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FAKE NEWS - O primeiro-ministro António Costa considera-se perseguido por fake news - e não estou a falar da distracção lateral sobre facturas de refeições. Falo de outras situações - nomeadamente da forma como o Costa governante fala do livro sobre o ex Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, onde ele afirma ter sido pressionado pelo primeiro-ministro a propósito de Isabel dos Santos. Mas há mais: já este mês surgiu o célebre caso de Miguel Alves, sobre o qual, até ao momento em que escrevo este artigo, o primeiro-ministro nada disse. Fica-se obviamente na dúvida sobre se considera que Miguel Alves esteve bem, ou se tudo o que surgiu se resumia a um amontoado de fake news. As revelações destes dois casos devem-se a dois dos melhores jornalistas de investigação que temos - António Cerejo, do “Público”, no caso de Miguel Alves, e Luís Rosa, do “Observador”, no caso de Carlos Costa. Estes são apenas dois temas recentes, mas há um padrão em António Costa quando surgem acusações: negar, evitar responder, mudar de assunto. O seu comportamento, que sempre foi esquivo em relação a esclarecer situações complicadas, agravou-se desde que tem maioria absoluta. Reconheça-se que não está sozinho nesta tarefa de ocultação. Arrisco-me quase a dizer que nestes casos é seguido o velho lema “o segredo é a alma do negócio”. Houve mesmo neste processo uns guardiões do templo que se insurgiram contra as investigações a Miguel Alves e outros que não acharam de todo adequado que alguém revele o que se passou enquanto teve responsabilidades - coisa usual numa série de países onde fazer o balanço público da actuação faz parte daquilo que se espera que aconteça. Aqui, prefere-se a ocultação. O actual governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, que foi recordado do que aconteceu no caso do Banif quando era ministro das finanças, veio em defesa de Costa dizer que é “preciso respeitar as instituições que se representam não só enquanto se está no cargo mas, também, quando se abandonam essas funções”. Como escreveu João Miguel Tavares, “o mais interessante na polémica entre os dois Costas é aquilo que esse episódio revela da forma como o primeiro-ministro exerce o poder.” Ele, e os que o ajudam, acrescento eu.
SEMANADA - Cada português produz 511 kgs de lixo por ano; os empréstimos para comprar carro já atingiram o valor de seis milhões de euros por dia e em cada dez milhões de crédito, oito destinam-se à aquisição de carros usados; este ano já se registaram 397 casos de atropelamento com fuga dos condutores; entre os dias 14 e 21 de Novembro foram detectados quase 12 mil condutores em excesso de velocidade e registaram-se 2935 acidentes com vítimas, que causaram, sete mortos, 41 feridos graves e 772 feridos ligeiros; Lisboa e Cascais são os dois únicos do país com roteiro para alcançar as metas da descarbonização; os salários na banca e seguros caíram 22,7% desde 2015 e o sector financeiro foi o que teve a maior perda de poder de compra; o preço médio das casas em Portugal aumentou 19,5% num ano; em Setembro e Outubro inscreveram-se nos centros de emprego mais de 50 mil pessoas por mês, o que não acontecia desde Outubro de 2020; João Cravinho criticou a proposta de revisão constitucional do PS por ser omissa em relação à questão da regionalização; a OCDE alertou para a existência de riscos de atraso na execução do PRR; Mário Centeno reconheceu que o PRR podia estar a andar mais rápido; este ano os acidentes de trabalho já provocaram 94 mortes e 247 feridos; na Zona Euro a taxa de juro dos depósitos até um ano está nos 0,56%, enquanto em Portugal está nos 0,05%, ou seja,a média da Zona Euro é 11 vezes mais alta que em Portugal.
O ARCO DA VELHA - Um estudo realizado entre 2018 e 2019 revela que 257 pessoas recorreram às urgências de ortopedia do Hospital de S. José, devido a incidentes com trotinetas, e a PSP já registou este ano quase 500 acidentes com trotinetas.
OBRAS CRUZADAS - O destaque desta semana vai para a nova exposição do Atelier-Museu Júlio Pomar, que junta obras de Júlio Pomar às de três artistas contemporâneos: André Romão, Jorge Queiroz e Susanne Themlitz. Estes três artistas foram convidados por Sara Antónia Matos, directora do atelier-museu e curadora da exposição, a estabelecerem um diálogo com as obras de Júlio Pomar, sob a designação “Em Matéria de Matérias Primas”, título extraído de um texto do próprio Pomar para o seu livro “Autobiografia”, em 2004. As obras de Pomar que estão expostas são um conjunto de pinturas da série “Mascarados de Pirenópolis”, realizadas em 1987-1988, após uma estada do pintor no Brasil onde, precisamente em Pirenópolis, assistiu às Festas do Divino Espírito Santo. E é essa celebração de rua, em que os habitantes da terra montam, mascarados, cavalos enfeitados, que Pomar usou como inspiração. Nesta exposição estão patentes vários quadros dessa série (talvez o maior conjunto reunido nos últimos anos), que permitem ver o trabalho de uma época particularmente interessante de Júlio Pomar, em obras transbordantes de energia que o artista soube transmitir (na imagem). Já agora deixo a nota de que na Galeria Artur Bual/Casa Aprígio Gomes, na Amadora, está patente a exposição “Júlio Pomar - A Mão que Vê”. Outros destaques da semana: na Cristina Guerra Contemporary Art pode ser vista até 7 de Janeiro uma exposição colectiva com curadoria de Sérgio Mah e que agrupa obras de Sérgio Carronha (escultura), Fernão Cruz (pintura), Francisca Carvalho e Gonçalo Pena (desenho). Em Cascais, na Casa de Histórias Paula Rego, a nova exposição, com curadoria de Catarina Alfaro, é centrada na actividade da artista nos anos 70 e tem por título “Histórias de Todos os Dias”, e inclui desenhos a tinta da china que evocam as suas memórias infantis e juvenis.
HISTÓRIAS DE BATALHAS - Hoje recomendo-vos as aventuras de Beowulf, contadas no mais longo poema heróico composto em Inglaterra e o mais antigo das línguas modernas da Europa. Desconhece-se o autor original de Beowulf, embora se reconheça que tenha sido produzido no período anglo-saxónico (449-1066), com base, provavelmente, na tradição oral deste tipo de histórias. O único manuscrito disponível, descoberto no século XVIII, tem a marca caligráfica de dois monges copistas. A obra narra as façanhas do grande herói Beowulf, desde a sua juventude até se tornar rei em idade adulta, detendo-se nas batalhas que trava contra três criaturas monstruosas: Grendel e sua mãe, que habitam zonas ermas e pantanosas, e um dragão cuspidor de fogo que põe em risco a existência do seu povo. Menosprezado durante muitos anos após ser descoberto no século XVIII, foi J. R. R. Tolkien quem elevou o texto a obra-prima da literatura ocidental, usando-o como inspiração para a sua famosa trilogia O Senhor dos Anéis. Pela primeira vez esta obra foi agora editada em português europeu, numa tradução de Angélica Varandas e Luísa Azuaga a partir do inglês antigo, língua original em que foi escrita. “Beowulf” é uma edição da Assírio & Alvim.
MIX INTERCONTINENTAL - Que disco pode acontecer quando um trompetista nascido no Líbano, que cresceu em França e é fã de hip-hop e Rhythm & Blues, que estudou música clássica, tem tocado em formações de jazz e que é influenciado pela música do médio oriente, junta uma dúzia de convidados especiais? O resultado é um disco surpreendente, o álbum “Capacity To Love” de Ibrahim Maalouf. Ao longo de quase uma hora, e espalhados pelos 15 temas do álbum, estão participações originais e gravações recuperadas de nomes como Charlie Chaplin ( gravação de um dos seus discursos em The Great Dictator), a brasileira Flávia Coelho a cantar em espanhol numa faixa produzida por Tony Romero, Alemeda, De La Soul, o cubano Cimafunk acompanhado pelos Tank and The Bangas de Nova Orleans, os rappers Erick the Architect e D Smoke, o músico francês -M- (Matthieu Chedid) com a cantora americana Sheléa, Dear Silas, JP Cooper, Gregory Porter, Sharon Stone e Austin Brown. Quase no fim do álbum, no tema “Our Flag” surge a voz da actriz Sharon Stone a declamar um poema que ela própria escreveu sobre o estado do mundo, e sobretudo o estado da América, dito de forma arrebatadora, com o trompete de Maalouf a tecer o fundo sonoro de forma intensa. Ibrahim Maalouf consegue fundir vários géneros musicais e estabelecer diálogo com músicos de muitas origens e estilos, sempre com o seu trompete a surgir como um farol que vai guiando o percurso musical. “Capacity To Love” está disponível nas plataformas de streaming.
PROVAR - A semana de divulgação das novas distinções do Guia Michelin em matéria de restaurantes lusitanos é uma boa ocasião para reflectir sobre o sector. Comecemos pelo básico: não falo aqui dos locais onde se vai encher o bandulho, alguns muito estimáveis aliás e, numa boa percentagem, onde se praticam velhas receitas caseiras sem recurso a pré-preparados nem congelados. Foco-me naqueles dias em que me apetece ir para um restaurante descansado, para conversar, ver as vistas, não ter que pensar no que vou cozinhar e menos ainda em levantar a loiça ou pô-la na máquina. Note-se que faço isso muitas vezes, sem sacrifício e até com gosto: cozinhar descontrai-me. Mas às vezes gosto de me sentar, escolher com calma, saborear devagar e poder provar aquilo que normalmente eu próprio não faço. Mas há coisas que me desagradam. A primeira é restaurantes que privilegiam o conceito à comida que servem e ao serviço que oferecem; a segunda é restaurantes com má iluminação, ar condicionado que arrefece o pescoço, má acústica agravada por uma banda sonora de pôr os cabelos em pé e a cabeça à razão de juros. Também me desagradam os sítios onde, quando tenho que ir à casa de banho, fico a olhar para a sinalização das portas como se estivesse a resolver um enigma cabalístico. E não gosto de locais onde é preciso lançar foguetes luminosos para conseguir a atenção de um empregado, que tem o olhar perdido no horizonte em vez de estar atento aos clientes. Tudo isto são coisas que estragam uma refeição. Para a semana continuo com outros capítulos.
DIXIT - “Até quando deixaremos que a «ética republicana» se tenha transformado num manual de emprego privilegiado, num salmo para ajuste directo, numa regra para encomendas familiares e um tratado de recrutamento preferencial” - António Barreto.
BACK TO BASICS - “Quem trabalha sentado geralmente ganha mais do que quem trabalha de pé” - Ogden Nash
OS PROTESTOS - É com certeza lícito protestar. É com certeza lícito chamar a atenção para o que ameaça a Humanidade. E é com certeza um bom sinal que os mais novos, que têm estado tão alheados de actos eleitorais e da participação política, resolvam agir. O que tem acontecido nos últimos dias mostra que começam a surgir formas de intervenção cívica, na geração que tem protagonizado estas movimentações, que vão muito além da acção política tradicional e que são muito diferentes do enquadramento que os partidos tradicionalmente proporcionam. Estas formas de acção não são novas, correm ciclicamente, revelam a dinâmica da sociedade e colocam claramente em causa a forma como as gerações mais novas consideram que podem usar a sua voz. Como todos os movimentos que estão a despontar, nem tudo é perfeito. Os protagonistas dos protestos querem ser ouvidos, querem ser levados a sério nas suas ideias. Para conseguirem alcançar esses objetivos devem ter em conta um princípio básico: o equilíbrio entre ganhar simpatia para as suas causas e provocar antagonismo é muito frágil e pode deitar abaixo os seus esforços. Se o modo de fazer política é diferente, há um objectivo que é sempre comum: a eficácia da comunicação. Quando o mensageiro se sobrepõe à mensagem as coisas começam a funcionar menos bem. E foi isso que nalguns casos aconteceu. É lícito criar situações que chamem a atenção, não é lícito que isso se faça a limitar a liberdade de outras pessoas. Falando de outra maneira: quem impede o acesso e encerra edifícios públicos está a condicionar quem os quer frequentar. É sempre preciso, se queremos que a democracia exista, deixar tanto espaço como aquele que reivindicamos para nós próprios, para quem não está de acordo com as nossas ideias e objetivos. Este equilíbrio é difícil mas consegui-lo é fundamental. Seria uma pena que causas justas fossem poluídas e diminuídas por gestos gratuitos, sem significado, cujo resultado pode ser criar anti-corpos e, em última análise, favorecer a extrema-direita. E tudo sob uma capa de esquerda. As aparências, por vezes, iludem.
SEMANADA - Quase 40% dos lugares para professores estão ainda por preencher; 200 mil computadores pagos pelo PRR e destinados a escolas e alunos ainda estão encaixotados e não foram distribuídos; a presidente do Conselho de Finanças Públicas disse que os níveis de execução do Plano de Recuperação e Resiliência “são muito inferiores ao que seria expectável” e manifestou dúvidas sobre o alcance estrutural do programa; a inflação nos alimentos supera 18%, com o leite, queijo e ovos a subirem 22% e os produtos hortícolas 26,2%; segundo as previsões da Comissão Europeia a economia portuguesa é a que mais vai cair no conjunto de 2022 e 2023; entre 2020 e 2021 houve 35 crianças com menos de 12 anos que praticaram crimes graves, nomeadamente envolvimento no tráfico de droga; um quarto dos jovens joga videojogos pelo menos duas horas por dia; a segurança efectuada por forças policiais em dias de folga a jogos de futebol, trânsito e supermercados rendeu mais de 58 milhões de euros no ano passado aos agentes que quiseram prestar esse serviço; número de licenças para cultivar cannabis quadruplicou desde que foi aprovada a nova lei, há três anos; cerca de 1,3 milhões de portugueses não têm médico atribuído; o Estado arrisca-se a ter de pagar 220 milhões de euros por um contrato sobre o TGV, assinado por Sócrates, e que nunca avançou; segundo a BBC cerca de oito dezenas de jactos privados transportaram para Sharm el-Sheikh participantes na cimeira pelo clima, calculando-se que em média cada um deles foi responsável pela emissão de 50 toneladas de CO2 para a atmosfera.
O ARCO DA VELHA - A Câmara Municipal de Caminha fez alterações ao seu site para evitar o conhecimento integral de documentos que mostravam irregularidades no processo do Centro de Exposições, em que o ex-presidente da autarquia, Miguel Alves, é arguido.
IMAGENS FORTES - Entre Abril e Junho de 2020 Luísa Ferreira fotografou os bastidores da fase inicial da propagação do coronavírus, conseguindo aquilo que, nas palavras de Manuel Heitor, ex-Ministro da Ciência, é um trabalho de comunicação focado “nos processos de fazer ciência e de produzir e difundir o conhecimento sobre o COVID-19 em Portugal”. O resultado desse trabalho foi publicado em 2021 no livro “A Ciência Cura” que inclui mais de uma centena de fotografias de Luísa Ferreira, numa edição da Imprensa Nacional. David Santos, que hoje dirige o Museu do Neo Realismo em Vila Franca de Xira, escreveu para esse livro um ensaio sobre a forma como Luísa Ferreira viu este início do combate ao Covid-19. E, agora levou 39 das imagens do livro (entre as quais a que aqui incluímos) para uma exposição que replica o nome do livro e que está até 26 de Fevereiro no Museu do Neo Realismo (Rua Alves Redol 45, Vila Franca de Xira). No ensaio referido David Santos afirma que “uma fotografia é sempre um diálogo de comunicação” e sublinha que “como a arte pôde acompanhar um processo desta natureza, e como conseguiu afirmar-se enquanto projeto artístico de qualidade inegável”, é um dos maiores resultados do amplo trabalho de Luísa Ferreira. E, se forem ver esta exposição não percam, no mesmo local, uma outra magnífica exposição de fotografia, “A Família Humana”, comissariada por Jorge Calado e que, na montagem actual, inclui algumas novas fotografias que o Museu entretanto adquiriu. Finalmente, para continuarmos na fotografia destaca-se a nova exposição da “Salut Au Monde”, no Porto (Rua de Santos Pousada 620). “Dialectos” mostra o trabalho do fotógrafo colombiano Felipe Romero Beltrán que ganhou o prémio de melhor portfólio atribuído pela Aperture, tendo já sido exposto em Nova Iorque, Paris, Breda e Mannheim. O trabalho desenvolve-se em torno da aprendizagem do espanhol por um grupo de jovens refugiados magrebinos num centro de acolhimento em Sevilha.
A HISTÓRIA DA GUERRA - Quando Antony Beevor escreveu o seu novo livro, editado no início deste ano, a Rússia ainda não tinha invadido a Ucrânia. Mas o que ele conta da história da Rússia no início do século passado, no período logo a seguir à revolução de 1917 e durante os anos da guerra civil que se lhe seguiu, é uma lição para o que se passa hoje. Beevor é um historiador britânico que se tem dedicado a escrever, com êxito, sobre grandes batalhas. Um dos seus livros mais conhecidos é “Berlim- A Queda 1945”, cheio de informações sobre a pouco estudada ocupação soviética de Berlim, nomeadamente a revelação das atrocidades cometidas no final da guerra pelo Exército Vermelho contra a população da Alemanha. O novo livro de Antony Beevor é sobre a guerra civil na Rússia, que sucedeu à queda do império czarista, em 1917, tendo-se arrastado até 1921, um conflito entre as tropas vermelhas de Trotsky e de Lenine, contra os brancos, uma aliança entre socialistas moderados e monárquicos reacionários. Mais de dez milhões de pessoas morreram nesta guerra, muitas vezes em episódios de uma enorme crueldade. O receio de que a revolução se estendesse para fora da Rússia levou à intervenção de diversos exércitos estrangeiros, bem como de antigas partes do império russo. «Os dois extremos destruíram-se entre si em ambos os casos e o círculo vicioso de retórica e violência foi um fator decisivo na ascensão de Hitler e na própria Segunda Guerra Mundial», explica Beevor, sublinhando: «Nenhum país consegue escapar aos fantasmas do seu passado, muito menos a Rússia.» E é por isso que este livro é, também, uma lição angustiante para a actualidade. “Rússia- Revolução e Guerra Civil 1917-1921”, edição Bertrand.
SOUL MAN - Ao longo da sua longa carreira Bruce Springsteen, agora com 73 anos, tem recorrido com alguma frequência a originais de outros músicos, que recria em versões suas e interpretou temas popularizados pelos Beatles, por Patti Smith ou Jimmy Cliff, para além de em tempos ter revisitado com as suas próprias interpretações a obra de Pete Seeger com o álbum “We Shall Overcome”, de 2006. Desta vez dedicou-se a uma das suas paixões pessoais, a música soul. “Only the Strong Survive” é o vigésimo primeiro álbum de estúdio de Bruce Springsteen. Ao todo são quinze temas soul, desde clássicos como “Turn Back The Hands Of Time” de Jimmy e David Ruffin, até canções popularizados por Jerry Butler, como a que dá título ao disco, “Only The Strong Survive”, Commodores (“Nightshift”), Four Tops (“When She Was My Girl”), Temptations (“I Wish It Would Rain”) ou Sam & Dave (“Soul Days”). Aqui estão ainda outros temas clássicos da soul como “What Becomes Of The Brokenhearted”, também de Jimmy Ruffin, “Do I Love You” de Frank Wilson ou o tema escolhido para ser a última faixa do disco, “Someday We Will Be Together”, de Diana Ross & The Supremes. Gravado no seu próprio estúdio durante um dos confinamentos, com a ajuda do produtor Ron Aniello que toca a maior parte dos instrumentos, “Only The Strong Survive” é uma curiosa viagem de Springsteen por mais um dos alicerces do cancioneiro popular norte-americano. Disponível nas plataformas de streaming.
PETISCO SOLITÁRIO - Quando não sei o que hei-de cozinhar e estou sozinho, a primeira coisa em que penso é numa massa, nomeadamente esparguete. Na semana passada dei comigo a cozer uma dúzia de camarões de bom porte e a abrir uma lata pequena de anchovas. O camarão foi cozido levemente para ficar com boa consistência e as anchovas, depois de escorridas do óleo, foram cortadas em pequenos pedaços. O passo seguinte foi bastante simples: cozer o esparguete em água abundante e salgada até ficar al dente, reservando uma chávena de chá da água da sua cozedura. Entretanto numa frigideira funda cozinhei em bom azeite tomate cherry cortado aos quartos, até ficarem a amolecer, a que juntei os camarões e as anchovas, misturando tudo muito bem. No fim deitei por cima o esparguete cozido, envolvendo-o nos camarões e anchovas. Acrescentei um pouco da água da cozedura para a massa ficar bem solta, espremi meio limão, voltei a envolver tudo e temperei com pimenta preta moída na altura. Acompanhou com um vinho branco do Douro. A sobremesa foi de época - dióspiro bem maduro, aberto em quatro partes e generosamente polvilhado de canela.
DIXIT - “Um candidato (presidencial) militar seria uma demonstração do carácter diminuído da nossa democracia” - Miguel Poiares Maduro.
BACK TO BASICS - "Em caso de dúvida, diga a verdade" - Mark Twain
UM BECO SEM SAÍDA - Dois casos dominaram a semana: o aviso deixado pelo Presidente da República sobre a execução dos fundos do PRR, que se encontra num nível baixíssimo e essencialmente consumidos pela Administração Central, e a polémica em torno das acusações que pendem sobre o Secretário de Estado Miguel Alves, constituído arguido em dois processos, no seguimento dessas acusações. Os dois casos têm um pano de fundo comum: um grande silêncio de António Costa. O silêncio teve já um efeito colateral: surgiram vozes no PS incomodadas com o facto de um membro do Governo ser arguido sem que isso tenha consequências. Que me lembre é a primeira vez que, de dentro do PS, surgem críticas que têm um ponto comum com a oposição: a necessidade de se assumirem responsabilidades e daí se tirarem efeitos práticos. Costa, já se sabe, não fala sobre polémicas, escudando-se umas vezes no segredo de justiça de casos sob investigação, noutras com o facto de não querer comentar o que se passa no seu Governo enquanto está no estragngeiro. Mas, como nos últimos tempos tem estado bastante frequentemente além-fronteira - esta semana está no Egipto, na COP - é-lhe cada vez mais fácil evitar pronunciar-se sobre situações incómodas. Ainda na semana passada aqui falei sobre o desgaste que situações como a de Miguel Alves causam na democracia e no desencanto que provocam nos eleitores. Há mais casos que surgem todos os dias, vindos de outros partidos. Esta situação de ping-pong de acusações é outro facto de descrédito da actividade política e nada disto é inocente: “ai andas a acusar-nos? espera aí que já levas”. No meio de tudo isto raramente se sabe em tempo útil o desfecho de investigações, porventura há acusados inocentes e culpados ignorados. Assim não vamos a lado algum. Ou, para citar António Costa, que no COP teve, nas suas palavras, “um bonito encontro” com o presidente Venezuelano Nicolas Maduro, Portugal “vai andando”, mas “as coisas não estão fáceis”.
SEMANADA - Lisboa teve em Outubro mais 55 vôos nocturnos do que o permitido; os lesados do incêndio da Serra da Estrela de há três meses, ainda não tiveram quaisquer apoios e o processo de ajuda está muito atrasado; dos mais de 16 mil milhões contratados no âmbito do PRR só foram pagos um pouco mais de mil milhões até final de Outubro, 828 milhões dos quais foram recebidos pelo sector público; os maiores investimentos públicos feitos até agora com os fundos do PRR foram aquisição de computadores e material informático para serviços públicos e de helicópteros para combate a incêndios, o primeiro com 53,9 milhões e o segundo com 42,9 milhões; a produção de azeite este ano vai sofrer uma quebra entre os 30 e 40% em relação ao ano passado; o Banco Português de Fomento foi criado há dois anos e continua a ser acusado de não cumprir a sua missão de promoção e desenvolvimento da economia e, segundo a Comissão de Auditoria do Banco, continua a haver dificuldades, por falta de informação, em controlar o que se passa na instituição; o investimento em imobiliário por via do programa dos “vistos gold” representa 3,5% do montante total investido no mercado nacional na última década, mas este peso tem vindo a cair nos últimos anos e hoje representa apenas 1,5% do total; norte-americanos e brasileiros são, segundo as principais agências imobiliárias, os responsáveis pela maioria de compras de casas por estrangeiros em Portugal este ano, mas em Lisboa a liderança é dos franceses; existem cerca de 280 mil pessoas inscritas nos centros de emprego, das quais 120 mil não recebem qualquer subsídio; dados do Ministério da Justiça mostram que as insolvências dos particulares representam atualmente mais de 70% do valor total dos processos de insolvência decretados pelos tribunais portugueses.
O ARCO DA VELHA - Madrid tem 3,3 milhões de habitantes e Lisboa pouco mais que 500 mil, mas em Lisboa existem três vezes mais trotinetes eléctricas do que em Madrid.
DESCOBRIR O OUTRO LADO DE CHAFES - Depois das exposições que estão patentes em Serralves e em Lisboa na Fundação Arpad-Szenes - Vieira da Silva, Rui Chafes apresentou um livro dedicado ao seu trabalho em desenho. Com quase 400 páginas, e editado pela Pierre Von Kleist com o apoio do Centro Internacional das Artes José de Guimarães, “Diários” reproduz uma extensa recolha de desenhos de Chafes que foram o tema da exposição “Desenho Sem Fim”, mostrada em Guimarães em 2018 e na Casa da Cerca, em Almada, em 2019. Extra-texto o livro reproduz uma conversa de Chafes com os curadores da exposição, Delfim Sardo e Nuno Faria, sobre a forma como o artista encara o desenho, tema em que é sempre muito reservado. Antes de começar a fazer escultura, aos 18 anos, Rui Chafes conta que só desenhava e na conversa referida, sublinha: “O desenho é a base de tudo, do meu pensamento, do meu trabalho,da minha escultura, até das minhas palavras” -- é o seu outro lado. “Diários” reproduz, entre muitos outros, desenhos feitos desde 1988, para a exposição “Amo-te: o teu cabelo murcha na minha mão (entre este mundo e o outro, não tenham nem um pensamento a mais)”, desenhos para uma exposição de 2011 na Galeria João Esteves de Oliveira #Inferno (a minha fraqueza é muito forte)” e também desenhos feitos para a edição “Fragmentos de Novalis”, de 1992, entre muitos outros. Já que falo de Chafes desafio os leitores a uma visita a Serralves para verem “Chegar Sem Partir”, que tem trabalhos no interior do museu e no Parque, um deles feito expressamente para o local. No Museu, Chafes mostra o resultado de mais de três décadas de actividade com um conjunto de esculturas mas também com uma sala dedicada a desenhos. Mas arrisco dizer que a parte mais interessante da exposição decorre no Parque de Serralves onde há nove trabalhos espalhados, alguns quase escondidos, outros numa fusão com a natureza (na imagem) que chega a ser perturbadora. É aliciante percorrer o espaço do Parque de Serralves e procurar as esculturas, seguir o mapa como quem segue pistas de um enigma, que acaba e se revela na peça “Travessia”, uma passagem para outra dimensão do trabalho de Rui Chafes.
SABER OLHAR PARA O TERRITÓRIO - “Paisagem Portuguesa” é uma viagem pelo trabalho fotográfico de Duarte Belo sobre o território português. No livro, agora editado, e que tem textos do geógrafo Álvaro Rodrigues enquadrando cada imagem, há 141 fotografias. A primeira mostra a foz do Rio Minho, em Vila Nova de Cerveira, em 2002, e a última, de 2006, mostra a Ilha do Corvo, como é vista por quem chega por mar. Mas há fotografias recentes, de 2021 e 2022, nomeadamente da ilha da Fuzeta, da central solar fotovoltaica da Amareleja, de Sines ou de Barrancos. Este não é um livro de postais ilustrados, mas um registo do que é o território de Portugal, feito com rigor e de forma sistemática. O livro não mostra pessoas, mas o que existe à volta das pessoas - a paisagem dura, o mar, a serra, as planícies, e também os frutos da intervenção da mão humana, nas casas, nas estradas, em edifícios ou equipamentos diversos. Duarte Belo sublinha que “são virtualmente ilimitadas as possibilidades de representação da paisagem pela fotografia”. E Álvaro Domingues sublinha como o trabalho de Duarte Belo mostra “a diversidade e complexidade da paisagem portuguesa”. Duarte Belo, um arquitecto dedicado à fotografia, tem uma longa actividade que tem mostrado em exposições e em edições, como “Portugal: O Sabor da Terra”(1996-1997), “Portugal Património” (2007-2008) ou “Portugal luz e sombra” (2012) e a trilogia composta por “Caminhar oblíquo”, “Depois da estrada” e “Viagem maior” (2020). O trabalho de mapeamento fotográfico do espaço português deu origem a um arquivo fotográfico de mais de 1 880 000 imagens. É editor do blogue Cidade Infinita. Expõe desde 1987 e participa regularmente em actividades pedagógicas, conferências e mesas redondas. “Paisagem Portuguesa” é uma edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
MÚSICA PARA UM BATERISTA - Paul Motian foi um dos mais importantes e influentes bateristas de jazz que acompanhou nomes como Bill Evans ou Keith Jarrett, tendo mais tarde formado um trio com o guitarrista Bill Frisell e o saxofonista Joe Lovano. Agora a editora ECM desafiou um grupo de músicos de várias gerações para a gravação de uma homenagem a Paul Motian - “Once Around The Room”. Nos seis temas desta gravação tocam Joe Lovano no saxofone, Jakob Bro na guitarra, Larry Granadier, Thomas Morgan e Anders Christensen no baixo e Joey Baron e Jorge Rossy na bateria. O disco recupera temas e sonoridades de várias fases da carreira de Paul Motian, com destaque para “Drum Music”, e inclui um improviso de todos os participantes, intitulado “Sound Creation”, além de temas de Lovano como “For The Love Of Paul”: Destaque ainda para a envolvente balada “Song For An Old Friend”, que evoca o trabalho do trio de Motian, Lovano e Frisell. “Once Around The Room” está disponível nas plataformas de streaming.
ENTRE BACON E ESPARGOS COM MARMELADA A REMATAR - Hoje vou contar a minha aventura da semana: fazer um jantar a partir de espargos congelados. O primeiro passo, depois de os descongelar, é salteá-los em azeite até começarem a ficar tostados. Nesse ponto pode reservá-los em cima de papel absorvente e deixar arrefecer um pouco. O passo seguinte é fazer pequenos molhos de quatro-cinco espargos e enrolar à sua volta duas ou três fatias de bacon de boa qualidade - a ideia é que cada molho fique bem forrado pelas fatias enroladas do bacon. Uma vez feita esta parte volta tudo à frigideira, sem mais gordura, para tostar o bacon da forma mais uniforme possível, fazendo rolar cada molho de espargos. Quando esta parte estiver quase pronta pode fazer numa outra frigideira ovos mexidos, mal passados, e servi-los de imediato, juntando em cada prato os espargos com bacon. Acompanha com um vinho tinto de boa qualidade, um naco de pão levemente torrado e, para sobremesa, marmelada fresca deste ano com fatias de queijo de S. Miguel.
DIXIT - “Nunca o luxo vendeu tanto. Nunca tantos estiveram em risco de pobreza. É um paradoxo. Mas não é novidade que o excesso de liquidez aproveita mais aos ricos que aos pobres” - Luís Marques.
BACK TO BASICS - “Todo o ser humano deve ser inconformista” - Ralph Waldo Emerson
A DOENÇA DO REGIME - Nas últimas semanas sucederam-se os casos em que políticos no activo, de membros do governo a autarcas, foram acusados de irregularidades no exercício dos seus cargos, envolvendo corrupção e favorecimento em negócios de familiares, amigos ou conhecidos. Não estou sequer a falar de outro género de acusações, de eventuais conflitos de interesse, uns mais evidentes, outros menos. Falo sobretudo dos casos conhecidos nos últimos dias e que configuram abuso de poder e favorecimento em negócios. O que é certo é que esta situação provoca um ainda maior descrédito na classe política e atinge transversalmente os principais partidos. Para além da responsabilidade dos visados, que terá de ser apurada, há duas questões que saltam à vista: um sentimento de impunidade e a ausência de mecanismos de controlo eficazes. Num dos casos, de um autarca do norte, uma reportagem relatava várias declarações de pessoas da sua terra que diziam não estar espantadas, reconhecendo que há muito se falava do assunto. A coexistência tolerante aumenta a impunidade e a falta de controlo, a começar pela que devia ser feita pela oposição local, e mostra uma teia de cumplicidades que augura o pior. E, por pano de fundo, está como sempre a lentidão da investigação, uma justiça paralisada, poderes variados que não se interessam por apurar a verdade nem em colocar em acção legislação e organismos que eram supostos diminuir os riscos que tudo isto traz ao sistema político. Basta recordar que a Entidade para a Transparência, o organismo criado há três anos para fiscalizar os rendimentos dos políticos, ainda não tem data para começar o seu trabalho.
SEMANADA - Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior aumento de mortes em acidentes de trabalho; segundo o INE em 2020 mais de 228 mil pessoas caíram na pobreza; a Anacom identificou 470 mil alojamentos em áreas sem internet de alta velocidade; os preços das casas subiram 17,8% no segundo trimestre deste ano; 35% da energia eléctrica consumida em Portugal no mês de Outubro foi importada de Espanha; no terceiro trimestre deste ano as receitas da Apple cresceram 8%, as da Alphabet (Google, You Tube….) cresceram 6% e as receitas da Meta (Facebook, Instagram, Whatsapp…) caíram 4%, enquanto as da Amazon cresceram 15%; mais de 15 mil pessoas estão à espera de exame para tirar carta de condução, um terço dos quais há mais de três meses; de Janeiro a Outubro a factura de electricidade de clientes domésticos subiu entre 31 e 58%, dependendo dos fornecedores; no caso dos clientes empresariais há aumentos em PME’s que ultrapassam os 300% no mesmo período; a taxa de poupança dos portugueses caíu de 14,3% em 2021 para 5,90% este ano; o aumento das taxas de juros faz com que a prestação de um empréstimo à habitação de 150.000 euros tenha aumentado 50% no espaço de um ano; o preço dos funerais está a aumentar devido ao preço dos combustíveis; por cada 100 euros de salários os trabalhadores portugueses pagaram, em média, 37,6 euros em impostos e contribuições para a segurança social; actualmente, e em comparação com o primeiro trimestre do ano, Portugal regista o maior abrandamento da actividade económica, num grupo de dez países da União Europeia.
O ARCO DA VELHA - O Observatório Astronómico de Lisboa deixou de ter astrónomos.
A CÔR E A PINTURA - “Topomorphias” é o título da exposição que Jorge Martins apresenta em todo o primeiro piso do Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, em Évora. “As obras reunidas nesta mostra foram escolhidas pelo artista seguindo um desejo prévio: o de conceber uma exposição a partir da sua produção mais recente em pintura. Algumas obras remontam ao início dos anos de 2010, mas a grande maioria foi produzida após 2018, incluindo inúmeras obras realizadas durante o período do surto pandémico. É, pois, revelador que, num tempo de angústia, isolamento social e desencanto anímico, o artista não tenha esmorecido a sua verve criativa. Pelo contrário, o volume e a qualidade das obras patenteiam um fulgor inventivo que, contornando os constrangimentos do mundo exterior, compõem um imaginário pleno de luminosidade e vitalidade estética” - escreveu Sérgio Mah no catálogo da exposição, que ficará patente até 26 de Março. Numa entrevista ao “Público” Jorge Martins sublinha que apesar de todas as transformações, das tendências e de novos suportes, “a pintura não morreu” e defende que a função do pintor “é dar uma lógica às cores”. Outro destaque da semana vai para “Ventanias”, a nova exposição de Pedro Chorão, que apresenta oito trabalhos inéditos na Galeria Sá da Costa, no Chiado, em Lisboa, acompanhados por oito aforismos escritos para esta série de pinturas por Yvettte Centeno, como este:”no preto e branco, o suave sopro da forma”. Finalmente na Fundação Carmona e Costa estão duas novas exposições - “Laranjas” de Luis Paulo Costa e “Pororoca”, de Cristina Lamas.
UMA HISTÓRIA JAPONESA - “Cavalos em Fuga” é o segundo romance da tetralogia “Mar da Felicidade”, do japonês Yukio Mishima. A história passa-se entre Junho de 1932 e Dezembro de 1933 e relata a vida de Isao Iinuma, um jovem japonês treinado pelo seu pai no código de honra dos samurais, que admira e são a sua inspiração e, diga-se, também do próprio Mishima. Convicto de que um grupo de novos políticos e industriais está a macular a honra do país e a usurpar os legítimos poderes do imperador, Isao põe em marcha um plano terrorista, com o objetivo de violentamente repor a ordem devida. Mishima retoma um dos personagens surgidos no primeiro romance da tetralogia, “Neve de Primavera”, um juiz colocado em Osaka, Shigekuni Honda. O juiz é profundamente impressionado pelo vigor puro e apaixonado de Isao, e acredita ser ele a reencarnação de Kiyoaki Matsugae,um seu amigo desaparecido de forma trágica há vinte anos e cuja história é contada em “ Neve de Primavera”. O pano de fundo de tudo isto é dado pelas transformações que surgem no Japão no processo de transição de uma sociedade feudal, e que começa a sofrer as influências do ocidente, uma situação que serviu de rastilho à entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial. Yukio Mishima, o pseudónimo de Kimitake Hiraoka, nasceu em Tóquio em 1925 e suicidou-se praticando o ritual japonês seppuku (abrindo o próprio ventre com um sabre), a 25 de novembro de 1970, para mostrar a sua discordância perante o abandono das tradições japonesas e a aceitação acrítica de modelos consumistas ocidentais. Foi o idealismo e a admiração pelo tradicionalismo militar e espiritual dos samurais que moldou toda a sua obra. “Cavalos em Fuga” foi editado pela Livros do Brasil com tradução, a partir da edição inglesa, de Tânia Ganho.
JAZZ NÓRDICO - The Arild Andersen Group junta nomes sonoros do jazz norueguês, a começar pelo seu líder, o baixista Arild Andersen, que chamou para o seu lado Marius Neset no sax tenor, Helge Lien no piano e Håkon Mjåset Johansen na bateria. O resultado do trabalho destes quatro músicos, que nunca tinham gravado juntos, é o álbum “Affirmation”. Aos 77 anos Arild Andersen continua a surpreender nesta gravação efectuada em Novembro de 1921 no Rainbow Studio em Oslo. Logo no segundo dia de gravações Andersen propôs que experimentassem fazer uma improvisação colectiva. “Sem que nada estivesse preparado ou combinado gravámos um primeiro tema com 23 minutos e um segundo com 14 minutos”, contou Andersen sobre o trabalho em estúdio. Estas duas gravações acabaram por ser o eixo central do álbum com os títulos “Affirmation Part I” e “Affirmation Part II”. Os dois temas são apresentados na íntegra sem qualquer edição e o álbum completa-se com uma composição do próprio Andersen, “Short Story”. O mais curioso, conta Andersen, é que embora os quatro músicos tenham tocado juntos muitas vezes ao vivo, nunca tinham gravado e muito menos numa situação de improvisação. Ao longo dos dois temas “Affirmation” nota-se como o baixo de Andersen comanda as operações, marcando o ritmo, puxando pelos outros músicos, sugerindo a sua entrada e criando a base para o diálogo musical entre todos. O nome do álbum, conta ainda Arild Andersen, foi escolhido porque todo o processo foi uma afirmação “de que cada um de nós tem que confiar em si próprio e ao mesmo tempo confiar nos outros”. Edição ECM disponível em streaming.
A TRINDADE - Tenho sempre medo de voltar a um restaurante onde me dei bem quando ele sofre grandes obras. Ainda há pouco tempo dei com imagens de um exercício decorativo inútil, e com algum mau gosto, no Nunes Real Marisqueira, em Belém. Fiquei sem vontade de lá ir. Confesso que quando soube que a Trindade, no Chiado, tinha reaberto, fiquei na dúvida sobre fazer-lhe uma visita. Mas lá acabei por ir e devo dizer que não me arrependi. A Trindade nunca foi um restaurante fabuloso, mas era ao longo dos anos uma cervejaria honesta, onde se podia comer numa relação preço/qualidade simpática. Localizada num edifício histórico, temi que a nova Trindade tivesse sido redecorada destruindo o seu espírito. Felizmente isso não aconteceu e houve bom senso. Mesas e cadeiras são as de sempre, há novos candeeiros, balcões mais modernos e funcionais, mas nada compromete o espírito do edifício. Os painéis de azulejo lá estão, o pátio interior continua simpático. E, sendo uma cervejaria, a cerveja sai bem tirada, o que é fundamental. A mesa decidiu-se pelo tradicional bife da Trindade, mal passado nos dois comensais, um frito, outro grelhado. A carne estava no ponto pedido, não tinha marcas de frigorifico demasiado, o molho continuava igual e as batatas fritas também - alguém poderia já ter dado à cozinha da Trindade um curso rápido de como os belgas fazem batatas fritas. Estas, amolecidas, não são fruto das obras, são a imagem de marca da casa. Feitas as contas o preço continua justo, o salão continua majestoso sem acrescentos inúteis, os empregados são numerosos e simpáticos e tudo correu bem. A Trindade safou-se.
DIXIT - “Durante o seu tempo (de António Costa) a justiça portuguesa, promotora da desigualdade social, não consegue encontrar o caminho da reforma e da eficácia, nem consegue pelo menos modernizar-se o suficiente para escapar à corrupção, para reduzir a indolência, para enfraquecer a burocracia e para conter os interesses enquistados no sistema” - António Barreto.
BACK TO BASICS - “Comité é um grupo de homens que individualmente não podem fazer nada e que, em grupo, decidem que nada se pode fazer” - Fred Allen
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