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UM PAÍS PARALISADO - Não me lembro, à excepção do antigamente, de um tempo tão insípido em matéria política como este que atravessamos. Dei comigo a seguir o debate sobre o estado da nação, que decorreu no Parlamento, e a pensar que temos um Governo que só pensa em manter o poder a qualquer custo, de preferência sem nada construir, e uma oposição que desistiu de o conquistar e é efectivamente inexistente. Daqui a uns anos veremos como António Costa imobilizou o país com o único objectivo de manter o poder para si e os seus, e como Rui Rio foi pernicioso, comportando-se como um aliado objectivo do imobilismo atávico do Partido Socialista, não tendo pejo em tornar o PSD cúmplice da ausência de estratégia para o desenvolvimento do país. O espectáculo dado também por estes dias no Parlamento, a propósito do relatório sobre o Novo Banco ou das manobras do PS para impedir a audição do Ministro Cabrita, são mais uns momentos lamentáveis que só servem para desacreditar a política. Não posso deixar de estar de acordo com a deputada Mariana Mortágua quando, a propósito do Novo Banco, ela acusou o PS de não suportar ser criticado. Vivemos num país onde se instalou um clima politicamente pantanoso baseado numa geringonça cada vez mais desarticulada, um país onde o Governo não quer mudar nada e fazer o menos possível, um Governo economicamente sem ambição, que nos colocou na cauda da europa, ultrapassados pelos países de leste numa série de indicadores. Temos uma ausência de protagonistas com energia e competência para provocar uma mudança, não há oposição à vista capaz de criar uma alternativa a este regime de degradação económica, social e política. Vivemos ao sabor das necessidades conjunturais, condicionados por calendários eleitorais e manobras de bastidores. Há 150 anos Antero de Quental apontou de forma certeira o que caracterizava a nossa decadência e, infelizmente, continua certo no essencial do diagnóstico, adaptado a estes tempos que vivemos: condicionamento da inovação e de reformas do Estado, forte concentração de poder e limitado controle desse poder, economia com fraco desenvolvimento industrial e reduzido estímulo ao empreendedorismo.
SEMANADA - Um relatório da Comissão Europeia tirou Portugal do grupo dos estados fortemente inovadores depois de o país ter caído sete lugares no ranking da inovação; Portugal é um dos poucos países da Europa que ainda não tem rede móvel de 5G; a mortalidade por Covid-19 em Portugal é actualmente quase seis vezes superior ao valor médio da UE; José Sócrates publicou um artigo de opinião em defesa de Luís Filipe Vieira e de Joe Berardo; o PS não aceitou as alterações ao relatório sobre o Novo Banco, aprovadas por todos os outros partidos parlamentares, que responsabilizam o Governo e Mário Centeno sobre os termos em que o banco foi vendido; um relatório de um organismo independente divulgado esta semana indica que a gasolina em Portugal é a 5ª mais cara da Europa e a carga fiscal que sobre ela incide significa 60% do seu preço de venda; brasileiros e israelitas são as duas nacionalidades no topo das 149 mil pessoas que obtiveram cartão de cidadão português em 2020; segundo as conclusões preliminares do Censos 2021 a população residente em Portugal encolheu em 214.286 pessoas ao longo da última década, uma queda de 2%, para 10.347.892 e nos últimos dez anos, acentuou-se o padrão de “litoralização e concentração da população junto da capital”, sendo que só o Algarve e Área Metropolitana de Lisboa registaram um crescimento da população e em sentido inverso, o Alentejo registou o “decréscimo mais expressivo”.
O ARCO DA VELHA - O PS inviabilizou a ida urgente de Cabrita e de Medina à Assembleia da República, para responderem aos deputados a propósito do relatório sobre os festejos do Sporting.
ARTE NA PRAIA - Na Casa da Cultura da Comporta pode ver uma exposição temporária (na imagem) que três galerias brasileiras montaram com 36 artistas contemporâneos brasileiros, como Alexandre da Cunha, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Ernesto Neto, Kim Lim, Leonor Antunes ou Tadáskía. Intitulada “O Canto do Bode” a exposição abriu nos últimos dias de junho e mantém-se até ao fim de agosto, com renovação de peças já neste fim de semana. A exposição nasceu da colaboração entre a Fortes d’Aloia & Gabriel, galeria fundada há duas décadas em São Paulo e outras duas galerias igualmente paulistas - a quase cinquentenária Luísa Strina, e a Sé Galeria, surgida há sete anos. Outras sugestões, agora viradas para novos artistas portugueses: na Sociedade Nacional de Belas Artes, abriu a exposição de finalistas de Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa dos anos 2018-19 e 2019-20. A exposição, que tem curadoria de Elaine Almeida, pode ser vista até 21 de Agosto e apresenta trabalhos de mais de meia centena de novos artistas, como Francisco Timóteo, Beatriz Chagas, João Massano, Bárbara Faden, Clara Bolota ou Hugo Cubo Gonçalves, entre muitos outros. Por último no Projecto Travessa da Ermida pode ver a segunda edição dos prémios de pintura “alunos da fbaul na ermida”, resultante do protocolo estabelecido entre o Projecto Travessa da Ermida e a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, com seis artistas em exposição: Ana Moraes, Lúcia Fernandes, Maria Máximo, Maryam Baydoun, Matheus Novaes e Olavo Costa.
A REDEFINIÇÃO DA CULTURA EUROPEIA - “Novo Mundo - Arte Contemporânea no Tempo da Pós-Memória”, de António Pinto Ribeiro, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, é um livro sobre obras e sobre artistas que praticam diversas linguagens e géneros artísticos - do cinema à música, das artes visuais ao teatro, à dança e à fotografia. Têm em comum memórias que lhes foram transmitidas pelos pais e avós de origem africana, memórias que constituem hoje parte da matéria das suas obras. O livro foi escrito no contexto do projecto de investigação “Memoirs - Filhos do Império e Pós-Memórias Europeias”, O projecto mapeou artistas das segundas e terceiras gerações de afrodescendentes, nomeadamente na Bélgica, em França e Portugal. António Pinto Ribeiro sublinha que estes artistas "redefinem a cultura europeia” e “são os protagonistas de uma visão transnacional das artes, tendo um papel incontornável no cosmopolitismo europeu do século XXI”. Actualmente, sublinha, abrangem duas gerações de artistas que protagonizam muito do que é pertinente, ousado, expressivo e crítico nas artes europeias contemporâneas. No livro são apresentados treze artistas de diversas nacionalidades e descendências, desde as realizadora Amalia Escriva ou Margarida Cardoso até ao músico Dino d'Santiago, passando pelo fotógrafo Délio Jasse ou o artista plástico John K. Cobra.
ONDA DE CALOR - Há música para as estações do ano? Esta é uma velha dúvida, muitas vezes suscitada pelas canções de Verão. As baladas estivais foram cedendo caminho a outras músicas, muitas vezes mais ligadas às pistas de dança e aos entardeceres ritmados. Um dos casos que vale a pena conhecer nesta área é a série de trabalhos Astralwerks, editados pela Blue Note. Nas plataformas de streaming já está disponível mais um EP da série, o “Bluewerks Vol.3: Heat Wave”. Ali estão oito temas, no total com menos de 20 minutos de satisfação garantida. A receita não difere muito dos dois primeiros capítulos desta aventura - pop Lo-Fi, que se desenvolve entre percussões e um instrumental com influências do jazz. Bluewerks acaba por ser uma colectânea do trabalho de produtores como Maple Syrup, Burrito Brown e Leaf Beach, entre outros. O título da compilação, “Heat Wave”, não esconde ao que vem - sons refrescantes, apesar de um Verão que tarda em chegar. Se os produtores tivessem trabalhado em Portugal e sentissem os incontornáveis ventos das nossas tardes e a frescura que ele traz podia ser que isso também acabasse reflectido na música. O meu destaque vai para “Sunbean”, onde Maple Syrup combina sintetizadores com percussões electrónicas, mas também para o inspirador “Siesta” ou o sereno “Mazinger High”.
A COMIDA - Hoje em vez de falar de um restaurante ou sugerir uma receita vou falar de uma revista, uma edição muito especial da “Electra”, editada pela Fundação EDP. Este número 13 da revista, é dedicado à Comida: “Os alimentos recuperaram a sua função sagrada. Os restaurantes são lugares de culto. Os chefs e as suas cozinhas de autor são dos mais famosos ídolos do nosso tempo. As estrelas Michelin têm o prestígio dos títulos nobiliárquicos, das canonizações religiosas, dos prémios literários, dos óscares do cinema ou das taças do desporto”, lê-se no editorial da revista. Destaques: o historiador francês Patrick Rambourg descreve o nascimento do restaurante no século XIX e seu posterior desenvolvimento; “É muito mais difícil ser um expert em Bach do que em cozinha” é o titulo da entrevista de Alexandra Prado Coelho ao sociólogo brasileiro Carlos Alberto Dória; Christopher Kissane, reflecte sobre como a história da alimentação, na Europa, se liga à sua história política; Lisa Abend debruça-se sobre a figura do chef, tal como ela se foi construindo socialmente a partir dos anos 90 do século passado, até atingir a condição de celebridade; Alexandra Prado Coelho, coloca a questão do critério moral na alimentação, e dos valores que projectamos naquilo que comemos; Carolyn Steel, escreve sobre o mundo como lugar moldado pela alimentação; e o historiador Thomas Macho reflecte sobre o tema da alimentação a partir da obra cinematográfica de Pasolini. Por último destaco a excelente edição fotográfica deste número: a “Electra” convidou a Agência Magnum a colaborar neste dossier, através de seis dos seus fotógrafos, que, em vários lugares do mundo, criaram imagens originais sobre a alimentação e a comida: Alex Webb ( EUA), Jacob Aue Sobol (Dinamarca), Cristina de Middel (México), Gueorgui Pinkhassov (Rússias), Martin Parr (Reino Unido), e Lindokuhle Sobekwa (África do Sul). Mas como nem só de comida vive o ser humano, no centenário do nascimento de Clarice Lispector, a “Electra” publica um ensaio que desvenda uma face pouco conhecida desta grande escritora brasileira de origem ucraniana: a da sua relação pouco evidente com a política.
DIXIT - “A mais terrível das impotências não é querer e não poder - é poder e não querer. E é esta impotência que se exibe diariamente à nossa frente” - João Miguel Tavares
BACK TO BASICS - “Um comité é um saco fechado onde se agitam ideias que depois são ignoradas” - Sir Barnett Cocks
A CAMPANHA AUTÁRQUICA - Daqui a dois meses vamos ter eleições autárquicas. Este ano tudo se passa numa conjuntura inédita: no final de Setembro, quando votarmos, teremos ano e meio de vivência da pandemia de Covid-19 e, pela primeira vez, existe um novo critério de análise do trabalho feito pelos autarcas. Este ano não basta olhar para as obras públicas, para as rotundas ou os jardins. Não basta ver que promessas foram feitas na campanha de há quatro anos e quais as que não foram cumpridas. Não basta ver ilegalidades e atentados à privacidade. Este ano há um critério muito objectivo, que deve ser analisado em cada caso: como é que cada autarca lidou com a pandemia? Foi rápido a tomar decisões e a criar formas de auxílio às populações? É preciso saber se os autarcas tiveram iniciativa própria ou se estiveram à espera de instruções; se alocaram meios rapidamente ou se esperaram por decisões do Governo. Já se sabe que em Lisboa Fernando Medina andou aos zigue-zagues durante tempos demais, à espera que o seu amigo António Costa lhe indicasse o caminho. Esteve desaparecido durante demasiado tempo no início da pandemia. Nas acções e nos meios disponibilizados é enorme o contraste com o que autarcas como Isaltino de Morais em Oeiras ou Carlos Carreiras em Cascais fizeram, reagindo de forma rápida e criativa, disponibilizando recursos humanos e materiais e promovendo desde muito cedo acções concretas. Infelizmente não foi isso que se passou na capital, onde tudo demorou a acontecer. A análise do que se passou em cada local no combate à pandemia e no apoio às populações é a pedra de toque que deve decidir quem tem razões para continuar ou quem não merece mais a confiança dos eleitores.
SEMANADA - Uma sondagem publicada esta semana indica que Rui Rio apenas convence um quarto dos votantes em eleições legislativas; a popularidade de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa caíu a pique no último mês; outra sondagem indica que 81% dos portugueses desejam uma remodelação do Governo e Eduardo Cabrita é o Ministro cuja saída é mais desejada; no primeiro semestre do ano os portugueses fizeram 4,8 mil milhões de euros de compras em supermercados; um estudo publicado esta semana indica que a pandemia provocou a perda de 16 mil postos de trabalho na área do desporto e a redução de 110 mil praticantes federados; no último mês as faixas etárias mais novas registaram mais de 31 mil casos de COVID-19 e a faixa entre os 0 e 9 anos registou mais casos que a faixa entre 0 e 59 anos; o PS, o BE e o PAN aprovaram facilitar o acesso do Ministério Público a mensagens privadas; o Ministério da Administração Interna divulgou o relatório sobre as celebrações da vitória do Sporting no Campeonato, mas rasurou diversas partes, deixando uma série de questões por esclarecer; 51% das pessoas com doutoramento em Portugal são mulheres; a CP está a suprimir comboios por falta de maquinistas; o relatório da comissão parlamentar ao Novo Banco afirma que a supervisão do Banco de Portugal falhou; a investigação a Manuel Pinho, que vai ser interrogado dia 30 por suspeitas de corrupção concluiu que o ex-ministro de José Sócrates terá alegadamente recebido 3,57 milhões de euros do Grupo Espírito Santo através de quatro offshores.
O ARCO DA VELHA - O carro do Ministro do Ambiente foi sinalizado, no mesmo dia, a mais de 160 km/h numa estrada nacional e a mais de 200 km/h numa auto-estrada, sem luzes de emergência ligadas. Em resposta o Ministro disse que não era ela que ia a conduzir e não se apercebeu. E diz que já recomendou ao seu motorista para não andar em excesso de velocidade.
A IMAGEM - “Vertigo” é o nome da nova exposição do Centro de Artes Visuais de Coimbra, uma mostra que percorre a colecção, baseada nos Encontros de Fotografia. Com curadoria de Ana Anacleto a exposição fica patente até 12 de Setembro e inclui obras de mais de 60 fotógrafos portugueses e estrangeiros, ilustrativa da que é uma das mais relevantes colecções de fotografia portuguesas, criada graças à iniciativa de Albano da Silva Pereira que lançou e desenvolveu os Encontros de Fotografia de Coimbra. Bernard Plossu, Boyd Webb, Daniel Blaufuks, Edgar Martins, Henri Cartier-Bresson, Inês Gonçalves, Joan Fontcuberta, Jorge Molder, Neal Slavin, Walker Evans, Robert Frank e Paulo Nozolino são apenas alguns dos nomes representados, assim como António Júlio Duarte cuja imagem, “Ilustração Científica” acompanha esta nota. Permanecendo na fotografia recomendo que até dia 24 vejam os novos trabalhos de José Pedro Cortes na exposição “Corpo Capital” na Galeria Francisco Fino, em Lisboa. Ainda na fotografia, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, mediante marcação prévia, pode ver “Os Arquivos Fotográficos da Década de 30”. A exposição mostra uma colecção preservada pela instituição que abrange imagens de obras de arte, fotografias de trabalhos de alunos e sobretudo cerca 450 fotografias do artista português Eduardo Portugal. Para sair da fotografia uma sugestão final: no atelier-museu Júlio Pomar pode ser vista a exposição “Os Livros de Júlio Pomar”, com curadoria de Mariana Pinto dos Santos. Pomar dizia que arte e literatura são coisas indissociáveis e ao longo da sua vida fez capas de livros, ilustrações para diversas edições e fez obras inspiradas pelas leituras que foi fazendo.
VIAJAR NUM LIVRO - Estamos naquele ponto em que nos apetece voltar a viajar, conhecer lugares novos, revisitar preferências, ir à descoberta ou à memória. Mas, como o fim de semana passado infelizmente mostrou, viajar para paragens longínquas, que exijam avião, é ainda um martírio. O efeito combinado da pandemia com o laxismo de empresas como a TAP, a Groundforce e a inoperância do Governo em toda esta questão, produziram um efeito explosivo. De maneira que enquanto as águas não sossegarem, resta-me meter no carro e andar o que puder ou então, enquanto isso não acontece, pegar em literatura de viagens e ir lendo o que não posso fazer. A minha proposta desta semana é “Lugares Distantes”, do norte-americano Andrew Solomon, escritor e psicólogo com vasta obra publicada, nomeadamente, além deste “Lugares Distantes”, “Um Crime da Solidão”, “Longe da Árvore” e “O Demónio da Depressão”, que recebeu o National Book Award em 2001. Na introdução a “Lugares Distantes”, Francisco José Viegas que coordena a colecção “Terra Incógnita” onde o livro saíu, afirma: “Viajar é o oposto da depressão. A depressão é enroscar-se para dentro e viajar é abrir-se ao exterior”, sublinhando que Solomon “escreve para viajantes que perseguem o espírito de curiosidade e abundância de desconhecido”. Neste livro Andrew Solomon dá-nos a conhecer as noites em Moscovo em 1991, a violência na Líbia, a obsessão pelo corpo no Brasil, as paisagens e o silêncio da Mongólia, a comida e a arte na China.Termino com uma frase de Andrew Solomon: “Um viajante não se pode dar com as outras pessoas fingindo ser exatamente como elas são; mas pode dialogar sobre as suas diferenças, deixando de parte a suposição de que o seu modo de vida é preferível ao delas”. Boas leituras, boa viagem.
QUANDO O JAZZ VAI AO ROCK - Esta nota de hoje é dedicada aos fãs dos Grateful Dead, esse mítico grupo de rock onde pontificava o grande Jerry Garcia e que criou uma legião de fãs e uma cultura muito própria. Dave McMurray é um saxofonista de jazz com fortes raízes no rock e na pop e que começou a sua carreira nos Was (Not Was), um grupo rock criado na zona de Detroit nos anos 80. Anos mais tarde, Don Was, um dos fundadores do grupo, tornou-se responsável pelo catálogo da Blue Note, uma das mais importantes e históricas editoras de jazz. Agora, Don Was foi buscar McMurray, o saxofonista que com ele tocou tantas vezes. E McMurray, que esteve também ao lado de nomes como B.B.King, Bob Dylan, Iggy Pop, Patti Smith, Albert King ou Herbie Hancock, entre muitos outros, propôs-lhe fazer um disco apenas com versões de temas célebres dos Grateful Dead, em versão marcadamente jazzy. A coisa não é mal pensada - Os Dead foram um dos grupos rock mais dados à improvisação, portanto há pontos de contacto. Assim nasceu “Grateful Deadication”, o álbum agora editado pela Blue Note. McMurray transformou clássicos dos Grateful Dead como “Fire On The Mountain”, “Dark Star”, “Touch Of Grey” (com a colaboração vocal de Herschel Boone) ou “Franklin’s Tower” e chamou para seu lado Bettye LaVette, Bob Weir e Wolf Bros para uma versão soberba de “Loser”. Ao todo são dez temas do Grateful Dead, aqui trabalhados de forma inesperada. Disponível nas plataformas de streaming.
PETISCOS À BEIRA DA ESTRADA - Confesso que não conhecia Porto de Mós mas esta semana passei por lá, descobri um castelo de formas e cores inesperadas, li sobre a tão antiga história da vila e gostei da paisagem à volta. Por mero acaso decidi almoçar num restaurante nos arredores da Vila, a Cova da Velha. Uma casa tradicional bem conservada, sala ampla, sóbria e confortável. Ao almoço há uma lista que muda todos os dias e que inclui entradas, sopa uma das cinco possibilidades de prato principal, uma delas vegetariana, e uma sobremesa. As entradas eram umas boas azeitonas, salada de grão e um queijo fresco temperado com ervas e azeite, devidamente acompanhado por pão caseiro e uma broa bem saborosa. A sopa era de legumes mas decidi embarcar logo no prato principal e escolhi umas espetadinhas de vitela em pau de louro, que vinham acompanhadas por umas batatas aos gomos bem cozinhadas e uma sala de tomate muito bom. Ainda estive hesitante em escolher o misto de peixe frito com arroz de tomate, mas caí na tentação da carne e não me arrependi. As sobremesas vêm num tabuleiro com doces regionais e optei por um leite creme queimado, saboroso e na consistência certa.O vinho, a copo, foi o Arqueiros, da Cooperativa da Batalha, que deu boa conta do recado. O serviço é muito atento e simpático e o Cova da Velha obteve já um primeiro prémio de melhor ementa numas jornadas gastronómicas promovidas pelo município de Porto de Mós. Ao jantar a ementa muda, mais opções de escolha, como uma raia braseada com arroz de legumes ou umas costeletas de borrego com uma vinagreta de hortelã. Aqui está um restaurante para colocar nos roteiros. Cova da Velha, Rua António Santos Major,1, Porto de Mós. Telefone 244482052.
DIXIT - “Eduardo Cabrita continua a ser o grande abcesso político do Governo” - Marques Mendes.
BACK TO BASICS - “Cuidem de uma figueira como deve ser e quando envelhecerem poderão sentar-se a descansar à sua sombra” - Charles Dickens
O FUTEBOL DA POLÍTICA - A semana passada foi marcada pelo caso das aventuras de Luís Filipe Vieira no Benfica. A justiça, se tiver tempo, vontade e possibilidade, apurará as culpas que existam. Mas a verdade é que há muito se acumulavam sinais de que alguma coisa não ia bem no Benfica, em geral, e com os negócios de Luís Filipe Vieira em particular. Ora num cenário destes de suspeitas públicas seria natural que os políticos, sobretudo os que estão em exercício de funções, se abstivessem de ser parte activa nos processos eleitorais dos clubes e no envolvimento, directo ou indirecto, na vida dos clubes. Podem ser adeptos sem serem coniventes, no fundo é isso. Na prática a coisa funciona como um mecanismo de troca: eu faço parte da tua comissão de honra de candidatura, tu depois farás da minha ou dirás umas palavras simpáticas a meu respeito. E foi assim que António Costa e Fernando Medina, entre outros, se perfilaram, ufanos, nas falanges Vieiristas. No final do ano passado António Costa integrou a Comissão de Honra de Vieira e confontado com o facto de estar a dar um apoio político a quem já estava sob algemas suspeitas em negócios, afirmou, muito solenemente, que o apoio que dava a Vieira não tinha nada a ver com a sua função, era um apoio a quem entendia ser melhor para a direcção do clube de que é adepto. Ficamos assim a saber que António Costa considerava Luís Filipe Vieira idóneo e muito capaz para gerir o seu clube. Na altura o presidente da associação cívica Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, fez esta declaração: “O que fica por perceber é porque o primeiro-ministro e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa aceitam este papel. Mas não podemos esquecer que, nas candidaturas de ambos às autárquicas de Lisboa, tiveram o apoio de Vieira.”, acrescentando que este cenário passa “uma mensagem péssima de promiscuidade completa entre política e futebol, desporto que tem estado envolvido em vários casos de corrupção”. Agora, Medina, foi o primeiro a abandonar o barco de Vieira, manifestando a sua total surpresa pelo sucedido. Dá para acreditar nesta gente?
SEMANADA - Um quarto dos infectados com Covid-19 não é rastreado; a maioria dos cerca de 19 mil casos de Covid-19 registados em Portugal na semana passada foram detectados em jovens, mas a incidência também aumentou nos mais idosos e havia 18 surtos activos em lares de terceira idade; domingo passado registaram-se 57 internamentos devido a Covid-19, o pior aumento desde 8 de fevereiro; segundo a OCDE a economia portuguesa é das que mais travam na União Europeia com a nova vaga da pandemia; os testes gratuitos ao Covid prometidos pelo Governo estão a falhar no terreno devido a um problema informático do Ministério da Saúde; nos últimos anos foram apreendidos 184 milhões de euros em dinheiro vivo, detectados no decorrer de várias investigações policiais; segundo o Instituto Nacional de Estatística em 2020 apenas 15 dos 308 concelhos do país registaram mais nascimentos do que óbitos e no total registaram-se 84 mil nascimentos e morreram mais de 123 mil pessoas; o antigo responsável da protecção de dados da Câmara Municipal de Lisboa, exonerado por Medina, afirmou que só soube do envio de informação sobre os manifestantes às embaixadas quando lhe chegou uma queixa sobre o assunto, a que deu razão, com conhecimento disso ao gabinete do presidente, solicitando outro procedimento, que nunca foi tomado.
O ARCO DA VELHA -A juíza a quem foi atribuído, por sorteio, o julgamento de José Sócrates e de Carlos Santos Silva declarou-se incompetente e devolveu o processo a Ivo Rosa, que também se declarou incompetente. Em resumo: não se encontra quem queira pegar no caso, cujo julgamento foi por isso mesmo mais uma vez adiado.
UMA NOVA COLECÇÃO DE FOTOGRAFIA - O Museu do Neo Realismo, em Vila Franca de Xira, dirigido por Raquel Henriques da Silva, está a organizar uma colecção internacional de fotografia, com orientação de Jorge Calado, colecção que leva o título “A Família Humana”, uma evocação da mítica exposição “The Family Of Man”, que em 1955 abriu as portas do Museum Of Modern Art em Nova Iorque à fotografia, pela mão de Edward Steichen. “A Família Humana”, do Museu do neo Realismo, está centrada em obras dos anos 50 e 60 e conta já com imagens de 175 artistas de 25 nacionalidades, que fotografaram 60 países nos cinco continentes. Na primeira exposição desta colecção, que agora pode ser vista no Museu até final de Maio de 2022, mostra-se cerca de um terço da colecção. Na imagem está a fotografia do cartaz da exposição, realizada por Fons Iannelli no Kentucky em 1946. “Ponham-se duas imagens ao lado uma da outra - num livro ou numa parede - e começa um diálogo. Cabe-nos a nós, leitores e observadores, escutá-lo e entrar na conversa - escreve Jorge Calado na apresentação da exposição de que é curador, sublinhando que “fotografar é decidir o que se mostra e o que se ignora”. O Museu do Neo Realismo fica na Rua Alves Redol 44 em Vila Franca de Xira, encerra às segundas e abre nos outros dias entre as 10 e as 18.
O MÉDIO ORIENTE - Este livro é um precioso auxiliar para compreendermos a História do Médio Oriente, a mais escaldante região geográfica de conflitos do mundo contemporâneo. O Atlas Histórico do Médio Oriente, do historiador Florian Louis e do geógrafo Fabrice Le Goff, leva-nos a um dos berços da nossa civilização, palco de criações humanas que viriam a tornar-se universais, da agricultura à escrita, passando pelo monoteísmo. O livro reúne mais de cem mapas e documentos que sublinham as realidades plurais deste centro nevrálgico da geoestratégia mundial desde 12 000 a. C. até à actualidade, da Suméria ao Daesh, da invenção da sedentariedade, da agricultura e da cidade à Primavera Árabe, do Egipto faraónico à questão palestina. O autor começa por explicar que mais do que «berço» da civilização, o Médio Oriente foi «leito conjugal» da civilização, tendo em conta que se assumiu como um ponto de confluência de povos, culturas e influências que permitiram revolucionar a Humanidade. Esse destino singular, defende Florian Louis, deve-se sobretudo à posição de charneira daquele lugar em relação aos continentes africano, asiático e europeu e aos mares mediterrâneo e vermelho. Para o autor «o Médio Oriente não é um facto natural, mas sim cultural. Não é um dado anterior à história da qual foi palco, mas o resultado desta.” A edição é da Guerra & Paz.
GIPSY JAZZ CONTEMPORÂNEO - Há sonoridades que ficam na memória. Ainda me lembro da primeira vez que ouvi o resultado do encontro entre o grande guitarrista romeno Django Reinhardt e o violinista francês Stéphane Grapelli. Foi assim que nasceu aquilo a que se viria a chamar Gipsy Jazz. Fresca, arrebatadora, ritmada, a chamar à dança e ao encontro dos corpos, a sonoridade de Django e Stéphane marcou gerações de músicos que foram continuando esse percurso. Um deles é Fapy Lafertin, um romeno que aprendeu a tocar guitarra aos cinco anos e que hoje já tem vários discos gravados, quer em quinteto, quer em quarteto, como este novo “Atlântico”. Os seus três companheiros nesta aventura, sobretudo o violinista Alexandre Trípodi, acompanham-no na perfeição. Lafertin é um virtuoso que usa a sua técnica para interpretar com emoção, percorrendo neste álbum paisagens musicais de várias geografias. Mas quando faz estas incursões, tem um cuidado especial em evitar clichês ou virtuosismos gratuitos. Há uma razão para isto: gerações de músicos romenos absorveram muitos géneros musicais nas suas errâncias pelo mundo e há-de ser essa a razão pela qual o quarteto toca uma valsa húngara, um standard de Cole Porter, uma balada de Sacha Distel ou uma melodia brasileira tocada numa guitarra portuguesa de 12 cordas, tudo sempre com à vontade. Este tema com a guitarra portuguesa chama-se “Pixinguinha em Lisboa” e é arrebatador, assim como o “It’s Allright With Me”, a canção de Cole Porter que teve interpretações de nomes como Frank Sinatra ou Ella Fitzgerald. Os 13 temas de “Atlântico” garantem uma hora de boa música e estão disponíveis nas plataformas de streaming.
SOBRE O NOVO FRANGO - Tenho seguido, em matéria de cozinhados, uma rotina baseada em ir fazendo experiências. Recebo umas newsletters com receitas, leio alguns blogs, folheio livros antigos, compro alguns novos sobre cozinhas de vários cantos do mundo e lá vou tendo umas ideias. Tem sido assim desde o primeiro trimestre do ano passado, quando começou a primeira vaga do confinamento. Não me queixo - cozinhar, ir às compras, escolher e experimentar ingredientes é uma coisa que me descontrai. Só que de vez em quando também apetece ir experimentando coisas do que aparece de novo no mercado do take away. Uma boa experiência recente é o Vira Frangos. O local, na Rua Silva Carvalho 190, tem como oferta principal frango assado, desossado à mão e depois cortado em pedaços, estaladiços. Eu prefiro o que é apenas temperado com limão e sal, mas pode escolher um molho da casa, ou frango borrifado com azeite e salpicado com ervas ou ainda com pedaços de queijo parmesão e trufas. Mas, se preferir comer no próprio restaurante (tem poucas mesas, atenção…) em vez de levar para casa, tem outras possibilidades como o frango com queijo e bacon ou com abacate e iogurte. Para acompanhamento há batatas fritas “tipo leitão”, batatada doce com espinafres e arroz torrado com cebola crocante. De todos o que escolho é o básico com limão e sal e prefiro ir buscá-lo à loja à hora a que o encomendei em vez de esperar pela Uber, que anda cada vez mais instável na rapidez do serviço. Nota final - quando sobra algum frango ao jantar guardem-no para o dia a seguir, fica muito bem numa salada ligeiramente temperada com pedaços de queijo.
DIXIT - “Políticos de todos os partidos iam ao beija mão ao Presidente do Benfica. É difícil respeitar pessoas, que ocupam cargos públicos de responsabilidade (…) mostrarem um desejo sôfrego para serem vistos com Luis Filipe Vieira” - João Marques de Almeida.
BACK TO BASICS - “Charme é a forma de conseguir uma resposta sem ter de fazer a pergunta” - Albert Camus
O PINGUE PONGUE - Uma coisa muito divertida é ver um jogo de pingue pongue político. Não sabem o que é? Passo a explicar: na sexta-feira passada Augusto Santos Silva disse ao Expresso que gostava de voltar à sua profissão, na Universidade, e lançou para o ar ter esperança que o PS contemplasse este desejo. Foi o remate de saída do pingue pongue da remodelação governamental que se fará certamente, não se sabe é quando. Mas logo no dia a seguir, em entrevista ao Público, António Costa veio dizer não estar prevista nenhuma remodelação no horizonte e sublinhou que, no seu entender, Augusto Santos Silva ainda tem muito tempo para continuar no Governo. Tudo isto se passou no final de um profilático isolamento pandémico que foi também muito conveniente para evitar a António Costa a exposição a perguntas incómodas sobre Eduardo Cabrita e outros episódios da governação - este foi um caso exemplar de confinamento comunicacional, uma interessante forma de gestão de crise em matéria de relações públicas. O primeiro Ministro acabou por voltar a aparecer em público para assistir ao enunciado de promessas de Fernando Medina, na apresentação da sua recandidatura. Ora aqui está um caso que merecia um pingue pongue, até agora inexistente: ainda ninguém, nem Carlos Moedas, apareceu em resposta à jogada do actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a dizer quais as promessas eleitorais de Medina na anterior campanha que ficaram por cumprir após quatro anos de desgraçada gestão da capital. Assim sendo, Medina arrisca-se a ganhar o jogo por falta de comparência do adversário.
SEMANADA - Entre Março de 2020 e Fevereiro deste ano fizeram-se menos 13,4 milhões de contactos presenciais médicos e de enfermagem nos centros de saúde e mais de um milhão de pessoas continuam sem ter médico de família atribuído; um grupo de trabalho nomeado pelo Governo considera que deve haver um médico e um enfermeiro de saúde pública por cada 20 mil habitantes; perto de 450 mil rastreios ao cancro ficaram por fazer no primeiro ano da pandemia; a Procuradora Geral da República foi acusada de contornar a lei para conseguir nomear um dirigente da sua escolha para o Ministério Público no norte; previsões da União Europeia indicam que a economia portuguesa deverá este ano crescer abaixo da média da UE e da zona Euro; a pandemia provocou uma quebra de 40% no IVA cobrado a restaurantes e alojamento; o benefício que isenta de IRS residentes estrangeiros disparou 44% em 2020 em comparação com o ano anterior; o crédito para compra de casas atingiu este ano os valores máximos desde 2008; a ajuda do estado só chegou a 21% das pequenas e médias empresas durante a pandemia e foi das mais pequenas da zona Euro; segundo a Marktest a intenção de compra de automóvel nos próximos 123 meses aumentou para os valores máximos da década.
O ARCO DA VELHA - O carro em que Eduardo Cabrita teve o acidente na A6 é propriedade de uma empresa da sogra de um detido por tráfico de droga, que continua a pagar a prestação mensal da viatura, e que pretende agora ser indemnizada pelos danos causados ao veículo e pelo que considera uma utilização abusiva do automóvel apreendido.
SUGESTÕES VISUAIS - Várias galerias de arte portuguesas estão por estes dias em Madrid, na ARCO, a mais importante mostra de arte contemporânea da península ibérica. Mas mesmo com a ARCO Madrid a decorrer, a actividade por cá não pára e um bom exemplo disso é a Colectiva de Verão da Galeria Módulo. Mário Teixeira da Silva, o galerista que fundou e dirige a Módulo, tem vindo a centrar boa parte da sua actividade na descoberta e divulgação de novos talentos nos diversos campos das artes plásticas. Esta Colectiva de Verão acaba por ser um repositório dos artistas que têm exposto na Galeria e que são Ana Mata, Ana Romãozinho, Anabela Maravilhas, Brígida Mendes, Carlos Alberto Correia, Catarina Osório de Castro, Fátima Frade Reis, Fernando Marante, Joana Hintze, Juliana Julieta (a imagem é de uma das suas obras), Mafalda Marques Correia, Nuno Gil, Pollyanna Freire, Rui Neiva, Tiago Santos e Tito Mouraz. A Módulo fica na Calçada dos Mestres 34, em Campolide, e pode ser visitada de terça a sábado entre as 15 as 19 horas. Regressando à ARCO Madrid, os portugueses Maria João Santos e Armando Cabral foram distinguidos pelo certame com o prémio Colecção Privada Internacional. O casal, que tem vindo a construir uma importante colecção de arte contemporânea, iniciada no princípio deste milénio e que inclui obras desde os anos 70, abriu em 2019 a Rialto6, uma organização e galeria que mostra o trabalho de artistas portugueses e estrangeiros e obras da própria colecção. Armando Cabral é um engenheiro de formação, consultor em estratégia empresarial e Senior Partner da McKinsey & Company, sendo parte da equipa de liderança do escritório de África, em Luanda. Finalmente, esta semana o grande destaque internacional vai para a retrospectiva de Paula Rego na Tate Britain, de Londres, que inaugurou por estes dias e ficará até 24 de Outubro. Trata-se da maior exposição da artista realizada em Londres e mostra mais de cem obras de diversas fases da sua carreira.
UM DIÁRIO - O recolhimento forçado criado pelos períodos de confinemento foi um autêntico catalisador de criatividade - em áreas como a música, a literatura e as artes plásticas. Nos últimos meses têm surgido obras que mostram isso mesmo, a visão e a vivência que cada um teve durante o período de confinamento, sobretudo o primeiro, de 2020. Gonçalo M. Tavares, que anda nestas mesmas páginas do Jornal de Negócios, registou um diário entre 23 de Março e 20 de Junho de 2020. Em cada dia um facto ou uma síntese. Os títulos que deu a cada um dos 92 registos do seu quotidiano alterado são por si só um exercício de observação. Por exemplo “Quem Lava os pratos”, “Dois modos de sair do mundo das notícias”, “O humano é um animal que sabe esperar”, “Proibido sentar nos bancos que são feitos para sentar”, “Aguardamos instruções do Estado para nos aproximarmos da alegria”, “O rosto humano são dois olhos” e a minha preferida, “É muito estranho uma máquina parecer triste”. Reunidas agora em livro, as memórias desse tempo levaram o nome de “Diário da Peste”, um repositório de notícias e experiências pessoais, com uma visão crítica sobre a sociedade actual. Gonçalo M. Tavares escreve que este é “um século XXI partido em dois por um vírus”. Gonçalo M. Tavares é autor de uma obra extensa, traduzida em cerca de 60 países e o New York Times referiu-se-lhe como “um escritor diferente de tudo o que lemos até hoje”. “Diário da Peste- o ano de 2020” está editado pela Relógio d’Água.
FUNKY MILES - No dia 1 de Julho de 1991, há 30 anos, Miles Davis deu um dos seus últimos concertos numa localidade francesa perto de Poitiers, onde Miles e o seu grupo eram os cabeças de cartaz do festival Jazz à Viennes. O músico veio a morrer em 28 de Setembro desse ano e a gravação do concerto em Viennes era inédita até agora. A Rhino Records acabou de lançar a gravação no mercado com um álbum intitulado “Merci Miles! Live at Vienne”, já disponível nas plataformas de streaming. O disco tem uma duração de 1h20, oito temas, incluindo dois escritos por Prince - “Penetration” e “Jailbait”. O alinhamento do disco é o espelho daquilo que na época era o território musical que Miles Davis explorava, algures entre o funk, o rock, o rhythm’n’blues e o hip-hop. O disco mostra Miles Davis de forma mais descontraída do que nas gravações de estúdio do final da sua vida - como por exemplo se pode constatar na versão de “Time After Time”, um original de Cindy Lauper. As duas composições de Prince espelham a colaboração e admiração recíproca entre os dois músicos e são de certa forma o sinal do caminho que Miles queria seguir na época. O disco abre com uma versão de “Hannibal”, um original de Marcus Miller escrito para Davis, logo seguido de uma longa versão, de 15 minutos, de “Human Nature”, de Michael Jackson. O álbum, que no formato físico é um duplo CD e duplo LP, inclui notas do historiador, jornalista e produtor Ashley Kahn. No espectáculo, além de Miles Davis, participaram músicos como o baixista Foley, um segundo viola-baixo Richard Patterson, o baterista Ricky Wellman, o teclista Deron Johnson e o saxofonista Kenny Garrett. Cabia a Foley dirigir a banda e sobretudo alimentar a secção rítmica cujo trabalho é exemplarmente mostrado na derradeira faixa. O álbum acaba por ser o retrato de Miles Davis depois de 30 anos de carreira musical.
REFEIÇÃO ACIDENTADA - Ao fim de vários meses a imaginar menus cozinhados em casa, volta e meia falha a imaginação. Nessas alturas recorro ao take away. Nunca fui grande fã de encomendar entregas de comida pelos serviços dos operadores principais, quando possível prefiro os serviços próprios dos restaurantes, ou então ir eu mesmo buscar. Recentemente tive uma má experiência com a Uber. A encomenda, de uns dumplings que queria provar, levou uma hora e quarenta e sete minutos para chegar entre o momento em que foi feita e o momento da entrega. Pelo meio fui tendo avisos que o entregador estava a fazer outras entregas e a plataforma dizia que esta acumulação de pedidos num só entregador se destinava a tornar tudo mais eficaz. O resultado esteve à vista num entregador incapaz de compreender português, que se deslocava de bicicleta entre um restaurante que não está num sítio plano para um local também ele numa subida. Um desastre que tirou o prazer de uns dumplings sortidos do Madam Bo, que deram grandes voltas por Lisboa e que, quando chegaram às minhas mãos, eram uma triste sombra daquilo que seriam frescos. Ainda por cima não há na plataforma da Uber forma visível de contactar um centro de operações, apenas o entregador. Depois da entrega reclamei e, diga-se, a Uber reembolsou-me integralmente. Mas isso não evita ter-me estragado um jantar que me apetecia ter experimentado em boas condições.
DIXIT - “A pandemia ensinou-nos lições extraordinárias. Desconstruíu um mito propagandístico divulgado pelos economistas da saúde de que, no futuro, era para diminuir o número de camas de internamento. Como se viu, não é possível.” - Gonçalo Cordeiro Ferreira, Director de Pediatria do Hospital D. Estefânia.
BACK TO BASICS - “É uma ilusão pensar que as fotografias são feitas por uma máquina… elas são feitas com o olhar, o coração e a cabeça” - Henri Cartier Bresson.
O VÍRUS INAUGURAL - Com as eleições autárquicas apontadas para o final de Setembro vai uma roda-viva por esse país fora em obras e obrinhas, tanta coisa que não foi feita durante anos e que, de repente, a três meses do voto, ganha uma urgência incontornável. Em todos os ciclos eleitorais há este estranho vírus que alastra pelos políticos: o vírus inaugural. Dantes havia algum pudor em inaugurar o que não estava pronto e em reclamar a autoria que havia sido de outros. Mas, como dizia Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, de maneira que agora é tudo muito diferente. Um dos recentes casos é o da inauguração, no passado dia 13 de Junho, do novo Jardim Ribeiro Telles, na Praça de Espanha. Medina fez a inauguração em cima do rebentar do escândalo da divulgação dos nomes de organizadores de manifestações, talvez para desviar atenções. Na inauguração as obras não estavam prontas e ainda esta semana lá continuavam escavadoras e maquinaria pesada a revolver a terra, a acabar o que já foi inaugurado mas ainda não pode ser desfrutado. Mas este não é caso único. Sob o olhar tolerante do Presidente da República, a simbólica presença da inquilina Ministra da Cultura e de braço dado com António Costa, Medina lá foi inaugurar a ala poente do Palácio Nacional da Ajuda e a instalação do Museu do Tesouro Real. Toda a cerimónia foi encenada como se tudo tivesse sido feito pela governação actual. Mas na realidade não foi isso que aconteceu. A decisão de avançar com a obra da ala poente do palácio, em ruína há mais de dois séculos, foi tomada em 2013 pelo então Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que procedeu às adjudicações e montou o financiamento. Ora o que António Costa disse na cerimónia de inauguração, dia 7 de Junho, foi que a iniciativa da obra tinha sido do seu Governo. E, cereja no topo do bolo: estiveram todos na inauguração de uma obra que só abre ao público em novembro. Entretanto Rui Rio, esse dinâmico seguro de vida de António Costa, continua entretido a tentar encontrar candidatos autárquicos.
SEMANADA - Mais de metade do total de mortes da sinistralidade rodoviária acontece em arruamentos urbanos; em Portugal, em cada 100 euros de gasolina, 62 são impostos e taxas; Carlos Santos Ferreira, ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos é suspeito de ter favorecido Berardo na concessão dos empréstimos que este recebeu do banco público em 2006 e 2007; muito do dinheiro emprestado foi utilizado para comprar acções do BCP na guerra interna deste banco, para onde Santos Ferreira transitou como Presidente em 2008; segundo a Marktest o Facebook está a perder popularidade para o Instagram e o Whatsapp, sobretudo entre os utilizadores mais novos; ainda segundo a Marktest Cristiano Ronaldo é destacadamente o que regista maior número de fãs e seguidores nas várias redes sociais onde está presente com perto de 149 milhões de fãs no Facebook, quase 280 milhões de seguidores no Instagram e 92 milhões de seguidores no Twitter; cerca de 10% das Câmaras Municipais têm estado sempre nas mãos do mesmo partido, desde as primeiras eleições autárquicas de 1976; o Ministério da Administração Interna continua sem revelar a velocidade a que seguia o carro do Ministro quando atropelou mortalmente um trabalhador que fazia a manutenção da auto-estrada, usando equipamento de sinalização; um especialista da Universidade do Porto considera que são frequentes as más práticas sobre privacidade nos sites do Estado; devido à pandemia 300 ginásios fecharam portas e a facturação do sector caíu 42%.
O ARCO DA VELHA - O Ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, não acatou a decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que deu razão a uma queixa do Expresso, e mantém, sem justificar, a classificação de ‘confidencial’ no relatório da auditoria às obras do Hospital Militar de Belém, que custaram quase quatro vezes mais do que a previsão inicial.
A FORÇA DA FOTOGRAFIA - Esta semana tenho quatro sugestões na área da fotografia. Começo pelo Algarve, onde Jorge Molder apresenta, na Associação 289, em Faro, a exposição “O estranho substituto”, (na imagem) com a curadoria de Sandro Resende e Sílvia Vieira. A exposição estará patente ao público até 26 de Agosto, de quinta-feira a domingo, das 15h00 às 19h00. Apresentada pela primeira vez em 2018, no Pavilhão 31, do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, “O Estranho Substituto" foi depois exposta em 2020 no Porto, na Galeria Pedro Oliveira. Integra 24 fotografias, de auto-representações encenando diversas personagens ficcionadas pelo autor. No Centro Cultural de Cascais, até 10 de Outubro, Rita Barros mostra "Room 1008: The Last Days". A exposição de fotografia e vídeo dá a conhecer um novo capítulo de "Room 1008", um projeto que a autora tem vindo a desenvolver ao longo de mais de 20 anos, refletindo o ambiente do centenário Chelsea Hotel, um espaço nova-iorquino de referência por onde passaram numerosos artistas e onde vive Rita Barros. E na recém inaugurada Galeria Imago Lisboa (Rua do Vale de Santo António 50, À Graça), Hugo David apresenta até 31 de Julho “Beautiful Disasters”, onde mostra a sua visão sobre a cultura urbana em torno do skate, em imagens poderosas por quem vive também dentro desse universo - para ele o skate é uma paixão que o ajudou a superar a timidez e a ansiedade. Todas as imagens foram feitas com um iPhone, apesar de dispôr na sua actividade de material fotográfico profissional. “Queria manter o trabalho profissional separado do meu projecto e o telemóvel é apropriado para mostrar o ambiente do skate, rostos, sujidade, roupas rasgadas… A baixa resolução não interfere, até dá um toque de vida às fotos” - explica Hugo David sobre este trabalho. E no Atrium Saldanha, até 15 de Julho, o fotojornalista Bruno Colaço mostra “Um Ano, Quatro Histórias de Morte e Esperança”, imagens fortes realizadas sobre a luta dos profissionais de saúde contra o Covid-19 durante os últimos meses.
UMA VIDA CHEIA - Nelson Motta é um jornalista, compositor, argumentista, escritor, produtor musical, letrista e noctívago. Acompanhou de perto a carreira de nomes como Elis Regina, Rita Lee, Edu Lobo, Marisa Monte, Gal Costa ou Tim Maia, entre muitos outros. Escreveu mais de 300 letras de canções, divulgou nomes pouco conhecidos, ajudou artistas em início de carreira, escreveu colunas para vários jornais, fez programas de televisão, produziu espectáculos, dirigiu editoras discográficas. Conhecia-o de três livros que adorei quando os li - “Noites Tropicais” sobre a música brasileira e seus protagonistas que ele conheceu de perto, e dois deliciosos policiais, “o Canto da Sereia” e "Bandidos e Mocinhas”. Gosto da sua maneira de escrever, da forma como cativa o leitor. E quando soube que ele, aos 76 anos, escreveu uma auto-biografia, não resisti a procurá-la - na Livraria Travessa (Rua da Escola Politécnica 46). Só o nome do livro é um episódio: “De Cu Para a Lua - Dramas, Comédias e mistérios de um rapaz de sorte”. Nelson Motta escreve a biografia na terceira pessoa, como se estivesse a relatar a vida de alguém que não ele. O seu roteiro de uma vida cheia está aqui - com a música e o jornalismo sempre em primeiro plano, com as suas relações familiares, as suas paixões, a protecção da mãe, o incentivo do pai, o apoio de amigos. É uma história fascinante, que tem passagens por Portugal - com colaborações com Domingos Folque Guimarães, Ana Moura, António Zambujo ou Cuca Roseta, por exemplo. Nelsinho, como ele é conhecido, retrata assim os tempos em que a sua geração foi vivendo:”na juventude, ganharam a pílula anticoncepcional; na maturidade, o Viagra; e na velhice, o Google: liberdade, potência e memória.”
BLUES & JAZZ - A cantora portuguesa de jazz Maria João junta-se de novo ao grupo The Budda Power Blues, depois de colaboração-estreia em 2017. O segundo volume de The Blues Experience tem as participações de Maria João na voz, Budda Guedes na voz, guitarras e teclados, Nico Guedes na Bateria, percussão e vozes e Carl Minnemann no baixo. João Andresen tem uma colaboração especial na harmónica que se ouve em “You Gotta Let Me Loose”. São onze temas produzidos por Budda Guedes, com “Missing You” como cartão de visita, o tema escolhido para o vídeo promocional e um exemplo da força dos duetos entre Maria João e Budda Guedes, baseado no acentuado contraste das vozes. The Buddha Guedes Blues, criado em 2004, com dez álbuns no activo, é hoje considerada a melhor banda portuguesa deste género musical e o cruzamento destes músicos com a tradição de jazz de Maria João tem uma sonoridade surpreendente. Além dos já citados “Missing You” e “You Gotta Let Me Loose”, os meus outros temas preferidos são "Nothing's Too High”, “Stop Praying” e “Building My Own Legacy”. O desempenho dos músicos em todo o disco é extraordinário e permito-me destacar a guitarra de Budda Guedes. Disponível nas plataformas de streaming.
OMELETE RAPIDINHA - Quando não sei bem o que hei-de cozinhar pego num livro que comprei há uns anos, “The Family Meal” e que tem as receitas dos pratos cozinhados para o pessoal que trabalhava com Ferran Adriá no seu restaurante el Bulli, com receitas do próprio. Como sou perdido por omeletes, aqui vai a receita de Adriá para uma omelete de batatas fritas. Muito simples, para duas pessoas: três ovos frescos, bem batidos, e uma mão cheia de batatas fritas de boa qualidade; deixe ficar as batatas a amolecer nos ovos durante um minuto mais ou menos - não adicione sal. Coloque duas colheres de sopa de azeite numa frigideira anti-aderente de 25 cm de diâmetro, deite a mistura por cima quando já estiver quente e com uma espátula de borracha vá despegando os ovos dos lados da frigideira. Deixe estar um minuto em lume médio, tape com um prato e com cuidado vire a frigideira ao contrário, para a omelete ficar no prato. Volte a colocar azeite na frigideira, deixe escorrer os ovos de novo para a frigideira, com a parte mais cozinhada para cima. Espere mais 30 segundos, tire do lume e sirva - a omelete não é enrolada, vai plana e deve ficar fina. Sirva com uma salada ou simples.
DIXIT - “O mais importante é que a aplicação de fundos (do PRR) seja para transformar a base produtiva do país e transformar o Estado” - Vasco de Mello
BACK TO BASICS - Os historiadores são como as pessoas surdas que vão respondendo a perguntas que ninguém lhes colocou - Leo Tolstoy
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