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NOTÍCIAS DA BOLHA - Não vejo melhor forma de analisar o que se passou em Portugal este ano do que fazer o balanço da maioria absoluta conquistada pelo PS no final de Janeiro passado. Todos sabemos que 2022 tem sido carregado de mudanças no executivo, de pequenos e grandes escândalos envolvendo governantes, familiares de governantes, amigos de governantes. No caso Alexandra Reis, que culminou agora na sua demissão escassas semanas depois de ter tomado posse, o Primeiro-Ministro e os Ministros que directamente a tutelavam dizem que não sabiam o que se tinha passado na sua dança entre TAP, NAV e Governo, tudo na esfera pública. O facto abona pouco sobre a forma como são escolhidos os membros do executivo e é pouco credível. Fica a sensação de que, mais uma vez, se achou que o caso não tinha importância e talvez passasse despercebido. Mas lá veio a bolha mediática incomodar a maioria absoluta. Recordemos: António Costa já fez diversas mexidas no Governo a nível ministerial e de secretários de Estado, mudanças sempre empurradas por notícias relacionadas com o desempenho ou o passado de quem acabou substituído. O primeiro-ministro entende que a única instabilidade que existe é a provocada por aquilo a que chama “a bolha mediática”, essa incómoda mania de alguns jornalistas irem à procura de factos em vez de subscreverem os comunicados oficiais. É na realidade uma grande maçada haver jornalistas, notícias incómodas, investigações sobre a carreira dos governantes. E o que têm tantas vezes em comum as bolhas mediáticas nascidas deste executivo ? - euros, maravedis, o vil metal. Parece que neste Governo o difícil é encontrar uma bolha mediática que não tenha a ver com negócios pouco claros. Se o objectivo de ter uma maioria absoluta era garantir estabilidade, isso não é o que está a acontecer. O caso da ex-secretária de estado do Tesouro, Alexandra Reis, é apenas mais um exemplo da forma como Costa anda a escolher pessoas para o seu Governo. Como bem escreveu João Miguel Tavares, “Isto é Gozar Com Quem Trabalha”. Termino a citar Joaquim Aguiar: “quando se está num contexto de maioria absoluta de um só partido, não se violam as normas da democracia pluralista, mas perdem-se defesas democráticas importantes.”
SEMANADA - Este ano o poder de compra do salário mínimo caíu pela primeira vez desde 2012; segundo a DECO os produtos da lista de compras da ceia de Natal subiram 23% em relação ao ano passado; em 62% dos concelhos do continente já não há vagas nas creches do sector social; o preço das casas subiu 13% no terceiro trimestre deste ano; nos primeiros três trimestres deste ano a receita fiscal cresceu 20,6%; as rações para cães aumentaram 30% num ano e as rações para gatos tiveram um aumento de 25% no mesmo período; o mais recente boletim sobre combustíveis da Comissão Europeia indica que Portugal tem a 13ª gasolina 95 mais cara dos 27 países da União Europeia; em 2022 aposentaram-se 800 médicos do Serviço Nacional de Saúde; depois de ter anunciado, há seis meses, o recomeço das obras de modernização da ferrovia da Linha do Oeste tudo continua parado; desde que a TAP é pública cinco administradores executivos saíram da empresa, mas só Alexandra Reis recebeu uma compensação; segundo um relatório sobre violência associada ao desporto, na época 21-22 registaram-se 335 adeptos impedidos de entrar em recintos desportivos, quase metade deles ligados ao Sporting; entre 30 de Dezembro e 2 de janeiro cinco blocos de partos vão estar encerrados: Caldas da Rainha, Barreiro, Loures, Beja e Portimão; segundo a Marktest em 86% dos lares portugueses consumiu-se bacalhau nos últimos 12 meses; o governo espanhol tirou o IVA ao pão, leite e ovos.
O ARCO DA VELHA - Nos primeiros nove meses de existência deste Governo já se demitiram oito dos seus membros.
ARTE PARA CRIANÇAS - A sugestão que aqui deixo é uma exposição dedicada aos mais novos, “Dos Pés À Cabeça”, que pode ser vista no Museu Colecção Berardo ainda durante algum tempo. Com as alterações que vão ocorrer no Museu o calendário de novas exposições ainda não está divulgado, mas de qualquer maneira, pelo menos durante algum tempo em Janeiro a exposição poderá ainda ser vista. A exposição começa por uma cronologia sobre a presença da figura humana nas expressões artísticas ao longo dos séculos, depois aborda o desenho infantil da figura humana, seguida de uma sala dedicada às poses para a câmara fotográfica, um vídeo sobre o sonho de uma criança, os diferentes pontos de vista na abordagem de um tema, entre outros. Comissariada por Cristina Gameiro esta exposição proporciona a oportunidade de os mais novos poderem ver, expostas de forma que estejam no mesmo plano do seu olhar, obras da colecção Berardo de nomes como Henri Michaux, Jean Dubuffet, Henrique Pousão, Álvaro Lapa, Fernando Lemos, Pauliana Valente Pimentel, Ângelo de Sousa, Albuquerque Mendes, Julio González, Helena Almeida, Keith Haring, Nan Goldin ou James Turrell, entre outros. A exposição está no piso -1 do Museu Colecção Berardo, os adultos pagam 5 euros e as crianças têm entrada gratuita. Como escreve Cristina Gameiro, “pensada para os mais novos, esta exposição pretende dar a conhecer a forma como os artistas modernos e contemporâneos pensam, representam e apresentam o corpo humano”.
OS HOMENS DAS AGÊNCIAS - A história da comunicação e do jornalismo em Portugal não pode ser feita sem um olhar sobre a história das diversas agências noticiosas. Wilton Fonseca, que tem o jornalismo de agência no seu sangue, tem-se debruçado, a solo ou em conjunto com outros jornalistas, sobre este tema. Depois de, com Mário de Carvalho, ter escrito “História da Anop e da NP” e, sózinho, ter publicado “Da Monarquia ao Estado Novo: Agências Noticiosas em Portugal”, lançou agora, em co-autoria com Gonçalo Pereira Rosa o livro “ Jornalista, Espião e Empresário - A vida aventureira de Luís Lupi nos corredores do Estado Novo”. O livro, editado pela Âncora, permite levantar o véu sobre a história escondida das agências de notícias durante o Estado Novo. Descrito como jornalista, espião e empresário, Luis Lupi foi correspondente em Portugal das agências Reuters e Associated Press e fundador da agência Lusitânia, que imaginou poder rivalizar com a oficial ANI, Agência Nacional de Informação. O livro percorre a vida de Luís Lupi, conta como espiou na Guerra Civil de Espanha, descreve-o como um comerciante de notícias que compreendia a importância das agências, personagem misteriosa, próximo de Salazar e Caetano sem nunca ter sido íntimo. O livro é sustentado em muita investigação e documentos inéditos de arquivos privados. Termino citando o que os autores escrevem numa espécie de prefácio: “A Academia conta com poucos docentes que exerçam ou tenham exercido o jornalismo, e ainda menos com “agencieiros”. Consequentemente os jornalistas portugueses são formados a ver as agências noticiosas como algo secundário, o que se reflecte nas suas investigações e trabalhos”. E mais à frente: “tal fenômeno de esquecimento encontra um paralelo imediato na imprensa portuguesa da actualidade. alguns dos nossos jornais de referência são capazes de publicar páginas e páginas sobre um determinado assunto sem mencionar uma única vez as agências noticiosas onde foram obrigatoriamente ler as informações que fornecem aos seus leitores”.
REVISITAR HUNKY DORY - “Divine Symmetry" é uma edição especial, uma caixa de 4 CD’s, que inclui um folheto com textos e fotos da época, e que retrata o processo criativo do histórico disco “Hunky Dory”, o quarto álbum de estúdio de David Bowie, gravado no verão de 1971 e editado em dezembro do mesmo ano. Foi o disco que afirmou Bowie, que até aí tinha tido uma carreira incerta e oscilante. O processo de elaboração do álbum foi muito influenciado pela estada de Bowie nos Estados Unidos, onde descobriu a música de nomes como Lou Reed e Iggy Pop no início dos anos 70. Aparentemente o personagem Ziggy Stardust é fruto das reflexões em torno do que viu em Nova Iorque nessa época. Em Hunky Dory apareceram canções como “Song To Bob Dylan”, “Andy Warhol” ou “Queen Bitch”, uma evocação dos Velvet Underground. Hoje em dia “Hunky Dory” é considerado o ponto de viragem que permitiu a Bowie explorar novos caminhos. “Divine Symmetry" vem acompanhado pelo subtítulo “An Alternative Journey Through Hunky Dory”. De facto o que esta caixa de quatro CDs faz é proporcionar uma visão sobre o que Bowie andou a fazer desde o início de 71 - as demos iniciais das canções, versões alternativas de estúdio e ao vivo, alguns originais, gravações de uma sessão no programa de John Peel, além de um livro de 100 páginas com fotografias da época, reproduções de apontamentos do próprio Bowie e comentários de várias pessoas envolvidas no trabalho.
COZINHA INFLACIONADA - Nas últimas semanas algumas newsletters que subscrevo com receitas culinárias, e que muitas vezes são fonte de inspiração para as minhas experiências, começaram a publicar sugestões de aproveitamento de restos de outras refeições, sob o título “Day Before Payday”. Fruto da inflação, chega-se às vésperas do ordenado com a conta desfalcada, de modo que nada como combater a inflação com criatividade. Uma das sugestões de que mais gostei é arroz frito com legumes e carne. A coisa é simples: pega-se em arroz branco já cozinhado que sobrou e, por exemplo, em restos de peru (ou outra carne), na proporção de três partes de arroz para duas de carne cortada aos pedaços pequenos. A isto acrescenta-se uma cenoura grande aos cubos, um punhado de ervilhas congeladas, alho francês às rodelas, um pedaço de gengibre picado, três ovos, três colheres de sopa de azeite e outras tantas de molho de soja. Tenham um wok ou frigideira grande à mão. Comece por fazer os ovos mexidos e quando estiverem no ponto retire-os para um prato e reserve. Depois acrescente o resto do azeite e, com lume alto, coloque todo o arroz e deixe-o fritar um pouco. No fim acrescente os legumes, tape e deixe em lume médio durante cinco minutos. No fim acrescente os ovos e o molho de soja e deixe em lume brando mais um pouco até estar tudo bem envolvido e cozinhado - dois ou três minutos devem bastar. Veja se precisa de sal ou pimenta. Bom apetite.
DIXIT - “Tornámo-nos uma sociedade de surdos” - Tolentino de Mendonça
BACK TO BASICS - Um optimista fica acordado à espera de ver o novo ano chegar. Um pessimista espera para ter a certeza que o ano velho termina” - Bill Vaughan
OS MALUCOS DA BOLA - Como reage o país ao futebol? Se olharmos para o quadro de audiências dos canais de televisão, podemos ter uma ideia. Este ano, dos 25 programas mais vistos, 20 foram transmissões de jogos de futebol, quatro foram episódios do Big Brother e o outro foi um Telejornal. Está feito o retrato do país em termos televisivos. Destes 20 desafios de futebol que tiveram grande audiência, nove foram transmitidos pela RTP1, sete pela TVI e quatro pela SIC. O jogo que obteve maior audiência foi o Portugal-Suíça, visto por cerca de 3,7 milhões de espectadores. Em termos de comparação, o jogo da final do Mundial, entre a Argentina e a França, teve um pouco mais de dois milhões de espectadores. Destas 20 transmissões de desafios de futebol, doze foram do Mundial, nas suas várias fases, quase todas com jogos da Selecção Nacional. Os jogos do Mundial transmitidos pelos canais generalistas tiveram, no total, mais de 22 milhões de espectadores. Os números não iludem: o futebol continua a ser rei da televisão e, apesar dos elevados custos dos direitos de transmissão, as estações continuam a bater-se por eles. A RTP adquiriu há uns anos os direitos para este Mundial por 13,2 milhões de euros - e este valor não inclui as transmissões dos jogos da Selecção durante a fase de qualificação. A RTP acabou por revender parte dos direitos a outras estações e a SIC e a TVI transmitiram três jogos cada e a SportTV também fez transmissões. A RTP conseguiu assim diminuir o seu envolvimento financeiro, que ficou quase exclusivamente limitado aos jogos da Selecção Nacional. Agora que o Mundial acabou, seria curioso saber qual o valor total gasto pela RTP nas várias fases do Mundial e qual o valor de receitas publicitárias que arrecadou. Recordo que a RTP tem um limite máximo/hora de emissão de publicidade que é metade do dos canais privados. E, claro, isto volta a trazer à baila a questão de saber até que ponto é que as transmissões de futebol são serviço público. O Ministro da Cultura, que tutela a RTP e que já foi comentador futebolístico na televisão, que acha disto? Deve o serviço público investir mais no futebol que noutros conteúdos?
SEMANADA - Em dez anos foram atribuídos 10254 vistos gold a cidadãos estrangeiros, que resultaram na criação de apenas 20 postos de trabalho; os estrangeiros a viver em Portugal equivalem a toda a população de Lisboa; segundo a OCDE Portugal é um dos países com menos camas hospitalares por habitante; Portugal é o quinto país mais envelhecido do mundo o que se repercute nos cuidados de saúde que devem ser prestados; dos bebés nascidos no ano passado em Portugal, 14 % são de mãe estrangeira; segundo o Governador do Banco de Portugal, 40% das famílias serão colocadas em situação difícil em 2023 por causa da inflação e do aumento dos juros; o Ministro das Finanças declarou que no seu entender 2023 não terá um cenário de recessão; as dívidas a fornecedores do Serviço Nacional de Saúde estão no valor mais alto desde 2014 e já somam 2350 milhões de euros; o produto interno bruto per capita em Portugal, expresso em paridades de poder de compra, caiu pelo segundo ano consecutivo em 2021 e situa-se agora em 75,1% da média da União Europeia, o pior resultado desde 2009; na zona euro só a Letónia, Eslováquia e Grécia estão piores do que Portugal; um estudo divulgado esta semana indica que seis em cada dez portugueses vivem pior que em 2021; segundo o Eurostat, em 2021 o ordenado médio mensal em Portugal era 634 euros mais baixo do que em Espanha.
O ARCO DA VELHA - O movimento dos jatos particulares nos aeroportos portugueses aumentou e até outubro foram registados mais de 18 mil voos privados em Portugal.
IMAGENS CERTAS - Ao contrário do que acontece noutros países em Portugal a fotografia documental tem sido relegada para segundo plano, ultrapassada pela utilização da fotografia como ferramenta manipulável, mais do que como forma de expressão ou de ser um olhar sobre a realidade. No segmento a que se convencionou chamar “fine art photography” a fotografia é encarada como uma maneira de criar ilusão, quase que, nalguns discursos mais sectários, excluindo que a realidade possa ter valor artístico. Felizmente, numa iniciativa da associação CC11 e da Narrativa, com o apoio da Galeria Santa Maria Maior, foram desafiados 66 fotojornalistas a apresentarem outras tantas imagens na exposição “Edição Limitada”. As imagens expostas são olhares sobre a realidade do dia a dia, todas em formato 40x60, e são assinadas por nomes como Alexandre Almeida, Alfredo Cunha, António Pedro Ferreira, Bruno Portela, Céu Guarda, Clara Azevedo, Enric Vives-Rubio, Fernando Ricardo, João Porfírio, José Pedro Santa-Bárbara, José Sarmento Matos, Luísa Ferreira, Paulo Alexandrino, e Tiago Miranda, entre muitos outros. Tiago Miranda, que é o coordenador deste projecto, sublinha que ele pretende reclamar um direito tão antigo quanto a própria invenção da fotografia" que é tornar a fotografia jornalística e documental um objeto adquirível e colecionável, por particulares e instituições. “Apesar de uma imagem fotojornalística nos ser por definição emocionalmente próxima, única, original e histórica, o circuito das galerias de arte e das coleções públicas e privadas, há muito tempo que em Portugal coexistem de costas voltadas para com o fotojornalismo", afirma. No texto de apresentação da exposição Emília Ferreira, Directora do Museu Nacional de Arte Contemporânea, sublinha que “muitos dos representados nesta exposição veem há muito as suas imagens expostas e estudadas em espaços institucionais”, e deixa uma interrogação: “Porque resistiremos a considerar arte esta disciplina da fotografia?- Não tenho resposta.” “Edição Limitada” está patente na Galeria Santa Maria Maior, Rua da Madalena 147, até 21 de Janeiro, de segunda a sábado, das 15h às 20h. E destaco o importante trabalho que esta Galeria tem feito na área da fotografia.
OUTRA FOTOGRAFIA - O décimo volume da Ph. , uma colecção de livros de fotografia da Imprensa Nacional, dirigida por Cláudio Garrudo, é dedicada à obra de António Júlio Duarte, mostrando a sua errância por espaços urbanos, de Hong Kong aos Estados Unidos, passando por Cabo Verde, Itália, Rússia, Japão e, claro, Portugal. O livro publica diversas obras inéditas do fotógrafo e tem uma estrutura cronológica, onde o autor revisita conceitos do seu trabalho e é perceptível a sua evolução. Sofia Silva, no ensaio publicado no livro sublinha as composições “cruas e rigorosas” de António Júlio Duarte e defende que “com ou sem flash as imagens são sempre ficção e o que está fora delas nunca existiu”, perguntando: “quem guardará memória das coisas que não existem, senão no fotográfico?” No fundo, e por coincidência, entre a exposição referida nestas páginas e este livro mostram-se os dois lados da fotografia, entre a realidade e a fantasia, entre o que mostra o que se passa e o que reflecte o que se pensa ou imagina. É uma curiosa coincidência que eles coexistam no tempo, provando que estes dois lados são como a cara e a coroa de uma moeda. Um tem tanto valor como o outro. António Júlio Duarte é, dentro da área em que trabalha, dos mais lúcidos e honestos autores na utilização que faz da fotografia, fugindo ao facilitismo e mostrando sempre um claro sentido de observação e oportunidade - e também por isso é interessante conhecer esta sua obra. António Júlio Duarte expõe com regularidade desde a década de 90 do século XX.
TRIOS VARIADOS - Este ano o saxofonista Charles Lloyd editou três discos, todos utilizando a formação de trio e com músicos diferentes em cada um deles. “Sacred Thread”, “Ocean” e “Chapel” são esses três discos. Nos dois primeiros Lloyd é acompanhado pelo pianista Gerald Clayton e o guitarrista Anthony Wilson, no segundo pelo percussionista Zakir Hussain e pelo guitarrista Julian Lage e finalmente no terceiro, “Chapel”, gravado ao vivo, é acompanhado pelo guitarrista Bill Frisell e pelo baixista Thomas Morgan. A minha preferência pessoal vai para “Chapel”, que tem cinco temas, todos eles anteriormente gravados noutras circunstâncias e três deles são composições originais de Charles Lloyd e dois são versões. Frisell tem acompanhado Lloyd no seu quinteto ocasional The Marvels e Thomas Morgan é um velho parceiro de Frisell, quer em duo, quer em trio. As duas versões são“Blood Count”, de Billy Strayhorn, um exemplo perfeito do diálogo entre saxofone, guitarra e baixo e um tema cubano, a balada “Ay Amor” onde o saxofone de Lloyd assume o maior protagonismo. “Song My Lady Sings”, “Tone Poem” e “Dorotea’s Studio” são os três originais de Charles Lloyd. Destaque, em todo o disco, para a subtileza com que Frisell toca a guitarra de forma suave e melódica.
UM PERU DIFERENTE - O peru faz parte do imaginário do Natal, na sua versão tradicional, inteiro, enorme, transbordante, recheado, a ficar temperado de um dia para o outro dentro de um grande alguidar. Mas muitas vezes o resultado de fazer um peru assado é que se fica a comer os restos durante dias a fio. Sugiro uma alternativa para quem não tiver muita gente à mesa: peito de peru assado no forno. Uma peça entre 1,5 e 2 kgs será o ideal. E agora uma heresia: nada de marinadas tradicionais: em vez disso barrem bem todo o peito de peru com limão e sal natural. Num tabuleiro de ir ao forno, que deve estar a 200 graus, coloque o peito de peru já temperado, reguem-no primeiro com um pouco de vinho branco, depois com azeite e, finalmente, pimenta preta moída na altura. Finalize com mel espalhado por toda a superfície. No tabuleiro coloque raminhos de alecrim e folhas de louro, assim como alguns dentes de alho inteiros só para aromatizar. Vai a forno a 200 graus durante 20 minutos. Depois baixa-se o forno para 150 graus, altura em que o vai cobrir com uma folha de alumínio. Deixe ficar mais meia hora assim. Ao fim desse tempo verifique com uma faca afiada se a carne já está cozinhada e deixe-a repousar no forno desligado durante mais uns 15 minutos antes de servir. Aproveite o molho do tabuleiro, adicione mostarda e mais um pouco de mel, mexa tudo bem e coloque-o numa taça à parte para quem quiser. Acompanha com batata doce assada aos pedaços, salpicada de rosmaninho. Bom Natal!
DIXIT - “Não vejo diferença entre António Costa com sono e quando está acordado” - Rui Rocha, candidato a presidente da Iniciativa Liberal
BACK TO BASICS - “Digam o que disserem dos Dez Mandamentos, devemos sempre regozijar-nos que sejam apenas dez” - H. L. Mencken
OS INCAPAZES - O uso da demagogia em política é uma coisa tramada. Nas inundações da semana passada o PS de Lisboa veio rápido atacar Carlos Moedas, acusando-o de diversas malfeitorias que teriam estado na origem de tudo o que aconteceu. Imputaram-lhe numerosas responsabilidades no assunto mas, certamente por esquecimento, ainda não o acusaram de ter feito a dança da chuva, seguindo o ritual dos índios Sioux. Neste farwest em que a política portuguesa se tornou, e no qual vive a oposição na autarquia lisboeta, vale tudo, até pelos vistos arrancar olhos. Se calhar por isso o PS lisboeta fechou os olhos ao tempo em que, enquanto António Costa e Fernando Medina dirigiram a autarquia, meteram na gaveta um projecto que aliviará os resultados das chuvas intensas, o túnel de drenagem que Moedas decidiu recuperar e iniciar. Quando António Costa entrou na presidência da Câmara de Lisboa, em 2007, já existiam os primeiros estudos e planos sobre esse túnel de drenagem, cinco quilómetros que vão de Campolide até Santa Apolónia, e que, uma vez acabado, permitirá que o que aconteceu nas últimas semanas não se repita. E, no entanto, durante os 13 anos em que o PS esteve à frente da Câmara de Lisboa, entre 2007 e 2021, nas mãos de Costa e Medina, nada se fez nem se avançou nessa obra fundamental para a cidade. Carlos Moedas, numa entrevista recente, garantiu que quando chegou à autarquia lisboeta não havia planos de execução da obra, que ele próprio mandou avançar. O arranque da obra, um ano depois de Carlos Moedas ter entrado em funções, foi anunciado há semanas, antes de todas as chuvas recentes. Esta vai ser uma obra cara, longa, e incómoda para os lisboetas, tudo coisas que desaconselham um político a meter-se no assunto - e deve ter sido por isso que Costa e Medina nem quiseram ouvir falar de túneis. Muitas vezes não fazer nada e deixar as coisas arrastarem-se é o programa de acção dos políticos que vivem a fugir dos problemas e esperam com isso ganhar uns votos de quem não pensa no futuro. São os mesmos políticos que, a seguir, estimulam os seus seguidores a criticar quem fez o que eles não foram capazes de fazer.
SEMANADA - Em Lisboa o arrendamento de um T1 representa em média 63% do salário mensal, contra 45% em Madrid, 40% em Paris ou 24% em Viena; Portugal registou a maior subida dos juros de crédito à habitação de toda a zona euro; segundo uma sondagem divulgada no início da semana 37% dos portugueses vai cortar nos gastos de Natal; o cabaz de produtos alimentares essenciais já aumentou quase 20% desde o início do ano e peixe, lacticínios e carne foram os produtos que mais subiram; 96% dos portugueses assinam pacotes de televisão por cabo, serviço que chega a 4,5 milhões de lares; a segurança privada em Portugal já tem 60.000 profissionais e factura 945 milhões de euros por ano; segundo o Instituto do Cinema e Audiovisual Lisboa tem 12,1% do total das salas de cinema do país; as salas de cinema em Portugal perderam 40% dos espectadores este ano, em comparação com o período pré-pandemia; nos primeiros seis meses do ano aumentou nos hospitais públicos o incumprimento dos tempos de espera para consultas e cirurgias de cancros e coração; só 52 dos 201 municípios do país aceitaram, no âmbito das medidas de descentralização, as competências na área da saúde e as razões para a recusa são a não transferência de verbas e garantia de condições e médicos por parte do Governo.
O ARCO DA VELHA - Um advogado, Rui Santana, condenado quatro vezes por enganar clientes e ficar com dinheiro que não é seu, continua em liberdade e a exercer e tem o seu nome e contacto disponíveis no site da Ordem dos Advogados.
UM DESTAQUE NA MADEIRA - Lourdes Castro foi uma das mais importantes artistas portuguesas, com um percurso iniciado na Madeira, onde nasceu, e que passou por Lisboa, Munique, Paris e Berlim, locais onde viveu e trabalhou até regressar ao Funchal. Em Paris, no final dos anos 50, integrou o grupo KWY, que editou uma revista homónima, e que integrava nomes como João Vieira, Costa Pinheiro, René Bertholo, Jon Voss e Christo, entre outros. Viveu em Paris 25 anos, regressou ao Funchal em 1983 e a partir daí viveu na sua casa no Caniço. Pelo meio teve exposições em Serralves , na Gulbenkian e na Bienal de S. Paulo. Lourdes Castro morreu em Janeiro deste ano, com 91 anos, e agora abriu no MUDAS - Museu de Arte Contemporânea da Madeira, uma exposição que mostra não só obras de diversas fases da sua carreira artística, como abundante documentação que a curadora Márcia Sousa recolheu e começou a organizar depois da sua morte. A exposição “Como uma Ilha sobre o Mar: Lourdes Castro” (na imagem) abriu este mês, conta com 300 peças, entre obras e documentação, recolhidas a partir do espólio da artista mas também das colecções de diversas instituições, e ficará disponível ao público até Junho de 2023. É uma ocasião única para descobrir não só a obra mas também a forma como Lourdes Castro encarava o seu trabalho e momentos da sua vida. Do Funchal sugiro uma passagem pelo Porto, onde no renovado Cinema Batalha já se pode ver, restaurado, o grande painel que Júlio Pomar fez para esta sala e que durante muitos anos esteve escondido do olhar do público.
A ESCRITA DA MEMÓRIA - Gosto muito de ler Bruno Vieira do Amaral. Escreve bem, com ritmo, humor, um raro sentido de observação e uma forma simples de nos fazer pensar em coisas que vemos todos os dias mas às quais nem ligamos. Não usa floreados, não pratica estilos retorcidos, não atira erudição barata para cima dos leitores, apenas bom senso. É terra-a-terra num país em que há uma geração recente de escritores que gosta de se colocar nas nuvens, de onde os seus protagonistas vão caindo aos trambolhões. O seu novo livro, “O Segundo Coração”, reúne crónicas publicadas na imprensa. É um livro de memórias e Bruno Vieira de Amaral foi buscar o título do livro a uma citação de John Banville que adoptou como epígrafe desta obra: «O passado bate em mim como um segundo coração.» O livro fala das aspirações da juventude, dos amores e as desilusões, também das humilhações, dos ódios gratuitos e inexplicáveis, das noites solitárias da adolescência,de querer ver um filme sozinho no cinema. Aqui cruzam-se as memórias de infância, os hábitos familiares, as férias grandes,os primeiros amigos, um rol de afectos e recordações. Bruno Vieira do Amaral publicou o seu romance de estreia, “As Primeiras Coisas”, em 2013 e de então para cá escreveu, entre outras coisas, mais um romance, um livro de contos e uma biografia de José Cardoso Pires. No fim do livro, em “O adulto é o túmulo da criança”, Bruno Vieira do Amaral conta esta história: “Lembro-me que tinha cinco anos e o fotógrafo pediu-me para segurar uma maçã e aproximá-la da boca, como se a fosse morder, mas sem abrir a boca. Devia olhar para a câmara e sorrir. Obedeci. Vestido com o meu pullover azul seguro a maçã vermelha, inteira, e olho para a câmara com um sorriso”. Lindo, não é? Edição Quetzal
EMOÇÃO - Por estes dias descobri um disco que, na altura em que saíu, em finais de Setembro deste ano, me passou despercebido. Tenho estado a ouvi-lo frequentemente e, quanto mais o ouço, mais me convenço que é um dos grandes discos do ano. Trata-se de “Angels & Queen Part 1”, dos Gabriels, um trio de gospel de Los Angeles em que as vozes fazem uma rara ligação entre ritmos e melodias. Há aqui influências tribais que se conjugam com subtilezas de percussão e manobras sábias de produção em estúdio. É extraordinária a forma como a invulgar voz de Lusk casa com os arranjos ao longo das sete canções deste disco. Baladas como “To The Moon”, “If Only You Knew” ou “Mama” são diferentes mas complementares ao impulso rítmico lançado por “Angels & Queens”, a faixa de abertura, ou esse empolgante desafio que é “Taboo”, ou ainda a marca soul de “Remember Me” e “The Blind". E assim, quase num repente, se esgotam os sete temas deste disco surpreendente. Mas, quem são os Gabriels? Em primeiro lugar vem Lusk, maestro de um côro de gospel que participou em 2011 no programa de Tv “American Idol” e a seu lado estão Ari Balouzian, que é o compositor de serviço ao trio e, finalmente, Ryan Hope, que assegura além da sua participação musical os originais vídeos da banda - foi aliás ele que encontrou nome para o grupo, Gabriels, em honra da rua onde cresceu em Sunderland. Lusk fornece o carisma e a voz poderosa e original mas este é um trio que funciona bem em conjunto, os talentos completando-se. Neste novo disco foram ajudados em estúdio por Sounwave, que tem trabalhado frequentemente com Kendrick Lamar e que aqui assume a produção, conseguindo uma sonoridade de contrastes, ora tumultuosa, ora sossegada. “Angels & Queen Part 1”, dos Gabriels, está disponível nas plataformas de streaming, na primavera do próximo ano sairá a segunda parte.
MOÇAMBIQUE À VISTA - Aqui há uns dias provei umas das mais deliciosas chamuças de que tenho memória. A massa era finíssima, estaladiça, enxuta, sem gordura, e o recheio cremoso era feito à base de um camarão picado e bem temperado com o sabor dos coentros a revelar-se. A coisa passou-se no Kaia Kahina, um restaurante na Parede, Rebelva, que se dedica à cozinha moçambicana e ao qual gastrónomo amigo me levou. Do menu faz parte um leque de pratos de caril, muito bem confeccionados e com base em caranguejo, camarão e frango. A acompanhar vem um arroz basmati impecável, solto e saboroso. Outras opções da lista são Matapá de camarão à moçambicana feito com preceito com amendoim torrado, chacuti de cordeiro ou de frango, e esse templo da cozinha indo-portuguesa que é o balchão de vitela, assim chamado pelo condimento utilizado, o balichão. Resta dizer que um dos pratos mais procurados da casa é o sarapatel Nas sobremesas não podia faltar a bebinca, tradicional e séria, construída em nove camadas. A lista de vinhos é curta mas existem cervejas moçambicanas - as célebres 2M e Laurentina Kaia Khaina, para que saibam, significa “a nossa casa” em changana, a língua mais falada em Maputo. Esta bela casa fica na praceta Lagoa de Óbidos 85, Parede, Rebelva, reservas aconselháveis pelos telefones 211 931 440 e 912 376 277, já que a sala não é muito grande.
DIXIT - “Se a vanguarda só convive com a vanguarda, com públicos de vanguarda, não vale a pena. Temos que ser de vanguarda dentro do sítio mainstream”- Miguel Esteves Cardoso
BACK TO BASICS - “A melhor forma de prever o futuro é inventá-lo” -Alan Kay
A SUBSÍDIODEPENDÊNCIA - Um dos temas da semana passada foi o apoio financeiro do Estado à cultura e às artes. Foram revelados os resultados de seis concursos de apoio e a polémica nasceu de imediato. Quase 60 candidaturas contestaram os resultados e cerca de 800 estruturas e profissionais do sector da Cultura subscreveram um abaixo-assinado de apelo ao reforço de verbas dos concursos. Estamos a falar de um volume global de apoios no valor de 148 milhões de euros. Este é um protesto recorrente: o volume de apoios vai crescendo mas nunca chega para todos e há sempre queixas e insatisfeitos. Nasce assim um pântano que condiciona tudo. Creio que existem três problemas fundamentais a considerar: a existência de estruturas de produção artística que se desenvolveram com um modelo de dependência exclusiva, ou muito maioritária, dos subsídios do Governo ou das autarquias; a nula ou diminuta aplicação de mecanismos de avaliação que tenham em conta dados concretos de captação de novos públicos e da audiência conseguida, por forma a ter uma leitura, pelo menos nos casos das artes performativas, dos resultados práticos dos apoios recebidos; e a grande dificuldade dos agentes envolvidos na produção artística em conseguirem apoios privados - quer pela ineficácia da lei do mecenato, quer por razões conjunturais, nomeadamente porque as causas sociais e ambientais são hoje mais procuradas pelas empresas do que as culturais. Há uma parte do sector da produção cultural que se sente bem a não ter que depender do público, e ambiciona viver para sempre de apoios oficiais. A propósito José Pacheco Pereira escreveu no “Público” de sábado passado: “Quando se olha para o fundo dos cartazes de concertos, performances, acções culturais de todo o tipo, percebe-se que na sua esmagadora maioria são suportadas pelo Estado e pelas autarquias, o que levanta a questão maldita da “subsidiodependência”. Só nomeá-la suscita de imediato uma fronda de insultos, processos de intenção, acusações com sucesso garantido dada a facilidade com que este mundo chega à comunicação social e mais, a presunção de que há em matérias de cultura — entendida erradamente como sinónimo de criatividade — uma espécie de noli me tangere , que ninguém me toque, porque os “criadores” são intocáveis.” Em Portugal vive-se com a ideia de que os apoios do Estado são definitivos, eternos e que não podem mudar. Esse pensamento é paralisante, e, em última análise, prejudica o surgimento de novos valores. Quem o defende está no fundo a impedir a dinâmica de transformação e renovação da produção cultural.
SEMANADA - Comparando com 1991 Portugal tem agora mais um milhão de pessoas acima dos 65 anos, segmento que no conjunto alcança quase 2,5 milhões, ou seja 23,4% da população; no mesmo período perdeu mais de um milhão de crianças e jovens até aos 25 anos, cujo total é já inferior ao de maiores de 65 anos; dos 12 mil médicos dentistas inscritos na Ordem cerca de 13% foram para o estrangeiro e, dos que trabalham em Portugal, 98,5% estão no privado; devido ao custo da habitação quase 60 mil pessoas foram forçadas a deixar Lisboa nos últimos três anos; a Banca portuguesa está a pagar em juros de depósitos quatro vezes menos do que a média da zona euro; segundo a DECO Proteste, o aumento da prestação de um empréstimo de 150 mil euros, com Euribor a 6 meses, é de 39%, entre junho e dezembro de 2022 e, com a Euribor a um ano, o aumento, de dezembro de 2021 a dezembro de 2022 chega mesmo aos 56%; em 2010 a nossa carga fiscal (impostos e contribuições sociais) era de 30,4% do PIB, mas em 2021 chegou a 35,8%, um valor acima da média da OCDE que é 34,1%; em Outubro deste ano o alojamento turístico teve mais 5% de dormidas do que em Outubro de 2019, antes da pandemia; um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos indica que os políticos portugueses são mais tolerantes em relação à corrupção do que os cidadãos; o mesmo estudo indica que 59,9% dos cidadãos consideram a honestidade o valor mais importante em democracia, mas menos de 20% dos deputados tem a mesma opinião; o mesmo estudo revela que a eficiência e o mérito são mais considerados entre os cidadãos do que entre os políticos.
O ARCO DA VELHA - Segundo o Eurostat os jovens portugueses são, em média, os que saem mais tarde de casa, aos 33,6 anos. Só 10% do crédito à habitação foi concedido a jovens até aos 35 anos.
IMAGENS - Proponho uma deslocação ao Barreiro onde, no espaço do Auditório Augusto Cabrita, o fotógrafo José Manuel Rodrigues expõe seis dezenas de imagens reunidas sob o título “Amanhã Será Ontem”, onde o autor cria uma narrativa, aparentemente dispersa onde mostra o olhar do fotógrafo através de imagens observadas e de outras, encenadas. Todas estão aparentemente desligadas mas a montagem criada e o jogo de variações nas dimensões apresentadas conseguem estabelecer um fio condutor que nos leva a ligar vários tempos. Cito o texto de José Manuel Rodrigues sobre o trabalho que apresenta: “a rotação da terra define a vida, o nosso pensamento. Para eu encontrar essa continuação foram precisos milhares de milhões de anos, para enfrentar o que está agora à minha volta. (...) É a evolução do olhar até este sítio onde me encontro a escrever sobre a existência representada numa fotografia. A ligação de todos os tempos.”. A exposição apresenta inéditos, novas provas de autor, fotografias a preto e branco e a cor, em muitos formatos, alguns pequenos, abordando um grande leque de assuntos e que, nas palavras de Alexandre Pomar permite ver “uma grande diversidade de assuntos numa larga panorâmica do trabalho do JMR sempre em renovação”. A nona edição do Fotografia no Barreiro fica no Auditório Augusto Cabrita até 29 de Janeiro e se lá for pode também aproveitar e ver o trabalho de Patrícia de Melo Moreira, “Passado-Presente”.
UM SUICÍDIO POÉTICO - “Uma Temporada no Inferno”, de Arthur Rimbaud, é por si só um livro que proporciona uma leitura apaixonante. Começamos a lê-lo, surpreendemo-nos, voltamos atrás, temos a tentação de saltar umas páginas para depois regressar. Este livro é um vício. Como se não bastasse o texto de Rimbaud, a nova edição tem uma deliciosa introdução, de Manuel S. Fonseca, que nos leva à ligação entre Rimbaud e Paul Verlaine, nascida quando, em Setembro de 1871, o jovem Arthur Rimbaud, a um mês de completar 17 anos, bateu à porta do poeta Paul Verlaine. Ambos mergulharam numa vertigem de poesia, boémia e absinto. A relação de ambos viria a superar as barreiras da experimentação poética, e o escândalo gerado pelas extravagantes aparições públicas dos dois amantes levou-os a abandonar Paris, vivendo a paixão primeiro na Bélgica e depois em Londres, até à ruptura total, após Verlaine balear o seu amante num pulso. Sentindo-se rejeitado, Rimbaud – o adolescente Casanova, como um dia Verlaine lhe chamou – quis libertar-se daquela longa visita ao Inferno, expurgando num último livro as suas memórias e inquietações, antes de partir numa viagem de absoluto silêncio pelo deserto africano. Aos 19 anos Rimbaud decidiu deixar de publicar e fez o mais célebre “suicídio poético” da história da literatura. Nascia assim, em 1873, “Uma Temporada no Inferno”. Controverso a raiar o escândalo, este é uma das grandes obras da poesia mundial, agora recuperada pela editora Guerra e Paz, numa edição bilingue (português e francês).
DISCOS COMENTADOS - Bob Dylan começou a escrever “ The Philosophy Of Modern Song” em 2010 e editou-o este ano. Ao longo de 350 páginas Dylan mostra a sua visão sobre o que entende ser o melhor da música popular. São dezenas de ensaios sobre as canções de outros artistas, de Hank Williams a Nina Simone, passando por Elvis Costello. Aqui Dylan vai ao pormenor de cada canção, às palavras, às melodias, aos géneros musicais. E aproveita o que pensa sobre estas canções para, no fundo, escrever sobre a condição humana. Mais de seis dezenas de canções são contadas por Dylan neste livro, desde "Detroit City”, de Bobby Bare, de 1963, até “Where Or When”, de Rodgers e Hart, numa interpretação de 1959 por Dion And The Belmonts. O livro inclui centena e meia de fotografias escolhidas a pensar nas canções, com um grafismo cuidado que encerra ele próprio uma narrativa. The Clash, Who, Elvis Presley, Willie Nelson, Jackson Browne, Ray Charles, Grateful Dead, Platters, Johnny Cash, Peter Seeger, Eagles, Little Richard, Judy Garland, ou Sinatra, entre tantos outros, passam por aqui. Há os nomes que estão e os que faltam, que também são muitos - até podemos adivinhar aquilo de que Dylan gosta e aquilo que não lhe interessa. Mas acima de tudo este é um livro que fala de canções, da época em que foram feitas e como Dylan as ouviu e descobriu. Não é um livro sobre intérpretes, é sobre a matéria prima da música popular - a canção. Edição original à venda na Amazon Espanha.
DEGUSTAR? - Há uns anos ia-se ao teatro ou a um concerto e depois comia-se alguma coisa. Juntava-se o espectáculo com um aconchegar do estômago. Depois, houve quem quisesse juntar dois em um: fez do jantar uma tentativa de espectáculo, coreografada, encenada, excessiva, provocadora. Da mesma maneira que não interferimos no que se passa no palco, limitamo-nos, nesses casos, a assistir. O chamado fine dining fez dos clientes dos restaurantes sujeitos passivos que se sentam e levam com um menu fixo, pomposamente intitulado menu degustação, uma expressão que diz que a escolha não é do cliente naquele local. É a ditadura do menu e do seu autor, o todo poderoso Chef. Por isso estou cheio de vontade de ver o filme “O Menu”, onde Ralph Fiennes desempenha o papel de Chef despótico, reproduzindo o ambiente de um restaurante estrelado pelo Guia Michelin. Leio que o filme tem um olhar acutilante sobre a natureza do serviço e que o menu de degustação é central à história, apresentado como um exercício de exibicionismo. Uma das críticas que li diz o que eu acho que se aplica a muitos locais: “O filme retrata um Chef psicopata e autoritário que comanda um exército de assistentes submetidos ao seu absolutismo moral”. Já está em exibição em Portugal.
DIXIT - «Alunos que nem português sabem já querem usar o "todes". A linguagem inclusiva é, na verdade, um código para entrarmos no Lux. Corremos o risco de ela se tornar uma palavra-passe para mostrarmos se estamos in ou out» - Rui Zink
BACK TO BASICS - “Uma sociedade que coloca a igualdade acima da liberdade vai acabar por perder ambas” - Milton Friedman
ULTRAPASSADOS - Visitei a Roménia no início dos anos 90, em trabalho. O regime de Ceausescu tinha caído há pouco e visitei várias zonas do país. Fiquei surpreendido com a pobreza que se via em todo o lado. Falo em pobreza ao ponto de, então, faltar comida nalgumas zonas do país. Isto foi há trinta anos. Passada uma década, no ano 2000, a Roménia continuava a ser o país mais pobre dos actuais 27 estados membros da União Europeia. Portugal estava então na 15ª posição, atrás do Chipre e da Grécia, mas à frente de Malta e dos estados do antigo bloco de leste. Na semana passada foi conhecido um novo relatório de previsões económicas da União Europeia para 2024 que mostra como o nosso país empobreceu ao longo deste século. Se estas previsões se confirmarem Portugal terá então descido, 50 anos depois do 25 de Abril, para a 20ª posição em PIB per capita, sendo ultrapassado pela Roménia, Estónia, Chéquia, Lituânia e Eslovénia. A menos que haja alguma crise política, chegaremos a 2024 com 17 anos de governação do PS neste século e sete do PSD. António Costa, se entretanto continuar por cá, levará nessa altura quase uma década como Primeiro Ministro. Portugal, no início deste século, atravessou um período negro com a Troika, chamada pelo governo de José Sócrates, um executivo que em cerca de seis anos quase levou o país à falência. A governação do PS tem tido um padrão: estagnação e até recuo. Os sete anos que Costa já leva como Primeiro Ministro são marcados por fraco crescimento económico quando comparado, durante o mesmo período de tempo, com países de leste que estavam atrás de nós. Costa deixa também outra marca: a ausência de reformas efectivas em sectores como a saúde, educação, justiça e impostos e atrasos na execução de fundos europeus. Não há habilidade política que resista aos factos e aos números.
SEMANADA - Cerca de três mil escolas, públicas e privadas, não integram o Programa Nacional de Remoção de Amianto, lançado pelo Governo em 2020; um estudo europeu indica que 55% dos profissionais em Portugal já se sentiram discriminados no trabalho; a Câmara de Caminha contratou por 19.000 euros um parecer sobre um contrato que já foi anulado pela autarquia; um estudo recente indica que quase metade dos portugueses acredita em bruxaria; segundo o INE a prestação média do crédito à habitação registou um "aumento significativo" nos últimos meses, ficando em outubro 18,7% acima de outubro de 2021; a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima auxiliou, em 2021, "cerca de 28 mulheres e raparigas" por dia, vítimas de crimes como violência doméstica, difamação e perseguição, entre outros; mais de um milhão de portugueses vivem sozinhos; o número de alunos estrangeiros no ensino superior em Portugal atingiu o valor mais alto de sempre, cerca de 70 mil; na última década aumentou o número de partos em mulheres com mais de 50 anos; o interior do país perdeu 8,2% da população nos últimos dez anos; 20% da população portuguesa está amontoada em 1,1% do território; a Autoridade da Concorrência, dirigida por Margarida Matos Rosa, que completou seis anos no cargo, aplicou durante esse período coimas no valor de 1,4 mil milhões de euros.
O ARCO DA VELHA - O número de emigrantes por cada mil habitantes é, na última década, superior ao registado na década de 60.
VER A MEMÓRIA - O trabalho de Ana Vidigal é feito da evocação de memórias e da utilização de pedaços de coisas que fizeram parte dos seus tempos - de brinquedos a recortes, de postais a fragmentos de objectos. A sua nova exposição, intitulada “Ana Beatriz”, evoca a forma como a mãe a chamava, pelos dois primeiros nomes, quando entendia que já estava a passar dos limites admissíveis, o que, aparentemente, acontecia bastantes vezes. Sobre esta exposição Ana Vidigal sublinha que ela é feita da “memória que nos passa entre os dedos” e recorda que tudo o que ali está foi o que ela e os irmãos descobriram entre o que existia na casa onde cresceram. “What Can Be Shown Cannot Be Said” é a frase de Wittgenstein que Ana Vidigal escolheu para descrever esta sua primeira exposição na Balcony (Rua Coronel Bento Roma 12A), que ali ficará até 25 de Fevereiro. O outro destaque da semana vai necessariamente para a exposição evocativa do centenário da morte da pintora portuguesa Aurélia de Sousa, no Museu Nacional de Soares dos Reis. Sob o título “Vida e Segredo” são apresentadas 92 obras da artista, cuja obra é ainda relativamente pouco conhecida, apesar de ser um dos mais importantes nomes da arte portuguesa do final do século XIX e início do século XX. A exposição mostra diversos aspectos do trabalho de Aurélia de Sousa, nascida na Argentina mas que cresceu e sempre viveu no Porto, dividida em quatro grandes áreas que mostram retratos, cenas do quotidiano, paisagens, naturezas mortas. Esta é a maior mostra da obra de Aurélia de Souza e ficará no Museu Soares dos Reis (Rua de D.Manuel II 44, Porto) até final de Maio do próximo ano.
PORTUGAL VISTO DE FORA - É sempre curioso ver como o país é visto e vivido por estrangeiros. “Portugal - The Monocle Handbook” proporciona essa visão e, embora nem sempre as sugestões da “Monocle “ sobre as coisas portuguesas sejam acertadas, o livro proporciona um bom roteiro a quem nos visita. Mas vamos à história do grupo Monocle. O primeiro número da revista Monocle foi publicado em Fevereiro de 2007, há 15 anos portanto. Em 2011 começou a emitir a Monocle 24, uma rádio em streaming que entretanto desenvolveu uma programação variada e passou a integrar uma componente vídeo. Em conjunto com a newsletter Monocle Minute estas são as únicas operações online do grupo, que ao longo da sua existência tem permanecido fiel ao papel. Para além das dez edições anuais do título principal, “Monocle”, tem também editado publicações regulares como a "Entrepreneurs" e a “Forecast” e algumas outras edições especiais, sazonais, em formato de jornal. Em 2013 iniciou uma área de edição de livros, que vão desde guias de cidades até ensaios, como “The Monocle Companion”. E, agora, estreou-se com a edição de uma nova colecção dedicada a países. E o primeiro volume desta nova colecção, agora apresentado, é sobre o nosso país, “Portugal - The Monocle Handbook”. O livro tem sugestões desde museus a lojas de design, de música ou de revistas, até locais no litoral e no interior, percursos a fazer, como no Douro, e indicações de restaurantes desde as mais simples tascas até aos mais na moda. E mostra também a diversidade cultural em todo o país, o cruzamento de influências de outros países, sobretudo os lusófonos. Na apresentação, que decorreu em Lisboa na semana passada, o criador do grupo Monocle, Tyler Brulé, sublinhou que Portugal surge em quarto lugar em número de exemplares vendidos da Monocle em quiosques, em sétimo global em livrarias e em 19º em assinaturas. Brindou-se a tudo isto com o Alvarinho Reserva Cortinha Velha, de Monção.
PORTUGUÊS CANTADO - Uma escritora, Maria do Rosário Pedreira, e uma fadista, Aldina Duarte, deram as mãos para, em conjunto, fazerem um livro, “Esse Fado Vaidoso”, que recolhe poemas do fado tradicional, mas também de novos autores. Maria do Rosário Pedreira tem aliás trabalhado bom vários músicos músicos e contribuído para renovar o português que se canta, escrevendo para intérpretes como a própria Aldina Duarte, Camané, Carlos do Carmo ou António Zambujo. Aldina Duarte pelo seu lado, fez o seu primeiro disco em 2004 e o mais recente já este ano e tem sido uma das vozes mais atentas a novos escritores e poetas. “Esse Fado Vaidoso” junta uma galeria de autores e intérpretes que transformaram o modo como o fado é visto e divulgado hoje em todo o mundo. É como que uma antologia monumental dessa poesia transcrita para o fado, dos trovadores medievais a Bocage, passando por Machado de Assis, Teixeira de Pascoaes, Pessoa, Almada Negreiros, Florbela Espanca, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís, David Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neill, Ary dos Santos, Vasco Graça Moura ou Hélia Correia, entre outros. Ali encontra poemas do fado tradicional, à volta dos temas da mitologia do fado, da melancolia, da paixão, do ciúme, da saudade, da separação ou da esperança desenganada. No final do livro há um útil guia das versões cantadas dos poemas que os autores ouviram e recomendam. Edição Quetzal.
MÁS PROVAS - Uma das minhas dúvidas mais persistentes em matéria de restauração é o porquê da incapacidade, generalizada, em servir batatas fritas aos palitos que estejam fritas em vez de cozidas. Digamos que não será o prato mais emblemático do mundo, mas metade do prazer de um bitoque está no acompanhamento, ou seja, nas batatas fritas. Raros são os restaurantes onde as fazem como deve ser, como os especialistas no assunto, belgas, ensinam: com duas frituras, para ficarem estaladiças por fora, cozinhadas por dentro, mas secas e saborosas. Em vez disso, o mais frequente é aparecerem molengonas, encruadas, com um aspecto que leva a suspeitar precisarem de viagra para se restabelecerem. Dentro do mesmo género de molenguice destaco também outro clássico que são as carcaças que parecem pastilha elástica. Normalmente quando isto acontece as azeitonas que acompanham estão igualmente molengonas, talvez por solidariedade, e, nas mais das vezes, sensaboronas. Outro tema muito comum é a tentativa de colocar uma charcutaria inteira em cima da mesa, à espera que um incauto debique alguma coisa, para agravar a conta. Tudo isto atinge o seu zénite quando apanhamos um daqueles empregados que aparece a toda a hora a perguntar se está tudo bem, a meio da nossa mastigação, e que desaparece quando efectivamente precisamos dele. Outra praga, que começa a proliferar, são os pré preparados congelados que são servidos como produtos caseiros, uma verdadeira ofensa aos verdadeiros pastéis de bacalhau, croquetes e chamuças. Um dos maiores enganos que um restaurante pode cometer é servir fast food disfarçada - e isso acontece cada vez mais. Salvam-se as tascas, onde se cozinha tudo à vista, num grande tacho, e o resultado sai bem apurado. Para a semana o tema vai ser essa coisa chamada “fine dining”.
DIXIT - “O país e as autoridades olham para o que acontece e limitam-se a deixar acontecer (…) Deixar correr é sempre a pior das políticas “- António Barreto.
BACK TO BASICS - “ Toda a gente tem um livro dentro de si, e é aí exactamente que, na maior parte dos casos, ele deve permanecer” - Christopher Hitchens.
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