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A MONOCULTURA - Sempre me disseram que nenhuma organização deve depender de um único cliente e de uma única oferta. Que uma empresa que tem a maior parte da sua facturação proveniente de uma só entidade corre um sério risco se por qualquer razão o cliente deixar de querer os seus serviços. Este parece ser um princípio básico de gestão: alargar a carteira de clientes, diversificar, não deixar de procurar novas oportunidades. Pois foi exatamente neste erro, salta agora à vista, que Lisboa caíu. Vá-se lá saber porquê alguém convenceu quem manda que o turismo era a solução para todos os problemas da cidade. Trazia receitas, fomentava o consumo na hotelaria, na restauração e de uma forma geral no comércio da cidade. O orçamento da autarquia cresceu graças às taxas sobre o turismo e os turistas, mas apesar de tudo Lisboa continuava barata para os visitantes estrangeiros, o nosso clima era o nosso petróleo, e plataformas como o airbnb ajudaram a transformar tudo de forma muito rápida. Tal como as chinchilas na década de 60 e os croissant de chocolate na década de 70, o turismo era agora a nova galinha dos ovos de ouro. Mas como todos os galináceos, tem uma vida incerta. Neste caso não acabou no forno, mas caíu vítima da pandemia. Como essa era a grande fonte de receita do município e de facturação da cidade, quando se esvaíu, tudo se complicou. A única lição a tirar é que convém que uma cidade não dependa de uma só actividade. Por isso o futuro de Lisboa passa por criar mais pólos de atracção, não só para turistas estrangeiros, mas que tenha em conta outras possibilidades competitivas que os portugueses podem oferecer. O mal de Medina não esteve só nos imbróglios do urbanismo - que vamos ver se não acabam prescritos - nem no sistemático desprezo pelo conforto dos lisboetas. O grande mal de Medina foi a monocultura. E quem se enganou assim não é a melhor cabeça para mudar a cidade e fazê-la remoçar.
SEMANADA - Até Março os consumidores portugueses gastaram mais 125 milhões de euros em supermercados, um aumento de 5,5% em relação a igual período do ano passado e as bebidas foram o sector com o maior crescimento, de 20,7%; o estudo "Radar da Reciclagem" revelou que 46,4% dos portugueses afirmam reciclar mais quantidade de resíduos face há um ano e indica um aumento do lixo doméstico durante os períodos de confinamento; 47% é o peso dos impostos na fatura doméstica da electricidade em Portugal, o que significa que é o terceiro valor mais alto na Europa, apenas atrás da Dinamarca e Alemanha; um estudo da Marktest indica que em Portugal, em 2020, existiam cerca de 7,7 milhões de smartphones a serem utilizados, um crescimento de 14% face ao ano anterior; ainda segundo a Marktest cerca de 1,7 milhões de portugueses afirmaram ter ar condicionado, o que significa que mais do que um em cada cinco portugueses reside num lar com este tipo de instalações; o saldo orçamental das Administrações Públicas agravou-se em 2.358 milhões de euros no primeiro trimestre face ao mesmo período do ano passado; o consumo de combustíveis aumentou 24% em Portugal durante o mês de março face ao mês anterior, em consequência do desconfinamento; o Porto de Lisboa já tem anunciadas 308 escalas de cruzeiros para 2022 com um total de 700 mil passageiros; o estudo Vacation Rental indica que mais de metade dos portugueses que estão a planear as férias prefere viajar dentro do próprio país e 31% planeia viajar para países europeus; o Primeiro Ministro António Costa inaugurou na segunda-feira uma obra ferroviária atrasada e inacabada na ligação entre Viana do Castelo e Valença.
ARCO DA VELHA - No meio do actual debate sobre a corrupção de políticos, o ex-Ministro João Cravinho veio recordar que em 2006 tinha apresentado um plano anti-corrupção recusado “liminarmente” pelo governo da época, chefiado por José Sócrates.
O DESAFIO DOS NOVOS - A Galeria Módulo tem um trabalho consistente na descoberta e divulgação de novos artistas. Mário Teixeira da Silva, o galerista, admite que lhe dá particular satisfação acompanhar o início da carreira de um artista, algo que classifica de estimulante. Até 15 de Maio a Módulo expõe o conjunto de obras “Ponto E Vírgula” de Fátima Frade Reis, que inclui guache, aguarelas e gravuras de exemplar único que a artista encara como “retratos, auto-retratos e ficções”. O trabalho baseia-se numa técnica exemplar e rigorosa que serve o que deseja mostrar. O galerista descobriu-a entre os finalistas da escola ARCO, em Lisboa e mostra-a agora na Módulo (Calçada dos Mestres 34, Campolide). Os preços oscilam entre os 220 e os 700 euros e uma grande parte da exposição já está vendida. Outras sugestões: na Fundação Carmona e Costa “É Só Uma Ferida” de Pedro Barateiro . Na Porta 14 (Calçada do Correio Mor), Pedro Calapez apresenta uma nova faceta da sua obra e em Guimarães até 4 de Julho apresenta no Museu da Sociedade Martins Sarmento uma seleção de obras nos últimos oito anos do seu trabalho. E na Galeria de Santa Maria Maior, (Rua da Madalena, 147), Corrêa dos Santos, 87 anos, repórter fotográfico, há 70 anos a percorrer os acontecimentos e as ruas de lisboa, tem uma exposição de vida.
ENTRE GOSPEL E FOLK - Valerie June nasceu em 1982 em Memphis, Tennessee, e cresceu a ouvir folk, blues, muito gospel, soul e country nos seus vários géneros. Publicou agora o seu terceiro álbum, “The Moon And Stars: Prescription for Dreamers”. O disco anterior, “The Order Of Time”, data de 2017 e foi incluído pela revista “Rolling Stone” na lista dos melhores 50 discos desse ano. E exactamente em 2017, numa entrevista, Bob Dylan inclui o nome de Valerie June entre os artistas que ouvia e respeitava. O trabalho de Valerie é indiscutivelmente alicerçado na música popular norte-americana, numa mistura entre blues electrificados e folk tradicional, com toques de country e uma presença marcada de gospel, evidente na sua forma de cantar e fazer arranjos. Neste novo disco, ela é acompanhada pela grande Carla Thomas em “Call Me A Fool”, um clássico instantâneo que é um retrato perfeito daquilo que Valerie June gosta de criar. “The Moon And Stars: Prescription for Dreamers” é um disco marcado pelo sentimento de amor e de perda ao longo das suas 14 faixas, e a crítica tem afirmado que se trata do mais maduro e marcante trabalho - que tem no tema “Within You” o melhor exemplo da sua criatividade e capacidade. “You And I” sintetiza o espírito do álbum: “When the love left just a friendship/ That's when we found our greatest gift”. Ou seja, conseguir olhar para o passado e aproveitar o melhor para seguir em frente. Disponível nas plataformas de streaming.
O LADRÃO SEDUTOR - Maurice Leblanc foi um jornalista e escritor francês que em 1905 criou a figura de Arsène Lupin, apresentado como um elegante cavalheiro ladrão, de monóculo e cartola e que era a sua resposta ao muito inglês Sherlock Holmes. Leblanc estava longe de imaginar que, mais de um século depois de ter escrito as primeiras aventuras de Lupin, o seu personagem se tornaria numa estrela planetária através de uma plataforma de streaming, a Netflix. “Lupin”, a série francesa de 10 episódios estreada em 2021, foi também um êxito em Portugal, fazendo muitos espectadores descobrir os encantos do cavalheiro ladrão nascido na Belle Époque, no século passado, a época que Paris viveu como nenhuma outra capital europeia. Este foi o palco onde se desenrolaram crimes fantásticos e intrigantes da autoria de Arsène Lupin, um ladrão hábil, carismático e sedutor, eternamente perseguido pelo inspector Ganimard. Aproveitando a notoriedade que a Netflix deu ao herói de Maurice Leblanc, a Porto Editora reuniu as primeiras nove aventuras do seu personagem em “Arsène Lupin, Cavalheiro Ladrão”, agora editado. Maurice Leblanc escreveu mais de duas dezenas de aventuras de Lupin e este volume é uma boa introdução ao personagem e aos expedientes a que recorre - para escapar à polícia ou praticar roubos arriscados. Um aventureiro chic.
O LEITÃO - A raça Bísara é uma das raças autóctones nacionais de suínos. Os seus leitões são alimentados exclusivamente de leite materno até à altura do desmame, que ocorre por volta dos 45 dias. Têm uma carne aveludada, com uma côr rosada e um sabor especial que o distingue de outras raças suínas. O leitão bísaro tem também características morfológicas diferentes dos demais - é mais comprido e delgado, o que permite nomeadamente uma maior penetração dos temperos na carne. Quando se fala de bom leitão assado, é da raça bísara que falamos - mas não é muito frequente encontrá-la, mesmo na zona da Mealhada onde a quantidade nem sempre rima com qualidade. Felizmente a quantidade não é a preocupação do Leitão da Vila, um paraíso para os apreciadores deste petisco, situado em Coina, perto do Barreiro. A casa tem menos de dez anos mas o seu proprietário, António José Rebocho, aprendeu há muito mais tempo o segredo da preparação, do tempero e do forno, para poder servir um leitão assado excepcional. A casa é pequena, menos de duas dezenas de lugares na conjuntura actual, só abre ao almoço e encerra ao Domingo. Faz take away mas em quantidades limitadas para não prejudicar o serviço da sala nem a qualidade do que serve. O leitão chega à mesa muito bem cortado, acompanhado de um competentíssimo molho, um arroz de miúdos e batatas fritas às rodelas, feitas na hora, além da indispensável salada de alface, fresca e viçosa, com rodelas de cebola crua. Antes disso chegam à mesa ou uns rissóis ou umas empadas, obviamente de leitão, e um queijo fresco de ovelha para quem quiser, ao lado de umas azeitonas tem temperadas. A lista de vinhos não é extensa mas tem preciosidades como o Coteis Grande Escolha, um daqueles vinhos intensos, de 16º, proveniente de Moura. No final, se quiser, há um pastel de nata caseiro, que vem quente para mesa, onde a massa e o recheio são perfeitos. A carta aceita reservas mas não vá com pressas que sobretudo ao fim de semana vai ter que esperar uma data disponível. Leitão da Vila, Rua Professora Rita Amaro Duarte, Coina, telefone 935849213.
DIXIT - Desde que este executivo assumiu o poder, ficaram por cumprir ou gastar mais de 3,5 mil milhões de euros em investimentos face ao que ficou definido nos vários Orçamentos de Estado” - Luís Reis Ribeiro
BACK TO BASICS - “A Liberdade implica responsabilidade e essa é a razão porque a maioria das pessoas a teme” - George Bernard Shaw
(Publicado no Weekend do Jornal de Negócios de 30 de Abril 2021)
OS PECADOS URBANOS - Luís Afonso, o autor do Bartoon, é um dos grandes humoristas portugueses. Nesta semana, depois de se conhecerem as investigações em curso na Câmara Municipal de Lisboa por suspeitas de corrupção no urbanismo, o comentário do seu personagem central é demolidor: “Que mania de investigar crimes que não existem em Portugal”. Há muitos anos que os serviços de urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa são acusados de lentidão, critérios confusos e diferentes e, em diversas ocasiões, surgiram publicadas informações sobre processos recusados de forma incompreensível ou aprovados com suspeita de favorecimento. Seja como fôr há muito que a actual gestão da autarquia lisboeta devia ter resolvido a situação. Mas não o fez e as acusações foram crescendo e envolvendo desde vereadores do pelouro a responsáveis e técnicos dos serviços. É uma situação insustentável. Segundo a Polícia Judiciária estão em causa suspeitas de práticas criminosas no exercício de funções públicas. Nos últimos anos, até ao eclodir da pandemia, houve uma explosão descontrolada de hotéis e Alojamentos Locais fazendo disparar o valor dos imóveis e rendas, que obrigou os lisboetas a abandonar a cidade. Este é o retrato da gestão Medina. O actual Presidente da Câmara havia prometido seis mil casas de renda acessível no seu mandato e 20 mil a longo prazo para jovens e famílias de classe média até 2021. Onde estão elas? Por outro lado a obsessão por obras marcou a governação de Medina, com um investimento excessivo e muitas vezes sem sentido em ciclovias, que contrasta com uma fraca aposta nos transportes públicos, os quais se tornaram incapazes de responder à procura durante o último ano de pandemia, com veículos lotados, fazendo perigar a saúde pública. Entre as grandes obras, as da segunda circular estão entre as que agora são alvo de investigação. Tal como os transportes públicos, os prometidos novos centros de saúde e escolas não passaram de promessas. Medina desdobra-se agora em inaugurações, novos prazos e novas promessas. Mas convém não esquecer a forma como ele tornou a cidade num parque de diversões para visitantes e num problema para residentes.
SEMANADA - O número de alunos que frequentam cursos técnicos superiores cresceu 6% neste ano lectivo, há quase 13 mil inscritos em mais de 400 cursos curtos e mais de metade dos que os concluem ingressam depois numa licenciatura; na última década duplicou o número de concelhos só com dois balcões bancários; Portugal tem hoje a mesma extensão de linhas de caminhos de ferro que em 1893; das cerca de três mil freguesias portuguesas apenas 370 são lideradas por mulheres; um inquérito da CIP indica que o Plano de Resiliência não terá significado para 48% das empresas; apesar de todas as declarações sobre a importância da Economia do Mar o PRR, dos cerca de 250 milhões de euros que lhe dedica, dirige cerca de 230 para investimento público, sobrando apenas 20 milhões para a economia real e desenvolvimento das empresas do sector; Março foi o quarto mês consecutivo de aumento dos inscritos nos centros de emprego, que agora totalizam 432 mil e em alguns concelhos o número de desempregados mais que duplicou no espaço de um ano; um estudo divulgado esta semana indica que desde o Natal que a mobilidade dos portugueses nos dias úteis não era tão alta e no último fim de semana a circulação da população aproximou-se do que acontecia no verão do ano passado; entre 16 de Março e 18 de Abril duplicou o número de pessoas que responde “não” ao SMS da vacinação contra o Covid-19; a Sport TV registou um prejuízo de 5,7 milhões de euros no ano passado, um agravamento de 569% face ao período homólogo; os assinantes de TV paga em Portugal triplicaram em 20 anos e agora 93% das famílias utilizam o serviço, metade delas através de fibra óptica.
ARCO DA VELHA - A Assembleia da República aprovou 52 recomendações ao Governo no primeiro ano desta legislatura e metade foram ignoradas, entre elas a requalificação das zonas ardidas em 2017 e a elaboração de um plano para evitar a seca do Tejo.
ESCULTURA & FOTOGRAFIA - As esculturas de Alberto Giacometti e as fotografias de Peter Lindbergh coexistem na exposição “Capturar O Invisível”, que está até 24 de Setembro no Museu da Misericórdia do Porto, no centro histórico da cidade. Bronzes e desenhos de obras de Giacometti, selecionados por Lindbergh, que são apresentados ao lado das suas fotografias (na imagem). Lindbergh, que se tornou conhecido sobretudo pela fotografia de moda, é fascinado desde jovem pelo trabalho e pela personalidade de Alberto Giacometti. Em 2017 Peter Lindbergh foi convidado a fotografar na Fundação Giacometti em Paris, foi-lhe dada carta branca e fotografou as peças de bronze de Giacometti, tratando-as como modelos. Utilizando close-ups e grandes ampliações Lindbergh revela através da fotografia aspectos das esculturas de Giacometti impossíveis de perceber a olho nu. Em simultâneo, ao associar obras de diferentes períodos nas suas imagens, o fotógrafo estabelece um diálogo através de períodos e estilos. Em Lisboa, Na Biblioteca Nacional pode ser vista até 30 de Julho a exposição “O Atlas Suzanne Daveau” que agrupa fotografias que efectuou ao longo da sua carreira e que registaram as sociedades rurais ocidentais, sociedades tribais de África, paisagens quase intocadas pela mão humana, e também as transformações ocorridas num mundo em progressiva mudança. O Atlas Suzanne Daveau agrupa-se em quatro áreas - Rural, Humanidade, Cidade e Natureza. A exposição resulta de uma pesquisa desenvolvida ao longo de um ano por Duarte Belo e Madalena Vidigal sobre o trabalho da geógrafa que foi casada com Orlando Ribeiro, o autor de obras de referência da geografia portuguesa.
CRUZAMENTOS SONOROS - “Uneasy” é o quarto registo em trio do pianista Vijay Iyer, entre os seis discos que já gravou para o catálogo da ECM. Neste disco junta-se a Linda May Han Oh no baixo e Tyshaw Sorey na bateria. Esta nova formação reforça o sentido rítmico da sua música e abre novos caminhos em relação aos seus trabalhos anteriores, apresentando-se agora mais jazzy. Ao longo dos onze temas originais deste “Uneasy” desfilam as interpretações musicais que Vijay Iyer faz do mundo contemporâneo. Destaco temas como “Children On Flint”, “Combat Breathing”, a colaboração em “Touba” com Mike Ladd, um poeta e performer de Boston conhecido pelo seu trabalho no hip-hop e com quem tem colaborado ao longo dos anos. Vale a pena ouvir o seu solo de piano em “Augury” ou a evocação oriental em “Entrustment”. Saliento ainda a sua versão de standards do jazz como “Night And Day'' e “Drummer’s Song”. Vijay Iyer, que dentro em breve completa 50 anos, nasceu nos Estados Unidos filho de emigrantes Tamil vindos da Índia e desde cedo na sua carreira se interessou por cruzar experiências de diversas culturas. Edição ECM disponível em streaming.
POLÉMICA À VISTA - Preparem-se para o choque e a polémica: “Teorias Cínicas” é um livro sobre como activistas académicos reduziram tudo a raça, género e identidade - e os efeitos que isso tem gerado nas sociedades ocidentais. A ensaísta Helen Pluckrose e o matemático James Lindsay procuram desmontar algumas das teses mais polémicas dos movimentos intelectuais que se apresentam sob a capa da defesa da justiça social e afirmam que os estudos activistas e radicais, com a sua cultura de guerra e de cancelamento, fazem mais mal do que bem às comunidades minoritárias que juram defender. Os autores analisam teorias como «O conhecimento é uma construção social», «a ciência e a razão são ferramentas de opressão», «todas as interacções humanas são fontes do exercício opressor do poder”, que, dizem os autores, têm vindo a ser normalizadas e infiltradas na opinião pública por académicos activistas que julgam ter a receita para uma sociedade mais justa e paritária, particularmente no que diz respeito a questões de raça, género, sexo e sexualidade. Segundo os autores estes movimentos assumem uma visão do mundo dogmática «que coloca as mágoas sociais e culturais num lugar de destaque, transformando tudo numa luta política de soma zero à volta de marcadores identitários». Lançado em Agosto de 2020 no Reino Unido, e editado agora em Portugal pela Guerra & Paz, o livro foi considerado o Ensaio do ano em vários jornais britânicos e analisa, com racionalidade, a inconsistência das teorias identitárias, que ameaçam a democracia liberal. Segundo Steven Pinker, professor de psicologia na Universidade de Harvard, «este livro expõe as raízes intelectuais surpreendentemente superficiais dos movimentos que parecem estar a engolir a nossa cultura.»
NO REGRESSO AO RESTAURANTE - Se passar pela Mealhada é inevitável que se cruze nos restaurantes locais com um petisco que se chama iscas de leitão. Trata-se do fígado dos pequenos leitões usados tradicionalmente da Bairrada. As iscas de leitão, cortadas muito finas, têm um sabor e uma textura completamente diferente do fígado dos animais adultos, como é bom de ver. É verdadeiramente um petisco e mesmo algumas pessoas que torcem o nariz às iscas deixam-se conquistar. Na Mealhada são servidas à antiga (marinadas em vinho e alho e fritas em banha), mas também grelhadas ou então de cebolada. Eu prefiro quando são preparadas à antiga e são acompanhadas por boa batata cozida, que se deixa embeber no molho. Não é um petisco muito frequente em Lisboa mas volta e meia aparece n’O Apuradinho (Rua de Campolide 209) e neste regresso aos restaurantes foi um dos primeiros onde me deliciei - e em dose dupla: os seus magníficos pastéis de bacalhau com arroz de tomate num dia e as iscas de leitão com batata noutro.
DIXIT - “Somos dominados por uma elite minúscula que vive em circuito fechado, pejada de conflitos de interesses. Isto é o sistema. Não foi criado por Sócrates” - João Miguel Tavares.
BACK TO BASICS - “Se não os conseguir convencer, o melhor é tentar confundi-los” - Harry S. Truman
O PUTATIVO CANDIDATO - Esta semana ficámos a saber, pela escrita do próprio José Sócrates, que a sua detenção e o processo subsequente foram desencadeados para, afirma convicto, impedir a sua candidatura à Presidência da República e também para criminalizar as políticas dos governos que liderou. Está escrito preto no branco logo nas primeiras linhas de um artigo que publicou na passada segunda-feira. Por um curioso acaso a decisão do juiz Ivo Rosa sobre Sócrates foi tomada na mesma semana em que se completavam dez anos sobre o pedido de ajuda externa. Cito, a este propósito, um desabafo do jurista João Gonçalves na sua página de Facebook: “o regime não apodreceu por obra e graça do Espírito Santo, o verdadeiro. Todavia, por entre prescrições e ajustes de contas entre magistraturas, um tribunal, pela primeira vez nestes mais de sete anos que a coisa leva, pronunciou alguém, com antigas responsabilidades de primeiro-ministro, pelos crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos, por causa e apesar dessas funções. Sócrates já tinha sido "removido da história". Não, como ele imagina, pelo PS. É o PS "dele", aliás, que anda pelo Governo e pelo Estado. Sócrates foi removido pela história da bancarrota de 2011, que obrigou o país a um ajustamento pretoriano de três anos, e pelo voto democrático. Pretender que isto tudo aconteceu para "beneficiar a Direita e atingir a Esquerda" é delirante. Ele que experimente "depender do voto do povo", coisa a que lhe repugnava voltar, e vai ver o que lhe acontece.” Desde há dias que Sócrates se apresenta como um mártir da democracia mas todo este caso é a prova provada das fragilidades da justiça em Portugal, das suas falhas, demoras, guerras internas, burocracias e contradições. Muito curiosamente soube-se também por estes dias que a Ministra da Justiça e o Governo não quiseram incluir na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção a proposta da Associação dos Juízes portugueses que eleva à categoria de crime a falta de justificação da origem do património dos titulares de cargos públicos - uma medida que por si só evitaria muita coisa. Quando se duvida da justiça abre-se caminho para duvidar da democracia.
SEMANADA - Segundo o CEO da Altice o contrato do sistema de comunicações de segurança SIRESP vai acabar a 30 de Junho, não existindo até à data negociações sobre o seu eventual prolongamento; a entidade que gere as certificações energéticas passou a ser abrangida pelas pelas cativações orçamentais; Portugal teve o terceiro crescimento mais lento da zona euro entre 1999 e 2016; no ano passado o total das remessas de emigrantes desceu 1,3% e as remessas dos emigrantes da Suíça superaram pela primeira vez as da França; no primeiro trimestre deste ano nasceram quase menos três mil bebés; quase 300 mil acidentes rodoviários fizeram na última década cerca de meio milhão de feridos e milhares de mortos; em 2020 o consumo de bacalhau caiu 12,6% devido ao encerramento de restaurantes durante a pandemia; segundo a Marktest cerca de 33% do poder de compra está concentrado em apenas 12 concelhos e em Lisboa e Porto estão cerca de 12% do total do poder de compra de Portugal Continental; Portugal teve a pior queda comunitária nas vendas a retalho e o volume de negócios nos serviços caíu 20%; António Guterres renovou convite a Ivo Rosa para que este se mantenha numa bolsa de magistrados ligada às Nações Unidas; entre Março de 2020 e Fevereiro deste ano foram registadas mais 685 mil mortes na União Europeia face à média dos três anos anteriores; um estudo recente indica que mais de metade dos portugueses não tenciona fazer férias este ano.
ARCO DA VELHA - No dia em que se voltou a pagar estacionamento em Lisboa, a aplicação ePark da EMEL teve problemas de funcionamento devido a “sobrecarga pontual inusitada”.
VER AS PAISAGENS - Volta e meia - mas é raro - acontece isto: entramos numa galeria para ver uma nova exposição e ficamos surpreendidos. Uma espécie de choque, como quando nos defrontamos com algo inesperado. Foi o que aconteceu com a inauguração, na semana passada, da nova exposição de Cabrita (Pedro Cabrita Reis) na galeria Miguel Nabinho (Rua Tenente Ferreira Durão 18B). Intitulada "Pinturas de Paisagem” a exposição tem mais de 80 pinturas e uma escultura (na imagem), a grande maioria das obras foram feitas durante 2020. A exposição decorre até 22 de Maio. Cabrita tem um fascínio pela paisagem e esta série de novos trabalhos mostra também o que foi a evolução da sua maneira de ver ao longo do confinamento - com algumas surpresas na forma final encontrada. Os preços oscilam entre os 10 e os 50 mil euros. Outros destaques: na Galeria Filomena Soares está “Places Of War” de Daniel Nave, um trabalho inspirado pelas destruições e cenários de guerra. E na Appleton está “Revolution My Body no.2”, o início de um ciclo de evocação da obra de Ernesto de Sousa. Fora de Lisboa destaque para “Caminhar Oblíquo”, de Duarte Belo, na Casa da Avenida e no Centro de Arte Contemporânea de Coimbra até 20 de junho de 2021 decorre a segunda exposição do ciclo “De que é feita uma coleção?”. E regressando a Lisboa no MAAT pode descobrir três novas exposições: as onze instalações de “Aquaria - Ou a Ilusão de Um Mar Fechado", as nove propostas de design e arquitectura e arte de “X Não É Um País Pequeno” e uma grande instalação interactiva “Earth Bits- Sentir o Planeta”. Este conjunto de exposições, todas encomendas internacionais, constituem a primeira programação da responsabilidade de Beatrice Leanza, a nova diretora do MAAT e são a concretização da sua ideia dos novos eixos da programação e utilização do edifício, colocando em primeiro plano questões de carácter social, ambiental e geopolítico.
O SOM DA SAUDADE - Rhiannon Giddens, americana, e Francesco Turrisi, italiano, têm um percurso musical comum - ela no banjo, ele no acordeão e percussão. Ambos vivem na Irlanda, longe dos respectivos países, e o novo disco tem um título que retrata a emoção e intensidade que passa pelas 12 canções do novo álbum, "They're Calling Me Home”. Este é um disco sobre a saudade, sobre a vida e a sua precariedade. Nasceu e reflecte o espírito que Giddens e Turrisi sentiram durante esta pandemia que mudou o curso das suas vidas de uma forma que não teriam imaginado antes de 2020. As inspirações musicais vão do bluegrass ao folk anglo-saxonico, a canções tradicionais americanas, passando pelas tradições musicais italianas. Pelo meio existem alguns temas originais e é neles que mais se encontram as questões colocadas por estes tempos e pelo confronto com a possibilidade da morte. Há versões fantásticas como a que encerra o disco, uma revisitação de “Amazing Grace”, a forma como abordam “When I Was In My Prime”, um original dos Pentangle, ou ainda a incursão pelo século XVII e Monteverdi em “Si Dolci è’l Tormento “. Logo nos primeiros momentos do disco, na faixa-título “Calling Me Home”, a voz de Giddens destaca-se e transmite uma emoção incontornável. Ao longo de todo o disco o banjo, o acordeão e a percussão que são a imagem de marca da sonoridade de Giddens e Turrisi, evidenciam que a simplicidade é muitas vezes a melhor conselheira e a melhor forma de transmitir emoções. Disponível no Spotify.
POEMAS DE AMOR - A poetisa grega Safo nasceu na segunda metade do século VII a. C., na ilha grega de Lesbos. Educada num meio aristocrático, os fragmentos da sua poesia são o testemunho da primeira autora da literatura europeia e considerados a síntese da perfeição lírica na Antiguidade. Nos seus versos é possível entrever o encantamento e o sofrimento amorosos, uma tensão constante entre juventude e velhice, marcados por um erotismo cuja aura chegou até hoje. Dos onze ou doze mil versos que são atribuídos à poetisa grega, chegaram até nós apenas uma ode completa e cerca de 200 fragmentos. Eugénio de Andrade dedicou muita atenção à obra de Safo e trabalhou as suas traduções. Foram esses 200 fragmentos que serviram de base para "Poemas e Fragmentos”, um olhar sobre a poesia de Safo pela mão de outro poeta. A nova edição retoma a versão revista em 1977 por Eugénio de Andrade que sobre a obra assinalou no texto de abertura: "os versos incomparáveis onde a experiência íntima e devastadora da paixão, aliada a um sentimento muito vivo da natureza, é comunicada sem ênfase e sem patetismo, com uma naturalidade até então desconhecida, e que a poesia ocidental não terá voltado a conhecer". E na mesma nota de abertura da obra, Eugénio de Andrade argumenta que a sua tradução é um ato de amor, sendo Safo uma das suas "fascinações mais antigas". Diz ainda Eugénio de Andrade que esperava que "o perfume a violetas das tranças de Safo" não estivesse de todo ausente dos versos por si traduzidos. "Os seus poemas de amor dirigiam-se frontalmente a mulheres", recorda ainda Eugénio de Andrade, o que terá levado séculos depois a sua poesia, reunida em nove livros, a ser destruída pelos cristãos dos séculos IV e XI.
PERDIZ EM BRIOCHE - Ao fim de tantos meses a inventar alternativas de refeições que proporcionem alguma variedade a imaginação acaba por se esgotar. Estamos em casa com saudades de nos sentarmos à mesa de um restaurante, por mais modesto que seja, e sermos surpreendidos com um petisco ao qual não nos abalançamos. Esta semana Miguel Esteves Cardoso relatava na sua coluna diária a alegria de encontrar jaquinzinhos com arroz de tomate. Serve isto para dizer que à medida que o confinamento avançou o recurso a coisas simples foi crescendo. Aproveitando estes dias mais temperados e a circunstância de alma gentil me ter oferecido um brioche em pão de forma, uma iguaria de múltiplas utilizações, ocorreu-me que um patê seria a sua companhia perfeita. Com recurso a uma lata de patê de perdiz da marca Do Monte, elaborado em Penha Garcia, saíu um jantar leve e petisqueiro. Este patê de perdiz tem boa consistência e melhor sabor e acompanha muito bem a massa do brioche - como era do dia nem precisou de ser aquecido. Foi acompanhado pelo tinto Dois Terroirs, de Cortes de Cima, da Vidigueira, com as castas aragonês, syrah e pinot noir. Devo dizer que deu muito boa conta do recado. Patê e vinho vieram desse local de boas surpresas que é a rua Acácio Paiva, em Alvalade - no caso da loja “dois dedos de conserva”.
DIXIT - “Este Juiz ou é ingénuo, ou faz-se de ingénuo, ou vive num mundo à parte. Em qualquer um dos casos um homem assim é um perigo à solta” - Marques Mendes, sobre Ivo Rosa.
BACK TO BASICS - “Um juiz é um estudante de direito que faz o enunciado dos seus próprios exames” - H. L. Mencken
(A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS)
LÁ VAI LISBOA - As eleições autárquicas são aquelas onde os eleitores se podem sentir mais próximos dos eleitos e, teoricamente, a governação feita nas autarquias, mais do que qualquer outra, deveria ter em consideração os desejos das pessoas e a existência de uma relação de proximidade. Lisboa é um caso gritante de abuso dos Paços de Concelho, que só não se revela pior graças à acção de várias juntas de freguesia que se preocupam, essas sim, com o bem estar das pessoas que lá vivem. Peguemos por exemplo na modernização administrativa. É inegável que a nível da administração central as coisas estão mais fáceis e fluídas e diminuiu, em muitas áreas, a burocracia. No entanto, numa cidade como Lisboa, é o contrário que acontece: a burocracia parece que aumenta a cada passo e apesar de muitas promessas de Fernando Medina, o licenciamento de obras continua a ser uma lotaria, as demoras são insuportáveis, os critérios não são uniformes. Em algumas áreas os serviços centrais da autarquia servem para sustentar o poder e não para servir os cidadãos - e essa é uma das maiores falhas da gestão de Medina. Mas pior ainda é, com o argumento de contornar a burocracia, a substituição de eleitos por nomeados - concentrando demasiadas funções e decisões em empresas como as Sociedades de Reabilitação Urbana, a EMEL ou a EGEAC, que aumentaram de poderes, competências e falta de controlo durante os últimos anos. Elas não são escrutinadas pelos eleitores, apenas pelos responsáveis políticos que as nomeiam. E hoje em dia poucos são os que não reconhecem que a gestão de Medina trabalhou mais para fazer uma cidade virada para fora e para quem a visita do que para dentro e para quem cá vive. Nada disto - decisões tomadas por não eleitos, aumentos de taxas, decisões contra os interesses locais de munícipes - foi a votos nas anteriores eleições. Mas é bom que, nas próximas autárquicas, quem concorre diga ao que vem.
SEMANADA - Três antigos assessores presidenciais, de diferentes quadrantes políticos, criticaram a decisão política de Marcelo Rebelo de Sousa no caso da Lei dos Apoios Sociais; João Ferreira, do PCP, que tem sido o candidato indicado pelo seu partido para vários cargos, está a iniciar a sua sexta campanha eleitoral nos últimos oito anos; segundo associações empresariais do sector do calçado em 2020 houve uma quebra de venda de cinco mil milhões de pares de sapatos a nível mundial; um estudo realizado pelo Sexlab, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, concluíu que quase metade dos inquiridos (47%) fizeram menos sexo durante a pandemia e 40% deram conta de uma diminuição da satisfação sexual durante o mesmo período; em 2020, segundo a APAV, 23 mulheres, 4 homens, 5 crianças e 4 idosos por dia foram vitimas de violência doméstica; desde o início da pandemia, mais de 116 mil pessoas foram já empurradas para o desemprego e o segundo confinamento agravou o desemprego em 78% dos concelhos do país; o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2020 indica que a ciberespionagem cresceu no ano passado em Portugal - China e Rússia estão entre os países suspeitos; mais de metade (54%) dos portugueses ficaram em casa desde sexta-feira até domingo de Páscoa, uma diminuição em relação a 2020, quando 74% dos portugueses respeitaram o dever de confinamento; por causa da pandemia houve uma diminuição de 21% de transplantes de orgãos em 2020 e mais 24 pessoas morreram no ano passado enquanto aguardavam um transplante.
ARCO DA VELHA - Vários dias depois do início da venda de testes rápidos em farmácias os formulários para reportar os resultados desses autotestes não estavam disponíveis.
MOLDER EM CINCO SÉRIES DE ÉPOCAS DIFERENTES - Esta foi a semana de abertura de museus e galerias. Até 3 de Outubro poderá ver, no mezanino da Biblioteca de Serralves, uma seleção de fotografias de Jorge Molder feita a partir do vasto conjunto de obras do artista que fazem parte do acervo da Fundação. São apresentadas fotografias das séries “T. V.” (1995), “La Reine vous salue” (2001), “Tangram” (2004/08), “Call for Papers” (2013) e ainda “Zizi” (2013). O trabalho de Molder é conhecido sobretudo pelas suas fotografias a preto e branco, em que o artista se auto fotografa (apenas o rosto, corpo inteiro ou as mãos) vestindo habitualmente fato escuro e camisa branca, ideia que é contrariada pelas duas séries mais recentes. As referências provenientes da literatura, do cinema, da música ou da história da arte, bem como o quotidiano, vida e a sua natureza incerta e imprevisível, são fundamentais na sua obra, na medida em que podem constituir o ponto a partir do qual se pode derivar e construir algo. Como a exposição tem lugar na Biblioteca, a mostra é complementada com um conjunto de referências bibliográficas importantes para o artista disponíveis para consulta e com a apresentação de alguns dos seus livros e catálogos de exposições. A curadoria é de Isabel Braga. A fotografia aqui reproduzida, do cartaz da exposição, é da série “Tangram”. Ainda em Serralves permanece até final de Junho a exposição dedicada ao trabalho de fotografia do cineasta Manoel de Oliveira. E, ainda no Porto e na fotografia, destaque também para a Galeria Salut Au Monde (R. Santos Pousada 620), até 8 de Maio, poderá ser visto o novo trabalho de Tito Mouraz, “Mergulho”, uma coleção de fotografias instantâneas tendo como ponto de partida as paisagens açorianas.
CANÇÕES AMERICANAS - Durante muito tempo torci o nariz à música country. Era um preconceito, reconheço, descabido ainda por cima. Os programas de rádio que Jaime Fernandes fez durante vários anos espicaçaram-me a curiosidade o suficiente para querer saber mais. Um dos nomes que descobri neste percurso foi o de Loretta Lynn, que agora está a fazer 89 anos e que tem uma carreira de seis décadas. Em 2002 ela lançou um livro com as suas memórias, “Still Woman Enough”, e agora um álbum com o mesmo nome, o seu 50º em estúdio, que revisita a sua carreira através de novas gravações de standards da country music, de êxitos seus e de um original, que dá o título ao álbum e que é a faixa de abertura, na qual é acompanhada por duas convidadas de peso na country - Reba McEntire e Carrie Underwood. A canção - e o disco - relatam a carreira e a vida de Loretta Lynn desde o Kentucky até se tornar num dos grandes nomes da música popular americana. O álbum é co-produzido por John Carter Cash e pela filha de Loretta, Patsy Lynn Russell e nas suas 13 faixas encontramos interpretações de êxitos da carter Family e de Hank Williams, além de originais seus e êxitos popularizados por outros nomes da country. Os arranjos são simples, deixando espaço à voz de Loretta Lynn, como aliás se pode ver em “I Saw The Light”, um tema de Hank Williams ou em “Keep On The Sunny Side” e “I’ll Be All Smiles Tonight”, da Carter Family, privilegiando instrumentos acústicos. Já na versão do clássico “Honky Tonk Girl”, Loretta faz-se acompanhar por vários músicos, no tema que mais se aproxima do som de Nashville. “I know how to love, lose, and survive,” canta Lynn em “Still Woman Enough” e dificilmente uma canção poderia resumir melhor uma vida como a sua.
TEORIA POLÍTICA - “Que acontece à política e às suas instituições específicas quando o ambiente tecnológico se altera desta maneira? Que transformações políticas associamos à robotização, à digitalização e à automatização?” - esta é uma das muitas perguntas a que “Uma Teoria da Democracia Complexa”, o novo livro de Daniel Innerarity, vai respondendo, com hipóteses e raciocínios. Innerarity foi considerado pela revista Le Nouvel Observateur como um dos 25 pensadores mais influentes da atualidade e nesta obra, agora editada em Portugal e que que esgotou em dois dias em Espanha, o filósofo e investigador defende que a grande ameaça à democracia moderna é a simplicidade dos conceitos políticos que tomámos de empréstimo, ignorando a complexidade crescente em que a nossa organização social se desenvolveu. O autor sublinha que já não se trata de enfrentar os desafios dos séculos XIX e XX, mas sim os do século XXI. Dividido em três grandes capítulos, “A Compreensão da Complexidade”, “O Governo das Sociedades Complexas” e “Democratizar A Democracia”, este ensaio aborda questões como a representatividade actual dos sistemas democráticos, o comportamento das várias gerações na política e a democracia digital, entre outros. No fim do livro, citando Ulrich Beck, Daniel Innerarity sublinha que “a política não morreu, apenas emigrou dos clássicos espaços nacionais delimitados para os cenários mundiais interdependentes”. Daniel Innerarity é catedrático de Filosofia Política e Social na Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Gobernanza Democratica.
PÃO À ANTIGA - No regresso a Lisboa uma ida ao novo mercadinho que às terças feiras acontece em Campolide, no largo de onde agora sai o eléctrico 24. Aí, além de legumes e fruta do produtor, há uma banca de pães que chama a atenção - o Pão do João. O João na realidade é Johannes Rued, um alemão que há alguns anos veio viver para Portugal e se instalou em Torres Vedras, onde faz pão feito à mão, à moda antiga, com massa mãe e com os componentes básicos: farinha, água e sal. Nalgumas variedades que foi criando incorpora frutos secos, sementes ou legumes. É sempre um produto inteiramente puro e sustentável com ingredientes 100% portugueses. O Pão do João, entrega ao domicílio em Torres Vedras, mediante contacto via as suas páginas no Facebook e Instagram, e em Lisboa aparece às terças em Campolide e ao sábado no mercado da Quinta das Conchas. Há pão integral de milho e de trigo barbela e pão foco de trigo e centeio, além de pão integral de centeio com sementes de girassol, vendidos em porções de quilo ou meio quilo. A experiência da semana foi feita com o pão de trigo barbela, que levemente torrado e devidamente untado de manteiga dos Açores se revelou uma grande companhia de pequeno-almoço.
DIXIT - “A maior e mais triste lição que podemos retirar da actual pandemia, desde o seu início, é a forma abjecta como os seres humanos são capazes de desprezar os seus semelhantes” - António Araújo, jurista e historiador
BACK TO BASICS - “É mais fácil lutar por princípios do que viver de acordo com eles “ - Alfred Adler, fundador da psicologia do desenvolvimento individual.
QUEM VÊ TV? - Segundo a Anacom, no final de 2020, em cada 100 famílias 88 eram subscritoras de serviços em pacote de um dos operadores de telecomunicações, um aumento de 4,4% em relação ao ano anterior. Isto quer dizer que quase 90% dos lares portugueses têm acesso a um conjunto alargado de canais de televisão, além dos generalistas de acesso livre - RTP1 e 2, SIC e TVI. Os dados recolhidos pelas entidades que medem a audiência de televisão indicam que na semana passada cerca de 49% dos espectadores não seguiram estes canais generalistas - 34% preferiram o conjunto dos canais de cabo e quase 15% estiveram na categoria “outros”, que inclui jogos on-line e sobretudo os serviços de streaming, como a Netflix, Disney ou HBO, que têm vindo a crescer. Ao fim de semana a tendência para sair dos generalistas ainda é maior: No sábado passado, por exemplo, os canais de cabo foram seguidos por 37% dos espectadores e na categoria “outros” estiveram 18%: feitas as contas 55% dos espectadores preferiram estar fora dos generalistas. É curioso também ver que género de programas têm maior audiência. Se fizermos as contas, desde o início deste ano, nos dez programas que obtiveram maior audiência os nove mais vistos foram transmissões de jogos de futebol e o décimo foi o debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura. O jogo mais visto foi o Porto-Juventus para a Liga dos Campeões com 2,4 milhões de espectadores. Tirando o futebol o programa que regularmente tem tido maior audiência tem sido Isto É Gozar Com Quem Trabalha e na semana passada a entrevista de Ricardo Araújo Pereira a Carlos Moedas alcançou praticamente 1,4 milhões de espectadores, à frente das novelas, do Big Brother, de Hell’s Kitchen ou All Together Now. No cabo o domínio da CMTV é avassalador ocupando o primeiro lugar há 50 meses. Em matéria audiovisual, termino com uma curiosidade fresquinha: o Primeiro Ministro espanhol anunciou esta semana o lançamento de um plano de investimento no audiovisual no valor de 1.6 mil milhões de euros que se destina a fomentar a produção audiovisual espanhola e a atrair produtores internacionais a irem filmar em Espanha. Chama-se a isto desenvolver uma indústria. A da televisão.
SEMANADA - Nos últimos 45 anos fecharam mais de mil quilómetros de linhas ferroviárias, e três capitais de distrito, Viseu, Vila Real e Bragança ficaram sem acesso ao comboio; segundo a Pordata em 2001 existiam 101,6 idosos por cada 100 jovens e em 2019 esse número tinha aumentado para 161,3; ainda segundo a Pordata em 2001 existiam 1.679.191 jovens com menos de 15 anos e em 2019 esse número tinha descido para 1.402.276; em 2001 existiam 1.705.274 pessoas com mais de 65 anos em em 2019 o número tinha aumentado para 2.262.325; em Portugal 90% dos processos de corrupção acabam sem condenação; o Governo deixou 1% da despesa pública por executar em 2020; a carga fiscal subiu de 34,5% em 2019 para 34,8% do PIB em 2020; também em 2020 o rácio da dívida pública passou de 116,8% em 2019 para 133,6% em 2020; a historiadora Raquel Henriques da Silva escreveu uma carta aberta ao Primeiro Ministro sobre a falta de condições de diversos museus e afirma que os Painéis de Nuno Gonçalves estarão durante o verão numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga sem ar condicionado ou sistema de alarme a funcionar com segurança; a partir de setembro, o mestrado integrado de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto terá uma nova cadeira, a de Introdução à Poesia, que será lecionada pelo escritor (e também médico) João Luís Barreto Guimarães.
ARCO DA VELHA - O juiz Rui Fonseca e Castro, suspenso pelo Conselho Superior da Magistratura devido às posições públicas que tomou sobre o estado de emergência, acusou o Diretor Nacional da PSP de ser um idiota e um fantoche e desafiou-o no Facebook para um combate de artes marciais mistas.
O REGRESSO DAS EXPOSIÇÕES - João Jacinto expõe desde 1987, é um artista plástico português com uma obra significativa, que integra diversas colecções portuguesas e estrangeiras, institucionais e particulares. Em 2010, a propósito de uma exposição na Galeria Fernando Santos, no Porto, o crítico Óscar Faria descreveu assim a obra de joão Jacinto: “As diversas declinações a que o artista sujeita as suas obras provêm de um mesmo exercício: testar os limites estruturais de uma obra que ora se afasta de um centro para evocar uma paisagem - abstracta, é certo -, ora se aproxima de uma fisicalidade determinada pela acumulação de matérias, ora assume uma vontade de abarcar outros territórios, dirigindo-se, sem medo, ao exterior de si, e aceitando o erro e a justaposição como elementos de composição. As pinturas, por vezes, são viradas do avesso, outras expõem a sua nudez, mas é sobretudo a sua dimensão corpórea, colorida, excessiva, que aqui importa”. A imagem que aqui se reproduz é de uma das duas dezenas de obras da sua nova exposição, “Solfatara”, que inaugura dia 6, para a semana na Galeria 111, no Campo Grande. Os preços variam entre 1672,50 € para as obras mais pequenas, de 50x42 cms e os 11.150€ para as maiores, de 180x163 cms. Com o desconfinamento as galerias começam pois a abrir e no dia 5, na Galeria Vera Cortês, em Alvalade, inaugura “então aquilo que” de Gonçalo Barreiros. A Galeria Filomena Soares irá reabrir ao público no dia 6 de Abril, com as exposições "Shell Game", de Andreia Santana e Anna-Sophie Berger, e "Places of War" de Daniel Nave. No dia 5 de Abril o MAAT abre três novas exposições - “Aquaria” sobre a relação com o mundo marinho com curadoria de Angela Rui, “X Não É Um País Pequeno” baseada em nove instalações e “Earth Bits” sobre o impacto da acção humana no planeta. A terminar uma novidade sobre a ARCO Lisboa - este ano, se a pandemia o permitir, a ARCO Lisboa regressa mas em Setembro, e num novo local, a Doca de Pedrouços.
O SOM DA PROMESSA ALCANÇADA - Sam Shepherd é um DJ e produtor discográfico com pergaminhos, conhecido como Floating Points. Nos seus sets de DJ muitas vezes recorria a temas do saxofonista de jazz Pharaoh Sanders. Agora Sheperd, com 34 anos, juntou-se com Sanders, de 80, e pôs de pé um projecto intitulado “Promises”. Trata-se de uma obra de 46 minutos, em nove movimentos, composta para saxofone, teclados, electrónica e uma secção de cordas de 29 músicos da London Symphony Orchestra. Trata-se da mais significativa gravação de Pharaoh Sanders nos últimos sete anos e aqui se ouve bem a sua capacidade de transmitir emoções através do seu saxofone tenor - notas prolongadas, entoações que se misturam com as sonoridades eletrónicas criadas por Shepherd, solos curtos e vibrantes que se entrelaçam com a secção de cordas. É um disco misterioso, envolvente. Na realidade é a magia musical de Pharaoh Sanders que junta todas as peças deste disco. Numa entrevista de Outubro do ano passado à revista New Yorker, Sanders dizia que se dedicava mais nesta fase da vida a ouvir o que se passava à sua volta do que a ouvir gravações - desde as ondas do mar ao ruído dos aviões ou à cadência dos comboios. O trabalho com Shepherd, que produziu o álbum, prolongou-se durante um ano praticamente. E o resultado final é um daqueles momentos de música aos quais queremos sempre voltar. "Promises'' está disponível nas plataformas de streaming.
ESCRITAS INTEMPORAIS - “Esteiros”, um romance de Soeiro Pereira Gomes publicado originalmente em 1941, é considerado um elemento marcante da história portuguesa do século XX e uma das grandes obras literárias do neo-realismo. Soeiro Pereira Gomes, foi regente agrícola e dirigente do PCP e morreu em 1949, com 40 anos de idade. “Esteiros” é passado no Ribatejo e a sua acção centra-se na vida de cinco rapazes, “os filhos dos homens que nunca foram meninos”, como diz a dedicatória que abre o romance. “Esteiros”, esclarece o autor que conhecia bem a região onde situou o livro, são “minúsculos canais como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo”. Para assinalar os 80 anos da sua publicação original a Quetzal fez uma belíssima nova edição de “Esteiros” e Francisco José Viegas, no texto de introdução, escreve que esta obra é um “emblema da nossa literatura politicamente comprometida” mas “ultrapassa largamente a sua inegável vocação de instrumento político”. Sublinha ainda que “graças à qualidade da escrita de Soeiro Pereira Gomes e a um conhecimento detalhado daquele mundo real sobre o qual escreve”, o romance “ultrapassa o quadro de representações ideológicas a que estaria destinado numa leitura estritamente política”. O livro relata vidas difíceis a que ninguém quererá voltar, “degradantes condições de trabalho e de emprego” como Viegas bem sublinha - uma ideia que convém reter nestes tempos em que estamos.
SIMPLES E BOM - Um amigo meu, com quem trabalhei muitos anos, diz que sem conservas de atum a sua vida seria mais difícil. Tenho tendência a partilhar essa opinião. Não se assustem que hoje não vou falar de empadão de arroz e ovos mexidos com atum. Mas proponho uma receita com inspiração italiana que já me deu várias boas refeições. É rápida e fácil e estas quantidades são para duas/ três pessoas, dependendo do apetite e dieta em curso. Trata-se de esparguete com atum, mas com um toque para as coisas ficarem mais interessantes. Primeiro escorrem-se duas latas de atum em azeite, uma dúzia de tomates cherry cortados ao meio, três ou quatro anchovas de lata desfeitas aos pedaços, uma colher de sopa bem servida de alcaparras escorridas e um pouco de azeite de boa qualidade. Mistura-se tudo bem, tempera-se com sal e pimenta a gosto e deixa-se repousar uma meia hora. Coze-se o esparguete em água abundante, bem salgada. Quando estiver “al dente'' escorre-se, volta para o tacho e deitam-se por cima todos os outros ingredientes que ficaram a repousar. Mistura-se muito bem, rectifica-se o tempero e deitam-se por cima folhas de manjericão cortadas aos pedaços. Serve-se imediatamente. Um rosé acompanha bem.
DIXIT - “O Estado não é forte demais. É fraco e pesado. É frágil. Só é forte nos obstáculos que cria. E para favorecer os seus” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Pensem de forma elaborada mas comuniquem com linguagem que as pessoas entendam” - William Butler Yeats.
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