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Hesitei muito em escrever esta coluna sobre este tema – a autêntica novela protagonizada por Manuel Maria Carrilho. Não gosto de falar da vida das outras pessoas e creio que cada um tem direito a viver como quer, desde que não prejudique os outros. Fui ensinado a ter sempre presente que a liberdade de cada um de nós acaba onde começa a liberdade do próximo. Mas, quando são as pessoas envolvidas que se colocam a posar para fotografias, a fazer relatos e se desdobram em entrevistas sobre questões da sua vida pessoal e familiar, então essas pessoas optam por deixar de ter privacidade e perdem o respeito por tudo – por si próprias em primeiro lugar e pelos outros, que lhe são próximos, e que assim envolvem no turbilhão que desencadeiam à sua volta.
Não vou falar de culpas nem de averiguações, que não me interessam especialmente – apenas de uma evidência que nos últimos dias tem sido incontornável. Basta passar por uma banca de jornais para perceber que Carrilho todos os dias adiciona um novo episódio à narrativa que começou a construir para se colocar no papel de vítima. Não faço ideia se ele é vítima de alguma coisa – mas tenho a certeza absoluta que é pelo menos culpado de se expor, de expor os seus filhos e a mulher com quem tem vivido de uma forma que é, no mínimo, brutal. Não sou dado a moralismos, mas choca-me como pode alguém tão friamente maltratar em público uma pessoa com quem manteve uma relação e de quem tem filhos. O que se passa não abona a favor do carácter do sujeito.
Quando um filósofo decide fazer na praça pública um reality show mais sórdido e cruel que aquele que foi imaginado por qualquer estação de televisão estamos conversados. Como vão os alunos olhar para este Professor?
(Publicado no diário METRO de 29 de Outubro)
COMUNICAR - Apesar da fartura de notícias relacionando a iminente morte da imprensa com uma crise da comunicação, surgem cada vez mais sinais de que as coisas não são assim. Recentemente a “Advertising Age” publicou um trabalho no qual reflectia sobre o sucesso de alguns título que souberam desenvolver aquilo a que chamaram “uma árvore de interesses” - ramificações, a partir do tronco original da marca, em papel, que passam por diversos aproveitamentos digitais, por operações de venda on line, mas também por spin-offs virtuais que exploram nichos de interesse dentro da marca principal e por eventos e iniciativas públicas que fornecem conteúdo editorial e são ocasiões especiais de interacção pessoal entre leitores e editores. Alguns estudiosos de comunicação olham para o que se passa hoje em dia e afirmam que estamos a sair do “parenteses de Gutemberg”: durante cerca de cinco séculos a informação e o conhecimento foram formatados pelo processo tipográfico, mas o digital veio acabar com essa rigidez e veio voltar a permitir a livre troca de colaborações, conversas, opiniões - por definição as edições digitais estão sempre em permanente alteração e actualização. Há quem diga que esta evolução da forma fixa do papel para a fluidez digital não é nova - é apenas o regresso à tradição oral, à forma original de comunicação entre as pessoas, antes do tal parenteses de Gutenberg - e o twitter parece ser um excelente exmplo disso mesmo. Talvez estejamos apenas numa transição, no recomeço de um velho processo: o da comunicação. As marcas fortes que se afirmaram na informação vão continuar a contar boas histórias, talvez apenas de outra maneira, e é nelas que os leitores continuarão a acreditar.
SEMANADA - Ricardo Salgado já se deslocou duas vezes a Luanda no espaço de 20 dias; Lobo Xavier disse que foram o PSD e o CDS a forçar a intervenção da troika em Portugal; Sócrates disse a mesma coisa na entrevista ao Expresso; Rui Moreira aliou-se ao PS e disse querer continuar a obra de Rui Rio; Rui Moreira, na sua tomada de posse enquanto Presidente da Câmara Municipal do Porto propôs a criação de uma Liga de Cidades de todo o Norte; PS, PCP e BE acusaram Cavaco de estar alinhado com o Governo; em três anos 156 portugueses mudaram de sexo; o Governo anunciou que em 2014 apenas os salários mais baixos pioram em relação a 2012; nas duas semanas seguintes às eleições, as autarquias, teoricamente em gestão, adjudicaram mais de 25 milhões de euros em contratos diversos; as eleições para a Ordem dos Psicólogos geraram polémica sobre a preparação da votação; Portugal e Espanha vão passar a trocar informações sobre contribuintes, empresas e cidadãos; o resultado líquido das empresas portuguesas caíu 97% em dois anos; o orçamento da Polícia Judiciária para 2014 não contempla verba para munições de treino; o orçamento de Estado para 2014 prevê mais 3,4 milhões de gastos com pessoal nos diversos gabinetes governamentais; a despesa do Estado derrapou 857 milhões entre Maio e Outubro.
ARCO DA VELHA - Renato Sampaio, ex-presidente da Distrital do PS do Porto, considerou Sócrates um exemplo de humanismo, verticalidade e forte carácter e sublinhou que “hoje no PS não é fácil ser amiugo de José Sócrates”.
VER - Várias sugestões para esta semana: no Arquivo Municipal de Fotografia, na Rua da Palma, destaca-se a exposição Ana Maria Holstein Beck – Álbuns de Família, que conta com 120 fotografias seleccionadas de um espólio notável, a maioria dos anos 20 do século passado, que em muitos momentos faz lembrar a forma como Lartigue fotografou a sua própria família no início do seu percurso como fotógrafo; num outro registo destaca-se a abertura de uma nova galeria dedicada à fotografia, que concilia o seu espaço com um estúdio -The Black Sheep, na Rua do Sol Ao Rato 45 A que apresenta a exposição “I Am Bunny”, um projecto desenvolvido pelo luso-americano João Carlos; em A Pequena Galeria, Avenida 24 de Julho 4c, está “Interiores”, de Carlos Oliveira Cruz. Mas o destaque da semana vai para a exposição que abre este sábado na Fundação Carmona e Costa, “Pandemos”, em que Manuel João Vieira, Pedro Portugal e Pedro Proença apresentam trabalhos recentes: “Pandemos é sobre o que se passou ontem, sem nostalgias, sobre o que se passa agorinha (com troika e tudo!) e sobre as ganas de continuar a viver uma vida cada vez mais sexy, com ou sem desgraças” - na Rua Soeiro Pereira Gomes Lote 1-6º até 28 de Dezembro.
OUVIR - Gregory Porter, 42 anos, esteve em Portugal no início deste mês para dois concertos onde apresentou o seu novo álbum “Liquid Spirit”, o primeiro que grava para a Blue Note e terceiro na sua carreira. Considerado como um das grandes revelações do jazz vocal, cantor e autor, Porter tem uma voz de barítomo, cheia e emotiva - um crítico do jornal Guardian classificava a voz do cantor como “sumptuosa” e não me parece exagero. Os temas de Gregory Porter ficam no ouvido, mexem com as tradições do gospel e dos blues, seduzem nas baladas e agitam nas faixas mais funky, que são também aquelas onde ele parece mais à vontade e empolgado. Este é talvez o seu melhor disco, onde le mostra a sua versatilidade em vários géneros musicais e onde, para além dos seus próprios temas, tem uma boa interpretação de “The In Crowd”. Os dois discos anteriores tiveram nomeações para os Grammy. A ver vamos o que acontece a este “Liquid Spirit” um passo em frente em relação a qualquer dos anteriores discos de Porter.
FOLHEAR - Nas eleiçōes de 1976 Mário Soares teve uma estratégia arriscada: recusou alianças com o PCP ou com o PSD, correu o risco de ficar na oposiçāo, mas saíu vencedor e assim afirmou o espaço político do PS. Se isto fosse marketing em vez de política, dir-se-ia que afirmou uma marca, demarcando-se da concorrência. Este episódio, que havia de se revelar decisivo para a evoluçāo do regime e da democracia portuguesa, tem sido pouco estudado, mas o livro "Mário Soares e a Revoluçāo", de David Castaño, fruto de uma investigaçāo universitária aprofundada que serviu de base ao doutoramento do autor, proporciona " um retrato rigoroso e objectivo da afirmaçāo política de Mário Soares nos anos decisivos da revoluçāo de Abril (...) transformando-se no líder charneira da institucionalizaçāo da democracia portuguesa", como sublinha o politólogo António Costa Pinto. O autor, David Castaño, pelo seu lado, sublinha que a sua obra estuda um caso concreto de liderança, num período conturbado, onde se procuram identificar os momentos em que as opçōes individuais “contribuíram para a conduçāo de um processo de transiçāo numa direcçāo, em detrimento de outras alternativas que se colocavam”. Ao longo de 300 páginas o livro segue o percurso de Mário Saores desde o início da sua actividade política, mas é sobretudo na ampla investigaçāo relativa aos acontecimentos da segunda metade de 1974, de todo o ano de 1975 e da preparaçāo das eleiçōes legislativas e presidencias de 1976, no pós 25 de Novembro, que o livro ganha maior relevância, tem mais factos novos e bem relacionados, e desperta mais interesse. (Ediçāo D.Quixote.)
PROVAR - Desde 1976 existe na Rua da Paz, em Sesimbra, um restaurnte, premiado várias vezes, que dá pelo nome de "A Padaria", em homenagem ao antigo ofício que ali antes se praticava. De decoraçāo sóbria e confortável, com uma esplanada (nos dias de bom tempo) virada ao mar a meio de uma rua em escadaria, este restauramte é uma boa surpresa - e prova que há razōes gastronómicas relevantes para quem está em Lisboa atravessar a ponte e rumar a estas bandas. Numa incursāo recente tive a sorte de aparecer numa altura em que havia acabado de ser pescado um espadarte rosa da costa de Sesimbra com quase 350 quilos. O animal foi dividido por vários restaurantes que sāo dedicados às qualidades da espécie e por sorte e bom conselho do chef provei o tal espadarte, fumado a quente, acompanhado por um risotto de espargos. Devo confessar que nunca havia provado espadarte de tal qualidade e tāo bem confeccionado. Foi uma verdadeira surpresa, e os outros convivas da mesa que seguiram o mesmo pedido estavam também deliciados. A acompanhar esteve um Duas Quintas reserva branco, magnífico. A responsabilidade do repasto foi do chefe Pedro Gomes, que para entreter o tempo do fumeiro trouxe à mesa uns amouche-bouches intrigantes mas, fazendo jus ao nome, sobretudo divertidos, a proporcionar conversa com humor. A refeiçāo rematou com um gelado de arroz doce, também aconselhável. Em querendo há um menu degustaçāo, mas vale sempre a pena perguntar quais os pratos do dia. Rua da Paz número 5, Sesimbra, tel 212 280 381.
GOSTO - Uma arquitecta do Porto desenvolveu uma marca de sabrinas, as “josefinas”, que começam a entrar nos mercados americano e japonês.
NAO GOSTO - O “enorme aumento de impostos” não reduziu o défice orçamental deste ano.
DIXIT - O PSD, após as autárquicas, ficou numa desorientação completa - Rui Rio
BACK TO BASICS - Será que os andróides sonham com ovelhas electrónicas? - Philip K. Dick
Um dos problemas de fazer apostas altas é que, quando se perde, a queda é grande. Foi o que aconteceu sábado com a manifestação de autocarros que a CGTP encenou. É muito curioso que vendo e revendo as notícias não vejo estimativas de número de manifestantes em Lisboa, apenas de autocarros. Se em relação à manifestação realizada no Porto são indicados números concretos, os relatos e reportagens do que se passou em Lisboa são vagos e algo desiludidos – mesmo os jornais que tradicionalmente se empenham mais em noticiar como sucessos as manifestações anti-governamentais, desta vez ficaram silenciosos e apontaram a chuva e o local escolhido, em Alcântara, como os culpados pelos resultados obtidos – que nenhum revela.
Arménio Carlos, o líder da CGTP, tem cometido alguns erros – desde manifestações e greves gerais em número demasiado, o que só desvaloriza o seu significado e impacto, até casos como esta da manifestação na ponte, que foi obviamente encenada como um desafio ao Governo para medir até onde podia ir. No braço de ferro com o Governo os sindicalistas tiveram que ceder, Arménio Carlos perdeu o desafio, teve que atamancar as coisas com uns autocarros, partiu para a manifestação já como vencido. A manifestação foi transformada num passeio de autocarro, em direcção a um destino mal escolhido e que ainda por cima tinha óbvios problemas de imagem, de dimensão e de participação, nas televisões e nas fotografias.
No último ano a CGTP tem-se confrontado com falta de eficácia – o que mostra também o dilema do movimento sindical nestes tempos: foi ultrapassado por protestos não organizados e quando decide organizar alguma coisa o resultado é fraco. A crise parece também ter chegado à CGTP.
POLÍTICAS - Nem sei de que me apetece falar - se do súbito interesse manifestado por Passos Coelho em conversar com José Eduardo dos Santos, se do facto de José Sócrates se afirmar como “o chefe democrático que a direita sempre quis”. Um amigo meu diz que ele deve ser ambidestro, mas, justiça seja feita, não será o único. Tenho que me render à evidência: o que se passa no reino da política, das decisões do Governo e do discurso da oposição partidária ou sindical ultrapassa a minha capacidade de compreensão. Sei bem que há boa gente de um lado e do outro - mas a forma como gerem a coisa pública e fazem o discurso político está a provocar danos profundos na capacidade de as pessoas compreenderem o que se passa e de se interessarem em ser parte da solução em vez de contribuírem para o problema. Alguém no Governo tem que vir dizer que a culpa não é dos cidadãos que se iludiram com promessas, é de quem as fez e de quem - de todos os lados do espectro partidário - prometeu o que não se podia. As autárquicas deram o primeiro aviso de forma bem clara - os partidos já não controlam o que controlavam. Tudo isto vai levar a um desinteresse ainda maior das pessoas, dos eleitores - e a resignação é o pior que pode acontecer a uma sociedade: fica amorfa, sem energia, deixa de produzir, de estar atenta, de criar coisas novas. Estamos à beira de ficar um país de desinteressados, de deixar de pensar em estratégia, de deixar de inovar e surpreender. Vendemos - bem - paisagens e clima. Mas em matéria de “start ups” Portugal quase não existe - embora seja abundante em empresas em dificuldades. Gastamos recursos e energias a tentar salvar o passado em vez de construir o futuro.
SEMANADA - Foi apresentado o Orçamento de Estado; no Conselho de Ministros extraordinário deste fim de semana Paulo Macedo criticou a equipa do Ministério das Finanças; a taxa adicional de 3,5% sobre o IRS, introduzida por Vitor Gaspar, mantém-se no próximo ano; a contribuição para o audiovisual, cobrada na fatura da electricidade e destinada a financiar a RTP, vai aumentar 18%; o IVA da restauração mantém-se a 23%; o Orçamento de Estado para 2014 prevê um aumento da receita, paga pelos contribuintes, de 612 milhões de euros; um mês após o início das aulas ainda há escolas onde faltam professores; Vale e Azevedo é ajudante do padre nas missas da prisão da Carregueira e é o responsável pelas hóstias e o vinho usado na comunhão; José Sócrates lança o seu livro sobre a tortura na próxima semana; Mário Soares disse que António Costa é o melhor candidato do PS às presidenciais; nestas autárquicas as câmaras municipais sem maioria absoluta quase duplicaram; muito curiosas as reacções à ideia de acabar o fim das subvenções vitalícias a políticos; em 2012 verificaram-se 1076 mortes por suicídio e 121 mortes por agressão; no ano passado verificou-se um aumento dos suicídios em pessoas acima dos 90 anos de idade.
ARCO DA VELHA - A Universidade de Coimbra tem em atraso, há vários anos, a entrega de mais de duas dezenas de milhar de diplomas de fim de curso aos alunos que já os pagaram.
OU(VER)- Há discos que deixam marca. Discos que não esperavam, sons que não tínhamos pensado poder coexistir. Amália cantou com Alain Oulman ao piano e há imagens de Augusto Cabrita que testemunham esses momentos de encontro marcante, que aliás mudaram para sempre a carreira de Amália. O Fado toca-se com guitarra - mas o desafio de Julio Resende foi o de mostrar como o piano também pode ser fadista - tal como Oulamn tinha já apontado. Resende vem - e é - do jazz, mas tem uma tradição de interpretar temas da música popular portuguesa - com uma sensibilidade rara. “Amália, por Júlio Resende” é um disco inesperado. E é cativante : não se lhe consegue resistir, é impossível conter a emoção quando ele começa a tocar o “Ai Mouraria” ou “Barco Negro” ou “Foi Deus”. Mas há um momento, acima de todos os outros, que tem uma força e uma capacidade de atracção especial: quando o piano de Resende se junta à voz de Amália a cantar o “Medo”, um fado de Reinaldo Ferreira e Alain Oulman, gravado em 1966 e editado pela primeira vez em 1997 no álbum “Segredo”. A tecnologia tem destas coisas - consegue juntar no mesmo espaço dois momentos tão diferentes - três, se contarmos com o trabalho atrevido e audaz de Pedro Cláudio ( que assina também as fotos e o grafismo do disco), na edição de um videoclip que junta os dois tempos, a voz e o piano. Vejam-no, porque é absolutamente imperdível - basta irem ao YouTube e procurarem Julio Resende - O “Medo” é o primeiro a aparecer. (CD Edições Valentim de Carvalho).
FOLHEAR - A edição de Novembro da Wired britãnica é dedicada às melhores startups europeias (num sentido bastante alargado do continente) que se desenvolvem naquelas que a revista considera serem as dez melhores cidades em termos da economia digital - Londres, Moscovo, Berlin, Estocolmo, Paris, Helsinkia, Tel Aviv, Istambul, Amsterdão e Barcelona. Em cada uma são apontados vários exemplos de startups, já em funcionamento. Voltemos à edição - um dos outros pontos de interesse é a entrevista com Astro Teller, o homem que dirige o laboratório da Google onde são desenvolvidos os projectos mais arriscados, como os carros sem condutor. Com um design gráfico mais rasgado e aberto que a sua congénere norte-americana (aliás a edição original), esta Wired feita no Reino Unido ganhou agora o prémio de Marca do Ano em Media. Além de temas ligados à tecnologia e aos negócios à volta da tecnologia, esta Wired dedica bastante atenção ao design e às suas tendências em termos industriais. Para terem uma ideia da latitude de temas da revista e da forma como cruzam influências, a conferência “Wired 2013”, que decorreu esta semana, teve oradores como a cantora Bjork, o pianista Lang Lang, um dos fundadores do Huffington Post e do Buzzfeed, vários professores do MIT, neurocientistas, entre cerca de três dezenas de palestrantes - numa iniciativa patrocinada em Londres pela Telefonica espanhola. Para além de numerosas notas sobre novos gadgets, a revista explora as diferentes formas como o dinheiro pode girar no futuro nas transacções electrónicas e debate questões como esta: “Os professores devem recompensar as respostas certas ou as boas perguntas?”.
PROVAR - Em Portugal, antes da adesão à União Europeia e das romarias estatais a Bruxelas, os mexilhões eram um petisco que se podia provar perto de Lisboa, tipicamente de cebolada, na zona de Sesimbra, sendo os bichos, na época, oriundos da lagoa de Albufeira. A adesão europeia tirou-nos a cebolada e trouxe-nos a descoberta das moules - os mexilhões feitos à maneira belga, com vinho branco, manteiga, salsa e natas e acompanhados por batatas fritas - as célebres moules marinières. Ao longo dos anos vários restaurantes lisboetas abordaram o petisco, nomeadamente A Travessa, mas poucos com o saudável fanatismo dos “Moules &”. Há uns meses abriu em Cascais o “Moules & Gin”, à boleia da moda do Gin que este ano acelerou e se tornou um ritual. Mas como a bebida de excelência para o petisco do mexilhão é a cerveja, abriu agora em Lisboa, em Campo de Ourique, o Moules & Beer. A particularidade é que as cervejas são maioritariamente belgas, mas também há holandesas e alemãs de várias qualidades e sabores; portuguesa apenas a cerveja artesanal Sovina, já aqui louvaminhada em escrito anterior. Para fugir à norma a prova recaíu em mexilhões à bulhão pato, que estavam bem, e em mexilhões Thai, temperados com lemongrass e gengibre , que estavam muitissimo bem. As batatas fritas, aos palitos finos, são competentíssimas mas quem quiser pode pedir uma pasta que fica no fundo do prato a embeber-se no molho. Quem não pode ou não quer comer mexilhões tem à disposição um naco da vazia fatiado, que acompanha com molho de mostarda e manteiga de alho - e vem com as mesmas batatas fritas. O telefone é o 213 860 046 e a morada é Rua 4 de Infantaria 29 D, logo a seguir ao Jardim da Parada.
DIXIT - “Foi você que pediu uma reforma do Estado? - Não vendemos, diz no fundo o Governo neste Orçamento” - António Costa Pinto, politólogo.
GOSTO - Chegou a época das romãs e dos dióspiros.
NÃO GOSTO - Google quer vender foto e informações dos seus utilizadores para fins comerciais.
BACK TO BASICS - O investimento no conhecimento é sempre o que tem melhor rendimento - Benjamin Franklin
O caso dos cortes nas pensões é um bom manual do que não se deve fazer em termos de comunicação política: alguém resolveu criar uma fuga de informação sobre uma medida em preparação, deixando-a naturalmente ganhar balanço a partir do cenário mais negativo e penalizador para as pessoas. A fuga, tal como foi largada na praça pública, tinha por objectivo mostrar as contradições entre posições anteriores de um membro do Governo, no caso Paulo Portas, e medidas que faziam agora parte da sua esfera de competências governamental. Não foi uma fuga inocente ou um descuido, foi uma bomba de fumo largada com método e pontaria.
Como é usual, neste caso o “worst case scenario” tornou-se na verdade incontestada. A oposição agarrou a fuga com unhas e dentes e usou-a para criar um clima de pânico sobre os rendimentos dos pensionistas. No entanto quem quiser ler as primeiras explicações (é certo que tímidas, descoordenadas, confusas e pouco empenhadas) poderia logo perceber que o corte era sobre a acumulação de pensões, apenas a partir de determinado limite - não era um corte universal, não era um corte sobre todas as pensões, não era uma medida cega.
O problema é que gato escaldado de água fria tem medo e naturalmente as pessoas assustaram-se com todo o ruído que foi feito. O que já não é natural é que se tenha demorado tanto tempo a explicar com cuidado o que se pretendia de facto fazer. O problema é que na cabeça das pessoas fica mais o cenário negativo que a explicação dos factos. E é esta desatenção ao efeito da comunicação que o Governo continua a ignorar, dando à oposição casos de mão beijada pera ela explorar. Robert Louis Stevenson dizia que “a política é talvez a única profissão para a qual não é necessária nenhuma espécie de preparação”. Volta e meia convenço-me que ainda hoje há políticos que lhe dão razão.
(Publicado na edição do diário Metro de 15 de Outubro)
AUDIOVISUAL - Parto deste princípio: no mundo contemporâneo, com o principal canal de distribuição de conteúdos a ser a internet, quem não tiver uma produção regular audiovisual perde identidade cultural, apaga o idioma e desaparece do mapa. A resolução para esta questão, decisiva nos nossos dias, não está na sobrevivência dos modelos antigos de serviço público audiovisual, mas sim numa prespectiva estratégica do desenvolvimento de uma indústria de conteúdos. Se numa série de actividades económicas se aceita que a iniciativa privada é mais criativa e eficaz que a estatal, porque é que precisamante na mais determinante das indústrias no critério da consolidação da identidade cultural e linguística se aposta no sector público? Este é o paradoxo de onde partem muitos equívocos - e maus resultados. Não me cansarei de dizer que o serviço público de televisão não precisa de produzir mais, precisa é de ter uma ideia clara sobre o que deve programar, saber o que quer, e, em conformidade, desenvolver uma carteira de encomendas a produtores privados, independentes, que possam desenvolver industrialmente este sector. E só este desenvolvimento assegurará que teremos presença nos consumos audiovisuais, para além de festivais e jogos florais, para além das guerras de audiências efémeras. Se o Estado quiser que o serviço público de televisão desempenhe o seu papel, ponha-o a pensar, escolher e encomendar. E verá como a economia do sector cresce e os resultados aparecem. Vai demorar tempo, mas muito menos do que aquele que já se leva de não fazer nada.
SEMANADA - O Banco de Portugal alertou para os efeitos nocivos na economia de cortes salariais; Bispos portugueses manifestaram preocupação com os cortes nas pensões de sobrevivência e viuvez; o FMI reconheceu que a zona Euro pode precisar de mais tempo para reduzir défices, caso o crescimento económico seja pior que o esperado; quatro em cada dez pessoas tiveram corte de salário com a crise; Portugal importa 42 euros por cada 100 euros que exporta; o FMI considera que o aumento das exportações nos paises periféricos da zona zona euro não compensa a quebra da procura interna; uma média de sete imóveis por dia são entregues à banca por incumprimento no pagamento dos empréstimos; referindo-se às afirmações de Rui Machete em Angola, um diplomata português afirmou ao “Público” que pedir desculpa “é uma expressão que não é do léxico da diplomacia”; o PSD ainda não sabe se algum dos três primeiros nomes da lista autárquica do partido no Porto vai assumir o cargo de vereador para o qual foram eleitos naquele município; os depósitos dos particulares caíram 969 milhões em Agosto; as autarquias gastaram 29,2 milhões de euros em obras e iniciativas diversas nos ultimos dias antes das eleições; Passos Coelho anunciou segundo orçamento rectificativo para este ano.
ARCO DA VELHA - O Supremo Tribunal Administrativo reconheceu que as feiras eróticas são arte e como tal devem ser taxadas como produtos culturais, ou seja, com a taxa mínima de 5% de IVA; os festivais e concertos de música são taxados a 13%, incluindo os bilhetes oferecidos e os convites.
VER - Não são muitas as exposições em que uma peça é avassaladora, conceptual e fisicamente. È uma peça invasiva, que se alonga por salas, ocupa o espaço e dá que pensar. O trabalho que André Banha desenvolveu, em termos de concepção e construção, ao longo de meses, pode finalmente ser visto na VPF Cream Art Gallery, na Rua da Boavista 84. Tradicionalmente utilizando a madeira, André Banha vai além do que lhe conhecíamos nesta obra - “revisito-me” - que é um ponto marcante da atividade desta galeria, este ano. Esta é daquelas exposições que ficará para a memória por causa de uma única peça. E mesmo que no edifício da VPF, o Transboavista,, existam, também neste momento, trabalhos incontornáveis de Jorge Feijão, Fabrizio Matos, Inez Teixeira, Tiago Duarte, ou Luis Alegre, a verdade é que a obra de André Banha se sobrepõe a todas as outras. E mesmo que agora ela passe despercebida, esta vai ser uma das ocasiões em que o tempo vai jogar a favor do risco. Um desafio.
OUVIR- Poucos discos, nos últimos meses, me fascinaram tanto como este - Peter Gabriel não deixa de surpreender, mesmo quando recorre a terceiros para nos agitar as memórias. Em 2010 Peter Gabriel desenhou a primeira parte deste projecto de troca de canções e chamou-lhe “You Scratch My Back” . Agora aparece com “And I’ll Scratch Yours” e vai bem mais longe. Ele interpreta temas de David Bowie, Paul Simon, Bon Iver, Lou Reed ou Arcade Fire, Regina Spektor ou Neil Young, entre outros, e reinterpreta os originais não abdicando daquilo que são as suas marcas próprias, musicais e vocais. Ao mesmo tempo, neste duplo CD, do outro lado está um disco onde os autores interpretados se atiram ao cancioneiro de Peter Gabriel, várias vezes de forma absolutamente surpreendente. Nas 12 canções de Gabriel reinventadas não há um falhanço - mas há momentos de génio, como “Blood Of Eden” por Regina Spektor, “Shock The Monkey” por Joseph Arthur, “Games Without Frontiers” pelos Arcade Fire, “Mother oF Violence “ por Brian Eno e sobretudo as três ultimas do disco, três pérolas raras: “Don’t Give Up” por Feist e Timber Timbre, um irreconhecível “Solsbury Hill” por Lou Reed e um emotivíssimo e simples “Biko” por Paul Simon. Duplo CD Realworld/Universal. Se querem saber, este disco, sendo de versões, tem mais novidade que muitos originais e é um dos candidatos a disco do ano - espantoso o que se pode fazer a reciclar material alheio sem fazer sucatices.
FOLHEAR - Esta semana regresso á Wallpaper, que na sua edição de Outubro tem editores convidados: o duo escandinavo Elmgreen & Dragset explora espaços e casas numa viagem entre o sonho e a realidade e a artista e fotógrafa norte-americana Laurie Simmons percorre fantasias com bonecas de prazer. São páginas desafiantes, graficamente bem pensadas, e inesperadas - o que se espera de uma boa revista. A Wallpaper tem voltado a melhorar nestes ultimos meses e esta edição é provavelmente a melhor deste ano. Há bons artigos sobre o ressurgimento de Oslo e da Noruega, sobre Peter Saville, sobre os tapetes desenhados por Alexander McQueen. No que toca a arquitectura, design e interiores a Wallpaper é uma das revistas incontornáveis. E além disso é muito engraçado seguir a evolução da qualidade da publicidade de algumas marcas nas suas páginas - por exemplo a Hyundai está claramente num processo de reposicionamento bem pensado, desde o design dos novos modelos até às novas motorizações. Afinal, qual a revista onde os sapatos da Tod’s coexistem com os ténis da Converse de forma perfeita?
PROVAR - Venho aconselhar-vos a experimentar os produtos da marca José. Isso mesmo: José. As embalagens têm um design fantástico e inesperado e os produtos no seu interior correspondem às expectativas. As conservas, por exemplo, são produzidas pela justamente famosoa fábrica La Gondola, de Perafita, Matosinhos, fundada em 1940. A ideia da José é ir buscar produtos aos melhores fornecedores e embalá-los sob a sua própria marca e fazer uma oferta integrada, como compota de medronho, a célebre aguardente da Lourinhã e vinhos e licores diversos. O site www.josegourmet.com está muito bem organizado e tem bastante informação sobre os produtos disponíveis e os locais de venda. Nas conservas destaque para as petingas picantes, as ovas de sardinha em azeite (há quem lhe chame o nosso caviar…), a ventresca de atum ou as cavalinhas em azeite - eu sou um fã de conservas e acho sempre que se a conserva for das boas, como estas, uma lata e uma salada resolvem uma refeição de ultima hora. Além disso há azeites e vinagres de várias regiões, aguardentes, ginjas e moscatel, mel e compotas - como a tal de medronho. Eu encontrei os produtos na loja Gourmet do El Corte Ingles. Mas pelo site descobrem-se mais pontos de venda. E dá gosto pensar que no meio desta crise ainda há que se atreva a concretizar boas ideias como esta.
DIXIT - “Não temos um Governo, temos um conjunto de pessoas agarrado a um manual de instruções” - Felix Ribeiro, economista
GOSTO - Do projecto “Do sonho à realidade” da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que se destina a proporcionar a idosos, utentes de lares ou de centros de dia, a concretização dos seus sonhos.
NÃO GOSTO - Da confusão e da demagogia existente em torno da peregrina ideia de uma manifestação em cima da Ponte 25 de Abril.
BACK TO BASICS - A política é talvez a única profissão para a qual não é necessária nenhuma espécie de preparação - Robert Louis Stevenson
TEMA - Sinceramente não sei que dizer esta semana. Tirando Rui Moreira, no Porto, as eleições não trouxeram grandes surpresas. Confirmou-se o que se sabia - más escolhas de candidatos, intrigas palacianas nas sedes dos partidos a sobreporem-se às sensibilidades locais, desfasamento entre o sistema, os partidos e os eleitores, revoltas internas que deram independentes vencedores. Tudo isto se adivinhava e vai agudizar-se ao ritmo a que as conspirações internas reduzirem a actividade política a um jogo de bastidores incompreensível para a maioria das pessoas. Nos últimos anos as propostas políticas que têm a ver com o dia a dia das pessoas foram evoluindo para promessas desgarradas esquecidas no dia seguinte à votação e, principalmente, para politiquices que só têm a ver com jogos de poder de indivíduos ou de grupos. A noção de serviço público da política está bem guardada num baú e o que sobra é um fanatismo de seita, que não anda muito distante da clubite futebolística e das guerras com os árbitros que servem para distrair o país e aliviar da troika. à margem de tudo isto o mundo move-se e avaça - como dizia o poeta e a PT fez, bem, questão de demonstrar. E já agora, em termos comunicacionais, reparem no timing: a notícia do entendimento entre a Oi e a PT para a fusão das duas empresas surgiu no dia a seguir à assembleia geral fundadora da Zon-Optimus.
SEMANADA - Foram vendidas 5,1 milhões de embalagens de anti-depressivos nos primeiros oito meses do ano; a abstenção foi a maior de sempre em autárquicas; o numero de votos nulos e em branco mais que duplicou comparando com as anteriores autárquicas de 2009; a soma das abstenções e dos votos brancos e nulos ultrapassa os 54%; aumentou o número de independentes que se tornaram presidentes de Câmara; a distribuição de votos na Madeira teve a maior alteração de sempre e o PSD perdeu a Câmara do Funchal; em Lisboa, em 2009, o PSD obteve 26 presidências de junta de freguesia e o PS conseguiu 22; mas em 2013, após a reorganização da cidade, o PS ganhou 17 das 24 novas freguesias; 40% das autarquias leva mais de três meses a pagar dívidas; 33% das casas, cerca de 650 mil habitações, não estão ligadas à rede de abastecimento de água; gastos das familias com impostos subiram 35% na primeira metade de 2013; já depois de estar nacionalizado o BPN concedeu 135 milhões de euros de crédito de risco; segundo o Eurostat em Agosto existiam em Portugal 877 mil desempregados; a Universidade de Aveiro deixou de estar na lista das 400 melhores instituições de ensino superior de todo o mundo.
ARCO DA VELHA - O Estado português terá que pagar um milhão de euros por danos morais infligidos a 217 cidadãos que estão há 18 anos à espera de uma decisão do tribunal sobre a falência de uma empresa hoteleira
VER - A partir de 10 de Outubro poderemos descobrir no Museu Nacional de Arte Antiga os retratos dos Reis Carlos IV de Espanha e Maria Luisa de Parma, concebidos por Goya a pedido da Real Fábrica de Tabacos de Sevilha, em 1789. Esta mostra insere-se num ciclo de exposições trimestrais realizada pelo Museu Nacional de Arte Antiga denominado “Obras Convidadas”, cujo objectivo é dar a conhecer obras de mestres da pintura ocidental que raramente foram expostas em Lisboa, provenientes e museus do mundo inteiro, um interessante programa de intercâmbio que é dos pontos altos da actividade actual do MNAA. Em troca destes dois retratos de Goya irá o nosso tríptico de Bosch para o Prado, lá mais para a frente. Ganha-se com a troca e com o poder descobrir a luz destes retratos de Goya.
OUVIR- Sting não fazia um disco de originais há uma dezena de anos e saíu-se com um projecto de uma peça de teatro, musical, que estreará na Broadway no próximo ano. As onze novas canções do CD são parte da banda sonora, que em palco terá cerca de duas dezenas de composições. A ideia é contar a história do declínio da indústria de construção naval em Newcastle, onde Sting cresceu. Há uma forte influência de música folk, nem me atrevo a dizer que alguém se poderia ter lembrado de fazer em Viana do Castelo um disco com inspiração no Vira do Minho. Adiante - as canções não são para brincadeiras, contam histórias duras, abordam rupturas familiares e tensões dentro da comunidade, mas também casos de amor e desejo, como em “I Love Her So But She Loves Someone Else”. Noutro registo gosto especialmente dos duetos duetos “What Have We Got”, com, Jimmy Nail, e “So To Speak” com Betty Unthank, ssim como o primeiro single, “Practical Arrangement” ou o estimulante “The Night The Pugilist Learned To Dance”. É melhor que as anteriores incursões de Sting noutros terrenos musicais (CD Cherry Tree/Universal).
FOLHEAR - A edição de Outubro da revista “Monocle” é dedicada ao pequeno comércio ou, se preferirmos, à reinvenção do comércio de rua, ideias que estão a dinamizar negócios, soluções de proximidade. Trata-se de um verdadeiro manual que, em muitas coisas podia ser bem aplicado por aqui. Não vou citar muito o que está no interior da revista (como a livraria XYZ de Lisboa especializada em fotografia), e prefiro respigar estas passagens do editorial de Tyler Brulé, dedicando-as em especial ao reeleito Presidente da Cãmara Municipal de Lisboa: “Enquanto o comércio independente continua a estar ameaçado pelas grandes cadeias de supermercados e centros comerciais ou pelo comércio eléctrónico, bairros inteiros são também ameaçados por um conceito de planeamento urbanístico pobre que coloca demasiado enfase em tirar os carros das ruas, ignorando a importância do movimento no comércio. Claro que o paraíso urbano é um local onde todos possamos viver a cinco minutos a pé de boas lojas e serviços e onde exista um esquema de partilha de carros e um serviço de transportes públicos com uma paragem à porta de casa. É evidente que nada disto acontecerá na maior parte das grandes cidades e há uma boa razão para isso: eliminem o transporte automóvel privado das áreas de comércio tradicional e habitacionais e um número de coisas pouco atraentes começam a acontecer: em primeiro lugar diminui a frequência de quem passa e pára para comprar; depois as lojas começam a fechar porque há uma diminuição de fregueses; a seguir os preços das casas começam a cair porque as zonas deixam de ser interessantes; finalmente a paisagem das ruas passa a ser desoladora e perigosa de frequantar quer de dia ou de noite. Tudo isto culmina no surgimento num qualquer suburbio de um grande centro comercial que atrai as mães que querem segurança, conveniêcia e conforto. Já agora muitos planeadores urbanos estão a descobrir que eliminar os automóveis torna muito difícil a mobilidade das pessoas, criar crianças no centro da cidade e também garantir o abastecimento de produtos básicos de consumo.”
PROVAR - O chef José Avillez tomou conta do Chiado e em cerca de dois anos ali abriu quatro restaurantes. O mais recente fica num foyer do Teatro de S. Carlos e posiciona-se entre “O Cantinho do Avillez” e o “Belcanto”. Chama-se Café Lisboa e serve aperitivos, cocktails, petiscos, almoços, jantares, ou, adequadamente, ceias depois da ópera. Além de cocktails há a intensa cerveja artesanal Sovina, e o vinho da casa resulta de uma parceria entre o chef e José Bento dos Santos. Cumpre com garbo no branco e no tinto, embora na lista existam outras sugestões. Um dos ex-libris da casa é o pastel Lisboa, um rebatizado pastel de massa tenra, com a dita finíssima e estaladiça e o recheio solto e bem temperado. Pode ser servido à unidade ou em prato com um arroz de grelos inatacável e em qualquer dos formatos são sempre servidos acabados de fritar, bem quentinhos - o mesmo se pode dizer dos croquetes de vitela, magníficos. Na lista estão ainda diversos bifes tradicionais e um bacalhau à braz com azeitonas explosivas - uma brincadeira saborosa que se tem tornado numa das imagens de marca de Avillez. Bom sítio, sala pequena mas confortável (com uma peça de Joana Vasconcelos), esplanada ampla. Largo de São Carlos 23, telef 211914498.
DIXIT - “Se os partidos não perceberam o que se passou aqui, não perceberam nada”- Rui Moreira, candidato vencedor à Câmara Municipal do Porto.
GOSTO - A vitória do tenista João Sousa na Malásia conseguiu que pela primeira vez os três diários desportivos colocassem a modalidade em manchete.
NÃO GOSTO - Os cartazes das autárquicas ainda estão maioritariamente por retirar, quase uma semana depois do fim da campanha eleitoral - e como são bastante horriveis e transbordantes de mau photoshop são fortes poluidores visuais.
BACK TO BASICS - É certo que o conhecimento pode criar problemas, mas também é certo que não é através da ignorância que seremos capazes de os resolver - Isaac Asimov
As eleições autárquicas aconteceram mais ou menos a meio do ciclo normal das legislativas e, mesmo contando com o peso, pela proximidade, que os candidatos locais têm nos eleitores, existiu um efeito de penalização do partido que lidera a coligação e que tem em mãos o cumprimento do programa fixado com a troika. Que tenha sido o PS, de Sócrates, a chamar a Troika e a definir os termos gerais do programa a que estamos sujeitos é coisa que já se varreu da cabeça dos eleitores, como este Domingo comprovou.
Mas há aqui algumas coisas a reter: a queda eleitoral do PSD coexistiu com o aumento de presidências de câmara da CDU e do PP, com o desaparecimento autárquico do Bloco de Esquerda e, claro, com o número de cisões nos partidos políticos que criaram uma chuva de independentes – alguns deles a conseguirem ganhar às suas ex-organizações.
Outro dado a reter é o resultado obtido pelos candidatos que o PSD escolheu no Porto e em Lisboa. Apesar de todas as críticas e alertas, a direcção e as respectivas distritais insistiram em candidatos que foram rejeitados sem contemplação. Em resultado destas escolhas, em Lisboa e no Porto, o PSD perdeu mais de metade dos votos que tinha obtido em 2009.
Se há coisa que estas eleições comprovaram é um crescente distanciamento dos partidos em relação ao sentir dos seus apoiantes e simpatizantes – e que constituíu a razão da maioria das tais cisões. As consequências destas rupturas no eleitorado ficaram à vista ontem. É exagerado dizer-se que o sistema partidário como o conhecemos está em vias de extinção – mas é absolutamente claro que os partidos, o sistema político e a lei eleitoral precisam de se adaptar aos tempo – ninguém vive só de promessas.
(Publicado na edição de 1 de Outubro do diário Metro)
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