Por isso mesmo olho incrédulo para uma iniciativa auto-intitulada Congresso Democrático das Alternativas (o nome, já agora, não certamente por acaso, evoca acções contra a ditadura em 19557, 69 e 73). Sob o lema “Resgatar Portugal Para um Futuro Decente”, juntam-se vários representantes dos sonhos antigos, alguns responsáveis de políticas do passado e os suspeitos do costume sempre interessados em fazer o Estado distribuir mais do que aquilo que tem. O extraordinário é que toda esta gente emite opiniões, apresenta reivindicações mas não explica nem desenha soluções baseadas em estudos concretos e na realidade. Isto, lamento dizê-lo, não é política – é trafulhice ideológica pintada de demagogia barata. E foi isso que nos trouxe até onde estamos. Mais do mesmo só pode querer dizer piorar as coisas.
SEMANADA – As remessas dos emigrantes voltaram a subir para níveis de há dez anos; a receita do imposto sobre veículos é metade da registada no ano passado; as receitas do IRC registam uma quebra de mais de 15% até Maio; os 400 trabalhadores do centro de contacto telefónico da Segurança Social vão ser despedidos por mudança do fornecedor do serviço; o consumo per capita de cerveja em Portugal diminuiu 18 por cento; a administração fiscal vai cobrar as multas dos passageiros que viajarem sem bilhete nos transportes públicos; a Via do Infante perdeu metade do tráfego depois da implementação das portagens; as dívidas a mais de 90 dias do Estado a fornecedores aumentaram 162 milhões em Abril e voltaram a subir em Maio; só um terço dos hospitais diz cumprir prazos de consultas muito prioritárias; número de alunos que não concluíram o secundário aumentou em 2011.
ARCO DA VELHA – “Desde que está na prisão, lê a Bíblia, reza e está muito arrependido do que fez” – afirmou um pastor da Igreja Evangélica que tem visitado na prisão o ex-bancário de 46 acusado de 335 crimes de abusos sexuais, pornografia e maus tratos a menores.
VER – Quanto custa investir em arte? - depende. Se escolher artistas em princípio de carreira, o investimento pode ser acessível. João Esteves de Oliveira tem uma galeria com o seu nome, no nº 38 da Rua Ivens, e tem sensibilidade para o mercado e os investimentos em arte. A sua galeria especializou-se em obras em papel e ao longo do ano lá passam autores consagrados e outros no princípio da carreira. É o que agora acontece com Ângela Dias, Josefina Ribeiro, Manuel Diogo e Vasco Futscher, recentes ex-alunos do ARCO, que ali mostram o seu trabalho. Os preços começam nos 150 euros mas não passam dos 500. O melhor de tudo é que os trabalhos são bons e a exposição é muito interessante. Eu pessoalmente gostei muito dos óleos sobre papel de Manuel Diogo, mas parece certo que Ângela Dias, talvez pelo imaginário próximo de algumas fases de Paula Rego, ganhou elogios da crítica e será seguramente um valor em ascensão. As formas de Vasco Futscher são um momento de novidade e os animais de Josefina Ribeiro fazem lembrar algumas obras de Susan Norrie, que costumava expor no extinto Centro Cultural de Almancil. Esta é uma boa exposição que mostra como novos artistas estão a desenvolver o seu talento e criatividade. E quem agora apostar em qualquer deles certamente não se arrependerá no futuro.
OUVIR – Fiona Apple não fazia um álbum de originais há sete anos e agora saíu-se com um que tem um extenso nome: “The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do”. Trata-se do seu quarto álbum, o primeiro a seguir a “Extraordinary Machine”, de 2005. A lenda reza que ela trabalhou neste disco em segredo, sem que a sua editora soubesse o que se passava. E o que se passava são arranjos mais comedidos, muitas vezes com inspirações jazzy, com percussões fortes, a acompanhar a intensidade de temas vibrantes como “Daredevil” ou “Periphery”, em que as suas vocalizações intensas deixam uma marca invulgar. “Every Single Night”, a canção de abertura, é uma espécie de manual de introdução ao estilo de Fiona Apple, à forma que ela tem de fazer canções - algumas tão intensas e marcantes como “Left Alone” ou “Hot Knife”, um final absolutamente fantástico para este álbum.
FOLHEAR – A edição de verão da minha querida revista "Monocle" agrupa os meses de Julho e Agosto e inclui a lista das melhores cidades onde viver. Como todas as políticas demoram tempo a causarem efeito, eis que Lisboa saíu da lista das 25 cidades preferidas da "Monocle". Também não é de admirar, depois de a cidade ser em anos seguidos transformada em feira pelas mãos de José Sá Fernandes, de a lixeira ser constante nas ruas pela mão de António Costa ou pelo facto de Nunes da Silva inventar as mais estapafúrdias alterações ao transito que imaginar se pode. Lisboa, nestes poucos anos, passou de uma cidade civilizada a uma cidade incómoda e desconfortável. Nas próximas eleições, quando virem os boletins de voto, não se esqueçam que o culpado do assunto se chama António Costa. E, se se sentirem tentados, por uma qualquer razão ideológica a votar nele, lembrem-se do que a EMEL tem feito no seu mandato, daquilo em que Lisboa tem sido transformada e da falta de plano para uma cidade que vai perdendo pontos, como agora se vê. Mas, voltando à Monocle", que é o que agora interessa, o número é dedicado a tudo aquilo que faz com que possa ser agradável viver numa cidade, Nunca é tarde para aprender e com as autárquicas ao virar da esquina os senhores que decidem sobre os candidatos bem que podiam guardar esta edição e seguir os seus conselhos. Esta "Monocle" tem 282 páginas e vai durar uma boa parte do Verão. Tem algumas coisas deliciosas, como uma lista de 50 coisas que podem melhorar as nossas vidas. Eu espero que por cá alguém, com poder de decisão e execução, a leia - e não resisto a contar uma história: há uns anos, quando a "Monocle" fez um dos primeiros artigos sobre as estratégias para as cidades, que eu, na época, aqui referi, um assessor de António Costa pediu-me cópia do dito texto, invocando o interesse do Presidente da Câmara. Fiquei esperançado que a leitura fosse inspiradora. Nada do que lá estava escrito foi aproveitado.
PROVAR – Se ao Domingo estiver em Lisboas à hora de almoço e lhe apetecer um pouco de pecado carnal, dirija-se ao restaurante Flores, no Bairro Alto Hotel (no Largo de Camões) e peça o bitoque. Trata-se de uma rara conjugação de competências, pela mão do chef Vasco Lello. Comecemos pela carne, excelente, do lombo, passada rigorosamente a gosto do que o cliente pretender. O molho, inspirado no lisboeta Marrare, tem algum toque que lhe dá uma graça inesperada. O ovo a cavalo é preciso e certeiro. E as batatas fritas, de palitos finos, estão no ponto, sem gordura nem tostado excessivo. A decoração, já que os olhos também comem, é albardada com um dente de alho cravejado de uma folha de louro. Este é o bitoque perfeito. E só se serve aos Domingos, ao almoço, no Flores. Telefone 213 408 252.
GOSTO – Da condenação por atentado à liberdade de imprensa do deputado socialista Ricardo Rodrigues;
NÃO GOSTO – Foram gastos 21 milhões de euros em obras na sede do Banco de Portugal desde 2010, sempre por ajuste directo e sempre à mesma empresa;
BACK TO BASICS – Em tempos de desânimo generalizado, dizer a verdade é um acto revolucionário - George Orwell
O primeiro ano do Governo foi passado com a austeridade como programa e o aumento de impostos como receita. O resultado está à vista: a economia está em coma, o desemprego explodiu, e apesar de todos os aumentos a receita fiscal diminuiu porque o consumo afundou e a evasão fiscal regressou em força. O fisco bate sempre à porta dos mesmos quando se trata de ir buscar mais cobrança – nos salários de quem trabalha por conta de outrem, nos impostos que incidem sobre as casas onde as pessoas vivem, em múltiplas taxas que proliferam cada vez mais.
Já se sabe que Portugal é um país sem justiça onde os tribunais servem apenas de cenário para dar a ideia de que este rectângulo à beira mar plantado não é o far-west . Mas na realidade em Portugal deixou de haver ideia de justiça, deixou de haver referências – e o Estado é quem mais culpas tem nisso.
Peguemos no caso das dívidas ao Fisco – a máquina fiscal é muito rápida a penhorar casas onde vivem famílias e, agora, até automóveis, mas é completamente ineficaz nos grandes processos fiscais, nas grandes fugas aos impostos. Mais o Estado, nos casos onde perdeu milhões de euros do dinheiro dos contribuintes, como no BPN, é absolutamente incapaz de dar um exemplo, de mostrar que a Lei se aplica de forma igual para todos.
A forma como o fisco actua em situações de famílias modestas que se vêem penhoradas está a transformar-se num escândalo, quando comparado com outros casos, em que o outro lado tem dinheiro e tempo para se defender, protestar, reclamar.
O sistema criou o pior que pode existir – um sentimento de desigualdade e de injustiça de um lado, e de impunidade e corrupção do outro. É impossível que isto dê bom resultado.
(Publicado na edição do diário Metro de 26 de Junho)
GOVERNAR – Depois de uma década de disparates, de mentiras, de falsificações, de trapaças (como a triste história das PPP vem elucidando), o mínimo que se espera de um Governo é serenidade e bom senso. Não há nenhuma necessidade de, ao fim de um ano em funções, o Primeiro Ministro ser apanhado em falta no Parlamento por causa de uma decisão na área da saúde – o encerramento de uma maternidade, por mais simbólica que ela seja. Já é tempo de os gabinetes terem os sistemas de comunicação oleados, de a Presidência do Conselho funcionar como centro de decisão e não como reduto da conspiração – que foi o que, no tempo de Sócrates, Silva Pereira conseguiu fazer. O Governo tem a obrigação de agir, de comunicar e de poupar o dinheiro dos contribuintes. Convém que o Primeiro Ministro seja mantido a par do que, nesta matéria, se vai fazendo. Governar é um acto de coragem – implica tomar decisões, delegar, controlar. Ao fim de um ano o Governo não pode dar a ideia de que anda perdido. Quanto mais se sabe do que atrás se passou, mais exigentes devemos ser em relação ao que agora se passa. Os erros de Sócrates não estão na folha de crédito de Passos Coelho. São um passivo que ele terá de resolver para se reencontrar com o país.
EDUCAÇÃO – Com a devida homenagem vou citar um excerto de um texto absolutamente brilhante de Teolinda Gersão, lido esta semana no “Público”, e que mostra o disparate do sistema educativo português, ainda por cima na área da nossa língua. Ora apreciem: “No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa. No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço? A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado.”
SEMANADA – Número de seguranças privados já supera o de efectivos policiais – 58 mil seguranças, 51 mil polícias; o Estado português não sabe quantos criminosos condenados voltaram a reincidir depois de cumprida a pena, nem porquê, nem qual o seu perfil – isto numa altura em que o Governo quer mudar as leis penais; só 45 câmaras municipais de um total de 308 em todo o país dispensam apoio às dividas de curto prazo; 30% da produção de vinho da região demarcada do Douro não tem escoamento; foi conhecida a insolvência da empresa de moda Storytailors na mesma semana em que a dupla de estilistas vestiu Joana Vasconcelos para a cerimónia de inauguração da sua exposição em Versailles; o fisco ordenou à PSP 2769 penhoras de veículos por dívidas fiscais; num assomo de produtividade e oportunidade uma Universidade Alemã anunciou ter descoberto fósseis de tartarugas que estavam a fazer sexo na altura em que morreram; a directora do Público afirmou que a Entidade Reguladora da Comunicação revelou “a sua inutilidade” no caso da disputa com o Ministro Miguel Relvas.
ARCO DA VELHA – Um estudo revelado esta semana indica que a crise fez Portugal perder 300 milionários em 2011 e o seu total está agora nos 10 400, uma queda de 2,8% – sendo milionários as pessoas com liquidez superior a um milhão de dólares; em contrapartida a nível mundial o numero de milionários aumentou 0,8% para um total de cerca de 11 milhões.
VER – Passear por fotografias no meio de móveis e peças de decoração é uma ideia suficientemente invulgar para ser atraente. Luís Serpa é o responsável pela escolha de imagens doo Gabinete de Curiosidades instalado na loja de Conceição Vasco Costa, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Ali estão fotografias de colecção, da colecção de Luís Serpa, de autores como Bob Wilson, Daniel Blaufuks, Álvaro Rosendo, Jorge Molder, Julião Sarmento, Graça Sarsfield, Maria José Palla, entre outros. É uma curiosa experiência que mostra a forma como a fotografia se deixa ver em quaisquer circunstâncias, conseguindo marcar qualquer espaço.
OUVIR – Uma cantora russa em Nova York é sempre um ingrediente para cocktails explosivos. Quando a isso se conjuga com uma razoável dose de canções confessionais e de comentários sociais, tudo fica mais interessante. Chamar a um museu cheio de preciosidades artísticas um mausoléu público é uma aproximação interessante que alguns irão partilhar. Mas eventualmente o ponto mais alto deste disco, baseado em torno de melodias tocadas ao piano, é “How”, uma balada de separação, uma canção de ruptura, que tem as sete palavras mais fortes da música pop dos últimos anos: “Agora não és mais que um convidado”. CD Sire, Amazon.
FOLHEAR – A edição de Junho da Vogue norte-americana, a original, a que é dirigida por Anne Wintour, tem na capa uma fabulosa fotografia de Annie Leibowitz que faz parte do seu portfolio sobre os atletas olímpicos dos Estados Unidos, convenientemente fotografados para a ocasião ao lado de modelos e roupas belíssimas. Anne Wintour dedica o seu editorial à questão da preservação do bom senso em matéria de saúde e alimentação, incluindo no mundo da moda. Mas o que marca esta edição absolutamente fabulosa são as imagens. Além de Leibowitz, temos fotografias de atletas por Bruce Weber, temos Jennifer Lopez fotografada em fato de banho por Mário Testino e temos um fabuloso artigo sobre o homem que concebeu a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, Danny Boyle, o realizador de “Slumdog Millionaire”. É por causa de edições destas que eu acredito em revistas bem feitas e na importância de conteúdos originais.
PROVAR – A época dos caracóis está no auge, e ainda por cima coincide com os jogos do Europeu – nada como um pratinho de vagarosos ao fim da tarde enquanto se assiste a um jogo. Se a coisa acontecer numa sala grande com vários bons ecrãs de televisão e ar condicionado decente, ainda melhor. Existe um local assim em Lisboa, ainda por cima deliciosamente sportinguista. Trata-se do “Filho do Menino Júlio dos Caracóis», um dos mais afamados locais para este petisco. Fica na Rua do vale Formoso de Cima 140-B, ao fundo da parte nova da Avenida dos Estados Unidos da América e perto da Matinha. Além de caracóis há belíssimas moelas, pregos suculentos e, para quem quiser coisas mais sérias, peixe ou carne grelhada na brasa de carvão, e , dependendo dos dias, Cozido á Portuguesa, Galo de Cabidela ou massada de garoupa, entre outras especialidades. A imperial é a 1,20€, a dose de caracóis é a 5 euros e a de moelas a 8.80€. Imperdível!
GOSTO – Parece que o calor começa a chegar no fim de semana.
NÃO GOSTO – As obras do Passos Manuel, geridas pela Parque Escolar, custaram mais 46,5% do que estava inicialmente previsto, diz o Tribunal de Contas.
BACK TO BASICS – "Nos indivíduos, a loucura é algo raro - mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra." Nietzsche
(Publicado no Jornal de Negócios de 22 de Junho)
Lisboa está suja, o lixo transborda. Lisboa cheira mal. A cidade é cada vez mais mal governada. Quem se senta nas cadeiras da Câmara Municipal tem uma agenda própria de ambição política que não passa por servir a cidade. O estado em que tudo está mostra isso mesmo.
O que se tem passado na concessão dos espaços públicos é outro sinal da má forma como a cidade é gerida. A feira ao ar livre que o Continente montou no Terreiro do Paço, é um bom exemplo do desprezo pelos munícipes. Bem pode o vereador Sá Fernandes argumentar com a possibilidade da experiência de ver o campo no meio da cidade, que não consegue apagar as outras consequências da coisa.
A ocupação comercial do Terreiro do Paço por uma campanha de marketing de uma cadeia de hipermercados poderá ser ótima para o marketing da empresa em causa, mas dificultou a vida a quem quer circular à beira rio. Os habitantes da cidade, quem aqui vive e paga impostos, são sucessivamente submetidos a condicionamentos de trânsito que causam incómodos e condicionam os seus fins de semana.
O comércio das zonas envolvidas nestas operações, sobretudo o que é afetado pelos condicionamentos de transito, sai prejudicado – agravando os problemas que já existem na conjuntura económica em que vivemos. No conforto dos munícipes e na proteção do comércio e restauração local e tradicional não pensam os responsáveis camarários.
Resta o balanço das capacidade de mobilização do fim de semana: a CGTP juntou menos gente que Tony Carreira. O novo líder da central sindical tem uma grande falta de jeito na escolha dos dias das suas ações – arranja sempre um termo de comparação em que sai mal da fotografia.
(Publicado no diário Metro de 19 de Junho)
Há muito que não lia um texto tão claro sobre o estado do nosso ensino, e sobretudo o do português, como este que Teolinda Gersão editou no Público de segunda-feira. Aqui vai:
DECLARAÇÃO DE AMOR À LÍNGUA PORTUGUESA de Teolinda Gersão
Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.
Aqui ficam, e espero que vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos alguma coisa para libertar as crianças disto.
Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa
Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela,subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português,que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo,o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens,ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação.O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.
João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).
TEOLINDA GERSÃO – escritora
Foi professora catedrática da Universidade Nova
AUDIOVISUAL – Eu, sobre a proposta de Lei do Cinema e Audiovisual, tenho duas certezas: beneficia a produção de filmes em detrimento da produção de audiovisual (o que não é simpático em termos de emprego nem de investimento reprodutivo); e os custos suplementares que existem serão mais uma vez pagos pelos cidadãos, em cima de quem se reflectirão os aumentos de taxas e contribuições decretados a operadores e distribuidores de televisão e a anunciantes. Nada disto é novo no sistema legislativo do regime: pagam os mesmos, a despesa não diminui – aqui até talvez aumente. Eu não alinho no embandeirar em arco do sector do cinema – que é cronicamente deficitário e vive de subsídios, com um numero reduzido de espectadores, a fazer filmes para jogos florais chamados festivais onde muita coisa é combinada antes. Quero chamar a atenção para o facto de não ter lido em nenhum lado da proposta a indexação de subsídios a receitas de bilheteira (e outras) obtidas anteriormente pelo produtor ou realizador, e também de não ter encontrado referência a reembolso parcial do subsídio em função das receitas diversas obtidas. Ou seja, é um sistema de subsídio a fundo perdido que não beneficia quem tem bons resultados de bilheteira nem penaliza quem não consegue estabelecer comunicação com os públicos do cinema. Tudo isto me parece muito estranho tanto quanto se sabe que o filme português mais visto este ano “Florbela”, fez 40.000 espectadores e o décimo fez 1.150. Tudo isto é pois bastante ridículo quando pensamos que estamos a falar de subsidiar a fundo perdido e sem regras que beneficiem a capacidade de comunicação. Não entendo isto, não entendo porque é que 80% das receitas vão para financiar nestes moldes desregulados o cinema e apenas 20% vão para o audiovisual, que cria mais emprego, proporciona mais o desenvolvimento técnico e criativo e comunica melhor. Na realidade esta nova proposta de Lei do Cinema é um retrocesso de quase três décadas.
PORTAGENS – Na semana passada fiz cerca de 100 kms da A1 e paguei um pouco mais de seis euros. Entrei na A23, onde fiz cerca de 70 kms e paguei mais de sete euros. Alguma coisa não está bem na cabeça de quem fez estas contas, de quem estabeleceu estes preços. Passo pelas portagens electrónicas e tenho a sensação que estou num jogo disparatado de preços arbitrários. O km percorrido nestas estradas de duas faixas é mais caro que o das auto-estradas de três. Não percebo porquê. Um amigo meu, alemão, que vive nos Estados Unidos há décadas, não acredita no que vê – ter que ir aos CTT pagar e na complicação que para um estrangeiro é conseguir circular de automóvel em Portugal. Não é preciso viver nos Estados Unidos. Os espanhóis aqui ao lado também não compreendem e no Algarve os portugueses não percebem porque para ir de Vila Real a Lagos têm que pagar cerca de 11 euros. Eu sou a favor do princípio do utilizador pagador, mas recuso-me a aceitar que isso seja equiparado a roubo oficial, que é o que está a acontecer. Os resultados, na diminuição de trânsito e de receitas, estão à vista. O Ministério das Finanças está a cobrar menos em todas as áreas, a abusar mais dos seus poderes, a intimidar mais os contribuintes e a provocar maiores quebras na actividade de quem produz. Eu começo a achar que o problema não está no Ministro da Economia, está sim no Ministro das Finanças – ele é que está de facto a destruir o país – e não a salvá-lo como se quer fazer crer.
SEMANADA – O número de empresas que fechou portas no distrito de Viana do Castelo aumentou 65% no espaço de um ano; antigas SCUT perderam quase metade do tráfego desde que têm portagens; China já é o décimo maior importador de produtos portugueses; Sacoor abriu a 11ª loja na Ásia; mais de 25% das leis orgânicas do Governo estão ainda por publicar; em Abril os bancos cortaram em 25% a concessão de crédito a empresas e famílias face ao mês anterior; em Abril o crédito malparado agravou-se em 747 milhões em relação ao mês anterior; a dívida total dos cinco partidos com assento parlamentar atingiu em 2011 mais de 24,4 milhões de euros, o partido que maior prejuízo registou no ano passado foi o P e o que mais lucro obteve foi o PSD; ouvido no Parlamento, Vítor Constâncio recusou qualquer responsabilidade do Banco de Portugal, a que presidia na altura, nas falhas de supervisão que permitiram ao BPN chegar onde chegou.
ARCO DA VELHA – Seis subconcessões de estradas foram renegociadas no Governo de Sócrates e provocaram desvios confirmados de 705 milhões de euros nas parcerias público-privadas rodoviárias mas os seus responsáveis estão sujeitos a uma multa máxima de 15 mil euros.
VER – Quem puder ir a Madrid por estes dias tem sobejos motivos de contentamento. No Museu Thyssen Bornemisza, até 16 de Setembro, está uma exposição que reúne um conjunto de obras de Edward Hopper verdadeiramente impressionante e que coloca em contraste os primeiros anos da sua carreira, até meados da década 20 do século passado, com a sua obra mais conhecida. Ali perto, no Museu do Prado, inaugurou uma exposição que, também até 16 de Setembro, mostra os trabalhos realizados pelo grande pintor Rafael na última fase da sua vida, a maioria já em Roma, onde morreu com apenas 37 anos em 1520. Mas como se isto não chegasse, e até 14 de Julho, Madrid acolhe a PhotoEspaña, que reúne80 exposições que mostram o trabalho de 315 autores – de Avedon a Capa, passando por Warhol e, curiosamente, o street photographer que assina como The Sartorialist.
OUVIR – Neil Young decidiu voltar a reunir os músicos dos Crazy Horse, a sua banda de eleição, e pegou em clássicos do cancioneiro popular dos Estados Unidos para fazer o seu 34º álbum de estúdio. Desde 2003 que os Crazy Horse não se juntavam a Neil Young, que já vai com 66 anos. As criticas que tenho lido por aí são bastante diversas mas quando ouço o disco só me apetece dizer que Neil Young tem um talento e uma criatividade que às vezes compensam pequenas falhas. As suas interpretações de temas como “This Land Is Your Land”” Get A Job”, “Clementine” ou “Oh Susannah” mostram que existe uma grande diferença entre interpretar , recriar ou imitar – e isso é uma coisa que nos tempos que correm se vai esquecendo , quando os imitadores são muitas vezes mais elogiados que os criadores.
FOLHEAR – Quem tem iPad pode fazer gratuitamente o download da edição número 1 da revista Wired, datada de Janeiro de 1993, quase há 20 anos. Eu comecei a apanhar e devorar a revista aí por volta de 1995/96 e desde então ela faz parte das minhas leituras favoritas. Louis Rossetto, o fundador da revista, escrevia nesse número inaugural : “Porquê a Wired? – Porque a revolução digital está a tomar conta das nossas vidas como um tufão, porque numa época em que há uma avalanche de informação o luxo mais importante é descobrir o significado e o contexto das coisas, ou de outra forma, se o que procura é a alma da nossa nova sociedade numa matamorfose selvagem, o nosso conselho é simples: siga-nos na Wired.” Percorrer os artigos desta edição é uma delícia, e faz-nos exercitar a memória para nos lembrarmos como, do ponto de vista tecnológico, em 1993, as coisas eram tão diferentes que hoje parecem atrasadas. Não certamente por acaso o título da “Wired” deste m~es é “How To Be A Geek Dad” – pois, os geeks já têm filhos e isso é que mostra como o mundo vai mudar ainda mais depressa.
GOSTO – Da maneira como Varela entrou, virou o jogo, rematou e no fim foi modesto.
NÃO GOSTO – Da maneira como Ronaldo se arma em campeão e depois tem falhanços sucessivos e ainda por cima atira com desculpas de mau pagador.
BACK TO BASICS – Exactamente porque as coisas são o que são, elas não permanecerão como estão – Bertolt Brecht
Na semana passada foi notícia o assalto e agressão ao realizar José Fonseca e Costa, no Bairro Alto. Na altura falou-se da falta de segurança que hoje em dia existe na zona e da falta de policiamento. É sabido que a presença física em rondas, da polícia, é um forte elemento dissuasor. Mas para isso é preciso que os polícias saibam estabelecer prioridades.
Uns dias depois, na Rua da Boavista, perto do Cais do Sodré, decorreu uma inauguração no edifício Transboavista – um prédio quase completamente ocupado por espaços de exposição de arte contemporânea e que junta artistas já consagrados com jovens artistas no início de carreira. Estas inaugurações costumam juntar muita gente e constituir um bom momento.
Na noite do passado dia 5 havia uma meia dúzia de scooters no passeio em frente, eram de pessoas que tinha ido ver a exposição. Ali perto não há nenhuma zona de estacionamento de motos. E às 23h15 não existe um intenso trânsito de peões no local – aliás os visitantes das exposições são mesmo os únicos que por ali andam.
Pois foi a essa hora de movimentadíssimo tráfego pedonal que um carro patrulha, provavelmente da esquadra que fica próxima, com dois agentes, um graduado e outro mais novo, estacionou no meio da faixa de rodagem, sem luzes de sinalização, com o objectivo de multar as scooters. E era o graduado que de bloco em punho circulava entre as scooters, anotando as respectivas matrículas. Não dizia nada – nem sequer pedia os documentos ou a identificação a quem entretanto estava a retirar os veículos. É um estilo – mas é o retrato de uma corporação que mais facilmente anda à caça da multa que em patrulha a prevenir crimes e agressões. Quem manda podia estabelecer prioridades. E evitar cenas ridículas como esta.
(Publicado no diário Metro de 12 de Junho)
MEMÓRIA - Esta semana soube-se da decisão final sobre as escutas efectuadas a José Sócrates e que acabaram por ir parar ao processo “Face Oculta”. Não vou discutir a decisão dos tribunais (embora cada vez mais desconfie dos tribunais portugueses a todos os níveis), mas uma coisa parece certa: vão ser eliminados dados que no futuro nos ajudariam melhor a compreender a História de Portugal no início do século XXI. Até podia entender que as escutas ficassem congeladas 20 anos ou mais, mas apagá-las revela que se quer esconder o passado. Não é uma questão de legitimidade em eliminar dados eventualmente obtidos de forma discutível, é uma questão de varrer os factos e impedir que se saiba o que aconteceu. Noronha da Costa, nesta matéria, assemelha-se historicamente àqueles que aceitaram que fotografias fossem alteradas, que relatos fossem adulterados. No futuro não saberemos de facto que se passou. E os juízes – todos os juízes mesmo os mais altos magistrados – que permitiram a sua eliminação serão cúmplices de esconder o passado perante as gerações futuras. Espero que haja cópias piratas e que elas se mantenham – será sinal de vitalidade.
VOAR – Sou daquelas pessoas que acha que voar é mais seguro, em termos estatísticos, que andar de carro ou de comboio. Mas continuo a ficar revoltado com a frequência com que ocorrem acidentes com aviões ultraleves. Na semana passada mais um caso, dois mortos - foi o terceiro acidente este ano, 5 mortos no total desde Janeiro. Duas dezenas desde 2006. Numa recente reportagem, o jornal “i” afirmava: “A Federal Aviation Administration (FAA – autoridade norte-americana para a aviação) dizia, num comunicado relativo aos motores Rotax – que são os mais usados na aviação ultraleve –, que “durante uma revisão do processo de produção foi detectada uma irregularidade na construção de uma cambota”, que, caso não fosse corrigida, poderia levar à “paragem do motor durante o voo”. Já este ano, a Civil Aviation Authority (CAA – equivalente britânica da FAA) repetiu o aviso. Num documento de 18 de Janeiro diz-se que o problema se restringe a “um número limitado de motores”, mas a lista que acompanha o alerta da CAA enumera mais de uma dezena de modelos da marca em que a anomalia foi detectada.” E mais à frente, sobre esta motorização utilizada nos aviões ultraleves Tecnam: O manual de motor de modelos da marca, a que o i teve acesso, tem uma particularidade nada habitual que refere “Perigo: este motor, pelo seu desenho, está sujeito a paragens súbitas. A paragem do motor pode resultar em despenhamentos. Esses despenhamentos podem resultar em ferimentos graves ou morte”. Mais abaixo diz-se que “o utilizador assume todos os riscos e reconhece, pelo seu uso, o facto de o motor estar sujeito a paragens súbitas”. André Garcia, director de produção da Tecnam Portugal – empresa que comercializa os aviões ultraleves equipados com motores Rotax –, interpreta a nota como uma forma de a empresa “escapar a processos legais” por possíveis acidentes. Contudo, a nota de aviso não tem impedido o INAC de certificar estes aviões como estando aptos para a prática de voo.”. Isto não vos causa alguma inquietação sobre os nossos reguladores?
SEMANADA – Depois de milhões gastos e de actividade quase nula, o Governo criou um Grupo de Trabalho para estudar a rentabilização do Aeroporto de Beja, que é constituído por sete pessoas; o PS é o recordista de faltas por deputado na AR; 38% dos beneficiários do rendimento de inserção são menores e os beneficiários deste apoio triplicaram no primeiro trimestre; os processos fiscais rendem menos que a troika pensava e o presidente do Supremo Tribunal Administrativo disse estar “a convencer a troika do nosso interesse em mudar a situação”; frequentar a faculdade custa em média um salário mínimo por mês; tirar o curso superior absorve um quinto dos rendimentos das famílias portuguesas; António Borges, o ex-vice presidente da Goldman Sachs, actualmente na categoria de “quadro superior” ao serviço do Governo e da Jerónimo Martins (como um deputado do PSD se lhe referiu no Parlamento), defendeu a redução dos salários em Portugal e conseguiu ser contrariado por toda a gente, do PR ao PM, passando por porta-vozes de todos os partidos, incluindo o seu; no aniversário do primeiro ano em funções do Governo, o PSD desceu as intenções de voto, o PS ficou igual, assim como o PP e as subidas são do PCP e Bloco de Esquerda; na semana em que registou o pior resultado de sempre de um Presidente da República numa sondagem, Cavaco recebeu uma camisola da selecção com o número 10, das mãos de Cristiano Ronaldo.
ARCO DA VELHA – Em 15 anos foram gastos 75 milhões de euros no Metro do Mondego mas o projecto ainda não saíu do papel e deixaram de existir ligações ferroviárias entre Coimbra e a Lousã desde 2010.
PALAVREADO – “O Parlamento é um escritório de representação de empresas” – Paulo Pinto, Professor, Vice Presidente da associação Transparência e Integridade
VER – Esta semana gostei muito de ver os azulejos de Xavier Sousa Tavares, na Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências 2C, à Rua do Século); as pequenas e reveladoras esculturas e os desenhos de Rui Sanches na TPobjectosdearte (Rua S. João da Praça 120, perto da Sé) ; e as noites de Inez Teixeira e as experiências de Inês A, ambas na Plataforma Revólver , na Rua da Boavista 84 – cuidado com a PSP que nas noites de inaugurações anda à caça de multar quem não estaciona certinho no local. Confesso que, de tudo, foram as noites de Inez Teixeira que mais marca me deixaram – depois daqueles quadros nem me apeteceu ir refilar com os zelosos agentes da autoridade que só estão onde se estaciona, e nunca onde há roubos. Coisas.
OUVIR – Hoje não há muitos discos novos que me surpreendam, mas reconheço que «Absence», o terceiro álbum de Melody Gardot, é uma agradável prova do seu talento e criatividade. Ela conta que este disco foi influenciado por estadias mais ou menos prolongadas em Marrocos, na Argentina, no Brasil e em Lisboa (esteve cá quase seis meses em 2011). Gardot canta no seu inglês nativo, mas também em espanhol e em português- podia ser um pesadelo, mas na realidade é um grande disco – e em boa parte porque ela percebe o que é o tango, ou a bossa nova ou o fado e não se coloca no papel de imitadora turística. Ela saíu-se bem, em grande parte pela produção, excelente, do brasileiro Heitor Pereira. As duas canções «portuguesas» do disco são «Lisboa» e «Amália» - sendo que esta Amália é inspirada por um pássaro e não pela Fadista. Às vezes é difícil explicar porque se gosta – mas este é um grande disco, que pode ser ouvido em casa com o espírito de se estar num bar, a ouvi-la cantar, com improviso e emoção.
FOLHEAR – A melhor publicação editada actualmente por uma instituição cultural em Portugal é o mais que fanzine e quase magazine “Próximo Futuro”, espécie de órgão central das programações que António Pinto Ribeiro elabora para a Fundação Gulbenkian. A presente edição, que leva o nº 10, é dedicada ao mundo árabe e às transformações sociais, politicas e criativas que lá decorrem. A fotografia ocupa felizmente um lugar importante nesta publicação – como os quadros fotográficos de Majida Khattari, que reproduz. Alem disso a edição inclui informações sobre toda a programação, nas diversas áreas que abrange. Se todos os programas fossem assim, não deitava nada fora e não me cabia tanto papel em casa.
PROVAR – Nestes dias em que os jogos do Europeu estão à porta recomendo o bar do Espaço 10, o local desenvolvido por Rui Costa, em pleno Saldanha. Na andar de baixo há um bar onde se petisca (caracóis, pica-pau, presunto...), e ao fim de semana há música ao vivo. Mas nestes dias o que interessa é que os ecrãs são grandes e bons e se pode passar lá um bom fim de tarde a ver os jogos do Europeu. Com um bocado de sorte o próprio Rui Costa ainda lá aparece. Quando a fome apertar basta subir ao primeiro andar, ao restaurante, onde se come bem e com uma vistaça sobre a Avenida da República. Fica no edifício do Atrium Saldanha, entrada pela Avenida Casal Ribeiro 63 A, telefone – 213 528 242.
GOSTO – Da Volvo Ocean Race e da forma como ela projectou internacionalmente uma imagem positiva de Lisboa e de Portugal.
NÃO GOSTO – Da falta de activação das marcas de grandes empresas portuguesas, nomeadamente as ligadas ao ambiente e energia, na Volvo Ocean Race.
BACK TO BASICS – Tanto quanto me consigo recordar nunca houve um economista que se tivesse de preocupar sobre como iria conseguir a próxima refeição – Peter Drucker
O marketing do Continente é bom – tenho que reconhecer. As ideias das acções são concebidas para dar que falar e aproveitar todas as oportunidades e cumplicidades; a publicidade – sobretudo os spots de televisão – são muito apelativos e memorizáveis e existe um bom complemento de comunicação nas acções. Foi assim o ano passado na invasão da Avenida Da Liberdade e tudo indica que assim será este ano no piquenicão do Terreiro do Paço, por gentileza de José Sá Fernandes. No próximo dia 16 o Terreiro do Paço será invadido por uma acção publicitária do Continente – lá descarregarão hortaliças, chourições, porcos, vacas e um sem fim de virtualhas. Para completar o ramalhete a festa será abrilhantada pelo incontornável Tony Carreira. Tudo do melhor, portanto.
Numa recente reunião camarária, em que o evento foi desancado até por vereadores da coligação costista, e por vereadores de todas as outras listas, Sá Fernandes disse que gostaria de fazer isto, mesmo sem acções publicitárias e os jornais relataram que o vereador explicou que as finanças camarárias não permitem à autarquia promover uma iniciativa destas a suas expensas. Ficamos pois a saber que houvesse folga nas finanças e a cidade seria transformada numa feira permanente e num hino aos bons selvagens.
Não resisto a citar Alberto Gonçalves que este Domingo escreveu no Diário de Notícias sobre o tema: «O vereador Sá Fernandes, especialista na consignação de espaços públicos para patuscadas, explica que o evento dará a conhecer animais que muitas pessoas não conhecem. O gnu? O ornintorrinco? Decerto não será o urso, a figura dos que acreditaram que o Zé fazia falta á capital e acreditam que o António, putativo candidato a Belém. Faz falta ao país.»
(Publicado no diário Metro de 5 de Junho)
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