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Tudo se conjuga para que nos próximos meses assistamos a cenas de uma autêntica orgia de demagogia, onde actuarão estrelas da política lusitana e que se desenrolará em cenários como o Parlamento e em discretos encontros secretos. Com o calendário de eleições em 2019 (Europeias, Regionais dos Açores e da Madeira e Legislativas) está pronto o palco para uma enorme sucessão de promessas que, obviamente, serão pagas mais tarde pelo denodado contribuinte com a sua cada vez maior carga fiscal - o preço final é sempre pago pelos mesmos. As primeiras cenas deste filme decorrem na preparação do Orçamento de Estado para 2019, que, já se percebeu, será um bacanal eleitoralista. Com medidas como a descida do IRS, do IVA na electricidade, com aumentos de pensões ou aumentos da Função Pública, quanto vai custar este Orçamento aos nossos bolsos? Claro que as promessas são música para os ouvidos de uma parte importante dos eleitores - mais investimento na saúde, na cultura, na educação, na cultura, além dos aumentos de pensões e de salários. Tudo isso é fantástico embora não perceba como vai acontecer com um Governo que é campeão das cativações, que tem o serviço do 112 sem meios, a CP à beira da ruptura, que não consegue médicos para os hospitais em especialidades críticas, que faz promessas a torto e a direito, para os que cá trabalham e até para os que foram trabalhar para fora. No fim a factura vai ser enorme - e em vez de procurar simplificar a fiscalidade, acabar com os abusos da autoridade tributária, como os que foram conhecidos esta semana, e deixar de punir os contribuintes, o Governo escreve descaradamente o enredo de um filme pornográfico em que o Ministro das Finanças faz o papel de dominador e o Primeiro Ministro protagoniza um D. Juan com vocação de vendedor de banha da cobra - ambos envolvidos sem pudor com um trio promíscuo que envolve os dirigentes dos parceiros da geringonça e o desaparecido líder do que já foi o maior partido da oposição.
SEMANADA - Segundo o Banco de Portugal há mais famílias a não conseguir cumprir os seus compromissos mensais no crédito ao consumo; em maio o Governo congelou mais 420 milhões de euros de despesa pública, reforçando cativações na ferrovia, no Ensino Básico e Secundário e na Saúde; ao contrário do que afirmou Mário Centeno, o valor dos cativos deixa de ser o mais baixo dos últimos cinco anos e passa a ser o terceiro mais alto de sempre, todos nos anos em que Mário Centeno foi o ministro das Finanças; António Costa disse no seu discurso recente que a carga fiscal diminuíu com o seu Governo, mas na realidade a carga fiscal em Portugal subiu para os 34,7% do PIB em 2017, impulsionada por contribuições sociais e impostos indiretos, o que é o valor mais elevado em 22 anos; o chefe de Gabinete de Mário Centeno em Portugal atacou o Ministério Público na sua página do Facebook; antes de estar com Centeno tinha sido autarca em Lisboa e o seu post surge em defesa do mono do Rato; cinco novos partidos deverão apresentar-se nas eleições europeias do próximo ano; este ano em Portugal já existiram mais de 500 furtos a equipamentos de venda automática, o que representa um aumento aproximado de 60% face ao ano anterior, e quase 100% em dois anos; desde o início do ano já morreram 315 pessoas em acidentes de viação; as queimadas estiveram na origem de 66% dos fogos rurais verificados este ano; este ano já foram encerrados 56 lares ilegais.
ARCO DA VELHA - Os três helicópteros Kamov que o Estado contratou este ano, por cerca de 3,6 milhões de euros, pertencem a uma empresa moldava, a Pecotox Air, que não tem autorização para voar no espaço europeu.
UMA VISÃO DIFERENTE DE EÇA DE QUEIROZ - Conhecido como um dos grandes escritores portugueses do século XIX, Eça de Queiroz licenciou-se em Direito, em Coimbra, entre 1861 e 1866, e durante algum tempo exerceu a advocacia. Já o pai e o avô haviam sido juízes e haviam também estudado em Coimbra onde, pela mão de um dos professores de Direito mais distintos dessa época, Vicente Ferrer Neto, se espalhava o krausismo - teoria que defende a tolerância académica e a liberdade do ensino perante o dogmatismo. Ora esta teoria influenciou fortemente a forma de pensar e de escrever de Eça de Queiroz - essa é a tese defendida por César Tomé no ensaio “A Construção Do Sujeito de Direito em Eça de Queiroz (ou Eça de Queiroz Krausista)”, agora publicado pela Guerra & Paz. O livro desenvolve-se ao longo de reflexões que fazem confluir a literatura, a arte, o direito, a filosofia, e a política que marcaram o rico e conturbado século XIX português. Cesar Tomé, o autor desta visão diferente sobre a obra de Eça de Queiroz, licenciou-se em Coimbra, na mesma Faculdade de Direito que conheceu o autor de “Os Maias” como estudante e ali exerceu a actividade profissional de advogado durante mais de trinta anos. Mais tarde desenvolveu formação superior diversa nas áreas do Direito, da Antropologia e da Filosofia. É doutorando em Antropologia, estudando temas que envolvem as emoções, os sentimentos, as neurociências e a biologia no processo, sempre complexo, de construção das decisões judiciais.
A FOTOGRAFIA EM ARLES - Arles, um cidade no sul de França, tornou-se conhecida desde 1970 por promover e acolher os Encontros da Fotografia - que este ano vão na sua 49ª edição, inaugurada no início de Julho e que vai até 23 de Setembro. É a maior e mais diversificada mostra de fotografia que decorre na Europa, este ano sob o mote “Regresso ao Futuro”. A organização pretendeu fazer uma viagem através de diversas épocas com o objectivo de mostrar como a fotografia é o meio por excelência para captar todas as mudanças que acontecem no mundo ao longo dos tempos. Existem onze temas principais - desde o que é dedicado aos últimos 60 anos dos Estados Unidos, percorrendo imagens de autores como Robert Frank e Raymond Depardon (na imagem) , até registos do velho mundo - com fotografias de Maio de 68, por exemplo. Noutras secções aparecem mostras mais contemporâneas, como a de Cristina de Middel e Bruno Morais até uma viagem a Cuba sob o título “Yo Soy Fidel”. Há ainda espaço para novos autores, uma área para livros de fotografia e uma outra para autores convidados, além de dezenas de iniciativas em programas associados, que vão desde uma evocação dos livros Photo Poche das edições Delpire, até aos galardoados do prémio Pictet ou uma playlist dos Encontros de Arles organizada pela Radio France Inter. São quatro dezenas de exposições e muitas iniciativas paralelas. Se este ano não fôr, comece a preparar a viagem do próximo ano.
O CRUZAMENTO DA GUITARRA ELÉCTRICA COM MÚSICA AFRICANA - Os discos de jazz onde a guitarra surge em primeiro plano estão entre a minha lista de preferências musicais. A guitarrista alemã Leni Stern, que começou a gravar em 1985, desde há uma década aproximou-se da música africana e o seu novo disco, “3”, é o terceiro que grava com o baixista Mamadou Ba e com o percussionista e multi-instrumentista Alioune Faye. Aqui, mais uma vez ela explora os caminhos do jazz, cruzando-os com blues, rock e com as sonoridades tradicionais do Senegal e do Mali. Além do trio - e Stern além da guitarra também canta - o disco tem as colaborações de Mike Stern, o seu marido, também na guitarra eléctrica, de Leo Genovese no sintetizador, de Gil Goldstein no acordeão e de Muhammed e Princess Louise Faye nas vozes. A faixa de abertura, um instrumental, é um exemplo perfeito do cruzamento de culturas, entre a guitarra e a percussão e o baixo. A faixa “Spell” evoca as sonoridades dos blues do Mississipi pela guitarra de Mike Stern e a voz de Leni Stern. Mas a melhor surpresa chega no fim, com o tema “Crocodile”, onde a guitarra e o acordeão, se cruzam com coros, enquadrados por uma percussão exemplar. O álbum está disponível no Spotify.
AS RECEITAS TRADICIONAIS JÁ ESTÃO ONLINE - Durante 12 anos, Maria de Lourdes Modesto apresentou o "Culinária", a seguir ao Telejornal, na RTP - um caso sério de qualidade e popularidade televisiva. Quando começou o seu programa, nos final dos anos 50, Maria de Lourdes Modesto cedo sentiu que muitos espectadores diziam que determinada receita era feita de forma diferente na sua família. Em 1961 Maria de Lourdes Modesto teve a ideia de lançar um concurso e pediu aos espectadores que lhe enviassem receitas tradicionais das várias regiões de Portugal. Recebeu milhares de receitas, a maioria manuscritas e um júri, que ela integrava, selecionava em cada mês a melhor receita. Estes milhares de receitas recebidas estão agora disponíveis online. Maria de Lourdes Modesto entregou o acervo que guardava em casa à Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal (ACPP), que colocou as transcrições dos ingredientes e o modo de preparação no seu site, www.acpp.pt/maria-de-lourdes-modesto. O livro de referência da gastronomia nacional, “Cozinha Tradicional Portuguesa”, que Maria de Lourdes Modesto fez, recolhe a sua experiência e muitas indicações que recebeu dos seus espectadores nas receitas que enviaram. Com a disponibilização online deste arquivo todos podemos agora ter acesso a este manancial de informação - e na meia centena de milhar de pesquisas realizadas nas primeiras semanas a este site, as receitas mais consultadas foram, por exemplo uma Açorda à Transmontana, uma Tiborna e um Caldo Verde
DIXIT - “Deixe de andar aos pontapés aos seus companheiros de partido” - Carlos Carreiras, vice-presidente do PSD, referindo-se a Rui Rio.
GOSTO - José Mário Branco é a personalidade homenageada no arranque da Feira do Livro do Porto a 7 de Setembro.
NÃO GOSTO - Houve entidades oficiais, nomeadamente autárquicas, que permitiram e até incentivaram a utilização fraudulenta dos donativos e fundos para a reconstrução de Pedrógão Grande
BACK TO BASICS - “Os livros têm os mesmo inimigos que as pessoas: fogo, humidade, animais, o mau tempo e o seu próprio conteúdo” - Paul Valery
UMAS FÉRIAS DIFERENTES - Este ano decidi seguir o conselho de uma antiga campanha publicitária - “vá para fora cá dentro”. E assim fiz-me já diversas vezes à estrada, para norte, para o centro e agora para sul, para o Alentejo profundo. Onde quer que vá encontro turistas estrangeiros - muitos, e das mais diversas proveniências. Tem a sua graça ouvir falar inglês, russo, brasileiro, sueco ou francês, tudo no mesmo restaurante de Mértola, O Brasileiro, onde ao jantar as ofertas gastronómicas são, por exemplo, escabeche de perdiz, sopa de cação ou entrecosto com migas de espargos bravos. Umas horas antes, ao almoço, vi frustrada a minha intenção de me deliciar com as iguarias do Botequim da Mouraria, em Évora, porque os únicos oito lugares da casa, ao balcão, estavam ocupados por duas famílias estrangeiras, cada casal com dois filhos, que se lambiam com os enchidos, os queijos, os ovos mexidos com espargos. Cocei a cabeça e lá procurei outro sítio que por acaso não correu bem. Por todo o lado - nos monumentos, nas exposições, no meio da rua - sente-se a presença dos visitantes. E sente-se o seu impacto na economia local. Empregados de simples cafés ou de restaurantes tradicionais falam inglês como podem, e na maioria dos casos bastante razoavelmente. O inglês afirmou-se a língua do acolhimento a turistas - o que dá azo a cenas deliciosas como esta: um casal de clientes franceses, na casa dos 30-40 anos , a falarem no restaurante de Mértola com a empregada portuguesa, em inglês, numa evocação da série Alô Alô. E a jovem de Mértola falava inglês bem melhor que os franceses. Acabei as migas e sorri.
SEMANADA - As forças armadas perderam 20% dos efectivos nos últimos 17 anos; o número de inspectores na educação caíu 40% desde 2001; 14% dos imóveis do Estado, cerca de quatro mil prédios, estão vazios e sem utilização por parte de organismos públicos; no ano passado 25 mil passageiros queixaram-se de mau serviço e problemas nos comboios da CP; este ano, desde janeiro, há um aumento de 83% dos protestos sobre a CP no Portal das Queixas; o preço médio da electricidade em Portugal, avaliado em função do poder de compra nos países da Comunidade Europeia, só é ultrapassado pela República Checa; uma universidade americana concluíu um estudo onde se afirma que passar horas no sofá a ver televisão, sobretudo os serviços de streaming, diminui o apetite sexual; segundo a Marktest 17% das pessoas ouve rádio pela Internet mas este número sobe para 30% nos ouvintes entre os 25 e os 34 anos; Yanis Varoufakis, antigo ministro das Finanças grego, criticou o vídeo partilhado por Mário Centeno para assinalar o fim do resgate à Grécia dizendo que "parece propaganda norte-coreana"; João Galamba, do PS, e Mariana Mortágua, do Bloco, também criticaram o vídeo de Centeno; a dívida externa líquida portuguesa situou-se em 183,1 mil milhões de euros em junho, representando 93,4% do PIB, mais 0,9 pontos percentuais comparando com o final de 2017; o PAN quer limitar o uso de charretes e carroças.ú
ARCO DA VELHA - Um estudo realizado na Alemanha e que recolheu informação em 20 países, mostra que mais de 80 por cento das peças de roupa que as pessoas possuem não foram vestidas nos últimos 12 meses.
UMA QUESTÃO DE TRÂNSITO - De repente uma professora de escrita criativa, que vivia no campo, vê a sua vida dar uma reviravolta no meio de um divórcio e muda-se com os filhos para Londres. Este livro fala do percurso de mudança, dos cruzamentos, das dúvidas, das transições de hábitos, rotinas e comportamentos. “Trânsito” é o segundo livro de Rachel Cusk na sua trilogia que começou por “A Contraluz” e se concluíu com “Kudos”, lançado em Maio passado no Reino Unido. Este “Trânsito” foi agora editado em Portugal pela Quetzal e a protagonista, Faye, uma mulher de meia idade, escritora, pode parecer ter uma evidente semelhança com a autora. Mas na realidade Faye é apenas uma espécie de porta voz do que Cusk vai achando do mundo - hilariante a parte em que Faye conta o assédio de que foi vítima num festival literário pelos seus colegas escritores ou a descrição de um jantar em que ela observa os comportamentos de uma família, digamos, moderna. Isabel Lucas, uma das poucas pessoas que vale a pena ler quando o tema são livros ou os seus autores, diz que Rachel Cusk tem uma tremenda capacidade de “escrever sobre a banalidade fazendo disso grande literatura. Como se nada fosse.” E é isso. Simples, sem complicações.
ÁFRICA EM ÉVORA (e na Vidigueira) - Em primeiro lugar uma boa notícia - a exposição Évora-África, sub-titulada Africa Passions, que estava prevista encerrar dia 25, deverá ser prolongada até final de Setembro. Esta exposição é uma das mais importantes deste ano, bem concebida, bem montada, verdadeiramente surpreendente, e está no Palácio Cadaval, mesmo no centro de Évora, junto ao templo de Diana. Começo por destacar a peça Osa Nla, a evocação de uma divindade, concebida por Romuald Hazoumè e que domina a magnífica Igreja dos Loios, com os seus riquíssimos painéis de azulejos (na imagem). A exposição apresenta essencialmente fotografia e pintura com particular enfoque em artistas de Congo e Mali, mas também moçambicano, como Filipe Branquinho e Mauro Pinto. A exposição mostra trabalhos fruto de formação académica nalguns casos, mas também da tradição popular. Destaco as magníficas fotografias de Malick Sidibé na Bamako dos anos 60, assim como os retratos fotografados e encenados por Omar Victor Diop, a pintura de JP Mika, de Filipe Branquinho, de Toussaint Dembelé, de Amadou Sanago e ainda as obras de Frédérick Brulé Bouabré. Esta exposição tem uma extensão a três dezenas de quilómetros, no Centro de Arte Quetzal, em Vila de Frades, junto à Vidigueira. Drawing Africa on the Map, a exposição que está na Quetzal, junta artistas de diferentes regiões do continente Africano, que se exprimem através do desenho - e num caso, o de William Kentridge, através de espantosas animações, emocionantes.
A VOZ DE ARETHA - É uma pena dedicarmos tão pouca atenção aos grandes nomes da música enquanto eles são vivos. Submergidos pela procura dos novos lançamentos, temos tendência a deixar para trás o prazer de ouvir os grandes intérpretes em grandes canções. Aretha Franklin por muitos considerada a maior cantora na música popular norte-americana, nasceu em Memphis, cresceu em Detroit e viveu o gospel, a soul, e o ryhthm and blues. Teve incursões no jazz, na pop e até na ópera. Começou a gravar em 1956 e o seu último disco foi de 2014 - quatro dezenas de álbuns em 58 anos. Gravou duetos com George Michael e George Benson, teve Lauryn Hill a produzi-la, fez discos de homenagem a grandes nomes da soul como Dinah Washington e gravou versões de dezenas de autores, desde Sam & Dave aos Rolling Stones. O seu legado musical é imenso. Se por estes dias quiserem ouvi-la, pesquisem o Spotify - já depois da sua morte, ocorrida há dias, o serviço de streaming fez uma compilação intitulada The Immortal Aretha Franklin que inclui 20 dos seus temas mais conhecidos. Podem também pesquisar o histórico registo de um concerto de 1972, em Filadélfia, “Oh Me, Oh My - Aretha Live in Philly”. Ou ouçam “Aretha Franklin Sings The Great Diva Classics”, que inclui versões de Aretha para dez temas de outros grandes nomes da música - foi o seu derradeiro registo em estúdio, em 2014, e é uma prova da sua grande voz.
CONCEITOS SEM SENTIDO - Esta semana estive num restaurante em Évora, no centro da cidade, mesmo ao pé do Templo de Diana. Bem arranjado, bom serviço, empregados muito simpáticos. Évora está invadida por turistas, o que é uma coisa boa, desde que não se perca o que é característico de cada local. Creio que a gastronomia é das coisas que deve ser preservada. Nesse restaurante havia compreensívelmente algumas cedências turísticas, como uma salada césar e uma salada de camarão, mas havia também uma de figos com presunto e queijo fresco que podia ser uma boa possibilidade num almoço leve de dia de calor e além desta salada, para entrada pedi um carpaccio de atum. É certo que havia apenas duas mesas, entre uma dezena, que tinham portugueses. Quando pedi um pouco de pão apareceram-me uns pãezinhos redondos com ar de congelados e pré preparados, sem nada a ver com pão alentejano. Interrogado um dos empregados sobre tal assunto ele disse- me a sorrir que o chefe novo que tinha entrado substituíra o pão tradicional, que ali era antes servido, por aquela modernice sem sentido nem sabor. No carpaccio de atum era estranhamente utilizado um balsâmico (bem podiam propor uma muxama com azeite aromatizado e vinagrete de laranja ou até ventresca de atum de conserva, que a há bem boa). Na minha salada de figos o queijo fresco era industrial, de supermercado, sensaborão, o presunto era sem história e os figos teriam ganho em serem descascados. A umas lulas fritas a lista chamava tempura de lulas. O restaurante chama-se Cinco Quinas mas, pela amostra, não se preocupa muito com a imagem que dá da nossa gastronomia.
DIXIT - “A Cúria Romana é responsável por mais ateus do que Karl Marx, Nietzsche e Freud juntos.” - Anselmo Borges, padre e teólogo.
GOSTO - José Lourenço, que tem uma conta no Instagram onde partilha as suas obras e filmes de animação, foi convidado pelo Guggenheim de Nova Iorque a fazer um teaser para a exposição de Giacometti que ali vai abrir proximamente.
NÃO GOSTO - Bruno de Carvalho comprovou ser um elemento de perturbação da equipa de futebol do Sporting ao voltar a enviar SMS aos jogadores onde se intitulava presidente do clube.
BACK TO BASICS - “A música faz muita coisa a muitas pessoas: transporta-nos, pode levar-nos anos atrás ao momento em que algumas coisas aconteceram nas nossas vidas - anima-nos, encoraja-nos e fortalece-nos “ - Aretha Franklin
VOX POPULI - Temos um aeroporto em Lisboa que rebenta pelas costuras, uma rede ferroviária indigna de um país desenvolvido, transportes públicos claramente abaixo dos mínimos para poderem ser alternativa. Em suma, em matéria de equipamento e infraestruturas, o Governo navega ao improviso, sem saber bem para onde vai, sem mostrar qualquer estratégia. Da mesma maneira que há uns anos se pensava numa linha ferroviária de alta velocidade cheia de apeadeiros, aparece agora a ideia de fazer mais aeroportos (caso de Coimbra), como se isso fosse a solução e se como o exemplo da colossal asneira de Beja não fosse suficiente: construíu-se ali um aeroporto que só é usado para manobras de relações públicas e como estacionamento de aviões, ao mesmo tempo que se acabava com a ligação ferroviária à cidade e se desistia de melhorar o acesso rodoviário. Como se faz a destruição de um país? Destruindo o seu sistema circulatório, de que as infraestruturas de transporte são peça fundamental. A desistência da opção pelo comboio em Portugal vai pagar-se cara. A CP é um caso raro de asneiras repetidas: se tivesse sido privatizada não havia de faltar protesto, assim quedam-se caladas as consciências dos suspeitos do costume. No Governo a incompetência nesta área tem um nome: Pedro Marques, um ambicioso político do PS que é ministro do Equipamento, cometeu o grave erro de, por mero sectarismo partidário, ter deitado fora o dossiê do Aeroporto de Lisboa Sul (Montijo) deixado pelo governo anterior. Se tivesse dado OK para arrancar com o projeto estaria agora, passados 3 anos, a inaugurar uma importante infraestrutura - vital para o turismo de Lisboa e para a economia e o emprego em Portugal. Assim, para parafrasear um amigo meu, sem qualquer obra feita, Marques irá acabar o mandato como sendo o coveiro da CP.
SEMANADA - Em julho, o aeroporto Humberto Delgado ocupou a 10.ª pior posição no ranking de pontualidade da Official Airline Guide (OAG), entre 1194 aeroportos mundiais; as dormidas de turistas estrangeiros em Portugal diminuíram 5,1% em Junho; nos últimos 12 meses, um em cada quatro residentes no Continente com 15 e mais anos viajou de avião, indica um estudo da Marktest; em Portugal três em cada quatro utilizadores de telemóveis usam smartphones; nos últimos 26 anos Portugal perdeu mais de meio milhão de jovens entre os 15 e os 24 anos; em 2070 Portugal só terá 4,2 milhões de pessoas em idade activa; no incêndio de Monchique foram destruídas 74 casas, das quais 33 são de primeira habitação; o Presidente da República afirmou que não é a ausência de vítimas em Monchique que traz consolo à população afectada e recusou triunfalismo; nos seis primeiros meses do ano a banca já concedeu empréstimos para a compra de casa no valor de 4774 milhões de euros; a idade média dos agentes da PSP aumentou, é agora de 45 anos e há comandos, como Castelo Branco, Bragança e Coimbra, em que a média de idade já ultrapassa os 50 anos; o Governo angolano criou a Agência de Petróleos e Gás, para acabar com o monopólio da Sonangol; a Nova Zelândia aprovou uma lei que proíbe a venda de casas a estrangeiros, como medida para travar o aumento de preços das habitações verificado nos últimos anos e tornar o mercado imobiliário acessível à sua população nacional.
ARCO DA VELHA - O tempo a voltar para trás: o aumento das comissões cobradas pelos bancos fez com que usar cheques seja compensador, em termos de custos, em muitas transferências.
LER CLÁSSICOS EM TEMPO DE FÉRIAS - Nada como os clássicos para ler nas férias. Por estes dias lancei-me à nova edição de “As Rimas”, de Francesco Petrarca, traduzidas por Vasco da Graça Moura. Francesco Petrarca nasceu na Toscânia em 1304, ganhou fama como filósofo e poeta, viveu 70 anos, é considerado o pai do humanismo italiano e é-lhe atribuída a “invenção” do soneto. O amor é o tema principal destas “Rimas” , inspiradas na devoção do poeta por Laura, num crescendo de dimensão erótica e lírica onde as metáforas desempenham um papel essencial. Antes das “Rimas” já Vasco Graça Moura se havia envolvido com a obra de Petrarca, traduzindo o seu “Cancioneiro” e “Triunfos”. Vasco Graça Moura tinha tanto prazer em traduzir, nomeadamente os grandes clássicos, como em escrever ele próprio. Traduzir era, para ele, um acto criativo, baseado na recriação da obra original para português, sem perder o fulgor nem a intenção original. Traduzir não é uma tarefa fácil, traduzir textos clássicos ainda menos, traduzir poesia é um desafio. Na introdução que escreveu para esta edição das “Rimas” de Francesco Petrarca, Vasco Graça Moura sublinha: “Traduzir poesia é como tentar tirar uma ‘fotografia verbal’ a um objecto também verbal, com a preocupação de registar o que se viu através da objectiva com o mínimo de deformações. Entre estas encontra-se uma série de gradações que podem ir do preto-e-branco à cor e do respeito da morfologia originária a uma diferente configuração do objecto registado.” E, mais adiante: “Tudo está na maneira de equilibrar as relações entre os vários ingredientes ou tonalidades…”. Vasco Graça Moura conseguiu fazer-nos chegar o fulgor da poesia de Petrarca, como esta edição da Quetzal bem demonstra.
O ENCANTO DO LÁPIS - Proponho uma experiência diferente: visitar um dos locais em Portugal onde se produz um dos instrumentos fundamentais para qualquer artista - um lápis. Trata-se da Viarco, a sucessora da Fábrica de Lápis Portugália, fundada em 1907 e que continua a ser a única fábrica de lápis em Portugal. Hoje em dia ganhou nova vida em S. João da Madeira e além dos lápis tradicionais desenvolveu uma linha focada nas artes plásticas, a ArtGraf. Promove workshops com os seus produtos, acolhe residências artísticas em colaboração com a Oliva Creative Factory e a Câmara Municipal de São João da Madeira - é o caso da que decorreu com o Colectivo Laboratório, onde participaram, entre outros, Graça Pereira Coutinho, Beatriz Horta Correia e Ana Fonseca, a autora da obra que aqui se reproduz. Promove exposições como a que tem na Bienal de Cerveira deste ano, “Ar/Rendar A Terra” de Xana Sousa, ou, nas suas próprias instalações, como “Debaixo da pele O Desenho” de Agostinho Santos. E além disso inova na criação de novos produtos - como a mesa de desenho Risko (que tem sido distinguida internacionalmente), e abre as suas portas a visitas de urban sketchers de todo o mundo. É um exemplo de uma empresa que está a criar uma rara e interessante ligação entre o seu negócio industrial e a arte e o design, reinventando-se ao mesmo tempo. Descumbram-na em www.viarco.pt ou agendem uma visita e vão até lá.
OUVIR IMPROVISAÇÕES - Em tempo de férias há duas coisas que me salvam nas minhas andanças fora de casa: o Spotify e uma pequena coluna portátil JBL Go, que se liga por bluetooth a qualquer smartphone e permite ouvirmos o que queremos. Devo dizer que tenho lido as “Rimas”, de Petrarca, de que falo noutro ponto destas páginas, ao som do mais recente disco de Dave Holland, “Uncharted Territories”. Trata-se de um duplo CD, praticamente duas horas de excelente jazz, em 23 temas nos quais o baixo de Dave Holland é acompanhado pelo pianista Craig Taborn e o percussionista Ches Smith, com a presença histórica do saxofonista Evan Parker, que com ele explorou o desbravar do free jazz na década de 60, em Londres. Mais tarde Holland foi um dos cúmplices de Miles Davis na gravação de “Bitches Brew”. Desta vez Holland desafiou os músicos que o acompanham a juntarem-se em estúdio e dedicarem-se a fazer improvisações, construindo um território muito próprio feito da forte ligação e entendimento entre eles ao longo de dois dias de intenso trabalho. Entraram em estúdio com apenas quatro temas compostos, todo o resto do material foi fruto da improvisação e da descoberta. Trata-se um uma gravação refrescante, inesperadamente provocatória , rara no panorama actual.
PROVAR - Nada como o verão para experimentar umas conservas. Eu confesso-me um fã de enguias e as que são feitas na Murtosa são verdadeiramente excepcionais. Os nossos vizinhos espanhóis não hesitam, em muitos bares de tapas, em apresentar nas mesas e no balcão produtos saídos das latas de conservas das suas várias regiões - mas em Portugal isso é mais raro e é tempo de se pegar nessa ideia. As enguias em escabeche da Murtosa são um petisco ideal para uma entrada de um almoço de verão. Gosto delas em cima de uma boa fatia de pão fresco ou acompanhadas por uma salada. Mas mesmo sem mais nada, são uma delícia. Estas enguias de conserva em molho de escabeche são um dos produtos tradicionais da Ria de Aveiro, enraizado na tradição gastronómica local e nacional. A Comur – Fábrica de Conservas da Murtosa - produz esta iguaria desde 1942, assente em métodos artesanais, mantendo a qualidade que lhe deu fama no mundo inteiro - aliás estas enguias em conserva são um produto único. Com a fábrica modernizada e a embalagem remodelada, manteve-se a tradição e o molho de escabeche, conservante natural das enguias que a Comur apresenta, mantém as mesmas características de sabor que tornam este produto um petisco único. E se por acaso forem à Murtosa, bem perto de Aveiro, não deixem de visitar o Museu Municipal, nas antigas instalações da Comur, uma bela homenagem à indústria conserveira.
DIXIT - “O simplex não pode ser a maneira mais rápida de chegar a burocracia” - Basílio Horta
GOSTO - Pedro Rebelo de Sousa disse que “ter uma percentagem excessiva de bancos espanhóis é mau para a economia portuguesa “.
NÃO GOSTO - A Universidade de Coimbra saíu do ranking das 500 melhores universidades mundiais
BACK TO BASICS - O bom gosto é o maior inimigo da comédia - Mel Brooks
SOMOS GOVERNADOS POR UM CÍNICO - O cinismo na política significa total ausência de escrúpulos e não é a primeira vez que António Costa se faz notado por o usar - nos incêndios do ano passado recorreu ao mesmo expediente e foi chamado à pedra pelo Presidente da República. Quando um Primeiro Ministro vem dizer que existir apenas um incêndio com efeitos devastadores, o de Monchique, é prova de que as medidas de prevenção que o seu Governo ordenou funcionam, entramos no campo da pior demagogia. Bem sei que este é um terreno onde Costa se move com especial à vontade, mas as suas afirmações são uma ofensa a quem sofre, uma ofensa à inteligência e, em última análise, um iludir de responsabilidades de um Ministro da Administração Interna que é uma anedota, que permitiu meios de socorro mal equipados, uma estrutura de comando feita de “boys” da sua confiança numa Protecção Civil que não soube dirigir as operações, tudo amplificado por uma porta voz promovida - Patricia Gaspar - que continua a ser uma fábrica de fake news. Isto para nem falar das burocracias que impediram a prevenção e que agora são ocultadas pelos guardiões do templo ou do facto de a própria Autoridade Nacional de Protecção Civil não ter cumprido as novas regras que ela própria elaborou e que definem como se devem organizar as operações de socorro no terreno. Infelizmente aqui o cinismo, a incompetência e o laxismo mostram que Monchique não é uma excepção: é apenas, infelizmente, a confirmação do que funciona mal, muito mal. O cinismo num político é uma ofensa pública, sobretudo quando se manifesta depois de andar a fazer figuras parvas de imitador de Trump no twitter.
SEMANADA- Em 2017 Portugal foi o terceiro país com os preços da eletricidade e do gás natural mais caros da União Europeia, segundo dados do Eurostat; segundo a Marktest nos últimos 12 meses apenas cerca de um milhão de pessoas pagaram para ir ver futebol ao vivo, o que significa 12% dos portugueses com mais de 15 anos; dois contratos de PPP rodoviárias celebrados entre o executivo de Sócrates e o grupo Ascendi, que era da Mota Engil, já custaram 836 milhões de euros ao Estado, quando até 2009 não traziam nenhum encargo; segundo o INE a precariedade laboral voltou a subir no segundo trimestre e é agora mais elevada que no auge da crise, em 2011; quase 10% das vagas para recrutar médicos para o SNS ficaram vazias; nos primeiros sete dias de agosto morreram mais 512 pessoas com idade igual ou superior a 75 anos, por comparação com o valor registado no ano passado; devido à falta de pessoal no fim de semana passado o atendimento do 112 registou esperas de três a 20 minutos e no domingo 173 chamadas ficaram por atender; ainda não abriu o concurso para 200 novos guardas florestais que o Governo tinha prometido realizar antes do Verão; no ano passado 25% dos incêndios não foram investigados por falta de pessoal; os helicópteros da protecção civil para combate aos incêndios foram alugados sem sistema de espuma retardante anti-fogo.
ARCO DA VELHA- O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas está há mais de sete meses para aprovar um projeto de intervenção na zona da Perna da Negra, precisamente o local onde deflagrou o incêndio da passada sexta-feira na Serra de Monchique.
ARTE REGRESSA A ALMANCIL - Mário Sequeira, um importante galerista de Braga (mais precisamente de Tibães), está a dar nova vida ao Centro Cultural de Almancil, no Algarve - o antigo Centro Cultural de São Lourenço que foi fundado em 1981 pelo casal Marie e Volker Huber e que ao longo dos anos divulgou artistas plásticos, promoveu conferências com escritores (como Gunter Grass, amigo dos fundadores), concertos e recitais de música e de poesia. Situado a uma centena de metros da Igreja de Almancil, o espaço do Centro Cultural de São Lourenço foi o resultado de um minucioso trabalho de recuperação de cinco casas rurais com mais de 200 anos feito pelos fundadores e encerrou a primeira fase da sua existência em 2012 . Mário Sequeira renovou todo o espaço e apresenta até 31 de Agosto a exposição colectiva “Island In The Sun”, comissariada por Duarte Sequeira e André Butzer - que escolheu o título a partir de uma canção de 2001 da banda californiana Weezer. A exposição apresenta trabalhos de, entre outros, Rui Algarvio, José Bechara, Sarah Bogner, André Butzer, Pedro Calapez, Gary Webb, Pedro Cabrita Reis, Luís Coquenão, Aneta Corovic, Cris Kirkwood, Maja Körner, Isaque Pinheiro, Christian Rosa, Fabian Schubert, Baltazar Torres, Thomas Winkler e Josef Zekoff. Na imagem estão obras de Pedro Calapez e Gary Webb. A norte o destaque vai para a XX Bienal Internacional de Cerveira, que decorre de 10 de Agosto a 23 de Setembro. Em Lisboa na activa Galeria Passevite, Rua Maria da Fonte 54 (perto da Graça), pode ver até 13 de Setembro “O Inimigo Exposto”, a partir dos desenhos e ilustrações que Nuno Saraiva tem feito para “O Inimigo Público”.
UMA AVENTURA EM MARROCOS - Paul Bowles passou grande parte da sua vida, mais de 50 anos, em Marrocos, na cidade de Tânger. Foi para lá viver no pós guerra, em 1947, e por lá ficou até morrer, em 1999. A sua casa tornou-se local de peregrinação de nomes como Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Truman Capote ou Gore Vidal, entre outros. As obras mais conhecidas de Bowles têm Marrocos como pano de fundo - nomeadamente “O Céu Que Nos Protege” . Outra obra dedicada a Tânger, originalmente editada em 1952, é “Deixa A Chuva Cair”, que agora volta a estar disponível no mercado português através de uma edição da Quetzal. “O Céu Que Nos Protege” passa-se no deserto do Saara, mas este “Deixa A Chuva Cair” tem toda a acção centrada na Zona Internacional de Tânger, com uma multiplicidade de personagens, de prostitutas a contrabandistas, passando por espiões e negociantes diversos - todos eles gravitando em torno de Nelson Dyar, um jovem americano que chega à cidade para começar uma nova vida - Bowles dizia que Dyar era a única personagem totalmente inventada. Curiosidade final : o título, “Deixa A Chuva Cair”, foi roubado de uma frase de Macbeth.
UMA RÁDIO NOVA - No Mixcloud há muito mais do que música, mas é a música que me faz usar muitas vezes esta plataforma de streaming britânica que difunde programas de rádio, playlists de DJ’s e podcasts de entidades como a revista Wired ou a Harvard Business Review. Existem aplicações para iOS e Android, o que a torna numa forma barata, eficaz e rápida de ouvir selecções musicais de diversas proveniências. Cruzei-me com ela de forma mais regular quando percebi que David Byrne coloca lá as playlists da sua rádio virtual - e que vão de música do norte de África a selecções de temas de verão, passando por música brasileira ou jazz do século XXI. Vários DJ’s colocam lá as suas playlists, como os portugueses João Vaz (“Dance Sessions”) e a radialista Mónica Mendes. O jazz tem lugar de destaque com o show semanal do clube londrino Ronnie Scott’s ou também The Jazz Pit. Outro português que aparece, focado na música africana, é Francisco Abadia, com a sua “A Hora da Kianda”. A navegação, por géneros ou autor, é muito simples e intuitiva e abrange praticamente todos os géneros musicais. Na área dos talk shows pode encontrar podcasts sobre economia, política, tecnologia. É um mundo a descobrir - uma fascinante forma de ir seguindo o que se passa no mundo - na música e na palavra. E cada um pode fazer upload dos seus próprios programas ou das suas playlists. Toda a gente pode ter um programa de rádio!
DIFERENÇAS DE DEGUSTAÇÃO - Setúbal é uma bela terra para comer bom peixe. Basta ir ao histórico Mercado do Livramento e percorrer as bancas do pescado para se perceber que ali a frescura não é um conceito abstracto. Nos últimos anos têm-se multiplicado os restaurantes, nomeadamente na zona da Avenida José Mourinho, em frente à doca, onde se sucedem casas de pasto umas atrás das outras. No entanto este não é, na minha opinião, o melhor local para se ir. Um dos restaurantes mais afamados dessa zona é O Miguel - mas à semelhança de outros vizinhos seus, é infelizmente irregular. O serviço oscila entre o distraído e o apressado e embora o peixe seja fresco (era o que mais faltava se ali não fosse…) a confecção deixa a desejar e nalguns petiscos - como os percebes - nem sempre a coisa corre da melhor forma. Por isso ultimamente a minha preferência vai para a Marisqueira e restaurante Zagaia Mar. O chef João Soares abastece-se na lota e no já citado Mercado do Livramento e os clientes podem ver o que está disponível num balcão perto da sala interior. O serviço é atento, a lista de vinhos é simpática e tem bom senso nos preços, há uma aposta em vinhos verdes pouco conhecidos como o Alvarinho Quintas de Melgaço. Recentemente provou-se com agrado um robalo com puré de aipo, bivalves e ovo a baixa temperatura, assim como um belíssimo polvo assado e uma dourada grelhada acompanhada de legumes salteados. Para começar vieram umas ameijoas à Bulhão Pato a respeitar a tradição e umas ostras que estavam superiores. Se Agosto é a prova dos nove de como corre a vida num restaurante, e se um fim de semana de Agosto é prova ainda maior, o Zagaia passou com distinção. Avenida Luísa Todi, 510, Setúbal. Tel. 937 172 255, encerra à terça-feira,
DIXIT - Se a CP fosse privada o BE e o PCP já andavam a distribuir panfletos nas estações e a exigir a nacionalização - Adolfo Mesquita Nunes
GOSTO - A Toca da Raposa, em Lisboa, já aqui louvaminhada. foi incluída na lista dos melhores novos bares da Europa, onde ocupa o segundo lugar.
NÃO GOSTO - Num relatório sobre o estado da circulação de comboios na europa apenas a Roménia e a Bulgária têm pior classificação que Portugal.
BACK TO BASICS - Quando há muita gente que concorda comigo sinto que provavelmente estou errado - Oscar Wilde
CIDADES SEM ROSTO - A paisagem das cidades portuguesas perde identidade com a proliferação de milhentos artefactos destinados a criar um cenário em vez de uma realidade. Muito do que hoje em dia vejo em Lisboa, no Porto, e, até em Coimbra, não vejo noutras cidades europeias com forte atracção de turistas, mas onde os habitantes locais são o destinatário preferencial dos cuidados de quem as governa. Noutras cidades europeias os visitantes são bem vindos mas os autarcas e as instituições não se vergam a eles. Pensam nos eleitores e não nos visitantes. Aqui está a dar-se o fenómeno contrário. A paisagem urbana está a degradar-se, não só pelo encerramento de lojas ou pela especulação imobiliária. No centro do problema está a atitude de quem tem poder. O mesmo se passa a nível nacional. Os trágicos acontecimentos do ano passado vieram pôr a nu aquilo que todos sabíamos mas que ninguém queria recordar: a cada vez maior desertificação do interior, o abandono de vilas e aldeias, o encerramento de tribunais, de estações de correios, de agências bancárias, a dificuldade em restabelecer coisas básicas como ligações telefónicas, a ausência de meios de socorro e a descoordenação dos existentes. A desertificação é tanta que, como um amigo me dizia, até já as lojas chinesas que encerram e fogem de vilas do interior. Se os serviços públicos encerram, porque hão-de os privados ficar? Há um dever do Estado em manter a vida no país. Esse dever anda a ser esquecido há décadas e nos últimos anos degradou-se para além do razoável. Depois da desertificação do interior começa a degradação das cidades. É a fase em que estamos.
SEMANADA - Um estudo divulgado esta semana indica que a plantação de eucaliptos tem cinco vezes mais apoios que a plantação de espécies da floresta nativa; em Portugal um casal com dois filhos e salários médios é sujeito a uma carga fiscal sobre o trabalho acima da média da União Europeia e de entre as economias comparáveis somos dos países que pior trata estas famílias; o Ministério da Saúde não conseguiu recrutar nenhum dos 67 médicos de que precisava para reforçar o quadro hospitalar do Algarve durante o Verão; apenas três das instituições de ensino superior públicas têm creche ou jardim de infância destinados aos filhos de professores, funcionários ou estudantes; um em cada quatro automobilistas que morreram em acidentes de viação tinha mais álcool no sangue do que a lei permite; em ano de seca extrema o consumo de água aumentou 4%; o Chefe de Estado Maior do Exército recusou informar os deputados da lista de material recuperado após o assalto a Tancos; a procura do ensino superior registou uma quebra de 9%; o PSD foi o partido parlamentar que mais donativos recebeu em 2017; segundo dados da Marktest um terço do investimento publicitário em Portugal vem dos sectores alimentar, automóvel e farmacêutico; segundo Madonna Portugal é o país do Fado, Futebol e Fátima e assemelha-se a uma Cuba algo pobrezinha mas pitoresca
e simpática.
ARCO DA VELHA - Na terceira sessão parlamentar desta legislatura os deputados deram 1500 faltas, apenas 32 dos eleitos nunca faltaram ao plenário e o PSD foi o partido com maior taxa de absentismo, com 42% do total de ausências verificadas.
ALTA TENSÃO - O número 2 de “Electra”, a revista de crítica e ensaio publicada pela Fundação EDP e dirigida por José Manuel dos Santos, tem por tema de capa a “Estupidez”, desenvolvido a partir de um artigo de António Guerreiro que no seu enigmático estilo habitual elabora sobre “A Nossa Querida Estupidez” e, ao longo das cinquenta páginas seguintes, apresenta várias variantes de pensamentos sobre estupidez e idiotia por diversos autores. Confesso alguma dificuldade de compreensão da escolha editorial e da urgência da discussão de tal tema, pese embora a existência de tanta estupidez na política e no exercício do poder, quer em Portugal, quer lá fora. Ora aqui está uma análise que seria interessante: como a estupidez afecta a actividade e o discurso político no poder e nos partidos em Portugal. Mas daí, foge Satanás! Do ponto de vista gráfico a revista melhorou em relação ao primeiro número e apresenta-se menos cinzenta, embora continue a mostrar menos do que podia e a elaborar mais do que era necessário. É preciso chegarmos à página 137, das 192 da revista, para encontrarmos o primeiro artigo interessante - “Que diabo vêm os turistas ver a Barcelona?” do poeta catalão José Angel Cilleruelo; mais à frente outro artigo que vale a pena ler é “A Cidade Sitiada” do historiador de arte italiano Salvatore Settis. Duas dezenas de páginas francamente boas em quase duas centenas é uma percentagem reduzida. O facto de uma publicação de crítica e ensaio ser uma raridade no panorama nacional acrescenta-lhe responsabilidade, não a retira. “Electra”, publicação trimestral editada pela Fundação EDP.
ESCULTURAS NUM JARDIM - A exposição incontornável deste ano passa-se no espaço do Museu e dos jardins de Serralves e é a primeira mostra em Portugal de Anish Kapoor, um dos mais importantes artistas contemporâneos. A exposição reúne uma seleção de trabalhos de exterior representativos das esculturas de Kapoor, como a da imagem, onde estão sempre presentes a escala, o relacionamento com a arquitetura, a paisagem e o próprio observador. A sua escolha e a sua localização relativa no Parque de Serralves foram cuidadosamente definidas pelo artista para criar um itinerário através do tempo, do espaço, das formas de percepção e de atribuição de significado. A apresentação no espaço central do Museu de 56 maquetas de projetos executados e não executados concebidas nos últimos quarenta anos evoca a escala pessoal do ateliê do artista, como espaço de pensamento e de experimentação. Até 6 de Janeiro, em Serralves. Em Lisboa, no espaço Chiado 8, até 14 de Setembro, mostra-se a obra dos cinco finalistas da primeira edição do Prémio Navigator Arte Em Papel. Para além de Francisca Carvalho e Pedro Paixão a lista dos cinco finalistas inclui o libanês Haig Aivazian, o indiano Shreyas Karle e ainda Seulgi Lee, de origem sul-coreana, mas que reside e trabalha em Paris há já mais de duas décadas.
SAMBA & JAZZ - O nome Salvador da Silva Filho provavelmente não vos diz muito. O nome Dom Salvador já pode dizer alguma coisa aos apreciadores de jazz que tenham seguido o que nessa área se fazia no Brasil nos anos 60 e 70. Pianista, compositor e produtor, na segunda metade dos anos 70 tocou predominantemente nos Estados Unidos, onde conviveu com nomes como Thelonius Monk e Charles Lloyd. Foi a época em que o samba e a bossa nova procuravam pontos comuns com o jazz e, no caso de Dom Salvador o samba era o principal ponto de ligação. O seu álbum Rio 65 Trio é um exemplo disso, contrastando com o que se passava na jazzificação da Bossa Nova e procurando, em alternativa, um caminho mais próximo da fusão. Raridade hoje em dia, esse foi o disco que serviu de inspiração ao baterista Duduka Da Fonseca, que tocou com Salvador em Nova Iorque nos anos 80. “Duduka da Fonseca plays Don Salvador”, o álbum agora editado, é uma boa revisitação dos temas originais do já citado Rio 65 Trio e de vários outros do músico. O tema “Farjuto” é um bom exemplo das diferenças existentes: não se trata de uma cópia, trata-se de uma nova versão feita por quem admira o autor original e o conhece bem - e aqui Don Feldman, que ocupa o piano originalmente de Dom Salvador, tem um desempenho notável. Outros destaques vão para os temas “Mariá” e “Para Elis”, duas baladas fora de série e para o arrebatador “Gafieira”. Resta dizer que além de Duduka da Fonseca na bateria e de David Feldman no piano, o trio completa-se com Guto Wirtti no baixo. Em “Para Elis” o violoncelo está nas excelentes mãos do convidado especial Jacques Morelembaum. Disponível no Spotify.
O COMENSAL - Há uns meses, no restaurante de um dos chefs que apareceram nos últimos anos e tiveram passagens pela televisão, fiquei espantado com a boa qualidade da comida, o facto de a clientela ser maioritariamente portuguesa e de os preços serem razoáveis. O nome do chef em questão, ou melhor dizendo o nome profissional, é Chakall. No fim do jantar, quando ele passou pelas mesas estivemos um pouco a falar e comentando eu a clientela maioritariamente portuguesa, ele explicou-me uma evidência: trabalhar para os clientes portugueses significa fazer as coisas de maneira a que voltem - a comida tem que corresponder às expectativas, o serviço tem que ser simpático e eficaz e a conta não pode ser agreste. Um estrangeiro está de passagem, vem cá hoje e não volta amanhã, por isso ele quer ter clientes que voltem e que, quando abrir outro restaurante noutro local, queiram experimentar o que lá faz. Infelizmente esta maneira de ver as coisas está a perder-se. Cada vez mais o serviço anda atabalhoado, os preços aumentam e a qualidade não corresponde ao esperado. Já vi casos em que, quando protestei com os preços em comparação ao que eram há uns tempos ouvi como resposta que aqueles são preços para turista, para os clientes portugueses o preço é especial. É isto que está a estragar tantas coisas boas que temos. Quem trabalha para turistas aposta muitas vezes no engano passageiro. Quem trabalha para os clientes do dia seguinte terá certamente vida mais longa.
DIXIT - “O que a direita faz é criar casos que minem todo o debate sobre o direito à habitação” - Catarina Martins, na RTP3, sobre a revelação dos negócios imobiliários de Ricardo Robles.
GOSTO - Da festa que é sempre a Volta a Portugal em bicicleta, a mais popular das competições desportivas.
NÃO GOSTO - Catarina Martins culpou os jornalistas e os orgãos de informação sobre a crise que assolou o Bloco por terem revelado as negociatas de Robles.
BACK TO BASICS - O mais radical dos revolucionários será um conservador no dia a seguir à revolução - Hannah Arendt.
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