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A DIREITA - Aqui há uns anos a esquerda portuguesa reformulou-se e o Bloco foi o grande obreiro desse movimento. Inicialmente à esquerda do PCP, acabou por se alojar entre PS e PC e foi habilidosamente alargando esse espaço. Pegou em novas bandeiras de acordo com os tempos, trouxe um léxico diferente para a política e novos protagonistas. Foi o Bloco, mais que o PS, que dinamizou o motor da geringonça e perceber isso foi a arte de António Costa. E foi o Bloco quem mais se aproveitou, explorando a necessidade de António Costa, e, sobretudo, alimentando o flirt que tem mantido com a ala esquerda do PS, visível no namoro descarado a Pedro Nuno dos Santos. Enquanto o Bloco conseguiu ser um iman à esquerda, à direita campeia a desagregação. O PSD perdeu identidade e posicionamento, como oposição tem sido um falhanço sob a batuta de Rio, da mesma maneira que o CDS, que em dado momento cresceu, entrou numa fase minguante de onde não parece ser capaz de sair. As novas forças surgidas desse lado do espectro político levantam em doses iguais curiosidade e repulsa nos eleitorados que não são de esquerda. O centro direita desapareceu, vencido pela direita e o populismo, e as sondagens mostram que assim o futuro sorri a Costa. Como se viu no encontro do MEL - Movimento Europa e Liberdade - há demasiados galos para esta capoeira. E não há nenhum discurso mobilizador a não ser aquele que menos interessa, baseado na demagogia e no ódio. À direita falta um líder, um político agregador, visionário, apostado no progresso e não no regresso. Teme-se o pior.
SEMANADA - A Agência Portuguesa do Ambiente não aprovou a construção de uma ponte pedonal de madeira para acesso à praia de Cabanas, hoje em dia apenas assegurado por barcos com motores poluentes; começaram as obras de construção de um hotel com 128 quartos e sete pisos acima do solo no antigo Convento das Mónicas, local inscrito na Carta Municipal do Património, numa Zona Especial de Protecção, projecto aprovado quando Manuel Salgado era vereador do urbanismo da Câmara de Lisboa, em despacho da sua autoria, sem discussão em reunião de Câmara; o programa de compras de dívida e outros activos engordaram o balanço do Banco de Portugal que vale agora 192 mil milhões de euros, quase tanto como o PIB anual do país; em 2020, ano em que Mário Centeno iniciou o seu mandato de Governador do Banco de Portugal, as compras líquidas de obrigações do tesouro português mais do que quadriplicaram; o presidente do Tribunal de Contas foi chamado ao Parlamento na sequêncvia de indícios de que a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, sob a tutela de Eduardo Cabrita, prestou alegações falsas ao TC sobre pagamentos a empresas que prestam serviços à rede de comunicações de emergência, o SIRESP, cujo contrato tem 47 anexos, dez deles secretos; a EMEL encomendou em 2019 um estudo sobre o estacionamento em Lisboa que ainda não tem data para ser divulgado; o Estado passou a deter 97,8% da TAP e o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou ilegal a ajuda de 1200 milhoes de euros do Estado à companhia aérea no ano passado; a PSP sugeriu alterações ao conteúdo e diálogos de uma série de televisão e, face à recusa dos autores em fazer essas alterações, bloqueou o aluguer de fardas para as filmagens, cuja entrega chegou a estar agendada.
ARCO DA VELHA - Um homem que arrastou a mulher pelo pescoço na rua foi absolvido porque uma juíza do tribunal de Paredes considerou não haver crueldade suficiente para o acto ser considerado violência doméstica.
ARTE INTERROGATIVA - Cristina Ataíde mostra até 26 de Junho, na Galeria Diferença, obras feitas em diversas épocas. A série de esculturas agora expostas data de 1994, mas os desenhos, quer os que estão colocados na parede, quer os que integram o livro de artista que acaba por ser uma peça marcante da exposição, são de 2021. E existe um desenho em papel chinês, suspenso, intitulado “Yes I Am!” , feito entre 2015 e 2021. Boa parte das esculturas integravam a exposição “Oposições” que Cristina Ataíde fez em 1994 na Galeria Graça Fonseca. Três décadas depois as esculturas aparecem de forma diferente em “Who Am I? Who Are You?”, com curadoria de João Silvério, um título que, segundo a artista, relaciona a duplicidade e a diferença com a proximidade e a cumplicidade. O livro de artista é baseado num questionário, que os visitantes da Galeria são convidados a preencher, cada página de questionário acompanhada por um desenho inspirado nas imagens dos testes de Rorschach. Esta é uma exposição de peças marcantes, que, entre si, mostram os eixos maiores do trabalho da artista e a sua permanente evolução ao longo do tempo. Outro destaque: inserida no conjunto de eventos ligados à comemoração do centenário do nascimento de Ernesto de Sousa, um dos mais importantes artistas portugueses do século XX, criador de uma obra multidisciplinar e responsável pela divulgação da obra de muitos outros artistas, o Museu Nacional de Arte Contemporânea apresenta “Meu Amigo - Obras e Documentos da Colecção Ernesto de Sousa”, que estará patente até 26 de Setembro proporcionando o cruzamento entre documentação e obras de arte que foram oferecidas a Ernesto de Sousa, ao longo da vida, por alguns dos mais relevantes artistas nacionais e internacionais, entre as décadas de 40 e 80 do século XX. São cerca de 124 obras, de 62 artistas: pintura, desenho, gravura, escultura, fotografia, objetos e documentação diversa, do neo-realismo à década de 80, de Almada Negreiros a Wolf Vostell passando por Joseph Beuys.
OUTROS TEMPOS - “O Homem Do Casaco Vermelho” é o novo romance de Julian Barnes, agora editado em Portugal. Tudo começa no verão de 1885 quando três cavalheiros franceses chegam a Londres: um era príncipe, outro era conde e o terceiro era um plebeu com apelido italiano. Este último, Samuel Pozzi, médico da melhor sociedade, pioneiro da ginecologia moderna e livre-pensador, com uma vida privada conturbada, era acompanhado pelo conde Robert de Montesquiou e pelo Príncipe de Polignac. O título do livro vem do retrato de Pozzi, pintado em 1881 por John Singer Sargent e que está na capa da obra. Nenhum era muito conhecido fora do círculo social parisiense, mas cada um deles alcançaria um certo grau de notoriedade e contentamento nos anos seguintes. “O Homem do Casaco Vermelho” é um esclarecedor e bem documentado retrato da Belle Époque e de um homem à frente do seu tempo. Pozzi era nas palavras da Princesa do Mónaco “irritantemente bonito” e aproveitava-se bem disso. Ao longo da narrativa surgem personagens como Sarah Bernhardt, com quem Pozzi teve um caso. Esta nova obra de Julian Barnes defende que foi a frutuosa e duradoura troca de ideias através do Canal da Mancha que criou a grandeza da Europa. Como The Guardian escreveu, “Barnes liberta-nos da superficialidade do presente e lembra-nos que sabemos sempre menos do que pensamos que sabemos”. Segundo o próprio autor, ao escrever este livro ele mergulhou na sociedade parisiense da Belle Époque, “distante, decadente, desordenada, violenta, narcisista e neurótica”, em parte como sinal da desilusão que para ele foi o que classifica como a saída masoquista da Grã Bretanha da União Europeia.
REVISÃO DA MATÉRIA DADA - Chrissie Hynde, a carismática voz e líder dos Pretenders, é uma fã de Dylan. Em 1984 esteve ao seu lado em Wembley a cantar “It’s All Over Now, Baby Blue” e em 91 fez uma versão de “I Shall Be Released” que o próprio Dylan elogiou. Pois bem, durante o confinamento Hynde decidiu pegar em canções menos conhecidas de Dylan, juntou nove delas, e gravou um álbum com uma produção simples e crua, com a ajuda do guitarrista James Walbourne, a que deu o título de “Standing In The Doorway”. A quase totalidade das canções escolhidas de Dylan vem da primeira metade dos anos 80, como a muito politicamente incorrecta “Sweetheart Like You”, que hoje facilmente levará o rótulo de manifesto sexista. Da mesma época há uma canção de namoro, “Don’t Fall Apart On Me Tonight”, completamente transformada do original que Dylan gravou, inspirado no reggae. Outros pontos altos são a interpretação de Hynde para “You’re A Big Girl Now" onde a voz e a guitarra acústica trazem, sozinhas, outra dimensão à versão original. “Standing In The Doorway”, a faixa título, saída do álbum de 1997 “Time Out Of Mind” tem também uma nova dimensão, entre o piano, a guitarra e a voz. E é a voz de Hynde, fora do registo original de Dylan, que torna este disco tão interessante - e que faz sobressair talvez a melhor de todas as versões aqui incluídas, “Blind Willie McTell”, do álbum “Infidels”, onde o piano, a harmónica, a guitarra acústica e o bandolim de Walbourne se encaixam na intensidade colocada por Chrissie Hynde na forma de cantar.
COZINHADO PACIENTE - O arroz negro não é fácil de cozinhar e, sobretudo, requer muita paciência. Convém lavá-lo primeiro em água corrente, e depois deixar escorrer. Eu ponho um pouco de azeite no fundo do tacho, com gengibre em lâminas finas, que salteio ligeiramente antes de adicionar o arroz. Não faz parte da receita original, mas é este o ponto em que deito um pouco de vinho branco de boa qualidade e depois mexo a deixar evaporar. Entretanto junto duas folhas de louro, sal a gosto e adiciono água, cerca do dobro da quantidade de arroz. Dou uma mexidela e tapo. O arroz negro precisa de cozer muito tempo, para o meu gosto não menos de uma hora. Tem que ser vigiado, ver se é preciso adicionar água, usar lume muito brando. Originário da China, este arroz é conhecido naquele país como o arroz proibido, por o seu uso estar reservado para os imperadores. Não o deixem cru - coisa que acontece se não tiver mesmo uma cozedura demorada. Os aromas e o sabor delicado só se libertam quando ele está bem cozido. Uma vez chegado ao ponto ideal coloco os troços de tentáculos de polvo, entretanto bem cozidos, envolvo-os bem no arroz, tempero com pimenta preta a gosto, moída na altura, desligo o fogão e tapo, deixando a repousar uns cinco minutos. No final, quando vai para a mesa, polvilho com cebolinho. Se as duas cozeduras estiverem ok - a do arroz e a do polvo - sentirão uma explosão de sabores e poderão surpreender os convidados. Como dizem cá em casa, é coisa muito instagramável.
DIXIT - “Definir-se como anti-qualquer coisa é sempre uma redução do espírito e uma armadilha de pensamento” - António Barreto
BACK TO BASICS - “A consistência é o derradeiro refúgio daqueles que não têm imaginação” - Oscar Wilde
FRUTA APODRECIDA NO PARLAMENTO - O romance da resolução do BES e do nascimento do Novo Banco já teria dado uma série de televisão nos Estados Unidos. Por aqui temos que nos contentar com as conversas na Comissão de Inquérito do Parlamento. Esta semana foi fértil em desenvolvimentos com os depoimentos do ex-Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, de um actual Vice-Governador, Luís Máximo dos Santos, do Actual Governador Mário Centeno, do actual CEO do Banco, António Ramalho, e, noutro contexto também parlamentar, do Ministro Pedro Nuno dos Santos. Começo por este último que admitiu que o PS fez mal grande parte das privatizações. Já Mário Centeno, agora Governador do Banco de Portugal, passou seis horas no Parlamento a gabar-se do bem que tinha feito na questão do Novo Banco enquanto foi Ministro das Finanças. Pertence-lhe um dos momentos mais divertidos destes dias, ao dizer que defendeu a venda à Lone Star porque “foi preciso fazer um bom banco”. E, mais adiante, disse, com o seu habitual sorriso, que nunca escondeu que havia riscos na venda: “Em abril de 2017 vim ao Parlamento e utilizei 24 vezes nessa audição a palavra risco”. Carlos Costas, ex-Governador do Banco de Portugal na altura da venda, foi mais terra a terra, comparando a operação realizada à “venda de um cabaz de fruta que está parcialmente apodrecida”. Meros pormenores quando se olha para o relatório da Deloitte e se vê que os 20 grandes devedores do Novo Banco são responsáveis por 54% das perdas totais de activos. Face a isto já nem admira que a actual administração da instituição, nomeada pela Lone Star, tenha seguido o princípio de auto-aumentar os bónus de gestão apesar dos grandes prejuízos registados - aquela curiosa situação em que se premeia a capacidade de obter maus resultados.
SEMANADA - Nos primeiros quatro meses do ano o trabalho suplementar de médicos e enfermeiros aumentou 73% face a igual período do ano passado; o número de contratos a prazo no sector da saúde subiu 90,5% no primeiro trimestre deste ano quando comparado com o período homólogo do ano passado; em Abril havia 865 mil cidadãos sem médico atribuído nos cuidados de saúde primários, dos quais cerca de 620 mil viviam na região de Lisboa; As Forças Armadas devem 53 milhões de euros a fornecedores de saúde; o Tribunal de Contas concluiu que as Parcerias Público-Privadas hospitalares “foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública, com custos operacionais por doente mais baixos e com padrões de qualidade mais exigentes”; no final de março existiam mais de 90 mil trabalhadores com contratos a termo no Estado, o número mais elevado de sempre; o número de funcionários públicos no final de Março era de 725.775, um aumento de 3% em relação ao ano anterior, o que significa que os trabalhadores da função pública representam cerca de 14% da população activa; em 10 anos a população residente reduziu 3% e a ativa reduziu 6%; os ciberataques em Portugal aumentaram 79% em 2020 em comparação com 2019.
ARCO DA VELHA - Segundo o Governo há 541 imóveis do património público que estão ao abandono e sem serem utilizados, mas diversos autarcas afirmam que a lista está incompleta.
AS COLÓNIAS - O passado colonial português é motivo de polémicas e interpretações, mas faz parte da História que é fundamental conhecer para nos situarmos no tempo e para podermos olhar para o presente de forma lúcida. O 60º aniversário do início da guerra colonial é o pretexto para duas exposições neste momento patentes em Lisboa, que ajudam a perceber como o tema pode ser abordado. Comecemos por “Herança”, de Ana Vidigal e Nuno Nunes Ferreira, no Museu Nacional de Arte Contemporânea (na imagem). Através de arquivos pessoais, os dois artistas revisitam as suas memórias familiares, a partir das heranças recebidas dos pais, que tomaram parte nesse momento da história que colocou Portugal num conflito armado com outros países, então suas colónias. São exercícios bem diferentes os de Ana Vidigal e de Nuno Nunes Ferreira - mas complementam-se: Vidigal reinterpretando a realidade da época, Nunes Ferreira metodicamente documentando a vida e a morte nesse tempo. A outra exposição está no Padrão dos Descobrimentos e é baseada no testemunho fotográfico do colonialismo português - “Visões do Império”, com coordenação de Miguel Bandeira Jerónimo e Joana Pontes. Outras sugestões da semana: no Centro Português de Fotografia a Bienal de Fotografia do Porto sob o lema”O que Acontece Com o Mundo, Acontece Connosco” e no Centro de Artes Visuais- CAV, em Coimbra, até 4 de Junho, pode ver as exposições “No More Racing in Circles – Just Pacing Within Lines of a Rectangle” de Tris Vonna-Michell e “A Temperança e o Louco” de Catarina de Oliveira.
AS IMAGENS DE ERNESTO - A colecção Ph. é uma iniciativa da Imprensa Nacional e a sua direcção editorial está bem entregue a Cláudio Garrudo, que já lançou livros dedicados a Jorge Molder, Paulo Nozolino, Helena Almeida, Fernando Lemos, José M. Rodrigues e, agora, Ernesto de Sousa. Esta é a única colecção regular dedicada à obra de autores portugueses que trabalham com a fotografia como meio de expressão artística - e é um bom exemplo do que deve ser o serviço público desempenhado por uma instituição como a Imprensa Nacional, que cria condições para que esta colecção e estas edições possam surgir. Este novo volume de Ernesto de Sousa, que surge agora em sintonia com um conjunto de iniciativas que assinala o seu centenário, é uma boa introdução ao seu trabalho. Ernesto de Sousa foi um artista com diversas actividades paralelas, todas elas centradas em descobrir e mostrar e em trazer para Portugal as tendências que se desenhavam por toda a Europa nos anos 70 e ainda 80, quando a sua actividade explodiu. Ele foi curador, crítico e ensaísta, passou pela fotografia, o cinema e o teatro. Mas no caso da fotografia, que é o eixo da colecção Ph., Ernesto de Sousa deixou uma obra marcante, documentando, vendo e interpretando. Usando a imagem pura e a imagem alterada, combinando grafismo com fotografia, mostrando a realidade mas também reinterpretando-a. Como Emília Tavares escreve no texto de abertura do livro, Ernesto de Sousa abriu” horizontes ainda hoje actuantes sobre o prodigioso significado da imagem na cultura contemporânea”.
MELODIAS DE SEMPRE - Na primavera de 1970, tinha eu 16 anos, caíu-me em cima um disco com canções como “Helpless” e “Our House”. Fazia parte de um álbum então recém editado, um LP, vinil antes de haver qualquer outra coisa. Na capa, quatro nomes: Crosby, Still, Nash & Young. Os três primeiros tinham feito um ano antes um outro álbum que foi uma pedrada no charco. Vinham dos Byrds (David Crosby), dos Hollies (Graham Nash) e dos Buffalo Springfield (Stephen Stills e Neil Young). Para mim os Buffalo Springfield eram o grande segredo escondido, o génio misterioso do rock californiano dessa época. Os quatro músicos eram quatro talentos explosivos e de dificil coexistência num único projecto. Young, para mim, era genial - e após todos estes anos continua a ser. Está na minha galeria pessoal de deuses musicais. Os quatro juntos fizeram este único disco, tiveram digressões difíceis, concertos cancelados, histórias de tudo o que possam imaginar. Mas o meu primeiro exemplar de "Déjà Vu”, com os seus dez temas, cinco em cada lado do LP, gastou-se de tanto ser ouvido. “Teach Your Children", “Almost Cut My Hair”, “Helpless”, “Déjà Vu”, "Woodstock" e "Our House” são canções únicas e marcantes. Nunca me abandonam. Dei agora por mim a perceber que se passaram 50 anos sobre a edição original do álbum. Tenho-o em todos os formatos - em vinil na edição original, copiado para cassette que andava no carro e no walkman, em CD quando apareceu o formato e, agora, em ficheiro digital. Acreditem que continuo a emocionar-me quando ouço estas canções - e não é por saudosismo: é pelas palavras cantadas, pela música tocada, pela explosão de talento que saía daquele grupo. Foram cerca de seis meses de gravação, pensa-se que à volta de 800 horas de estúdio. Agora, para assinalar o 50º aniversário, uma nova edição acrescenta 38 registos inéditos, provenientes das sessões de gravação, com várias versões de cada tema. São cinco LPs de vinil ou quatro CD’s com um LP, além de um livro. 50 anos, meio século, é muito tempo. “Wordlessly watching, he waits by the window and wonders/ At the empty place inside” - isto , “Helpless”, diz tudo, não é?
O ORIENTE É SELVAGEM - Andava já há algum tempo para experimentar o Sauvage, um restaurante que fica no Campo Pequeno e que se apresenta como um ponto de encontro de várias gastronomias, europeias e de outras procedências. Sala simpática, serviço eficiente e simpático, espaço com medidas de segurança. Era noite de quinta-feira e a casa estava mais que bem composta. Começo por constatar que éramos provavelmente os clientes mais velhos deste restaurante, que claramente está nas preferências dos mais novos que não querem apenas fast food. A ementa é curiosa e vai dos risottos a pratos orientais, passando por uma fusão tão estranha quanto bem sucedida: um nigiri de pato em que uma fatia do peito do dito é apresentada saborosamente fumada por cima do arroz. A lista tem sugestões portuguesas, que vão do arroz de lingueirão à empada de perdiz, mas o desejo de aventura levou-nos para outras paragens. Além do já referido nigiri de pato como entrada a escolha recaíu num nasigoreng de legumes e num Pad Thai de camarão - portanto uma escolha a lembrar a Indonésia e a Tailândia. O vinho a copo, um branco Ribeiro Santo, do Dão, foi sugestão da casa e fez bom par com os pratos escolhidos. O Sauvage fica na Rua António Serpa 9, quase a chegar à Avenida da República e no site sauvage.pt pode fazer a reserva. Já que estamos em maré oriental esta semana voltei por acaso e com satisfação ao Sumaya, na Rua da Escola Politécnica 40, que já tinha experimentado antes do confinamento deste ano. As suas propostas libanesas continuam a agradar.
DIXIT - “Gouveia e Melo demonstra que a captação do sistema político-administrativo pelos aparelhos partidários não apenas promove incompetentes, como afasta talento. Espero que se não esqueça a lição e que concluam que as Forças Armadas servem para alguma coisa” - José Miguel Júdice
BACK TO BASICS - “Ser curioso desenvolve a vontade de aprender e querer aprender é sempre mais importante que querer ter razão” - Jony Ive, que durante anos dirigiu o design dos produtos da Apple.
A PAISAGEM NACIONAL - O Ministro Eduardo Cabrita deu em fomentar ocupações de propriedades privadas, persistiu na sua teima, mais uma vez viu-se ultrapassado pelos acontecimentos e ficou envolvido em várias contradições, mas António Costa garantiu no Parlamento que tem um excelente Ministro da Administração Interna. Pelo seu lado, Marcelo Rebelo de Sousa demorou cerca de uma semana a afirmar que é preciso tirar consequências políticas da situação em Odemira, considerando que existem problemas na inclusão de imigrantes. A propósito, toda a gente percebe a desgraça do que se passa em Odemira menos Cláudia Pereira, Secretária de Estado para Integração e as Migrações que há um ano afirmou que “Odemira é um exemplo de integração de migrantes” mas que nas últimas semanas não deu sinal de vida. Mas a coisa não fica por aqui: Constança Urbana de Sousa, a antecessora de Cabrita na Administração Interna, que ficou conhecida pelo seu triste e cruel desempenho nos grandes incêndios de 2017, atirou-se com sanha às declarações de João Cravinho, que em 2018 tinha apresentado um plano de combate à corrupção, esquecido pelo governo de então, dirigido por José Sócrates. O mais curioso é que passados estes anos, e com o PS no poder, depois de todas as juras recentes de combate à corrupção, soube-se agora que este Governo de António Costa vai excluir do novo regime geral de prevenção da corrupção os gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania. Estamos pois conversados sobre a realidade dos factos. Nada que espante num Governo onde um dos seus membros, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, usou as palavras “estrume” e “asqueroso” para classificar um programa de informação da RTP que já colocou em causa a transparência das suas decisões na atribuição das concessões de exploração de lítio, sob a sua tutela.
SEMANADA - O impacto da pandemia no mundo do trabalho é quatro vezes maior do que aconteceu com a crise financeira de 2008; mais de dois milhões de portugueses, quase 60% dos trabalhadores por conta de outrem, têm uma remuneração mensal inferior a 800 euros; em dois anos o Estado recusou metade das candidaturas a cuidador informal; segundo um estudo da Universidade do Minho os professores consideram que o ensino à distância agravou as desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens; segundo a Marktest, durante a pandemia e a alteração nos processos de trabalho e de ensino, verificou-se um grande aumento de utilização de auscultadores, que agora são utilizados por 4,7 milhões de portugueses; desde o início da pandemia 55,8% dos migrantes viu os seus rendimentos mensais diminuídos, 53% sofreu um impacto negativo na sua atividade profissional e 32,4% estão em situação de desemprego; em 2020, durante a crise e a pandemia, a carga fiscal em Portugal aumentou para os 34,8% do PIB, um novo recorde; António José Seguro, ex-líder do PS, criticou os líderes europeus, incluindo António Costa, de “duplicidade” e de “matar a UE”; o juiz conselheiro José Manuel Quelhas disse no Parlamento que o Tribunal de Contas não tem dúvidas de que os financiamentos do Fundo de Resolução no Novo Banco são “dinheiro público” e “oneram os contribuintes”.
ARCO DA VELHA - Em 2017, Evgeny Kazarez assessorou o Banco de Portugal na venda do Novo Banco à Lone Star. Um ano depois, foi para o grupo americano, onde hoje é administrador. No Parlamento disse que não via conflito de interesses na situação.
UM NOVO CALAPEZ - “Debaixo de Cada Cor” é o título escolhido por Pedro Calapez para o conjunto de novas obras que apresenta na Galeria Belo-Galsterer (Rua Castilho 71) até 31 de Julho. São duas dezenas de obras onde Calapez explora várias técnicas, algumas delas pouco usuais na sua obra, ao mesmo tempo que regressa ao trabalho a óleo sobre tela e, noutros casos, explora possibilidades de desenho. De diferentes formatos, as obras têm valores que vão dos 975€ aos 22.755€, e as que aqui se reproduzem estão indicadas a 4.950€. Ao mesmo tempo, noutra sala da galeria está “Desarrumada”, uma nova exposição de Rita Gaspar Vieira. Outras sugestões: na Galeria Vera Cortês (Rua João Saraiva 16), Alexandre Farto, Aka Vhils, apresenta até 12 de Junho a sua exposição, “Fenestra”, uma instalação de vídeo onde fragmentos de diversas cidades são projectados nas quatro paredes da sala da galeria; na Galeria Francisco Fino (rua Capitão Leitão 76), uma exposição de fotografia de José Pedro Cortes, “Corpo Capital”, mostra até 24 de Julho uma selecção de trabalhos recentes em torno do corpo humano, da natureza e da arquitectura; na Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12) está a primeira exposição de Carlos Alexandre Rodrigues, “Shadows As Memories”, na qual o artista, a partir de uma fábrica de cerâmica, ficciona e encena peças que evocam um tribunal onde se esgrimem argumentos. Finalmente na Covilhã abriu a 14 de maio a primeira edição do Diafragma - Festival Internacional de Fotografia e Artes Visuais, que em quatro espaços da cidade apresenta até 6 de Junho trabalhos de duas dezenas de autores de seis países. Entre as presenças portuguesas destaque para Duarte Belo e Luísa Ferreira.
O DETECTIVE DOS AMORES - O caso é este: no início de 1989, em Havana, um detective cubano, Mario Conde, é acordado pelo seu chefe para investigar o desaparecimento de Rafael Morin, dirigente de uma empresa estatal, homem de carreira brilhante e futuro promissor, desaparecido desde as celebrações do Ano Novo. Coincidência: Morin fora colega de escola de Conde e a mulher do desaparecido, Tamara, fazia parte da sua lista de amores passados. A Porto Editora começou agora a editar “Quarteto de Havana”, que agrupa como o nome indica, várias histórias do detective Mario Conde, a personagem criada por Leonardo Padura. Neste primeiro volume estão “Um Passado Perfeito”, a investigação do desaparecimento de Rafael Morin, e também “Ventos de Quaresma”, o relato de como Mario Conde foi chamado para resolver o estranho homicídio de uma exemplar professora de Química do Pré-universitário que, anos antes, também fez parte da sua lista de casos sentimentais. Ao mesmo tempo, Conde conhece Karina, uma amante de jazz por quem se perde de amores. E assim, Mario Conde vive dias onde a investigação se cruza com prazeres diversos, alguns vícios, o tráfico de influências, a fraude e a lembrança dos tempos de juventude. O jornal “The Independent” sublinhou que o conjunto de romances de Leonardo Padura sobre o detective cubano Mario Conde mudou a literatura policial latino-americana. O autor nasceu em Havana em 1955, estudou Filologia, trabalhou como guionista, jornalista e crítico, mas foram as aventuras de Mario Conde que lhe trouxeram fama e proveito.
CANÇÕES DE AMOR - Volta e meia, mas é raro, uma voz de que nunca tinha ouvido falar cai-me em cima como um raio de luz. Quando essa voz é acompanhada por arranjos inesperados e inteligentes, executados por músicos virtuosos mas com sentimento (uma raridade - o mundo está cheio de gente que toca bem mas não põe alma no assunto) tudo fica ainda mais fascinante. “The Bitter Earth”, o novo álbum de Veronica Swift, é exemplar. Ela tem 27 anos, vem de uma família musical - o pai pianista de jazz e a mãe cantora. Começou a gravar e a cantar em público cedo - vai com cinco álbuns gravados em nome próprio e participou como convidada em mais uma dezena. Já recebeu prémios e reconhecimento e fez digressões com o trio de Benny Green e com Wynton Marsalis. Tem uma capacidade vocal invulgar e nos 13 temas que integram este novo disco há sobejas provas disso mesmo. Em “This Bitter Earth” ela volta ao cancioneiro norte-americano e aborda-o de forma inesperada como é bem prova a faixa título, que é também a primeira do disco. "This Bitter Earth” foi um dos grandes êxitos de Dinah Washington em 1960. Mas logo a seguir, em “How Lovely To Be A Woman” ela mostra a sua enorme versatilidade - e alguma ironia nestes tempos da era me too. Uma das suas interpretações mais poderosas neste disco é “He Hit Me (And It Felt Like A Kiss)”, que ela encara como uma canção de amor, uma balada a que a guitarra de Armand Hirsch empresta um lado de balada, longe do original das Crystals. O pianista que acompanha Veronica Swift é Emmet Cohen, e o seu papel é decisivo em toda a estrutura musical do álbum. Ouçam este “This Bitter Earth", disponível nas plataformas de streaming.
PETISCO RÁPIDO MULTI-REGIONAL- Hoje volto às receitas - não sem antes confirmar que no regresso à cidade comprovei que o Salsa & Coentros continua em grande forma e com a qualidade de sempre. Aquelas empadinhas, os ovos mexidos com túberas… é melhor não dizer mais nada. Vão lá experimentar. Mas passemos então à receita. É simples e faz-se rápido: puré de batata doce com filetes de atum de conserva em azeite virgem. Mas tem truque - que já direi à frente. Primeiro, convém que a batata doce seja de boa qualidade, de preferência com a polpa alaranjada. A ideia é uma batata doce média por pessoa. Primeiro descasca-se e parte-se às rodelas grossas e coze-se em água abundante, quando se picar bem com o garfo tira-se da água, escorre-se bem, e usando um garfo ou um esmagador, vai-se desfazendo a batata até ficar numa boa consistência - sem ser demasiado triturada. Nessa altura eu adiciono ao tacho com a batata já esmada uma colher de sopa bem medida de manteiga e misturo tudo muito bem em lume brando. No fim um pouco de pimenta preta moída de fresco e misturo bem tudo de novo. Emprato ao lado do atum (já digo qual) e polvilho o puré com cebolinho. E agora o atum: uma lata por pessoa, do açoreano Santa Catarina, variedade filete de atum temperado com gengibre (na Mercearia Açoreana existe esta marca em várias variedades). Vão ver que é uma bela refeição, rápida e cheia de sabores. Acompanha um encruzado do Dão. E remata com uns morangos de Palmela. Prato regional: batata doce de Aljezur, atum dos Açores, vinho do Dão e fruta de Palmela.
DIXIT - “Como seria bom que a actual direcção do PSD, de vez em quando, pelo menos, apresentasse trabalho digno dese nome. Mas deve ser pedir muito” - Paula Teixeira da Cruz.
BACK TO BASICS - A educação é aquilo que fica depois de se esquecer o que foi ensinado - B. F. Skinner, psicólogo e filósofo norte-americano.
PARA QUE SERVE UMA COLIGAÇÃO? Creio que a ideia de uma coligação pré-eleitoral é garantir que os partidos que a integram tragam os seus melhores elementos para a lista de candidatos, contribuindo para que o objectivo de vitória nas urnas possa ser alcançado. Seria pois de esperar que o CDS, integrante da coligação que apoia a candidatura de Carlos Moedas à Câmara Municipal de Lisboa, trouxesse para o núcleo duro da contenda eleitoral aquele que foi o mais destacado vereador da oposição ao longo dos mandatos de Medina - João Gonçalves Pereira. Sem querer menorizar os evidentes méritos de Assunção Cristas nas últimas autárquicas de Lisboa, o resultado que ela obteve deveu-se muito ao conhecimento que João Gonçalves Pereira tem da cidade e dos seus problemas. Acontece no entanto que Gonçalves Pereira não é da facção de quem agora manda no CDS, Francisco Rodrigues dos Santos. E, por isso mesmo, o actual líder do CDS já deu sinais públicos de que não queria Gonçalves Pereira envolvido na próxima e dura disputa autárquica na capital. Eu tenho uma grande dificuldade em perceber estas coisas: porque é que os partidos políticos, em vez de se basearem em guerras internas, não se baseiam no reconhecimento do mérito e eficácia dos seus quadros? Fazem destas e depois queixam-se de que as pessoas não confiam nos políticos. As perguntas às quais o actual líder do CDS deve responder, são estas: qual a ideia de participar numa coligação se não se faz tudo para alcançar a vitória? Francisco Rodrigues dos Santos quer mesmo derrotar Medina, ou prefere ajudá-lo?
SEMANADA - Diogo Lacerda Machado, amigo e conselheiro do Primeiro-Ministro, é consultor de uma empresa britânica que tem um projecto de 3,5 mil milhões de euros em Sines, curiosamente anunciado com pompa por António Costa no passado dia 23 de Abril; uma sondagem recente indica que dois terços dos portugueses não confiam na justiça nem nos juízes; a meta estabelecida pelo Primeiro Ministro para entregar 26 mil casas a famílias carenciadas em Abril de 2024 vai derrapar mais de dois anos para o terceiro trimestre de 2026; o número de imigrantes em Portugal é agora cerca de 660 mil, mais setenta mil do que antes da pandemia; mais de 700 mil famílias deixaram de pagar os créditos no ano passado; a compra de automóveis está 40% abaixo do nível pré-covid; a adesão a contas bancárias de custo reduzido disparou 25% em 2020; segundo a Marktest no último ano duplicou o uso de apps em telemóvel para encomendar refeições; o Tribunal de Contas encontrou deficiências nos mecanismos de controlo dos pagamentos efectuados ao Novo Banco pelo Fundo de Resolução, na dependência do Banco de Portugal; a gestão do Novo Banco pretende receber um prémio de 1,9 milhões de euros depois de no exercício de 2020 ter registado um prejuízo de 1329 milhões; a dívida pública portuguesa alcançou novo máximo no final de Março, atingindo 275,3 mil milhões de euros; uma sondagem recente indica que só 10% dos portugueses consideram que vivem em plena democracia; em Portugal cerca de metade dos alunos de 15 anos não sabe distinguir factos de opiniões revela um relatório da OCDE.
ARCO DA VELHA - O Governo escondeu durante vários dias 1738 páginas de informações detalhadas sobre reformas e investimentos previstos no Plano de Resiliência, com datas e objectivos, entregues em Bruxelas, mas que só foram divulgadas em Lisboa após pressão pública.
UM LONGO MISTÉRIO - “Tinta Simpática”, o novo livro de Patrick Mondiano agora editado em Portugal, foi publicado originalmente em 2019 e relata a investigação feita por um detective, Jean Eyben, sobre o desaparecimento de Noelle Lefebvre. A investigação parte de um cartão de identificação junto dos correios, que permitiria a Noelle levantar correspondência que lhe fosse endereçada para a posta restante. Um cartão com uma fotografia desvanecida, um nome e um carimbo dos correios eram a única pista que tinha. O jovem detective, então no início da carreira, falou com a porteira do prédio, foi verificar se existia correspondência, sentou-se no bar da vizinhança onde ela costumava ir. Zero pistas em todos os lugares. Ninguém a havia visto recentemente. Patrick Modiano, 75 anos, nasceu perto de Paris, escreveu para cinema, ganhou diversos prémios literários em França, incluindo o Goncourt, e em 2014 recebeu o Nobel da Literatura. Neste “Tinta Simpática” o autor mantém os leitores suspensos num mistério contínuo: uma mulher desapareceu, volatilizou-se em Paris, num caso que, mesmo 30 anos depois, continua a assombrar o detetive contratado para a encontrar. E o seu insucesso e frustração fazem-nos compreender até que ponto somos prisioneiros do nosso passado.
DIZER POESIA - Marianne Faithfull é uma sobrevivente e não apenas musicalmente. Há uns anos lutou contra um cancro e, na primavera de 2020, esteve em estado crítico durante três semanas, nos cuidados intensivos, com Covid-19. Quando contraíu o vírus estava a começar a trabalhar no seu novo projecto com o produtor dos Radiohead e a colaboração de Warren Ellis, dos Bad Seeds. Trata-se de uma viagem pelos poemas românticos do século XIX que a marcaram, ainda estudante, no início dos anos 60, antes da sua viagem alucinante pelos bastidores e palcos do rock. O projecto deu num álbum, agora editado, “She Walks In Beauty”. Marianne Faithfull lê obras de Byron, Keats, Shelley, Tennyson, Wordsworth e Hood, ao todo onze poemas, com um pano de fundo musical delicadamente construído por Warren Ellis e a participação ocasional de nomes como Nick Cave, Brian Eno e Vincent Ségal. A sua voz é forte, a interpretação dos poemas é contida, mas marcante, com uma entoação envolvente. As paisagens sonoras desenhadas por Ellis nunca se sobrepõem à voz de Marianne Faithfull e procuram enquadrar e destacar a interpretação que ela faz dos poemas. A forma perturbante como ela diz “Ozymandias”, de Shelley, mostra a sua enorme capacidade. E vale a pena ver o vídeo disponível no YouTube para o poema de Lord Byron que dá o nome ao álbum, “She Walks In Beauty”. Os dois anteriores discos de Faithfull, “Give My Love To London” de 2014 e “Negative Capability” de 2018 já a tinham mostrado em grande forma e agora esta inesperada viagem pela poesia romântica, aos 74 anos, é um exemplo de como o talento pode ultrapassar todas as dificuldades. Disponível em CD e streaming e ainda numa edição especial em Vinil que inclui um pequeno livro com todos os poemas, à venda na FNAC.
O QUE SE PODE VER - No Porto, na Galeria Nuno Centeno, pode ser vista até 5 de Junho uma exposição colectiva, Os Coniventes (na imagem), com curadoria de Pedro de Llano e obras de Alisa Heil, André Sousa, Ángela de la Cruz, Blake Rayne, Carolina Pimenta, David Lamelas, Dalila Gonçalves, Fernando José Pereira, Gabriel Lima, Gretta Sarfaty, Josephine Pryde, Mauro Cerqueira, Merlin Carpenter, Silvestre Pestana e Stephan Dillemuth. A Galeria Nuno Centeno fica na Rua da Alegria 598. Outras sugestões: na Galeria das Salgadeiras pode ver “Shadows As Memories”, de Carlos Alexandre Rodrigues. Em Lisboa, na Biblioteca Nacional, até 30 de Julho está “O Atlas Suzanne Daveau” que agrupa fotografias que ela efectuou ao longo da sua carreira e que registaram as sociedades rurais ocidentais e sociedades tribais de África. O Atlas Suzanne Daveau agrupa-se em quatro áreas - Rural, Humanidade, Cidade e Natureza. A exposição resulta de uma pesquisa desenvolvida ao longo de um ano por Duarte Belo e Madalena Vidigal sobre o trabalho da geógrafa que foi casada com Orlando Ribeiro, o autor de obras de referência da geografia portuguesa. E entretanto eis que surge o primeiro NFT português - um Non Fungible Token, uma forma de arte digital. Leonel Moura, um artista plástico que tem explorado recursos tecnológicos, colocou à venda por 40.000 Euros na plataforma OpenSea um quadrado negro com 100 milhões de pixéis, criado por um algoritmo de Inteligência Artificial.
O JAPÃO NAS AVENIDAS NOVAS - Inaugurado já há alguns anos, o Go Juu começou por ser um clube privado de sócios que partilhavam o gosto pelo sushi, clientes fiéis de Mestre Takashi Yoshitake, o japonês que verdadeiramente mostrou aos portugueses a melhor tradição da cozinha do seu país. O Aya foi o restaurante que criou e onde formou vários sushimen que seguiram os seus ensinamentos. Alguns desses sushimen, herdeiros da tradição e do saber de Yoshitake san, ajudaram a criar a boa reputação do Go Juu. Aos poucos o conceito de clube privado evoluíu e hoje o restaurante é aberto ao público e a procura é grande. A qualidade e frescura do peixe utilizado é garantida e é uma das bases do sucesso. A sala dispõe de uma dezena de mesas, uma pequena sala reservada e um balcão que fora da pandemia era o ponto de excelência para os clientes se sentarem e assistirem ao trabalho dos sushimen enquanto faziam a sua refeição. A lista é abundante, com algumas especialidades que variam conforme o peixe que chega todos os dias. Num jantar recente, nas entradas distinguiu-se uma tempura de pequenos camarões do Algarve e houve oportunidade de provar uma das especialidades mais procuradas, um toro tataki, uma delícia feita a partir da melhor parte do atum. A sopa miso, servida com um misto de sushi e sashimi, merece também nota positiva. O vinho que acompanhou a refeição foi Um Quinta da Giesta, do Dão, e a presença da casta encruzado combinou muito bem com os pratos escolhidos. Pena que insistam em manter o vinho fora da mesa e que nem sempre haja a atenção suficiente para que ele não falte. De resto o Go Juu continua a ser um dos melhores locais de Lisboa para quem gosta de sushi. Rua Marquês Sá da Bandeira 46A, telefone 218 280 704.
DIXIT - “Nunca me movi no sentido de ser famoso” - Julião Sarmento
BACK TO BASICS - Se o conhecimento pode causar problemas, não é certamente através da ignorância que os podemos resolver - Isaac Asimov
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