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ALTURA DE MUDANÇA - As eleições de domingo são uma ocasião para cada um de nós manifestar o que deseja: se queremos continuar no sentido do empobrecimento ou se queremos dinamizar a economia e fazer crescer o país. Em resumo, se queremos uma mudança no rumo que tem sido seguido. Desde 2015, quando António Costa montou a geringonça, e segundo dados oficiais da União Europeia, fomos ultrapassados pela Estónia, Lituânia, Hungria e Polónia. Estamos praticamente na cauda da Europa. Um outro estudo da Comissão Europeia indica que a carga fiscal em Portugal aumentou desde que o PS é Governo para 34,7% do PIB, o que significa uma das maiores cargas fiscais europeias face ao rendimento per capita, começando logo nos escalões mais baixos, Nos últimos 26 anos, desde 1995, tivemos 19 anos de governos liderados pelo Partido Socialista, um dos quais chamou a Troika, e 7 anos de governos liderados pelo PSD. A situação é esta: temos uma muito elevada dívida pública que continua a aumentar, uma sociedade que está dependente dos financiamentos e subsídios da Europa. Nos últimos anos a sociedade ficou ainda mais rígida, com maior peso do Estado. Temos uma justiça que não funciona, uma educação que se degrada, anos de desinvestimento nas principais funções que o Estado deve assegurar. Temos, ainda segundo estudos internacionais, um sério problema de corrupção no Estado, que não tem registado melhorias. Continuamos a agravar desigualdades, a penalizar a classe média e sem capacidade para proteger os mais fracos. Por isso mesmo a decisão de 30 de Janeiro tem a ver com saber se queremos continuar na mesma ou dar uma oportunidade à mudança. Por mim desejo uma mudança que possa fazer reformas essenciais para o nosso desenvolvimento.
SEMANADA - No ano passado, em Lisboa, cerca de duas centenas de pessoas morreram sem que os seus corpos tivessem sido reclamados, o maior número desde 2009; no início desta semana quase um milhão de pessoas estava em isolamento devido ao covid-19, mais de 9% da população; o valor das indemnizações pedidas ao Estado nos tribunais administrativos, por cidadãos e empresas, atinge já 4,5 mil milhões de euros; nas prisões portuguesas verificaram-se em cinco anos mais de 300 mortes e só em 2020 foram sinalizados 1386 reclusos em risco; desde o início deste ano já morreram nas prisões sete reclusos, e duas destas mortes foram reportadas como suicídios; cerca de 200 adeptos estão impedidos de entrar em recintos desportivos devido à participação em actos violentos; em 2021 foram recebidas 1160 denúncias de cibercrimes, o dobro do verificado em 2020; 14 albufeiras portuguesas estão 40% abaixo do seu nível normal e a seca está já ter efeitos na agricultura e na qualidade da água; no final de 2021 havia cerca de 35 mil desempregados inscritos nos setores do alojamento, restauração e similares e o seu número subiu nos últimos dois meses do ano; em 2021 foram vendidos 190 mil móveis no valor de cerca de 30 mil milhões de euros, um aumento de transacções de 18% face a 2020; em 2021 a TAP teve três vezes menos passageiros do que em 2019; 45% das empresas portuguesas apresentaram resultados negativos em 2020, o que compara com 36,9% em 2019; desde Janeiro os preços da gasolina e do gasóleo já aumentaram quatro vezes e encher o depósito do carro ficou cinco euros mais caro; o número de pequenos partidos está a crescer desde 2009, em 46 anos mais de meia centena de partidos apresentaram-se a eleições, mas só 13 conseguiram eleger deputados.
O ARCO DA VELHA - A Igreja do Convento de São Francisco, em Bragança, classificada como Imóvel de Interesse Público, com uma rica colecção de arte sacra e frescos medievais, foi vendida em leilão na sequência de uma penhora por dívida a um empreiteiro e desconhece-se o comprador.
TESTEMUNHOS FOTOGRÁFICOS - Daniel Blaufuks apresenta no Pavilhão Preto do Museu de Lisboa (Campo Grande) a exposição “Lisboa Cliché”, uma seleção de 80 fotografias de entre as mais de 300 que integram o livro com o mesmo nome, lançado no ano passado. As imagens, feitas entre o final da década de 1980 e o início dos anos 90, mostram espaços, ambientes e pessoas de uma Lisboa a preto e branco, evocando locais como o Frágil, o British Bar, a Cinemateca, a Versailles e a Trindade. A exposição estará patente até 27 de Fevereiro. Antes de publicar o livro que enquadra estas imagens com textos do próprio Blaufuks, as fotografias foram publicadas numa conta de Instagram também intitulada “Lisboa Clichê”, que acabou por desencadear o livro e esta exposição. Blaufuks tem trabalhado sobre a relação entre a memória pública e a memória privada e tem exposto em museus, galerias de arte contemporânea e festivais, trabalhando principalmente com fotografia e vídeo. Em 2016 recebeu o prémio AICA pelas exposições Tentativa de Esgotamento e Léxico e a relação entre a memória e o Holocausto tem atravessado o seu percurso criativo. Outro destaque desta semana vai para «Last Folio», de Yuri Dojce e Katya Krausova, no Museu Berardo. Inaugurada no Dia Internacional em Memória do Holocausto, a exposição mostra um conjunto de fotografias que documentam os últimos testemunhos de uma cultura e da história de um povo, uma história que foi brutalmente interrompida quando das deportações dos judeus para os campos de concentração, em 1942. São imagens marcantes de ruínas de escolas, de sinagogas, de livros e de objetos. A exposição inclui ainda um conjunto de retratos contemporâneos de sobreviventes do Holocausto e um filme sobre as cicatrizes da tragédia nazi e da destruição da cultura judaica. E em Coimbra, na Antiga Sala do Capítulo do Convento de São Francisco, Nuno Cera apresenta até 27 de Março “As Quedas/The Falls”, um trabalho de vídeo e fotografia realizado nas cataratas do Niagara.
O ENCANTO DE UMA PEQUENA NOVELA - Escrita no exílio francês de Joseph Roth e publicada no jornal parisiense de língua alemã Pariser Tageblatt, em 1935, a novela O Busto do Imperador constitui, por um lado, uma tentativa de fuga da realidade que se vivia na altura na Alemanha e na Áustria, por outro, representa uma defesa utópica dos valores de tolerância resultantes do cosmopolitismo, traço essencial do Império Austro-Húngaro. É uma novela encantadora que parte da pequena aldeia de Lopatyny, situada na antiga Galícia Oriental, onde o próprio Roth nasceu, e em que vive o velho conde Franz Xaver Morstin. O fidalgo, relíquia do derrotado Império Austro-Húngaro, é obrigado a conformar-se com a diminuição do seu estatuto e com as trágicas mudanças ocorridas na Europa após a Primeira Guerra Mundial. Só um busto em arenito barato, representando a figura do Imperador Francisco José, feito «pela mão desajeitada dum jovem camponês» e colocado em frente à sua casa lhe dá a vã ilusão de nada ter mudado
Publicada agora na Assírio & Alvim, com tradução a partir do alemão, notas e introdução de Álvaro Gonçalves, esta edição abarca uma cronologia da vida e obra de Joseph Roth, bem como uma carta do autor a Gustav Kiepenheuer, o seu editor alemão.
UMA INSPIRAÇÃO FOLK - Aoife O’Donovan vem de uma família irlandesa que emigrou para os Estados Unidos e cresceu a ouvir canções do seu país, muitas delas com uma clara inspiração celta. O’Donovan recorda-se que o seu pai, além da música irlandesa, ouvia discos de nomes como Joni Mitchell ou Suzanne Vega. Depois de estudar música no New England Conservatory, Aoife O’Donovan cantou com uma banda folk, os Crooked Still, e foi co-fundadora de um trio feminino, I’m With Her. Agora com 39 anos, ela tem trabalhado com numerosos músicos de diversos géneros, do folk ao jazz, passando pela pop, participando em muitas digressões como vocalista convidada.. O seu primeiro disco em nome individual foi gravado em 2010 e agora surge “Age Of Apathy”, o terceiro álbum a solo, uma colecção de canções envolventes, simultaneamente íntimas e desafiadoras, autobiográficas e metafísicas. Musicalmente a presença da herança folk é muito grande, mas O’Donovan não hesita em surpreender com melodias inesperadas ou súbitas mudanças de ritmo. Neste disco ela foi buscar para a produção Joe Henry, que já assinou trabalhos de nomes como Bonnie Raitt, Joan Baez, Bettye LaVette, Elvis Costello e Allen Toussaint. Gravado ao longo de um ano, “Age of Apathy” é talvez o seu trabalho mais pessoal. As 11 canções deste disco, muitas onde se nota a influência de Joni Mitchell, falam de viagens, de memórias de actuações, do sentimento experimentado em momentos marcantes da sua vida, da sua experiência durante as digressões com outros músicos, do papel que a música tem na sua vida.
OUTRO FRANGO - Gosto muito de frango assado de churrasqueira e acho que proporciona uma boa base para cozinhados - desde salada a arrozes, passando por massa. E é de um frango assado desfiado com massa que vou falar. Num tabuleiro de ir ao forno, que aqueci previamente, coloco uma meia dúzia de tomates cherry cortados em metades com folhas de espinafres frescos. Por cima ponho uma massa como o penne, que já cozi previamente, deixando-a ainda rija. Depois vai o frango desfiado e por cima uma chávena de chá de um molho feito com mostarda, azeite, tomate em pasta e um pouco da água da cozedura da massa. Mexa tudo muito bem mexido, tempere a gosto com sal e pimenta e no fim, por cima de tudo, deite uma camada generosa de mozarella aos pedaços. Vai ao forno até perceberem que o queijo derreteu e está a ficar tostado. Bom apetite.
DIXIT - “Quanto menos produtivos formos, menos actividade mantemos e atraímos, mais portugueses qualificados emigram e pior serão as condições de vida dos que restam” - António Nogueira Leite
BACK TO BASICS - “Não é de admirar que as pessoas desprezem a política quando, ano após ano, ouvem os políticos fazerem promessas que não se concretizam porque nem sequer são feitas com intenção de se executarem - são fantasias eleitorais para vencer eleições mas que não fazem os países prosperar “ - Bill Clinton
O COSTISMO - Pode acreditar-se numa pessoa que diz uma coisa e depois faz o seu contrário? Passo a citar António Costa: “Há 20 anos o que era governar à esquerda? Governar à esquerda era, em primeiro lugar, fazer nacionalizações. Hoje em dia nenhum partido socialista da Europa entende que as nacionalizações são instrumentos adequados à execução da sua política. Os últimos que entenderam isso foram os socialistas franceses em 1981 e, em 1984, iniciaram as privatizações das nacionalizações porque perceberam, e percebeu-se, que o instrumento nacionalização, ou seja a apropriação pelo Estado de determinados bens de produção, não alterava nem as relações de produção na empresa, nem alterava o papel das pessoas dentro da empresa, nem assegurava sequer uma maior redistribuição de riqueza”. Estas palavras foram ditas por António Costa a 27 de Janeiro de 1997, numa entrevista que Pedro Rolo Duarte lhe fez no programa “Falatório”, na RTP2. Ela está disponível on-line no arquivo da RTP, a afirmação citada pode ser ouvida ao minuto 18’35” da segunda parte dessa entrevista. E pouco antes, respondendo a outra questão de Pedro Rolo Duarte, sobre a esquerda, afirmava António Costa: ”PS e PC são duas famílias dentro do que designa habitualmente a esquerda. São hoje claramente duas famílias distintas porque houve uma fronteira, que se foi traçando ao longo de décadas, que era uma fronteira que foi traçada pela questão da liberdade”. O mote para estas respostas de António Costa foi dado pela citação que Pedro Rolo Duarte fez de declarações feitas na época, na entrevista a um jornal, por Manuel Alegre: “Estou cansado e saturado da política à portuguesa, os valores estão virados do avesso e os políticos têm horror à ideologia e pânico da política. Há muita cobardia, um carreirismo desbragado, canalhices e tanta gente rasteirinha. Tudo isto perverte os partidos e a própria democracia”.
SEMANADA - No ano passado 438 mil condutores perderam pontos na carta de condução, um aumento de infracções de 80% face ao ano anterior; em 2021 as infracções às normas da inspecção periódica a veículos aumentou 53%; o aumento anual da reforma levou 53 mil pensionistas a perderem rendimentos por terem passado para o escalão seguinte do IRS; a avaliação anual da qualidade do ar está há seis meses à espera da Direcção Geral da Saúde; mais de meio milhão de pessoas estavam isoladas no final da semana passada devido à pandemia; no início da semana Portugal era o quarto país da Europa com mais infecções registadas diariamente; a Comissão Nacional de Protecção de Dados aplicou uma multa de 1,2 milhões de euros à Câmara Municipal de Lisboa devido à comunicação de dados pessoais de promotores de manifestações repetidamente realizada pela gestão de Fernando Medina na autarquia; as vendas de vinho em Portugal no ano passado ficaram 19% abaixo do período pré-pandemia; o número de reclusos com mais de 60 anos quase triplicou nos últimos 12 anos; os casos de violência doméstica são a causa da atribuição de mais de metade das pulseiras eletrónicas; 94% do território nacional já está em seca meteorológica; o preço das casas em Portugal subiu 57% desde 2010; e as rendas aumentaram 24% no mesmo período; um quinto das vagas para estágios na função pública está por preencher; um estudo recente indica que a actividade política absorve mais de 500 funcionários públicos por ano e o Estado desperdiça mais de 30% da despesa graças à proliferação de “jobs for the boys”; os aeroportos nacionais tiveram em 2021 menos de metade dos passageiros de 2019; metade das vagas para médico de família na região de Lisboa e Vale do Tejo ficaram por ocupar; os serviços públicos foram alvo de 16 mil reclamações em 2021 no Portal da Queixa, um aumento de 19% face a 2020.
O ARCO DA VELHA - No caso de Tancos, o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, foi absolvido por, no entender do juiz, não ter percebido o que leu no memorando do director da Polícia Judiciária Militar.
LEITURAS COMPLEMENTARES - Esta semana destaco dois livros que têm em comum serem particularmente adequados aos tempos que vivemos, não só na Europa, mas também aqui em Portugal. Começo pela filósofa francesa Simone Weil e o seu ensaio “A Pessoa E O Sagrado”, escrito no último ano da sua vida, em 1943. Para Simone Weil, «há em todo o homem algo de sagrado, mas não é a sua pessoa. Também não é a pessoa humana. É ele, aquele homem, simplesmente». Na apresentação do livro, agora editado na colecção Livros Vermelhos da editora Guerra e Paz, escreve-se: “Na obra, a filósofa parte das suas mais essenciais assunções filosóficas – a beleza, a justiça e o mal – para este debate sobre a «pessoa», convocando também o direito e a democracia e isolando-a de qualquer colectividade, partido ou instituição”. Portugal terá sido o país que representou um ponto de viragem do pensamento de Weil. Na Póvoa de Varzim, assistiu a uma procissão católica em 1935. Um cortejo de mulheres de pescadores, vestidas de negro, percorria a praia, em luto, promessas e orações pelos maridos, e esses cantos, «de uma tristeza lancinante», segundo palavras suas, abriram nela a ferida mística que não mais a largaria. Albert Camus considerou-a «o único grande espírito do nosso tempo».
O segundo livro que hoje trago é precisamente uma recolha de textos de conferências e discursos proferidos por Albert Camus. O livro "Conferências e Discursos" reúne os trinta e quatro textos proferidos publicamente, ao longo de mais de vinte anos, por Albert Camus, incluindo o discurso pronunciado por ocasião do Prémio Nobel da Literatura 1957. Com exceção da reflexão sobre «a nova cultura mediterrânica», de 1937, todas estas comunicações foram realizadas no pós-guerra, resultado de solicitações que se foram multiplicando à medida que crescia a notoriedade do escritor e a vontade de ouvir o seu ponto de vista sobre as mudanças mundiais em marcha. Termino com uma frase de Camus, particularmente actual: «Prefiro os homens empenhados às literaturas empenhadas. Coragem na vida e talento nas obras, já não é assim tão mau.»
A ESCRITORA E O REALIZADOR - “O Princípio da Incerteza” é uma exposição centrada na parceria criativa que uniu Agustina Bessa-Luís a Manoel de Oliveira ao longo de quatro décadas. Por ocasião do centenário de Agustina, que se evoca este ano, a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, em Serralves, criou uma mostra onde acompanha os dez textos de Agustina que habitam a obra de Oliveira: cinco romances, dois diálogos, uma peça de teatro, um conto e um discurso lido pela própria escritora. A exposição é constituída por três áreas distintas: uma antecâmara com uma seleção de depoimentos de ambos os autores, através dos quais é possível antever como um e outro se foram posicionando relativamente ao trabalho que conjuntamente desenvolveram; uma sala onde é projetado, em contínuo, o registo vídeo de uma longa conversa entre a escritora e o cineasta, gravada em 2006; e uma terceira sala que, além de sequências fílmicas integra vitrines com documentação e outros objetos, distribuídos por 10 núcleos organizados cronologicamente e correspondentes a cada um dos títulos resultantes da colaboração entre Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira.
Para além de documentos de trabalho, rascunhos e manuscritos inéditos da autora, muitos anotados por Manoel de Oliveira (na imagem duas páginas de “Vale Abraão”), está ainda exposto todo um conjunto de elementos – anotações, esboços, fotografias, guiões e outros materiais que dão conta dos procedimentos adotados pelo cineasta quanto à transposição cinematográfica dos escritos de Agustina, bem como dos seus métodos de trabalho. Esta seleção é complementada por toda a correspondência trocada entre ambos ao longo de cerca de quarenta anos, que nunca antes havia sido exposta, sendo igualmente de referir uma ampla seleção de itens bibliográficos, documentos e objetos colocados em diálogo com cada um dos projetos que compõem o universo literário-cinematográfico criado pelos dois autores. Esta exposição, “O Princípio da Incerteza”, que fica patente até 5 de Junho, é acompanhada por um belíssimo catálogo que reproduz muito do material exposto.
A TRANSFORMADORA DE CANTIGAS - Cat Power gosta de fazer versões de músicas alheias. Tem a particularidade de muitas vezes as transformar por completo, criando quase novas canções - foi o que já aconteceu em 2000 no álbum “The Covers Record”, com a sua versão de “Satisfaction”, um original dos Rolling Stones ou “I Found A Reason” dos Velvet Underground. Mais tarde, em 2008, com “Jukebox”, ela percorreu temas de folk, country e blues de autores como Hank Williams, Joni Mitchell ou Jessie Mae Hemphill. Cat Power, Chan Marshall de seu nome, acaba de editar a sua terceira coletânea de versões, singelamente intitulado “Covers”. Aqui estão originais de Frank Ocean, Lana Del Rey, Nick Cave e até uma nova versão de um dos seus próprios temas - “Hate”, que passou agora a “Unhate.” Este novo “Covers” é talvez o seu disco com um leque mais alargado de inspirações e é o que melhor mostra o seu talento de reinventar canções. Veja-se o que fez a “The Endless Sea” de Iggy Pop, que inclui uma evocação de “Dirt” dos Stooges, até “I Had A Dream Joe” de Nick Cave, passando por um arrebatador “A Pair Of Brown Eyes” dos Pogues, ou à balada “These Days” de Jackson Browne, que já tinha sido interpretada por Nico. Nesta linha ouça-se ainda “I’ll Be Seeing You”, uma canção de amor popularizada nos anos 40 por Billie Holiday. Mas também pode ouvir como ela recria “Bad Religion” de Frank Ocean, uma melancólica interpretação de “White Mustang”, de Lana Del Rey, ou uma versão emocionante de “Here Comes a Regular”, dos The Replacements. O disco inclui ainda uma das canções que tem interpretado mais ao vivo, uma versão de “Pa Pa Power” do efémero projecto Dead Man’s Bones, do actor Ryan Gosling, um tema de protesto que se tornou o hino da campanha Occupy Wall Street. Ao longo da sua carreira Cat Power recolheu já inspiração em temas de Bob Dylan, Duke Ellington, Liza Minnelli ou dos Creedence Clearwater Revival. E cada uma das suas versões, como poderão constatar neste “Covers”, é uma nova canção. Disponível em streaming.
DIXIT - “A justiça jamais se reformará a ela própria” - António Barreto
BACK TO BASICS - “É fundamental ter boa memória para se ser capaz de cumprir as promessas que se fazem” - Friedrich Nietzsche
LIBERDADE DE MOVIMENTOS - Os debates eleitorais têm tido audiências acima do esperado, sobretudo quando comparados com debates de anteriores e recentes campanhas eleitorais. Com a pandemia a impedir uma campanha eleitoral tradicional, de rua, as atenções concentram-se nos debates transmitidos pelas três estações generalistas e por canais de cabo. Alguns candidatos jogam tudo: preparam-se muito bem e conseguem marcar os adversários políticos de forma metódica. Estão neste caso Catarina Martins e Rui Tavares à esquerda e Cotrim de Figueiredo, à direita. Os três não têm dado tréguas e frequentemente entalam quem está do outro lado da mesa. António Costa segue o método da cassete que não muda e fica tudo na maioria absoluta que pretende alcançar. O seu discurso varia pouco, é repetitivo e esgota-se ao fim de pouco tempo. Não muda o registo qualquer que seja o oponente e, surpreendentemente, foi mais agressivo para Jerónimo de Sousa do que para André Ventura. Este último, Ventura, é ainda mais redutor e vazio de conteúdo, fechado num pequeno círculo de ideias, com o único objectivo de provocar os seus adversários. Rui Rio pelo seu lado foi o líder partidário que arrancou pior nos debates, enrolando-se nas palavras e não conseguindo passar uma mensagem coerente. Teve azar, porque a sua pior prestação foi precisamente no debate que teve a maior audiência até agora, quando contracenou com Catarina Martins. E Francisco Rodrigues dos Santos lá se vai queixando, mantendo a linha de patinho feio que anda a seguir na sua comunicação desde meados de Dezembro. Vamos ver como corre a substituição de Jerónimo de Sousa, que, sabe-se agora tinha uma situação clínica que contribuíu para prestações abaixo do que é seu hábito. Estou em crer que a inteligência colectiva faz com que as pessoas numa situação destas não queiram juntar os ovos todos na mesma cesta e prefiram manifestar diferenças. A grande questão é que, como se viu nas autárquicas, já não há seguidores fiéis e talvez por isso as pessoas procuram nos debates alternativas ao que têm votado. Há no ar o sentimento de que os eleitores querem saber se há alternativas, querem ter liberdade de movimentos e têm receio de ficarem restringidos a uma só pessoa, a uma só entidade. A abstenção vai ser decisiva neste jogo. Quanto maior a abstenção, menor a probabilidade de concentração de votos.
SEMANADA - Segundo a OMS a Ómicron pode infectar mais de metade dos europeus nas próximas semanas; desde o início da pandemia a Ordem dos Enfermeiros recebeu mais de dois mil pedidos de declarações para emigração; no Serviço Nacional de Saúde foram feitos 22 milhões de horas extra no ano passado; no início do segundo período escolar ainda há 118 horários por preencher o que afecta entre cinco a seis mil alunos e Lisboa continua a ser a zona onde há mais carência de docentes; em 2021 reformaram-se quase dois mil professores, o valor mais elevado desde desde 2013; os pedidos de vistos gold caíram 31% no ano passado; no primeiro dia de canais abertos para denúncias de abusos sexuais na igreja católica portuguesa foram validados cerca de 50 testemunhos; um estudo recente indica que Portugal é o país que vai ter a população mais envelhecida da Europa em 2050; Portugal é o terceiro país da Europa com maior dívida pública, atrás da Itália e da Grécia e é um dos países da europa com menor produtividade; nas últimas duas décadas o PIB per capita português foi ultrapassado por Malta, República Checa, Eslovénia, Lituânia, Estónia, Polónia e Hungria; o programa mais visto da semana passada foi o debate entre Catarina Martins e Rui Rio, que obteve 1,4 milhões de espectadores, mais que “Isto É Gozar Com Quem Trabalha” ou o “Big Brother”; já o debate entre Catarina Martins e António Costa teve cerca de um milhão de espectadores; em 2021 dos 233 filmes estreados comercialmente em sala, 16 foram de produção portuguesa; o filme mais visto em Portugal em 2021 foi “007: Sem Tempo Para Morrer”, que conseguiu 435 mil espectadores; O filme português mais visto foi “Bem Bom”, de Patrícia Sequeira, sobre as Doce, com 89 mil espectadores,
O ARCO DA VELHA - Um estudo da Marktest indica que cerca de um milhão de mulheres portuguesas diz terem feito dieta nos últimos 12 meses.
VER JORGE PINHEIRO - O destaque desta semana vai para uma retrospectiva da obra de Jorge Pinheiro, agora com 90 anos, que abriu esta semana na Galeria Miguel Nabinho, com o título “Introspectivamente”. A exposição, que ficará na Galeria até 4 de Fevereiro, inclui cerca de três dezenas de obras de Jorge Pinheiro, feitas entre 1961 e 2016. Na imagem está um óleo sobre madeira, sem título, de 1969. Miguel Nabinho, o galerista, sublinha que a exposição percorre o percurso do artista na parte mais abstrata do seu trabalho, permitindo compreender a pertinência e a contemporaneidade da sua obra em cada época da sua criação. A Galeria Miguel Nabinho fica na Rua Tenente Ferreira Durão, 18B. Outras sugestões: no Porto, na Galeria Fernando Santos, até 12 de Março, “Amanhã” é o título de uma exposição, que resulta de uma conversa entre os artistas Pedro Valdez Cardoso e Nuno Sousa Vieira. Na mesma Galeria, Pedro Valdez Cardoso apresenta “Luvas Brancas”, uma exposição que integra obras que vão de 2003 a 2021, a maior parte inéditas ou nunca expostas. A Galeria Fernando Santos fica na Rua Miguel Bombarda 526-536; e na Galeria Monumental (Campo dos Mártires da Pátria 101) Luis Brilhante apresenta “Ilhas vistas do mar parecem pinturas”, em exposição até 26 de Fevereiro. Finalmente a Ato Abstrato (Rua de São Sebastião da Pedreira) apresenta até 18 de Fevereiro a exposição “Chão”, de João Ferreira, Mário Caeiro e Thierry Ferreira.
O MISTÉRIO DO DIAMANTE- No princípio era um diamante. Um diamante misteriosamente desaparecido, que estava nas mãos da família Dain Legett. O seu desaparecimento coincidiu com um outro desaparecimento, o da bela herdeira da família, Gabrielle, que assim se torna a principal suspeita. Este é o pano de fundo de uma das obras de referência de Hammett, considerado o criador do policial negro e um dos mais importantes autores do género. Nascido em 1894, morreu em 1961 e deixou uma extensa obra que vai desde os romances policiais a numerosos contos publicados em diversas revistas e argumentos para filmes. Publicado originalmente em 1929, “A Maldição dos Dain” coloca em cena um detetive privado da agência Continental, nunca tratado pelo seu nome, sempre por Continental Op, personagem nascida num conto da revista “Black Mask” de 1923. Neste livro há crimes, muitos crimes que se sucedem uns aos outros. Crimes com armas brancas, com armas de fogo, com explosivos. Há suspeitos, muitos também, que vão mudando no decorrer da história. E há o detective, de que nunca sabemos o nome, que escapa sempre a tudo. Por fim há a jovem rapariga em redor de quem tudo se passa, uma daquelas heroínas românticas, viciada em morfina, que acredita estar amaldiçoada e cuja simples existência parece ameaçar a vida de todos os que a rodeiam. Este é um clássico do livro policial - se nunca leram Dashiell Hammett esta é uma boa oportunidade de conhecerem o seu trabalho - e a tradução de Dora Reis, nesta nova reedição da histórica colecção Vampiro, é um bom pretexto para os amantes de enigmas intrincados.
POP RADIO - The Weeknd, aliás Abel Tesfaye, concebeu o seu novo álbum, o quinto, como se fosse uma emissão de uma estação de rádio focada no pop de antigamente, ou retro-pop, se preferirem. “Dawn FM”, o álbum, é bem diferente do trabalho anterior, “After Hours”, editado em 2020. Enquanto este era um disco pensado para levar as pistas de dança a casa de cada ouvinte fechado no confinamento de então, “Dawn FM” tem 16 canções pop, entre ritmos e melodias, marcadas por este tempo em que vivemos, entre a pandemia e o caos que se espalhou pelo mundo. Muito bem produzido e interpretado, Abel Tesfaye fez-se acompanhar por um conjunto de notáveis: desde logo Jim Carrey que faz o papel do locutor da rádio imaginada, falando entre as canções. Mas aparecem também colaborações de nomes como Quincy Jones, o Beach Boy Bruce Johnston, Lyl Wayne ou Tyler, The Creator. Cheio de citações de tempos musicais passados é possível identificar evocações de Barry White, Prince ou Marc Bolan. Só mesmo The Weeknd podia lembrar-se de um cocktail destes. As canções, todas as 16, são boas. Mas vale a pena destacar uma balada como “Out Of Time”, o electro pop de “How Do I Make You Love Me?” ou o disco de “Take My Breath”. Não há muitos discos assim, quase perfeitos nas intenções e no resultado final.
A BELA LAMPREIA - Inesperadamente, um prazer que estava há dois anos confinado, revelou-se esta semana em todo o seu esplendor. Falo da lampreia, esse maravilhoso animal que desencadeia paixões, receios e ódios. O feliz acontecimento deu-se a convite de um bom amigo no restaurante “O Gaveto”, em Matosinhos. O ciclóstomo era de bom porte e pôde ser apreciado vivo no aquário antes de proporcionar prazer a alguns convivas. Escolheu-me a modalidade bordalesa, os pedaços de lampreia cozinhados a preceito, com arroz branco à parte, umas fatias de pão frito de lado. O Gaveto é bem conhecido pela qualidade do seu peixe e mariscos, fresquíssimos e muito bem confeccionados. Mas é também elogiado pelas especialidades sazonais que proporciona, de pratos de caça ao sável frito, passando pela caldeirada e, claro, a lampreia. O petisco começa a aparecer em meados de Janeiro, vindo do Minho e, com sorte, encontra-se até ao final de Março, início de Abril. Em 2020 e 2021 os confinamentos desses meses impediram-me de o provar, mas uma bendita viagem ao Porto levou-me até este templo, em Matosinhos. O Gaveto fica na Rua Roberto Ivens 826 e o telefone é o 229 378 796. Para quem não gostar de lampreia há um elogiado arroz de lavagante que é também um dos ex-libris da casa. Este ano a lampreia já ninguém me tira.
DIXIT - “O Ministério da Cultura preocupa-se com o que dá nas vistas, mais do que com o que faz falta” - António Barreto.
BACK TO BASICS - “Dois tigres não podem partilhar a mesma montanha” - provérbio chinês.
O ELEITOR OCULTO - Com cada nova eleição vem o dilema habitual: a abstenção é que decide o resultado, como a contornar? Até final do século passado, nas eleições legislativas, a abstenção ainda ficava abaixo dos 40%. Mas em 2009 atingiu os 40,3% , em 2011 os 41,9%, em 2015 os 44,1% e em 2019 deu-se o grande salto para os 51,4%. Não há maneira de fugir a isto: o Parlamento que agora foi dissolvido representava a vontade expressa de menos de metade dos eleitores. Durante anos e anos os partidos recusaram-se a encarar o problema e as suas causas. Continuamos a votar com uma Lei Eleitoral basicamente inalterada desde há mais de quatro décadas, quando tudo era diferente na sociedade portuguesa, a começar pela forma de consumo de informação até acabar nas operações mais corriqueiras que se podem fazer pela internet. O Estado, reconheço, foi rápido a possibilitar um contacto digital com os cidadãos em áreas como a obtenção de documentação. Mas a Assembleia da República, e nomeadamente os maiores partidos, nunca quiseram mexer no processo eleitoral, na alteração das formas de representatividade possíveis e na forma de votação, obviamente garantindo a veracidade e segurança do escrutínio. O resultado da recusa em mudar a Lei Eleitoral está à vista. E nas eleições legislativas de 30 de Janeiro as coisas podem ser bem piores: o risco de o número de abstenções ser enorme entre o previsível grande número de contaminados em isolamento, que podem atingir os 600 mil. Arriscamo-nos a que seja o vírus, autêntico eleitor oculto, a decidir por nós. A pandemia veio colocar de novo na ordem do dia a necessidade de alterar a votação, utilizando formas alternativas seguras que evitem a deslocação dos eleitores e facilitem o voto. E, claro, a própria pandemia tem influência nas campanhas eleitorais, limitadas nas acções de rua, com debates televisivos maioritariamente com audiências marginais. As eleições e as campanhas eleitorais, tal como estão, arriscam-se a ser o resultado da vontade de uma minoria, o contrário do que devia ser uma democracia - ou será que estou enganado?
SEMANADA - Segundo o Tribunal de Contas dois terços dos contratos públicos foram assinados sem registo no respectivo portal; os programas de entretenimento estão a esmagar as audiências dos debates eleitorais; a compra de carros eléctricos cresceu 68,3% com a pandemia; ainda há 14 concelhos do país sem postos de carregamento de automóveis eléctricos; o número de estudantes internacionais matriculados no ensino superior cresceu em 2021 quase 13% em relação ao ano anterior; imigrantes na escola pública aumentaram 47% em dois anos; Portugal ganhou 109 mil residentes estrangeiros num ano, e o seu total é agora de 771 mil, o dobro dos registados em 2015; os dados provisórios do Censos 21 indicam que 43% dos residentes em Portugal são solteiros, 41% casados, 8% viúvos e 8% divorciados - e comparativamente aos dados dos Censos 2011, o número dos casados sofreu uma quebra de 14%; segundo a Marktest 4,5 milhões de portugueses ouvem regularmente música online; o desempenho económico de Portugal nos últimos 20 anos, medido por indicadores como o rendimento disponível das famílias ou o PIB per capita é o pior desde o final do século XIX; Em Dezembro o índice de preços no consumidor aumentou 2,8% em relação ao mês homólogo de 2020.
O ARCO DA VELHA - A PSP recebeu ordens de só se deslocar a situações urgentes porque o novo contrato de fornecimento de combustível, que devia estar em vigor no início do ano, ainda não foi aprovado.
A POLÉMICA DE VENEZA - O que hoje aqui deixo são sobretudo palavras de Patrícia Fernandes, uma Professora da Universidade do Minho, num artigo com o título “A politização da arte”. O artigo comenta a polémica desenvolvida nas últimas semanas sobre a escolha do representante oficial português na Bienal de Veneza deste ano. A escolha, organizada pelo Ministério da Cultura, tinha um regulamento e um júri. A decisão final, baseada no número de votos recolhido por cada projecto, foi contestada pelo agente da segunda classificada, uma artista chamada Grada Kilomba. O referido agente pretendia que a sua representada é que devia ganhar e contestou a decisão do júri. A partir de agora uso, com a devida vénia, excertos do artigo de Patrícia Fernandes. “O concurso - diz ela- parece ser mais uma trapalhada do governo, tendo gerado críticas generalizadas quanto a prazos, regras e mecanismos. Mas os artistas e os curadores concorreram tendo conhecimento das regras estabelecidas e aceitaram-nas no momento da candidatura. Naturalmente, os derrotados têm legitimidade para recorrer do resultado se entenderem que as regras não foram cumpridas – no entanto, a polémica que tem ocupado o espaço público é outra: dentro da lógica identitária e antissistema, o que se tem questionado é o facto de as regras previamente estabelecidas não terem conduzido ao resultado que foi pré-definido por aqueles que têm contestado a decisão final do concurso.” E sublinha uma questão importante: “A crise da arte chegou aqui: já não discutimos o objeto em si, mas as identidades dos artistas e a necessidade de as regras no mundo da arte responderem a exigências identitárias.” E conclui: “Essa visão totalitária decorre da própria supressão das fronteiras entre esfera pública e esfera privada quando afirmamos que o pessoal é político. Ao fazê-lo, eliminamos a possibilidade da diferença, da criatividade e da crítica livres e da arte como objeto de beleza e admiração, porque tudo o que fazemos deve subordinar-se à lógica política.“ Patrícia Fernandes cita, a propósito George Orwell: “não podemos realmente sacrificar a nossa integridade intelectual em nome de um credo político – ou pelo menos não podemos fazê-lo e permanecer escritores”. E termina com um alerta: “Isto revela como a deriva politizadora e identitária repete a mesma lógica da utilização da arte por parte dos regimes totalitários do século XX”
FOLHEAR IMAGENS - A minha recomendação para iniciar o ano é o livro “Um Passeio de Lisboa a Cascais - postais e fotografias do passado”. Esta edição, de 168 páginas, foi desenvolvida por Miguel Gaspar, Beatriz Horta Correia, Nuno Gaspar e Ana Nobre de Gusmão. É um álbum que recolhe imagens desde o final do século XIX até meados do século XX, num percurso que começa no Terreiro do Paço e se estende até Cascais. O eixo é o percurso da linha de comboio, o território da visão é, quase sempre, o que se apanha da linha de comboio e da estrada marginal. O ponto de partida foi uma colecção de postais ilustrados do avô de uma das autoras, Ana Nobre Gusmão, a que se foram adicionando postais de outras colecções e fotografias de diversas colecções. Retomando a visão que se tem na viagem de Comboio, Ana Nobre de Gusmão escreve no início do livro: “Se partir para Cascais sentado do lado esquerdo do comboio e regressar a Lisboa do lado direito, a paisagem continua a ser a que se espraia através da janela, o comboio a deslizar nos carris. Do outro lado foram destruídos fortes e conventos, casas e palacetes, bosques e jardins, para dar lugar à crescente mancha urbana.” A primeira imagem que aparece no livro é datada de 1901 e mostra o Terreiro do Paço de então. E a última é o mar, na Boca do Inferno, a ser visto, das rochas, por três pessoas. Separados por escassas dezenas de quilómetros, assim se vê o centro do poder do país e o mar onde Portugal acaba. Há imagens muito curiosas como o mercado do peixe da 24 de Julho em 1905, Alcântara vista do rio no final no século XIX, gado bravo na Praça de Algés em 1909, a praia de Pedrouços, a praia de Carcavelos, os fatos de banho da época, as então termas do Estoril, a construção do Casino, postais de publicidade do Hotel Atlântico no início do século XX. O livro é uma viagem no tempo que permite o confronto com o presente.
UM TRIO - Este é um daqueles discos ideais para se ouvir sossegado, ao fim da tarde, no regresso a casa, eventualmente com um aperitivo na mão. Fechem os olhos e ouçam. Não se vão arrepender. Falo de “Skyline”, o álbum do final de 2021 que junta o pianista cubano Gonzalo Rubalcaba com Ron Carter no baixo e JackDe Johnette na bateria. É um trio imperdível, sobretudo porque “Skyline” junta standards da música cubana com originais dos membros do trio, incluindo temas de Carter e DeJohnette. Rubalcaba retorna às sonoridades do seu país, de onde emigrou há duas décadas e onde aprendeu a música que hoje toca. O disco é também uma demonstração das potencialidades de uma das formações de jazz que mais me agradam, o trio piano, baixo, bateria. Entre os temas clássicos contam-se “Lagrimas Negras”, “Novia Mia” e “Siempre Maria” e, de entre os originais de Jack DeJohnette, destaco”Ahmad The Terrible”, uma homenagem do baterista a Ahmad Jamal, com quem tocou tantas vezes, e também “Silver Hollow”, onde Rubalcaba mostra como o piano pode transmitir emoções de forma intensa. Finalmente, a faixa final das nove que compõem o álbum é “RonJackRuba”, um improviso não planeado, gravado ao vivo no estúdio onde “Skyline” foi produzido. Disponível em streaming.
OVOS, SEMPRE! - Depois das comezainas de Natal, que tal um jantar simples e que não dá trabalho? Aqui fica a receita que fiz na segunda feira passada: ovos mexidos com salmão fumado e gambas. Para duas pessoas bastam três ovos, desta vez adicionei uma colher de sopa de crème fraiche que tinha sobrado do fim de ano, uma embalagem de 80 gramas de salmão fumado cortado em pedaços, uma dezena de gambas pequenas descascadas, que cozi previamente e deixei arrefecer. Na frigideira coloque uma colher de sopa de manteiga já quando ela estiver bem quente. Os ovos, temperados apenas com pimenta moída na altura, devem ser muito bem batidos, de preferência com a varinha mágica para ficarem leves. Primeiro deitam-se os ovos, que se vão mexendo com uma espátula em lume brando. Quando começarem a ficar prontos deita-se o salmão e os camarões e mexe-se bem, já com o fogão desligado. Mistura-se tudo bem aproveitando ainda o calor da frigideira, divide-se em dois pratos e salpica-se com cebolinho fresco picado. Acompanha com salada e tostas. Bom apetite.
DIXIT - “Antes, o artista era alguém que olhava a tela em branco e pensava: “Ah, tantas possibilidades!” Agora é alguém que pensa: “Tela em branco? Em branco? Racismo!”- José Diogo Quintela
BACK TO BASICS - “A sobreposição do discurso e da ideologia à produção material artística é o eclipse da obra de arte” - Robert Klein
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