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AS FAKE NEWS DO LIVRE - Esta semana um novo produtor de fake news deu nas vistas e mostrou aquilo de que é feito. Para falar claro, refiro-me ao partido Livre, recém -eleito para a Assembleia da República. A minha acusação de que fomenta fake news é aliás branda - na realidade o Livre esta semana espalhou mentiras, mostrou ignorância e desrespeitou a História. Comecemos pelo que a deputada eleita, Joacine Katar Moreira disse sobre o Parlamento. Com pouca humildade e bastante arrogância proclamou-se uma novidade no Parlamento por ser mulher, mãe e divorciada, ignorando todas as anteriores deputadas que tinham o mesmo enquadramento - uma delas chegou aliás a ser Presidente da Assembleia da República, eleita pelos seus pares, e nunca se gabou das suas circunstâncias. Acusou também a Assembleia de ser um local elitista, esquecendo todos os deputados que desde a Constituinte de 1975 foram eleitos, independentemente da profissão, muitos deles operários e trabalhadores de diversas áreas de actividade, e ignorou a génese do próprio processo eleitoral democrático que a levou onde agora está. Estamos portanto elucidados sobre o que a deputada do Livre conhece da História Parlamentar portuguesa e da forma como pretende que os factos sejam manipulados - a seu bel prazer, como melhor lhe convier. Antes destas suas declarações, numa manifestação promovida pelo Livre para a apoiar frente ao edifício do Parlamento, um dos oradores fez uma descrição de Portugal com afirmações que manipulam a História, nomeadamente da época dos Descobrimentos, e alteram factos para que as teorias do partido se consigam encaixar. Chegou a referir-se à bandeira nacional dizendo falsidades sobre o significado dos seus símbolos, mais uma vez para que a verdade do Livre se sobreponha à verdade dos factos. Se acham que o perigo vem só do Chega, desenganem-se: em matéria de fazedor de fake news e manipulador de factos o Livre promete.
SEMANADA - O Ministério Público já recorreu de cinco decisões de Ivo Rosa no caso Sócrates e os advogados de defesa não contestaram qualquer despacho do mesmo juiz sobre o caso; o juiz Ivo Rosa impediu jornalistas que se tinham constituído assistentes do processo de presenciarem o interrogatório que fez esta semana a José Sócrates; o juiz Ivo Rosa ameaçou apreender os telemóveis dos advogados que assistem ao interrogatório a Sócrates para que não comuniquem com o exterior; Ivo Rosa era o juiz que Sócrates desejava na instrução do seu processo; Sócrates nega todas as acusações e na maior parte dos casos diz que nada sabia dos factos que lhe são imputados durante o tempo em que foi Primeiro Ministro; desapareceram os documentos com as actas das negociações entre Portugal e a Venezuela, negociações feitas por iniciativa de José Sócrates e Hugo Chávez; a segurança social encerra uma média de dez lares ilegais por mês e há 35 mil idosos a viver em instalações à margem da lei; o Tribunal de Contas acusou a gestão do PCP na Câmara de Almada de ter feito despesas ilegais; um terço dos futebolistas profissionais portugueses não concluíu o ensino obrigatório; em 2018 as importações aumentaram mais que as exportações; o homicida da freira morta em São João da Madeira foi considerado irrecuperável antes de sair da cadeia mas nem as suas vítimas nem a PSP foram avisadas da libertação; os chefes de equipas de urgência do hospital Garcia de Orta, em Almada, pediram ajuda à Ordem dos Médicos por não terem condições para assegurar a segurança no tratamento de doentes.
ARCO DA VELHA - A empresa Águas do Norte tem 21 processos de multas por descargas poluidoras em rios.
UMA GALERIA SETUBALENSE - Em Setúbal há uma galeria, na parte antiga da cidade, que vale a pena conhecer e que tem feito o seu percurso sobretudo em torno da fotografia - bem recentemente acolheu trabalhos de Alberto Picco. Agora no entanto enveredou por um novo caminho através da conjugação de duas instalações concebidas especialmente para a galeria com fotografias e desenhos de Rosanna Helena Bach e Nuno Moreira. Intitulada “The Nature Of This Room”, a exposição tem curadoria de Sofia Steinvorth. Na inauguração foi também apresentado a publicação homónima - The Nature of this Room - composta por um conjunto de imagens, principalmente fotografias e desenhos, assim como fragmentos de texto que mostram parte do processo que os artistas percorreram e que está na génese deste projecto. Rosannna Helena Bach é uma artista Suiça actualmente sediada em Lisboa que utiliza a gravura e instalação e é formada em Documentário e Fotojornalismo pelo Centro Internacional de Fotografia de Nova York. Nuno Moreira (na imagem o seu trabalho “Geometries of Silence”) expõe regularmente desde 2006, em mostras individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro e é formado em Cinema, especializando-se em design editorial com foco principal na concepção de livros. Passando para outras sugestões recomendo uma visita à Galeria Underdogs (Rua Fernando Palha armazém 56, a Marvila), onde até 16 de Novembro estão duas interessantes exposições: ”And now for something completely different: a show that features at least one female artist”, exposição individual da artista Wasted Rita e El Cabaret del mundo exposição individual de Carlos Guerreiro.
O FASCÍNIO DAS BANDAS SONORAS - Enquanto via os seis episódios da quinta temporada da série “Peaky Blinders” dei comigo várias vezes a procurar na aplicação Shazam qual seria a canção e o intérprete que ali passava - não precisei da aplicação para identificar os acordes de guitarra de Anna Calvi, mas nalguns momentos tive mesmo que ir à pesca para descobrir o que estava a ouvir . Ao todo até agora lá estão 199 canções que pontuam momentos, adensam o ambiente. É impressionante como uma série passada na primeira metade do século passado convive de forma tão perfeita com canções e autores contemporâneos. Pode ter uma boa ideia de tudo o que lá se ouve na playlist disponível no Spotify e que permite ouvir todas as duas centenas de canções da série. E em Novembro está para sair um duplo CD que inclui 40 dos mais célebres temas, entre eles canções de Nick Cave and the Bad Seeds , Radiohead, Jack White, Queens of the Stone Age, PJ Harvey, Arctic Monkeys e Black Sabbath, entre outros. Antony Genn, um ex-Pulp, que foi um dos produtores da banda sonora da série, disse numa recente entrevista que para ele os Radiohead são quem musicalmente mais tem a ver com a personagem principal, Tom Shelby - pela capacidade de evolução e adaptação à mudança, desde o início da vida como gangster até se dedicar à política e ser eleito para a Câmara dos Comuns. Na quinta temporada Anna Calvi, cuja guitarra e canções foram extensamente utilizadas ao longo da série, compôs alguns fragmentos originais, que acentuam a acção com a forma única como utiliza a guitarra. Se a série é magnífica a sua banda sonora não o é menos. Ora vão lá à procura dela no Spotify.
O ENCANTO DO DESERTO - Nas primeiras páginas está esta frase: “Talvez só ame o conceito de deserto, e talvez o ame porque quero ser como ele. Amo o deserto por que é o lugar da possibilidade absoluta: o lugar em que o horizonte tem a amplitude que o homem merece e de que necessita. O deserto, essa metáfora do infinito”. Estas palavras foram escritas por Pablo d’Ors, um escritor e sacerdote católico espanhol que em 2015 foi nomeado para o Conselho Pontifício da Cultura pelo papa Francisco. O seu livro “O Amigo do Deserto”, agora editado pela Quetzal, recolhe os seus pensamentos e está escrito como uma aventura casual, que se iniciou pela busca de um académico que tinha dedicado boa parte da sua vida a viajar por muitos desertos do planeta e que tinha fundado a associação Amigos do Deserto. O livro descreve a odisseia de Pavel, personagem principal do livro, que está obcecado em encontrar os membros da associação Amigos do Deserto. Pavel é obrigado a mudar o rumo da sua vida devido a uma série de circunstâncias. Primeiro com amigos, depois só, leva a cabo viagens pelo Saara, adentrando-se no deserto. O livro é na realidade sobre o silêncio, a contemplação e a busca do absoluto. Está escrito como uma aventura que salta de descoberta em descoberta, numa narrativa empolgante. Sendo um livro que tem por pano de fundo uma questão filosófica a acção anda sempre a par com o pensamento e é isso que o torna fascinante.
A ALMA DA COMIDA - Todas as semanas abrem novos restaurantes, com mais ou menos pretensões. No centro de Lisboa e Porto abrem maioritariamente restaurantes que dizem ter uma ideia nascida de um conceito. Uma boa parte deles encerra as portas ao fim de pouco tempo. Má ideia ou conceito duvidoso? Pode ser que a ideia até não fosse a melhor - mas quanto a mim a principal questão que motiva tantos encerramentos de restaurantes recentes é a falta de alma: falta de alma na cozinha e sobretudo falta de alma na sala. Há modestíssimos restaurantes onde se sente a alma em todos os momentos - a alma não é uma questão do preço médio da conta no fim da refeição, é algo que tem a ver com a noção de bom serviço. Um bom serviço no restaurante começa na escolha e compra dos ingredientes, passa pelo apuro da cozinha e termina no conforto da sala e na forma como os clientes são atendidos. Uma coisa que me aflige é empregados com o olhar perdido no horizonte, que não estão atentos às mesas e que não notam quando um cliente está a tentar chamá-los, quando o copo de vinho ficou vazio e a garrafa que o cliente comprou está longe. Hoje em dia cada vez valorizo mais o serviço - a atenção, a disponibilidade para aceitar sugestões ou pedidos menos vulgares dos clientes, a cumplicidade de conseguir que visitar um restaurante seja um momento de descontracção, que se pretende decorra com boa disposição. Lisboa, infelizmente, está a ficar cheia de lugares que se pretendem sofisticados e que no fundo não têm sofisticação nenhuma. Gosto dos restaurantes simples onde o objectivo do restaurador é conseguir que o cliente repita a visita e se torne freguês habitual em vez de um experimentador que saltita de novidade em novidade.
DIXIT - “Os populismos nascem da ausência de resposta aos problemas reais” - João Cotrim de Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal.
BACK TO BASICS - “É o espírito, e não a forma da Lei, que mantém viva a Justiça” - Earl Warren.
LIÇÕES DO BREXIT - Há dias vi o filme “Brexit - The Uncivil War”, uma produção feita para a HBO e que se centra na campanha do referendo de 2016 sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. O filme foca-se na figura de Dominic Cummings, o estratega da campanha pela saída e que Boris Johnson nomeou seu assessor político especial quando foi nomeado primeiro-ministro. Já que estamos em mais um episódio de suspense do Brexit convém recordar qual foi uma das ideias fortes utilizadas por Cummings na campanha: a de que a União Europeia era a causadora dos problemas do sistema de saúde britânico devido a razões financeiras. No fundo o que Cummings fez ao criar o slogan “Let’s Take Back Control” foi dar voz ao descontentamento crescente com a ingerência de Bruxelas. As recentes eleições legislativas trouxeram sinais claros de que existe um desagrado crescente em Portugal, fruto dos cortes efectuados, da sensação de que o dinheiro está a ser mal empregue e as prioridades mal definidas. O PS foi o claro vencedor e a perda da geringonça foi um dano colateral. Mas o surgimento de novos partidos na Assembleia da República é o sinal de que há quem comece a desacreditar do sistema partidário tradicional. Por mais que António Costa faça de Mandrake e promova truques de ilusionismo, a verdade é que a austeridade de Centeno trouxe-nos a benção europeia mas criou problemas mais graves na saúde, na justiça, na segurança e aumentou a carga fiscal. Este é na essência o cocktail explosivo de que se alimenta a contestação ao regime e onde florescem os inimigos da Democracia. São os partidos do poder, e o PS e o PSD em especial, quem aduba esta colheita de descontentamento. Todos os partidos começam por ser pequenos, todos os que querem mudar o regime começam por ser minoritários. A maneira de evitar ervas daninhas como o Chega é não lhes dar pretextos.
SEMANADA - Foi desmantelada uma rede que furtava retro-escavadoras em França sob encomenda de empresas portuguesas que usam esse equipamento; no ano passado em Portugal registaram-se 3700 mortes devido às baixas temperaturas, mas não se conhecem o número de pessoas em Portugal em pobreza energética sem possibilidade de aquecerem as suas casas; o endividamento da economia portuguesa subiu para 724 mil milhões de euros em Agosto, depois de ter estado dois meses a descer; mais de 30 organismos públicos foram vítimas de ataques de hackers durante este ano; a poluição no Rio Douro está acima do limite há mais de 30 anos; segundo a Universidade Nova, na zona da Grande Lisboa, adquirir habitação leva 58% do rendimento das famílias; Portugal é o terceiro país europeu com menos crianças e jovens até aos 15 anos; segundo a agência de rating Moody, num total de 12 países europeus analisados, Portugal está entre os cinco que enfrentarão maiores dificuldades de crescimento económico decorrentes do envelhecimento da população; a maioria dos secretários de estado do novo Governo não tem qualquer experiência no sector privado da economia; segundo a Pordata Lisboa, Albufeira e Porto são os três locais do país onde se fazem em média e por pessoa mais compras por multibanco; a Comissão Europeia apontou duas falhas no plano orçamental português para 2020: deterioração no défice estrutural e subida da despesa pública acima do recomendado; a entidade reguladora do sector da saúde tem 30 fiscais para 30 mil unidades que deve fiscalizar.
ARCO DA VELHA - Há oito mil pedidos de reforma pendentes na Caixa Geral de Aposentações, alguns em espera há mais de 300 dias.
AO AR LIVRE E DENTRO DE PORTAS - Este é o fim de semana da Lisbon Week, que entre 26 e 3 de Outubro se dedica a dar a conhecer os segredos da zona da Ajuda. Todas as informações podem ser seguidas em lisbonweek.com . Sábado é a inauguração com uma festa no Jardim Botânico da Ajuda, que inclui uma festa barroca e um sunset. Festas à parte esta é a oportunidade de ver alguns segredos da zona, como a cúpula da Igreja da Memória e algumas zonas habitualmente não abertas ao público do Palácio da Ajuda, onde aliás decorre a exposição “Apocalipse” de Valentim Quaresma. Há também uma exposição baseada nas caras de moradores da Ajuda, mais 250 fotografias realizadas a outras tantas pessoas, e que estará visível ao ar livre a toda a gente numa instalação de arte urbana precisamente na Rua Professor Cid dos Santos. O outro destaque vai para o Imago Lisbon Photo Festival decorre até 17 de Novembro e tem um conjunto de exposições que vale a pena descobrir, com destaque para “Construir Pontes”, com fotografias de Augusto Brázio, Luísa Ferreira,Pedro Letria e São Trindade, que está no Museu da Água. Nas Carpintarias de São Lázaro está “Novas Visões na Fotografia Contemporânea” com imagens de Demetris Koilalous, Filippo Zambon, Jon Cazenave, Jonathan Llense, Katrien de Blauwer, Laurence Rasti, Liza Ambrossio, Malú Cabellos, Melanie Walker, Nydia Blas, Shen Chao-Liang, Virginie Rebetez: E no Convento da Graça está Master Show, de Pentti Sammallahti (na imagem). Todas as informações em imagolisboa.pt .
A IMPORTÂNCIA DA REINVENÇÃO - A “Monocle” está de novo a atravessar um bom momento. Criou no mês passado uma nova publicação, um anuário, desta vez o “Entrepreneurs”, uma evolução do programa que já existia na rádio online da revista. O novo anuário, que se junta ao “Forecast”, a “The Escapist” e ao “Drinking And Dining Directory”, é dedicado a quem procura inspiração e conselhos para dinamizar um negócio ou criar uma empresa. A revista edita ainda uma série de guias de cidades (há um de Lisboa) e várias edições em formato jornal e mais uns quantos livros temáticos. Se conjugarmos estas publicações com os videos disponíveis no site - mini-documentários sobre uma série de assuntos - e com a rádio online ficamos com uma ideia do que é uma empresa de mídia nascida na época digital e que a aproveita bem, mas que baseou o seu negócio (e reconhecimento e notoriedade) nas edições em papel e num modelo de conteúdos patrocinados que tem tido sucesso. Mas voltemos à edição de Novembro, já disponível. O destaque para a edição vai para o design - desde objectos a escritórios, passando é claro pela habitação. Mas há muito mais para ler. Nos negócios a história como a Levi’s se reinventou é deliciosa e não menos interessante é a forma como uma das maiores cadeias de livrarias do mundo, a norte-americana Barnes & Nobles, está a lutar pela existência com a ajuda de James Daunt, um inglês que depois de ter criado a sua própria pequena livraria em Londres obteve tanto êxito que foi chamado a recuperar a cadeia inglesa Waterstones e, agora, a salvar a Barnes & Nobles. Outro artigo muito interessante é o que relata a criação de um hub de galerias de arte que levou algumas das mais prestigiadas de Paris a mudar do centro da cidade para Romainville, uma antiga área industrial agora em reconversão nos arredores da capital francesa. Aí conseguem mais espaço por menos preço, além de um conjunto de sinergias como por exemplo na inauguração de exposições. Tudo isto estimulado por uma autarquia que aposta em que a presença destas galerias vai valorizar e reposicionar a área que está em reconversão, um pouco como há uns anos aconteceu em Berlim. Vale bem a pena este número da “Monocle”.
BELAS CANÇÕES - Ora aqui está o primeiro álbum dos Wilco desde 2016, “Ode To Joy”, uma belíssima colecção de canções - simples, muitas com a guitarra acústica bem presente e ritmos marcados. Jeff Tweedy, o líder do grupo parece em grande forma depois de nos últimos tempos ter feito três discos a solo e retoma aqui o prazer de trabalhar com a sua banda, que não sofre alterações desde há mais de uma década e que tem uma história de quase 25 anos e 11 discos de estúdio gravados. O escritor George Saunders escreveu em tempos que Tweedy era um “grande poeta americano que misturava consolo com ironia”. Entre as 11 faixas destaque para canções como “Love Is Everywhere”, “We Were Lucky”, “Everyone Hides” ou “Hold Me Anyway”. Na verdade o disco desenrola-se em crescendo, começa por canções, digamos, mais austeras e vai abrindo aos poucos as portas de um universo de melodias descomplicadas, muitas influenciadas pela melhor tradição popular, que vem da folk. O mais engraçado é que depois por incursões em zona do rock experimental, e do pop, este “Ode To Joy” retoma sonoridades básicas e é um elogio da simplicidade. Destaque para o trabalho do baterista Glenn Kotche, o guitarrista Nels Cline e as palavras e voz de Tweedy. Edição Rough Trade, disponível no Spotify.
PETISCOS COM COELHO - Tenho na memória um coelho à caçador que se fazia em casa da minha avó e que era um petisco suculento. Sabe-se lá porquê e com o andar dos anos tornou-se mais difícil comer coelho - não aparecia nas ementas dos restaurantes nem nos supermercados. De há um ano a esta parte no entanto a coisa começou a mudar e está em curso uma campanha, apoiada pela União Europeia, que visa exactamente promover o consumo da carne de coelho, que faz parte das tradições de países como Portugal, Espanha, França e Itália e que são os seus maiores consumidores e produtores - muitas vezes em criação doméstica. Segundo os nutricionistas a carne de coelho é uma fonte de proteínas de alto valor biológico, é uma carne magra com uma quantidade de gordura total muito baixa e um teor de ácidos gordos e saturados baixo. Esta semana tive a sorte de estar presente numa degustação dirigida pelo Chef Hélio Loureiro na qual provei coelho cozinhado de duas formas invulgares - em rojões e em açorda. Confesso que ambos me surpreenderam - os rojões com maçã aos cubos e castanhas e a açorda, que me conquistou pelo sabor e leveza. Uma das outras propostas do Chef Loureiro era mais tradicional, uma empada de coelho, que estava verdadeiramente exemplar. Fiquei a saber que há muitas formas de preparar a carne de coelho para além do tradicional coelho frito e à caçador. Em carnedecoelhohoje.eu pode encontrar várias boas receitas.
DIXIT - “Em vez de procurarem pessoas para os cargos, procuraram cargos para as pessoas” - Manuel Tiago, do PCP, sobre o novo Governo
BACK TO BASICS - “A ilusão é o primeiro de todos os prazeres” - Oscar Wilde
AS REPORTAGENS INTROMETIDAS - Ainda a nova legislatura não começou e já surgiu o primeiro caso político em torno da RTP. Infelizmente foi causado pelo comportamento recente da Direcção de Informação da estação em relação a um dos programas dessa área com maior audiência, o “Sexta às 9”, de Sandra Felgueiras, que regularmente apresenta investigações sobre casos da actualidade nacional. O programa, que devia ter retomado a sua exibição em Setembro, acabou por não ser emitido durante a campanha eleitoral por decisão da Direcção de Informação e apenas voltou na semana passada. Quem o viu perceberá o porquê da suspensão durante a campanha eleitoral - o trabalho de investigação sobre a exploração do lítio em Portugal e as concessões atribuídas gera desconforto no poder . Tivesse ele sido exibido na altura prevista e um dos Ministros, agora reconduzido, João Galamba, teria sido pretexto para mais umas dores de cabeça de António Costa. Galamba, que aliás é um dos bulldogs políticos de serviço ao PS, já se indignou sobre o programa, mostrando assim o seu conhecido apreço pela liberdade de opinião e de informação, evidenciando o que se pode ter passado nos bastidores da decisão. O que se passa é que, ao estimular comportamentos assim, quem esconde e adia programas como este está a prestar um péssimo serviço e a dar razão a todos os que querem acabar com o serviço público de televisão, dando pretexto a que surjam acusações de ingerência editorial. No news não é melhor que fake news. Não se sabe, nem saberá, se a decisão de esconder o programa foi tomada por receio de ofender o poder ou por descarada intromissão deste, mas o que é facto é que uma das duas coisas existiu e isso não é bom. Até à data não ouvi nenhum dos bonzos do Conselho Geral Independente, essa inútil instituição criada por Poiares Maduro, pronunciar-se sobre o assunto, eles que eram supostos ser os guardiões da virtude. O caso do “Sexta às 9” já proporcionou que alguns viessem clamar pela privatização da RTP e outras aleivosias do género, próprias de quem não entende das matérias sobre as quais se pronuncia. Os mais liberais e avançados países europeus têm serviço público audiovisual forte e dinâmico, que é o fiel da balança na paisagem audiovisual desses países, que estimula o tecido económico da área e que é um bastião das respectivas culturas nacionais. Aqui a noção de serviço público é evitar incomodar os políticos, sobretudo os que estão no poder. E isso sim é que é preciso mudar.
SEMANADA - O número de ministros que são membros do secretariado nacional do PS aumentou de três para seis no novo Governo; o novo executivo tem mais dois ministérios, apenas duas caras novas, oito mulheres em vez das cinco anteriores e o número de ministros de estado aumentou para quatro; saíram três governantes e há 14 repetentes com as mesmas funções; Mário Nogueira, líder da Fenprof, disse que se Tiago Brandão Rodrigues continuasse como Ministro da Educação isso seria uma provocação aos professores; não houve alterações nas pastas mais polémicas como a saúde, educação e justiça e o ministro das cativações que afectam estas pastas, Mário Centeno, também se mantém; a média de idade dos governantes desceu de 54,8 anos para 52,5 anos; Fernando Medina manteve o ex-vereador Manuel Salgado à frente da empresa municipal de obras; o juiz Ivo Rosa foi acusado de falta de bom senso pelo Ministério Público devido ao seu comportamento na investigação do caso do roubo de armas em Tancos, que atrasou a investigação; uma lista candidata à Ordem dos Enfermeiros foi excluída por ter mulheres a mais na sua composição; este ano já se registram nas escolas portuguesas 264 casos de agressões entre alunos; há um milhão de pensões abaixo dos 264 euros; a região norte é a mais afectada pela pobreza.
ARCO DA VELHA - Milhares de alunos continuam sem professores um mês depois de as aulas terem começado e Ministério da Educação diz não ter sido informado de qualquer situação anómala.
UMA FÁBULA ILUSTRADA - Na Galeria Belo-Galsterer (Rua Castilho 71) inaugurou esta semana uma dupla exposição com trabalhos da portuguesa Joana Gomes e da alemã Daniela Krtsch. Comecemos por esta última, Daniela Krtsch, artista alemã que vive há mais que duas décadas em Lisboa, apresenta “Jorinde & Joringel”, uma série de pinturas inspirada no conto homónimo dos irmãos Grimm: a história de dois noivos prometidos que se perdem na floresta e são enfeitiçados por uma bruxa má que transforma as virgens em pássaros. A transformação em rouxinol da amada Jorinde, e a busca do seu Joringel por libertá-la da morte certa no castelo da bruxa, é um conto de fadas aqui ilustrado de forma marcante por Krtsch (na imagem). Curiosamente a autora tem desenvolvido extensa colaboração com outra arte visual, o video, nomeadamente em clips para a banda Micro Audio Waves e em filmes de curta e longa metragem. Joana Gomes, pelo seu lado, apresenta “Double Poetics”, trabalhos sobre tela, de médio e grande formato e trabalhos sobre papel. Esta sua exposição mostra uma selecção de obras do seu espólio e de experiências criativas recentes, dividida em duas áreas distintas. A primeira com uma série de pinturas de grandes dimensões que, segundo a curadora, Inês Valle, “criam paisagens de cor e matéria”. A segunda parte mostra uma série de pinturas e desenhos, onde a côr surge de forma intensa, “contida pelo silêncio e ritmo formal da geometria branca que intercepta toda a obra”. As duas exposições ficam patentes na Galeria até meados de Janeiro. A outra sugestão da semana está no Museu Colecção Berardo. Dando continuidade a um projeto inaugurado em abril deste ano “Constelações II: uma coreografia de gestos mínimos” apresenta obras de, entre outros, Fernando Calhau, Ana Hatherly, José Maçãs de Carvalho, Sol LeWitt, Cindy Sherman, Jack Pierson, Joseph Kossut, Mark Rothko, Ernesto de Sousa, João Tabarra, Rui Chafes e Douglas Gordon, entre outros . A curadoria é de Ana Rito e Hugo Barata.
REDESCOBRIR OS SONS - Quando uma editora discográfica se chama Italians Do It Better tudo pode acontecer. No caso a editora é obra de Johnny Jewel, o mentor dos Chromatics, uma banda do início do século e que pratica uma fusão de pop com electrónica, constituída por Ruth Radelet na voz, sintetizadores e guitarra, Adam Miller na guitarra, Nat Walker na bateria e pelo próprio Jewel que toca vários instrumentos e assume o papel de produtor. “Closer To Grey”, lançado inesperadamente no início de Outubro, é atípico no contexto da discografia da banda, mas é uma bela surpresa. Os arranjos e a produção são sempre exemplares e a voz de Ruth Radelet é capaz de algumas magias - como aliás se pode bem notar na sua versão do clássico “The Sound Of Silence”, de Simon & Garfunkel, que é a faixa de abertura de”Closer To Grey”, o primeiro disco dos Chromatics em sete anos (aparentemente neste período esteve para ser publicado o álbum “Dear Tommy”, entretanto dado como desaparecido). Ao todo são 12 temas, dos quais, além da já citada versão, realço “Touch Red”, “Closer To Grey”, “Light As A Feather”, “Whispers In The Hall” , a inesperada balada “Move a Mountain”, “On the Wall”e “Through the Looking Glass”. Disponível no Spotify.
LIBERAL, PORQUÊ? - “O Apelo da Tribo” é um ensaio escrito em 2017 por Mario Vargas Llosa no qual o autor explica a evolução das suas filiações filosóficas e políticas. “Nós, os liberais, não somos anarquistas e não queremos suprimir o Estado”, escreve Mario Vargas Llosa, Prémio Nobel da Literatura de 2010. Logo nas primeiras páginas do livro lê-se: “A doutrina liberal representou desde a sua origem as formas mais avançadas da cultura democrática e foi a que fez progredir mais os direitos humanos, a liberdade de expressão, os direitos das minorias sexuais, religiosas e políticas, a defesa do meio ambiente e a participação do cidadão comum na vida pública das sociedades livres. Por outras palavras. o que mais nos foi defendendo do inextinguível «apelo da tribo». Este livro gostaria de contribuir com um grãozinho de areia para esta tarefa indispensável”. Sendo um livro de ensaios biográficos, “O Apelo da Tribo” é, ao mesmo tempo, uma história intelectual e política do percurso de Vargas Llosa, desde uma juventude fascinada pelo marxismo e pelos movimentos revolucionários latino-americanos até alertar para os perigos da submissão intelectual, da demagogia, do chauvinismo e do nacionalismo, bem como da negação da racionalidade e da liberdade de pensar e questionar. Adam Smith, Ortega Y Gasset, Friederich von Hayek, Karl Popper, Raymond Aron, Ibrahim Berlin e Jean-François Revel são alguns dos nomes sobre cuja obra e pensamento Vargas Llosa escreve nesta obra. Edição Quetzal.
UMA BELA TOSTA - A minha busca por sanduíches e tostas em condições prossegue continuamente. Desta vez disseram-me que no Restelo, na rua das lojas, havia umas boas tostas numa casa que dá pelo nome de Lambretta. Esta semana confirmei que isso é verdade. A tosta da casa, Tosta Lambretta, é feita em pão alentejano e leva queijo curado, peru fumado, molho inglês e mostarda de dijon. O resultado é surpreendente de sabor e de textura. Uma outra descoberta é uma sanduíche de salmão em bolo do caco, com rúcula, pesto e requeijão. A Lambretta também serve saladas (a clássica Caesar, uma de salmão e outra de burrata), há rosbife no prato com salada, cebola confitada e batata palha. As empadas de galinha recomendam-se. No capítulo dos doces há scones, tarte de maçã, blattertarte, pão de ló e há gelados da Artisani. Voltando à razão da experiência a tosta Lambretta e o salmão em bolo do caco correram muito bem, o serviço é eficaz, a esplanada é abrigada. No interior a decoração é muito simpática com réplicas de cartazes publicitários antigos. À disposição do cliente estão exemplares de revistas estrangeiras, como a Monocle por exemplo. Aqui está um sítio que vale a pena conhecer. Lambretta, Rua Duarte Pacheco Pereira 26-A.
DIXIT - “Caro João Galamba, nenhum político nem servidor público está acima do escrutínio” - Sandra Felgueiras, autora do programa “Sexta Às 9” da RTP, cuja reportagem sobre a concessão da exploração de lítio, área tutelada por João Galamba, teve a exibição suspensa durante a campanha eleitoral.
BACK TO BASICS - “Quando os políticos se queixam que a televisão transforma a política num circo devemos recordar-nos que o circo já existia e que a única coisa que a televisão faz é mostrar que nem todos os intervenientes estavam convenientemente treinados” - Edward R. Murrow
RESULTADO ELEITORAL: CONSERVAR O PODER ; CUSTE O QUE CUSTAR - Olha-se para os resultados das eleições do passado fim de semana e o que salta à vista é que o vencedor foi eleito por uma minoria de cidadãos eleitores. A diferença entre o número de eleitores e o número de votantes é cada vez maior. A abstenção ultrapassou os 45%, votaram menos cerca de 300 mil pessoas. O número de eleitores que votaram nulo ou branco subiu - eram 3,7%, agora foram 4,28%. De entre os votos registados nos diversos partidos, 680 mil votos não elegeram nenhum deputado num total de cinco milhões de votos. Há muitos anos que se fala na necessidade de introduzir alterações na lei eleitoral, por forma a combater a abstenção e melhorar a representatividade da decisão dos eleitores, mas a lei eleitoral está praticamente imutável desde há mais de quatro décadas, não acompanha a evolução dos tempos, do comportamento dos cidadãos nem da tecnologia. Os cidadãos não se sentem representados num sistema que não aproxima eleitores dos eleitos. Aos partidos maiores não interessa mudar este estado de coisas. O sistema de representatividade existente favorece-os, enquanto prejudica o surgimento de novas organizações políticas. E apesar das dificuldades do sistema o descontentamento com os partidos instalados é tanto que três novos partidos conseguiram chegar ao parlamento. O PS, que chegou a sonhar com uma maioria absoluta e teve o sonho de atingir 40% dos votos, ficou abaixo dos 37%. Costa foi indigitado Primeiro Ministro com um milhão e oitocentos e sessenta mil votos num universo de 10,8 milhões de eleitores inscritos - ou seja pouco mais de 17% do eleitorado. É a António Costa, claramente o vencedor na menor votação de sempre, que cabe decidir os caminhos do futuro próximo. O cenário não é agradável, vamos assistir a uma radicalização do Bloco e do PCP e a uma permanente negociação do PS. Deixa de haver estratégia para o país, passa somente haver táctica para um partido conservar o poder. Para onde vai Portugal?
SEMANADA - O peso dos impostos “amigos do ambiente” no total da receita fiscal foi superior em Portugal (7,6%), comparativamente com a média da União Europeia (6,1%) e o seu o peso no Produto Interno Bruto em Portugal (2,6%) foi superior ao da média da União Europeia a 28 (2,4%); António Guterres, secretário-geral da ONU, alertou que a organização internacional pode ficar sem dinheiro até ao final deste mês e sem capacidade para o pagamento de salários; o Benfica está entre os dez clubes que mais jogadores emprestam e na última década cedeu 37 futebolistas a clubes das cinco principais ligas europeias; no dia em que as armas de Tancos apareceram a Polícia Judiciária foi avisada por um coronel da GNR da farsa que estava a ser montada; a investigação sobre as golas anti-fumos já tem sete arguidos; os empréstimos à habitação registados este ano já atingem 7 mil milhões de euros, o valor mais alto desde 2010; um inquérito da Marktest revela que os portugueses dizem acreditar no aquecimento global e no papel do homem nesse fenómeno mas não acreditam que deixar de consumir carne de vaca tenha impacto nas alterações climáticas; estão em curso projectos para a construção de 166 novos hotéis; só um terço das câmaras municipais aceitou competências na área da saúde e mais de metade rejeitaram responsabilidades nas áreas da educação e justiça; metade dos casos de pornografia infantil não chega a julgamento por incapacidade das autoridades em localizar os suspeitos.
ARCO DA VELHA - A eleita do PAN por Setúbal, Cristina Rodrigues, admitiu numa entrevista não conhecer o programa do partido.
A FORÇA DO DESENHO - Pela segunda semana o destaque vai para Rui Sanches, desta vez para a segunda visão do “Espelho”, no seguimento da retrospectiva dos seus trabalhos em escultura que inaugurou na semana passada na Cordoaria, com curadoria de Delfim Sardo. Agora, no Museu Colecção Berardo, com curadoria de Sara Antónia Matos, Rui Sanches apresenta um notável conjunto de obras focadas no desenho mas que não se esgota aí. É uma exposição antológica, baseada no desenho, que inclui trabalhos recentes nos quais cruza suportes, meios e técnicas — além de desenho sobre papel, utiliza fotografia, mostra esbocetos de barro e esculturas de parede em diversos materiais. Em paralelo com a exposição da Cordoaria, esta segunda série de obras reunidas de novo sob a designação “Espelho” permite ter uma outra visão e perceber uma dimensão completamente diferente sobre o trabalho e a obra de Rui Sanches. Até 12 de Janeiro no Museu Colecção Berardo (na imagem). O outro destaque da semana vai para a segunda edição do Drawing Room Lisboa, que até domingo está patente na Sociedade Nacional de Belas Artes (Rua Barata Salgueiro 36). Estão patentes obras de 70 artistas e 25 galerias de arte em torno do desenho contemporâneo. Lourdes Castro, Helena Almeida, Pedro Barateiro, Ana Jotta, Pedro Cabrita Reis, Julião Sarmento, Paulo Brighenti, Júlio Pomar, Carlos Correia e Paulo Lisboa estão entre os 70 artistas representados nesta segunda edição do certame. Estão presentes galerias de Lisboa, Porto, Açores, e também de Espanha, Japão, Colômbia, Moçambique e Brasil, numa seleção que coube a Mónica Álvarez Careaga, diretora da feira, e ao Comité Consultivo do certame. No âmbito da Drawing Room Lisboa decorre ainda uma exposição de desenhos da Coleção de Desenho Contemporânea da Fundação PLMJ, com curadoria de João Silvério.
A MÚSICA DA DOR - Ao fim de 40 anos de carreira Nick Cave fez um dos seus trabalhos mais fortes e tocantes, uma meditação sobre a vida e a mortalidade e sobre o luto. Aqui as suas canções partem de uma terrível experiência pessoal que já tinha marcado o seu disco anterior, “Skeleton Tree”, de 2016, que gravou pouco depois da morte, num acidente, do seu filho adolescente. O disco e o documentário que acompanhou a sua produção, “One More Time With Feeling”, são fruto de um momento dramático. Mas neste “Ghosteen”, um duplo CD, Cave vai ainda mais longe e de forma muito mais profunda. No novo disco continua a marca da dor, a sombra do desespero, mas também a busca da própria vida, procurando uma razão para continuar. Musicalmente o disco vive da criação de espaços, de ambientes carregados de sentimentos como por vezes só a música permite fazer, entre palavras que organizam a meditação ao mesmo tempo que procuram um enquadramento para reforçar os laços entre os que (sobre)vivem. Um dos pontos incontornáveis de “Ghosteen” é a clássica lenda Budista de Kisa Gotami, que Nick Cave relata. Depois de perder o seu filho, Gotami procura o apoio e conselho do Buda, que a manda procurar e trazer sementes de mostarda de cada casa onde ninguém tenha morrido na família. Ela acaba por perceber que a morte entra em todas as casas, em todas as famílias e regressa, sem as sementes, ao Buda que a conforta e lhe abre caminho a uma nova forma de encarar a vida. “Everybody’s losing someone/ It’s a long way to find peace of mind,” evoca Cave num dos momentos em que canta num registo acima do habitual, reforçando o dramatismo da interpretação. É impossível escolher canções aqui, mas arrisco destacar “Bright Horses” no primeiro disco e dois temas fortíssimos no segundo, aquele que dá título ao álbum, “Ghosteen”, e o final, “Hollywood”, que são duas das mais marcantes canções que Cave escreveu em toda a sua carreira.
A POLÉMICA DO CLIMA - Judith A. Curry é uma climatologista americana, que dirigiu a Escola de Ciências Atmosféricas e da Terra do Georgia Institute of Technology, publicou numerosos estudos sobre alterações na atmosfera e nos oceanos e foi galardoada pela Sociedade Americana de Metereologia pelos estudos que desenvolveu sobre o aquecimento global e os furacões. Nos últimos anos tem tomado posições contrárias à corrente mais catatrofista, denunciando métodos de previsão baseados em dados insuficientes e falta de rigor científico. “Alterações Climáticas, o que sabemos, o que não sabemos” é o seu novo livro, agora editado em Portugal, pela Guerra & Paz. Trata-se de uma obra de pensamento aberto que afirma a incerteza científica face a um pretenso unanimismo de redução do aquecimento global a uma única causa. Numa época em que o alarmismo campeia e se gerou uma intensa vaga emocional que quase proíbe o exercício de qualquer pensamento crítico Judith Curry defende uma única solução: o método científico, a necessidade de lidarmos com a incerteza, o reconhecimento efectivo do que não sabemos. Curry opõe-se ao actual consenso, que considera desvirtuar o método científico e ser determinado por razões políticas e discorda nomeadamente que a causa humana seja o factor dominante das alterações climáticas. O livro alerta-nos para a perigosidade de uma hipótese excessivamente simplificada monopolizar toda a investigação científica, uma hipótese para a qual, segundo a autora, há provas observacionais insuficientes e que se baseia em modelos climáticos inadequados para estabelecer as causas do aquecimento recente. Ora aqui está bom combustível para alimentar a polémica.
VINHOS & PETISCOS - E que tal uma happy hour baseada em vinhos e petiscos? Em plena Avenida da Liberdade o bar Intra-Muros e a Esplanada do restaurante AdLib, no Hotel Sofitel, proporcionam uma selecção de vinhos franceses e portugueses, servida com queijos franceses bem escolhidos e petiscos caseiros do Chef Daniel Schlaipfer. Os vinhos franceses estão em destaque até 13 de Outubro, entre as 18h30 e as 21h00. Os vinhos selecionados incluem um Branco Domaine Fevre Petit Chablis, um Rosé Miraval Provence e um Tinto Domaine Bonnard Sancerre. Pode optar por um prato de 3 ou 5 queijos a 8 e 13 euros respectivamente. Os vinhos são degustados a copo a partir dos 6 euros, com a opção de um “wine flight” de 3 vinhos a 12 euros. Os Wine Days dedicados a Portugal decorrem de 14 a 31 de Outubro e a seleção inclui um Tinto do Douro, Cheda Reserva, um Branco também do Douro, Terras do Grifo, e um Rosé Alentejano, Lima Mayer, servida com uma seleção de petiscos do chef -Wine 3 petiscos 8€ e 5 petiscos 13€. Os preços do vinho são os mesmos - 6 euros um copo, 13 euros a prova dos três. Durante todo este período está disponível no restaurante AdLib um menu de degustação preparado pelo chef Daniel Schaipfer a 50 euros por pessoa.
DIXIT - “Logo por azar dos Távoras havia de haver a renovação do mandato da PGR” - juiz João Bártolo sobre a saída de Joana Marques Vidal durante a investigação do caso Tancos.
BACK TO BASICS - “Comprem com base nos rumores, vendam com base nas notícias” - provérbio nascido em Wall Street.
E NO DIA SEGUINTE? - António Costa chegou a pensar que no dia seguinte às eleições poderia governar sozinho ou fazer um acordo de conveniência com André Silva, do PAN. Seria a réplica contemporânea do acordo do queijo limiano que permitiu a Guterres prolongar a sua existência governamental. Em vez de lacticínios, ração para animais: eis aquilo que resumia a política portuguesa há duas semanas atrás. No entanto as últimas sondagens mostram que Costa vai ter que gerir os resultados de maneira diferente. Há um episódio esta semana que mostra bem a alteração da correlação de forças eleitorais e dá sinais de que o dia seguinte tenha já começado a ser decidido mesmo antes de conhecido o resultado. Porquê? Como já se percebeu o caso de Tancos, a convicção de que o Governo estava informado do achamento fingido - e nele colaborou - e a dúvida sobre aquilo que António Costa conhecia ou não do assunto, provocou inquietação geral. Numa primeira fase o Bloco e o PCP admitiram que queriam mesmo ver o assunto debatido na Assembleia antes das eleições de Domingo e disseram-no publicamente. Mas eis que chegada a hora da votação ambos mudaram de posição e colaram-se ao PS na suspensão do Parlamento, fiéis discípulos das manobras de Boris Johnson que tanto criticaram há umas semanas. Esta desistência do Bloco e do PCP de aprofundar o caso de Tancos antes das eleições mostra que as negociações já começaram e que Costa resolveu prevenir qualquer incómodo que viesse de um escrutínio parlamentar nesta altura. PS, Bloco e PCP uniram-se debaixo da bandeira da ocultação. O que acordaram para lá chegarem saberemos depois. Não resisto a citar a crónica desta semana de Ricardo Araújo Pereira: “O futuro é dos fisioterapeutas. O contorcionismo necessário para defender uma coisa e o seu inverso tem de gerar hérnias muito dolorosas na coluna”. Resta-me dizer que a campanha mostra o desgaste dos partidos do regime, o seu tacticismo, as amnésias sobre o que fizeram nestes quatro anos. É tempo de dar oportunidade a que outros protagonistas entrem em cena. Por mim dou o meu voto à Iniciativa Liberal que, durante a campanha, foi quem melhor soube evidenciar que o rei vai nu.
SEMANADA - Os pedidos de crédito ao consumo atingiram 20 milhões de euro por dia; as poupanças das famílias estão nos níveis mais baixos de sempre o os valores de crédito ao consumo estão acima do período pré-troika; de Janeiro a Setembro 83 mil novos imigrantes tiveram autorização de residência em Portugal; as universidades e politécnicos da região nortenha tiveram no último ano um aumento de 40% nos estudantes internacionais, ultrapassando a região de Lisboa; em 2018 foram transacionados 242.091 imóveis em Portugal,um aumento de 6,8% face ao ano anterior, o total dos negócios imobiliários realizados representou um investimento superior a 26,1 mil milhões de euros e só Lisboa registou um volume de investimento de 11,9 mil milhões de euros; Portugal é o país da União Europeia onde a diferença entre as taxas de desemprego consoante a qualificação é menor e onde a sobrequalificação dos trabalhadores face ao emprego que desempenham é das mais altas; segundo uma sondagem recente 56% das pessoas informam-se através da televisão; 36% pelos jornais, seja em papel ou online e 28% pela rádio; segundo a Marktest o Facebook é a rede social onde mais portugueses têm conta, captando 95.3% dos utilizadores de redes sociais, o WhatsApp, ocupa a 2ª posição, com 74.2% de penetração, o Messenger entra para a 3ª posição, com 70.8%, o que coloca o Instagram em 4º, com 67.9%.
ARCO DA VELHA - O Juízo de Família e Menores de Mafra está a julgar um caso no qual se decide, entre um casal de ex namorados, a tutela de uma cadela de raça pitbull.
O ESPELHO - Há duas exposições incontornáveis que abriram na semana passada em Lisboa: a impressionante retrospectiva da obra de Rui Sanches que inaugurou na Cordoaria e a evocação dos trabalhos de Carlos Correia, na Galeria 111. Rui Sanches apresenta no Torreão Nascente da Cordoaria uma visão retrospectiva da sua obra em escultura, que começa com três peças recentes, uma delas concebida expressamente para esta ocasião, algumas obras inéditas em Portugal do início do seu percurso criativo nos anos 80 e depois um conjunto de obras verdadeiramente marcantes. A montagem da exposição, um trabalho conjunto do artista e do curador, Delfim Sardo, aproveita da melhor forma o espaço da Cordoaria e proporciona a possibilidade de viajar entre as esculturas, comparando fases, vando-as de diversas perspectivas. Na folha de sala Delfim Sardo salienta que a obra de Rui Sanches é “um espelho da escultura e da relação desta com a imagem”, sublinhando a complexidade e coerência do percurso criativo de Rui Sanches. Pego nesta citação e na sua relação com a imagem para chamar desde já a atenção para um complemento deste “Espelho”, que sob a mesma designação vai estar a partir de dia 9 de Outubro no Museu Berardo e onde Rui Sanches mostrará trabalhos recentes em desenho sobre papel, fotografia, esbocetos de barro e esculturas de parede em diversos materiais. A exposição na Cordoaria fica até 12 de Janeiro. O outro destaque da semana vai para a exposição evocativa de Carlos Correia que estará na Galeria 111 (Campo Grande 113) até 9 de Novembro. Desaparecido no ano passado, Carlos Correia vinha a construir um percurso singular de que talvez uma das melhores referências seja uma das obras expostas, o auto-retrato “O Artista Cego”.
OUTRO MUNDO - Em finais de junho de 1964 John Coltrane e o seu quarteto juntaram-se no célebre estúdio de Rudy Van Gelder e gravaram temas para a banda sonora de um filme franco-canadiano, “Le Chat Dans Le Sac” do realizador Gilles Groulx. O quarteto atingira o auge da sua forma, estava entre as gravações de dois dos mais importantes momentos da carreira de Coltrane, os álbuns “Crescent” e “A Love Supreme”. Que quarteto era este? John Coltrane tocava saxofone tenor, McCoy Tyner estava no piano, Elvin Jones na bateria e Jimmy Garrison no baixo. O mais curioso é que Coltrane acedeu aos pedidos do realizador, que sugeriu a maior parte dos temas a gravar, fazendo até Coltrane rever a sua habitual recusa em regravar temas antigos. O resultado é este “Blue World”, agora editado pela primeira vez, depois de as fitas originais terem ficado guardadas (e ignoradas) durante décadas num cofre do National Film Board do Canadá. O resultado são 37 minutos que retratam a forma fantástica dos músicos. Coltrane acedeu ao pedido de Groulx e reinterpretou cinco temas. O disco abre com “Naima”, uma das suas melhores baladas, gravada originalmente para o álbum “Giant Steps” de 1960. Depois surge a versão de “Village Blues” que foi utilizada no filme (e que é a melhor das três versões do tema que surgem neste álbum). O terceiro tema é o que dá o nome do disco, “Blue World”, uma nova reinterpretação de um original de Harold Arlen e Johnny Mercer’s “Out of This World”, que era a faixa de abertura do álbum “Coltrane”, de 1962. Esta nova versão, que aqui ganhou o nome de “Blue World”, começa com um exercício de baixo de quase três minutos, uma lição de virtuosismo de Garrison e da coesão com os outros músicos do quarteto que vão dialogando com o baixo. “Like Sonny” é também do álbum “Coltrane Jazz”, de 1961 e é tida como uma homenagem de Coltrane a Sonny Rollins. “Traneing In” é de um disco ainda mais antigo, “John Coltrane With the Red Garland Trio”, de 1958. Blue World já está disponível em CD e no Spotify.
CAPAS CLIMÁTICAS - A edição de Outubro da Monocle traz algumas novidades - no papel, na arrumação dos conteúdos e em algumas novas secções. O tema de capa bate em cima da actualidade - as alterações climatéricas, mas de uma perspectiva um pouco diferente. Já lá vamos. O editorial de Tyler Brulé, o fundador da revista, é sobre a prioridade que as empresas devem dar à escolha das pessoas que a representam junto dos clientes - alguém que seja ao mesmo tempo boa vendedora, acolhedora, que tenha atenção ao detalhe, que saiba o que é prestar um bom serviço ao cliente. No fundo é este o segredo do sucesso das empresas - criar uma equipa que reflicta os seus melhores valores e faça crescer a sua própria imagem. Nas novidades editoriais destaca-se um conjunto de novas secções logo no início, que imprimem maior ritmo à leitura da Monocle - em temas que vão da cultura aos tempos livres, mas de uma forma por vezes inesperada, como por exemplo a apresentação da equipa que assegura a gestão das lojas do Victoria & Albert Museum em Londres, cuja qualidade e inovação explica muito do sucesso da instituição. Na secção de cidades o destaque vai para Copenhaga pelo cuidado colocado na manutenção de espaços públicos e no respeito pelos direitos dos seus habitantes. No especial sobre alterações climatéricas há um foco na importância económica que as previsões metereológicas estão a ter no desenvolvimento de planos de negócio, desde a localização de instalação de fábricas até à construção de hotéis. Na secção de comidas há um destaque para o Gastrobar do Rossio, no Altis Avenida Hotel e, regressando ao início da revista, há uma pequena secção, Cosy Corner, que apresentar um local para descontrair ao fim do dia, proposto por um dos seus clientes habituais - no caso um bar em Berlim onde o editor da revista Zeit Magazin gosta de descontrair. E é isto, a Monocle. Volta e meia ainda surpreende.
OKTOBERFEST - Outubro é o mês da cerveja e dos festivais em sua honra desde que, em 1810, o Rei Luis I da Baviera decidiu criar um festival cervejeiro em Munique para assinalar o seu casamento. O Oktoberfest estendeu-se a várias regiões, foi desenvolvendo versões sempre com uma componente de festa, bebida e comida. Em Lisboa nasceu há três anos A Cerveja em Lisboa, que se realiza até Domingo no Campo Pequeno. Ali estarão disponíveis 30 marcas de cerveja de diversos países e uma série de cervejas artesanais portuguesas como a Dois Corvos, Chica, Velhaca, Sadina, Vadia ou Bolina, entre outras. Estão também presentes marcas internacionais mais tradicionais como a Mahou, a San Miguel e a Warsteiner ou a Erdinger Oktoberfest. Para que a cerveja não caia em estômago vazio estão disponíveis várias opções de street food, entre as quais pretzels autênticos feitos na ocasião. O preço da entrada na Cerveja em Lisboa varia entre os 3€ e 5€, consoante o tamanho do copo de prova que quiser levar - está sempre incluído no bilhete. Na sexta-feira e sábado o recinto está aberto das 16 horas à uma da manhã e no domingo, abre à mesma hora mas encerra mais cedo, pelas 21 horas, já depois de se conhecerem os resultados eleitorais - ainda vai dar para brindar … ou lamentar.
DIXIT - “Azeredo Lopes foi um tolo, fascinado com o jogo de xadrez em que se via jogador mas era peça de tabuleiro” - Pedro Santos Guerreiro sobre o roubo de armas em Tancos.
BACK TO BASICS - “A História é a versão dos acontecimentos passados sobre a qual se obteve um consenso” - Napoleão Bonaparte
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