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DOIS PAÍSES? - António Costa parece uma vestal pura, incapaz de pecado. Quem o ouvir por estes dias não acredita que ele esteve anos à frente da Câmara Municipal de Lisboa e, depois, anos no Governo, até agora. Se quem o ouve tiver acabado de aterrar vindo de Marte, achará que António Costa chegou agora ao poder, cheio de boas ideias e imbuído de um avassalador ímpeto reformista. Só que não. Anda por cá há muito e fez pouco, embora tenha a arte de querer mostrar ter feito muito. Ele é um mágico, um ilusionista. Se fosse personagem de banda desenhada seria Mandrake. Vem isto a propósito dos exercícios de contorcionismo de António Costa frente ao Presidente da República, a propósito da execução do PRR. Relatos surgidos na imprensa sobre o interrogatório a que Costa foi submetido por Marcelo e por assessores da Presidência são elucidativos do cepticismo que começa a espalhar-se, muito para além de Belém, sobre o que de facto se está a passar com as verbas do PRR. Já em tempos o Ministro da Economia, António Costa e Silva, reconheceu que a administração pública está mais vocacionada para dar pareceres do que em executar os planos que a política define. Na reunião de Belém houve especialistas que disseram conhecer candidaturas ao PRR que demoraram 300 dias a ser respondidas e tornou-se evidente que há uma baixíssima percentagem de fundos executados em áreas críticas como a habitação ou a agricultura. Na reunião de Belém, Marcelo terá dito uma frase lapidar: “senhor primeiro-ministro, de cada vez que falamos deste assunto parece que vemos dois países diferentes”.  

 

SEMANADA - Um inquérito efectuado em Portugal para o European Social Survey mostra que os portugueses estão desiludidos com o funcionamento da democracia e que o mau funcionamento da justiça é o problema maior; o cabaz de alimentos subiu 45 euros num ano, um aumento de 24,5% e entre 63 bens essenciais 53 estão mais caros; as receitas para as autarquias, últimos dez anos, com o Imposto Municipal sobre Transmissões imobiliárias cresceram 340% e o IMI cresceu 20%; em 2021 os preços das casas subiram na maioria das capitais de distrito e em metade dos casos o aumento ultrapassou os 10%; o aumento dos preços está a levar os estudantes a recorrerem mais às cantinas, como a "Cantina Velha" da Universidade de Lisboa, que servia cerca de 400 refeições diárias e agora serve quase 1600; segundo um estudo da Entidade Reguladora da Saúde, o número de psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários deveria ser o dobro dos que agora existem; segundo o Censos 2021 há mais de um milhão de pessoas a viverem sózinhas em Portugal; em Janeiro o desemprego cresceu pelo sexto mês consecutivo; a segurança social atrasou-se a pagar o bónus de meia pensão aos reformados que se aposentaram em Setembro e Outubro; os subsídios de doença aumentaram 59,2% em janeiro face ao mês anterior e 12,7% comparando com o período homólogo, alcançando o número mais alto desde 2010.

 

O ARCO DA VELHA - No relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa descrevem-se casos de promiscuidade entre as autoridades militares, civis e eclesiásticas no encobrimento das acções praticadas.

 

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OBRAS IMERSAS  - Como todos os artistas que o são, Pedro Calapez tem um estilo próprio, uma marca de autor, que percorre a sua obra. Não se trata de olhar sempre da mesma forma, é sobretudo interpretar coerentemente o que vê e, também, o que imagina. Muitas vezes Calapez introduz variantes, quer através dos suportes utilizados, quer na combinação de vários suportes ou na forma como as peças se juntam para criar uma única obra. “Estado de Imersão”, a sua mais recente exposição, estará até 8 de Abril na Galeria Miguel Nabinho (Rua Tenente Ferreira Durão 18B, Lisboa) e mostra 14 obras, a maioria feitas entre 2020 e 2023, diferentes na concepção, formatos e suportes utilizados - cinco são pinturas a acrílico sobre alumínio, sete são pinturas em papel (e nestas estão as seis da série “Volta A Casa”, de 2022, particularmente reveladoras de novas formas de ver do artista) e duas a acrílico sobre tela. Na imagem Pedro Calapez aparece frente a uma das obras mais marcantes da exposição, “Bartleby disse”, uma montagem de duas peças, ambas com base de alumínio, uma a acrílico e outra a óleo. No site da galeria podem ver um vídeo onde o artista fala sobre a sua obra. E esta semana decorre até domingo em Madrid mais uma edição da feira de arte ARCO (que em Maio terá a sua edição lisboeta). Em Madrid estão, nas várias secções, 17 galerias portuguesas e também uma representação institucional de Lisboa, a cargo da EGEAC, que apresenta uma obra do artista Paulo Brighenti.

 

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O ESCRITOR MALDITO - Conheci Luiz Pacheco por acaso, num snack bar que existia por baixo do edifício que albergou o jornal “República” e, mais tarde, o “Portugal Hoje”. Era eu então um jovem jornalista que ali ía ao fim da tarde ouvir os mais velhos e experientes jornalistas que andavam pelo Bairro Alto onde então estavam redacções de vários jornais. E nesse snack bar volta e meia aparecia Luiz Pacheco, esperançado, e com razão,  que alguém lhe pagaria alguma coisa para entreter o estômago enquanto bebesse um copo, também oferecido. Mesmo numa época em que o dinheiro não abundava nos bolsos dos jornalistas nunca ouvi ninguém recusar um copo ao Pacheco, a troco de o ouvir e poder discutir alguma coisa com ele, o que era sempre épico. Luiz Pacheco nasceu em 1945 e foi como editor, na Contraponto, que fundou, que se destacou. Aí editou autores como José Cardoso Pires, Natália Correia, Mário Cesariny ou Herberto Hélder. Tinha um sarcasmo vivo e amargo, gostava de uma boa discussão  com quem lhe desse luta, era inconformista e cultivou a imagem de um espírito incómodo. Escreveu ensaios como “Crítica de Circunstância”, manifestos como “O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, O Seu Esplendor”, fez livros com textos seus ilustrados por nomes como Martim Avilez, Manuel João Ramos ou Alice Geirinhas. Foi o que se chama um escritor maldito, morreu em 2008, passou a vida a lutar por ser livre e a sua vida teve um lado escabroso, viveu na solidão e no alcoolismo, conheceu a prisão.  “O Firmamento É Negro e Não Azul” é a biografia de Luiz Pacheco, escrita por António Cândido Franco, de forma rigorosa e sem preconceitos de linguagem. António Cândido Franco é autor de vários estudos sobre literatura e cultura portuguesas, nomeadamente biografias de Agostinho da Silva e Mário Cesariny. “O Firmamento É Negro E Não Azul” é uma edição da Quetzal.

 

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UMA BOA EXPERIÊNCIA - Em 2012 Lex Blondin, um parisiense a viver em Londres, decidiu criar num armazém na zona de Hackney o Total Refreshment Centre, que incorporava um estúdio de gravação, uma sala para concertos e uma zona para workshops de artistas. A comunidade de criadores de diversas áreas, mas predominantemente de músicos, que ali se juntou, tornou-se no epicentro de uma explosão de talentos de jazz, como Moses Boyd ou The Comet Is Coming que depressa ganharam notoriedade e reconhecimento internacionais e que contribuíram também colocar o Total Refreshment Centre (TRC) na vanguarda da música que então se produzia na Europa. A valência da sala de espectáculos foi entretanto abandonada, mas o estúdio e a área de ensaios, workshops e de convívio entre várias expressões artísticas intensificou-se. Foi isto que levou a histórica etiqueta discográfica Blue Note a decidir dar palco à música que dali saía e assim nasceu o álbum “Transmissions From Total Refreshment Centre”. O disco mostra o trabalho de sete músicos e grupos que têm estado associados ao TRC. Alguns dos temas foram lá gravados, outros foram registados noutras localizações o que torna o álbum uma demonstração da estética envolvida pela comunidade que se desenvolveu no TRC. Nas notas de capa do disco Emma Warren, que escreveu um livro sobre o Total Refreshment Centre intitulado “Make Some Space”, sublinha que muito do espírito do local vem da influência de “Jazzmatazz”, o álbum que o rapper Guru gravou em 1993 e que juntava músicos de influências diversas como Donald Byrd ou Roy Ayers. E foi a esses cruzamentos de estilos e influências que a comunidade musical do TRC foi beber inspiração - basta ouvir a faixa 5 e ver como Miryam Solomon canta a acompanhar os Matters Unknown numa  interpretação muito pessoal da bossa nova. Transmissions from Total Refreshment Centre inclui sete temas de outros tantos artistas e está disponível nas plataformas de  streaming.

 

A SOPA  - Diz a Wikipedia que a sopa é o alimento mais antigo do mundo, percorre civilizações, tem interpretações diferentes conforme as geografias onde é cozinhada, mas baseia-se sempre no mesmo princípio: uma comida de conforto, que prepara o estômago e garante alguns nutrientes básicos. No Oriente as sopas com noodles, vegetais e diversas proteínas recorrem a temperos como o gengibre, o cardamomo e o tamarindo, a ocidente preferem os legumes que vão da abóbora às couves de bruxelas e recorrem muitas vezes a carnes fumadas e a queijo. Podem ser quentes, como o nosso caldo verde ou a minestrone italiana, ou frias, como o gaspacho espanhol. Podem ser mais complexas, como a sopa rica de peixe, ou inesperadas como a canja de arroz, que em vez de galinha leva amêijoas. E já nem falo de duas criações bem portuguesas - a deliciosa sopa de beldroegas ou a lendária sopa de pedra, que mostra como com imaginação e descaramento se pode, a partir de uma pedra e contando com a boa vontade alheia, fazer um autêntica sopa de cozido. Seja como fôr, há poucas coisas que substituem uma boa sopa, que muitas vezes pode ser uma refeição completa. E a maior parte das sopas é de baixo custo, de confecção simples e de fácil digestão. Aqui podem espreitar as receitas das 20 mais famosas sopas do mundo - https://foodandroad.com/pt-br/melhores-sopas-do-mundo/



BOM - A prescrição de medicamentos genéricos permitiu poupar mais de 509 milhões de euros em 2022.

 

MAU -  O Presidente da República manifestou baixas expectativas sobre a execução dos fundos do PRR

 

DIXIT - “Olhando para o pacote (de medidas sobre a habitação) não é possível ter uma ideia do que está lá dentro. O povo costuma dizer que só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. É preciso abrir o melão” - Marcelo Rebelo de Sousa.

 

BACK TO BASICS - "É uma lástima que os loucos não tenham o direito de falar sensatamente das loucuras das pessoas sensatas” - William Shakespeare

 




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publicado às 11:00

AS REFORMAS NUNCA CUMPRIDAS

por falcao, em 17.02.23

 

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INJUSTIÇA - Um dos maiores problemas que existe em Portugal é termos um sistema de injustiça, em vez de termos um sistema de justiça. Isto é particularmente verdade quando de um lado está o Estado, em processos administrativos ou fiscais, por exemplo, mas acaba por atingir toda a acção dos tribunais e da administração da justiça. Tudo se atrasa, os processos por mais simples que sejam são demorados. Quem está a braços com alguma questão desespera pelo tempo que passa sem nada se resolver, umas vezes porque os tribunais são lentos e queixam-se de falta de recursos humanos e técnicos, outras porque há  mil maneiras de adiar o andamento dos processos e protelar as decisões. Num recente artigo a ex-Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, defendeu a reforma profunda do processo penal, elegendo o ataque às manobras dilatórias e à litigância de má-fé como prioritária. Mas acontece que a palavra “reforma” em Portugal tem uma peculiar maldição: é muito prometida mas quase nunca cumprida.  Ainda por cima todos se queixam da lentidão da justiça mas no meio da situação em que se vive ela não é elencada como prioridade. Há razões evidentes para as pessoas se preocuparem com a quebra do poder de compra, com a degradação do ensino público, com a situação dos professores, com a falta de meios do Serviço Nacional de Saúde. Com estas preocupações a crescerem, a situação da justiça passa para segundo plano. Além disso, este sistema de falta de justiça serve às mil maravilhas para deixar campo aberto para muita coisa. Recordo esta frase de António Barreto, num artigo que publicou na semana passada: “Há em Portugal um clima de cortar à faca, aquele em que se sente a corrupção, em que se vive da cunha, em que se julga que  a democracia é o poder discricionário de quem tem os votos” . Tudo isto convive às mil maravilhas com o caos da justiça.

 

SEMANADA - Segundo o INE, o sector onde actuam Uber Eats e Glovo, entre outros, movimentou 852 milhões de euros em 2021, um aumento de 31,6% em relação ao ano anterior; o Ministério da Habitação só utilizou 3% dos fundos do PRR; um quarto das lojas da Baixa lisboeta fechadas no início da pandemia não voltou a abrir; em 2022 o poder de compra dos portugueses caíu para os níveis de 2018 e segundo o INE o ordenado bruto médio caiu 4%; a direcção do SNS, criada há quatro meses, continua sem regras de funcionamento; o Estado deve 9,6 milhões de euros a artistas, devido ao atraso no pagamento dos apoios do programa Garantir Cultura, aprovado durante a pandemia; 9,9% da população portuguesa vive sózinha; o custo da publicidade emitida no intervalo do Super Bowl equivale a 75% do investimento publicitário total anual do mercado português; só 1,1% das águas residuais tratadas são reutilizadas, o que compara com o objectivo estabelecido de 20% de reutilização estabelecido pelo Governo para 2030; há cerca de 40.000 brasileiros a frequentarem escolas portuguesas e quase 19 mil em universidades; numa década as escolas perderam um quinto dos seus alunos, passando de dois milhões de alunos do pré escolar ao ensino secundário para pouco mais de 1,5 milhões; no relatório sobre os abusos sexuais cometidos por membros da Igreja católica estão referenciadas pelo menos 4815 crianças que foram vítimas e a idade média que  tinham no primeiro abuso que sofreram é de 11,2 anos.

 

O ARCO DA VELHA - Inês Franco Alexandre, assessora da Ministra do Trabalho, propôs, num programa de rádio, ocupar o tabuleiro da ponte 25 de Abril com tendas, numa acção de protesto contra os problemas da habitação em Portugal. O Governo justificou a sua contratação pela sua experiência em inovação social.

 

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AUTO-COLECÇÃO  - Até 21 de Maio o Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, apresenta “Os NikiaΣ do Nikias”, uma exposição que reúne 80 das suas obras que fazem parte do acervo pessoal que deixou, entre elas esta Mulher Leopardo aqui reproduzida . Nikias Ribeiro Skapinakis, nascido em Lisboa, de ascendência grega,  começou por estudar arquitectura, depois optou pela pintura e expôs pela primeira vez em 1948. Ao longo da sua vida foi sobretudo pintor, mas igualmente desenhador, fez ilustração de livros, litografia e serigrafia. E foi, também, autor de “Os Críticos”, um dos painéis da Brasileira, do Chiado.  Como refere o MNAC, “a surpresa da exposição (...) residirá na seleção particular de obras que vamos encontrar e que, de acordo com critérios muito próprios, Nikias escolheu para integrarem o seu espaço privado”.  Todos os textos que acompanham a exposição são da autoria do artista e, apesar de ter defendido que a pintura não precisa de explicações, Nikias é autor de uma relevante reflexão sobre a própria obra. A exposição tem curadoria de Helena Skapinakis e Maria de Aires Silveira. Outros destaques: só tem mais alguns dias, até 18 de Fevereiro, para visitar a Retrospectiva de Pintura de João Abel Manta, na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), com curadoria de João Paulo Queiroz.  E na Galeria 111 (R. Dr. João Soares, 5B, Lisboa), até 25 de Fevereiro ainda pode ver a nova exposição de Fátima Mendonça “Em Diário – Dias Incertos”.  Fátima Mendonça conta que a quarentena a levou a fazer desenhos que depois punha na sua página do Facebook como forma de comunicar e assim aos poucos foi-se criando um diário gráfico. Finalmente na Galeria Diferença ( Rua S. Filipe Nery 42), Graça Pereira Coutinho apresenta novos trabalhos na exposição “Life”.



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A BIBLIOTECA - Para quem gosta de livros existe sempre um fascínio em saber como outras pessoas criam uma biblioteca. Por isso mesmo “Biblioteca Pessoal” é um fascinante livro de Jorge Luis Borges, ele que foi bibliotecário durante muitos anos, vivendo essa profissão como a de um «guardião dos tesouros». Em 1985 pediram-lhe que  escolhesse cem livros para a publicação de uma «biblioteca pessoal». Morreu em 1986, antes de poder concluir esse projeto; no entanto, deixou uma lista de obras que refletia as suas preocupações e gostos literários, bem como os prólogos dos primeiros setenta e quatro títulos da série. É essa escolha pessoalíssima que este “Biblioteca Pessoal” mostra. No prólogo do livro Borges escreveu: «Não sei se sou um bom escritor; penso ser um excelente leitor ou, em todo o caso, um sensível e agradecido leitor. […] Esta série de livros heterogéneos é, repito, uma biblioteca de preferências». No livro Borges fala de autores como Franz Kafka, Henrik Ibsen, André Gide, Fedor Dostoiévski, Herman Melville, Voltaire, Edgar Allen  Poe, ou Robert Louis Stevenson, entre outros. Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires em 1899 e publicou em 1923 o seu primeiro livro, “Fervor de Buenos Aires”. Escreveu poesia e ficção, crítica e ensaio e distinguiu-se com os seus contos e narrativas breves. Viveu em vários países e, na sua Argentina natal, foi professor de literatura e dirigiu a Biblioteca Nacional de Buenos Aires. “Biblioteca Pessoal” foi , com tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, foi editado pela Quetzal.

 

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UMA HISTÓRIA PARA BATERIA E PIANO - Como será um disco em que a música é totalmente interpretada apenas por uma bateria e um piano? Sugiro que experimentem ouvir “A Short Diary”, do baterista Sebastian Rochford e do pianista Kit Downes. Este é um diário especial, um retrato musical das emoções de Rochford depois da morte do seu pai. É um trabalho duplamente interessante porque combina o talento de Rochford enquanto compositor, com o seu virtuosismo e criatividade enquanto baterista. Por outro lado, a forma como Kit Downes toca piano contribui para mostrar a beleza das composições destes oito temas. Na realidade Downes permite que cada tema se desenvolva e crie espaço para que Rochford exprima os seus sentimentos com a bateria de uma forma subtil - e destaco por isso “Silver Light” e “Even Now I Think Of Her”. E existem outros temas em que o piano diz tudo, como em “Our Time Is Still” ou “Night Of Quiet”. Este é um disco fascinante, de uma enorme sensibilidade, onde a melancolia se cruza com a recordação de boas memórias, como se fosse uma história contada em música. Edição ECM, disponível nas plataformas de streaming.

 

MASSA HEREGE - Enquanto aguardo pela estreia da lampreia da época - raridade este ano pelo que vou percebendo - relato um improviso recente, com heresias na utilização de matérias primas. Trata-se de um prato à base de massa, um dos meus ingredientes favoritos. A massa é misturada com camarão - a heresia começa aqui, já que em vez de camarão fresco que descasquei utilizei camarão congelado, de bom calibre, que deixei a descongelar de véspera. A massa escolhida foi tagliatelli, que na minha opinião é das que melhor absorve os sabores - a segunda heresia é partir ao meio o molho de tagliatelli que se vai usar e, só depois, colocá-lo em abundante água a ferver salgada. Enquanto a massa cozia, menos uns minutos do que o recomendado, fiz um refogado de alho picado com alho francês às rodelas finas, sobre azeite a que juntei uma generosa colher de manteiga - o resultado da mistura da manteiga com o azeite é uma coisa que devem experimentar. Ao fim de alguns momentos juntei os camarões, que fui salteando, dois minutos de cada lado sensivelmente. Ao fim desse tempo retirem os camarões e reservem, adicionem um pouco de vinho branco e sumo de um limão ao refogado, e deitem a massa lá para dentro, mexendo bem. Adicionem mais um pouco de manteiga, cebolinho fresco, uns salpicos de peperoncino  e juntem os camarões a seguir. Envolvam bem tudo mais dois minutos com lume brando, juntem um pouco da água da cozedura da massa que terão entretanto guardado, e assim os tagliatelli ficarão soltos. Acompanhe com um vinho branco frutado - o Altano que está à venda nesta altura é uma boa opção.

 

BOM - As palavras do Bispo D. Américo Aguiar, na sequência do relatório  da Comissão Independente sobre os abusos sexuais: «Qualquer pessoa que tenha vivido o flagelo de um crime destes tem um sofrimento que não se compara com qualquer quebra de notoriedade ou prejuízo colateral que a Igreja possa ter», 

 

MAU - A Comissão Parlamentar de inquérito `TAP foi aprovada a 3 de Fevereiro mas ainda não está a funcionar, presa na burocracia parlamentar.

 

DIXIT - “A TAP já fez muitas vítimas. A próxima, no entanto, é sempre a mesma. Chama-se contribuinte” - Luís Marques.

 

BACK TO BASICS - “A realidade é a oposição mais agressiva que o PS tem” - Carlos Guimarães Pinto.





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UMA CANÇÃO QUE CONTINUA ACTUAL

por falcao, em 10.02.23

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UM PAíS ADIADO - Meio século atrás havia uma canção, de Sérgio Godinho, que tinha como refrão as palavras pão, paz, habitação, saúde e educação, os pontos que reivindicava como condição para que, de facto, as pessoas fossem livres. Se olharmos para os meses mais recentes vemos que existem sinais de diminuição do consumo de produtos básicos de uma alimentação saudável devido ao aumento dos preços, sabemos que a paz é um desejo permanentemente ameaçado, sentimos os problemas graves que existem no sistema nacional de saúde, estamos no meio de um turbilhão na educação e a habitação é um sério problema, quer pelo aumento dos preços das casas, quer pelo aumento dos custos de financiamento, quer ainda pelo inflacionado e anémico​​ mercado de arrendamento. Bem vistas as coisas, em meio século, estes indicadores básicos não foram cumpridos. Olhemos para a habitação. Um relatório recente do Banco de Portugal revela que, desde outubro do ano passado, o custo financeiro de comprar casa em Portugal superou o custo na média dos países do euro: em dezembro, a taxa de juro média dos novos créditos à habitação em Portugal era 36 pontos base superior à taxa cobrada pelos bancos da Zona Euro e, em 2022, a taxa de juro média dos novos empréstimos à habitação mais do que triplicou em relação a 2021. Outros estudos indicam que em 2022 o preço médio das casas subiu 9,7%. Nas grandes cidades cada vez mais pessoas, sobretudo idosos com contratos de arrendamento antigos, são forçados a sair das suas habitações. Os mais novos, no início da sua vida profissional, têm sérias dificuldades em suportar os custos de habitação. O país prometido não se cumpriu, os Governos não fazem reformas estruturais, passeiam-se apenas pelo poder, adiando sempre o principal.

 

SEMANADA - No primeiro ano de maioria absoluta do atual governo, os serviços públicos foram alvo de quase 14 mil reclamações dos portugueses. O IMT, a Segurança Social, o SEF, o SNS e a AT lideram a tabela das reclamações, a maior parte das quais relacionadas com o mau atendimento das entidades, entre janeiro e dezembro de 2022, chegaram ao Portal da Queixa 1788 reclamações relacionadas com problemas nos serviços de entrega de refeições ao domicílio e atrasos nas entregas é uma das principais causas; os estabelecimentos de cabeleireiro perderam 20% de faturação em 2022; a renegociação de empréstimos à habitação duplicou em três meses; em três anos o preço da habitação disparou 38%; em 2022 13 casas em Lisboa e no Algarve foram compradas com criptomoedas; um estudo divulgado esta semana indica que os adolescentes começam a actividade sexual mais tarde e fazem-no cada vez mais sem protecção; o Parlamento recebeu 163 pedidos para repor freguesias que foram extintas em 2013; mais de um terço dos cheques-dentista emitidos não foram utilizados; segundo a Marktest entre janeiro e dezembro de 2022 os programas regulares de informação da RTP1, SIC e TVI emitiram 79 705 notícias; os serviços de noticiário destes canais generalistas  tiveram uma duração total de 2 971 horas, uma média diária de 2 horas e 42 minutos por canal; um estudo da Universidade Nova Indica que o uso mais intenso de lareiras agravou a poluição no norte do país.

 

O ARCO DA VELHA - A direcção do Bloco de Esquerda é acusada pela oposição interna de perpetuação no poder, ausência de democracia interna, de esvaziamento dos princípios e de impedir a diversidade dentro do partido.

 

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CONVERSA EXPOSTA - Em Elvas, no Museu de Arqueologia e Etnografia, está patente uma exposição de obras de Pedro Calapez e Rui Sanches que integram a colecção António Cachola, a maioria feitas nos anos 90 e na primeira década deste século. Ao todo são cerca de duas dezenas de obras - pintura e desenho no caso de Pedro Calapez e escultura e desenho no caso de Rui Sanches. Sob o título “Conversa”, os dois artistas fazem, como sublinha Rui Sanches na folha de sala, um dueto. E Calapez esclarece: “aparecemos em diferentes momentos nesta colecção, que desde há quinze anos é a coleção António Cachola-Mace, e teremos eventualmente sido dos primeiros artistas em que o seu olhar pousou e fez juntar as obras que fazíamos ao seu tesouro.” A exposição completa-se com duas peças que não fazem parte da colecção, uma de Calapez que está exposta no Paiol de Elvas e outra de Rui Sanches que será mostrada em Junho, na Cisterna. Ao mesmo tempo, no MACE (Museu de Arte Contemporânea de Elvas”, abriu também a primeira parte da exposição “A fotografia na colecção António Cachola”, com mais de duas dezenas de autores como Jorge Molder, António Júlio Duarte, Augusto Alves da Silva, Daniel Blaufuks, José Maçãs de Carvalho, Luís Campos, Nuno Cera, Patrícia Garrido e Pedro Barateiro, entre outros. Permanecendo na fotografia mas mudando de local, destaco “New Lisbon”, o trabalho de Gonçalo Fonseca, exposto na Galeria Santa Maria Maior (Rua da Madalena 147). è um impressionante retrato da crise habitacional que se vive em Lisboa e que começou antes da pandemia. Gonçalo Fonseca faz um exemplar trabalho documental em três dezenas de fotografias, que são também outras tantas histórias, com imagens realizadas em 2019 e 2020. Por último a Incubator Photo Gallery e o Teatro do Bairro (Rua Luz Soriano 63) apresentam “Selfie?”, 24 autorretratos de Pedro Cabrita Reis, em Polaroids.

 

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MANUAL POLÍTICO - O título é logo uma provocação, bem ao jeito do seu autor:”Como perder uma eleição” - uma compilação de pensamentos que Luís Paixão Martins aperfeiçoou ao longo das várias campanhas eleitorais em que participou como conselheiro de comunicação, e que por sinal venceu. Entre histórias e reflexões, com recurso a princípios básicos que foi estudando ao longo dos anos, o livro é um manual de boas práticas de comunicação que os políticos deviam adoptar, não só em eleições, como ao longo do exercício do poder., quando as ganham. Entre não querer agradar a todos e combater a ambição de mudar o mundo em dois meses, a leitura das sondagens e o elementar bom senso de ouvir o que se diz, o livro é um bom exercício e dá que pensar.  Como o autor sublinha, “na relação com os media, nós entramos no jogo, não criamos as regras”. Mais que relatar o que lá está, deixo aqui algumas citações, extraídas com a devida vénia. Ora vamos a isso: “Fora das eleições a política não faz parte dos interesses da generalidade dos portugueses”; “a política não é o futebol. No futebol, são os resultados que fazem os fãs. Na política são os fãs que fazem os resultados”; “numa campanha eleitoral, os media vencem os políticos, com larga vantagem, na captação do interesse dos eleitores. Percebe-se porquê: porque os media são ao mesmo tempo canal e protagonista, e os políticos, coitados, são meros protagonistas à procura de atrair o canal”. E talvez a melhor de todas:  “A outra condicionante da relação com os media durante o curto período da campanha é a gestão do menu de conteúdos. Cada candidato tem a sua própria lista de temas que gostaria de agendar - os favoráveis para si, os embaraçosos para os adversários. É fácil identificar esses temas: são os que não interessam aos jornalistas”.  “Como perder uma eleição” é edição Zigurate.

 

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TRIO HARMONIA  - Costumo dizer que o mundo está cheio de boas vozes, mas não está cheio de grandes cantores. Para cantar não basta ter boa voz, é preciso saber sentir e interpretar o que está nas palavras - e isso é o que infelizmente falta a muita gente que diz cantar. Felizmente não é esse o caso de Melissa Stylianou, uma canadiana que veio do teatro musical para o jazz e se apaixonou por alguns dos grandes clássicos. O recente álbum “Dream Dancing” é um exemplo do seu talento e uma prova dessa sua paixão pelos standards, aquilo a que se convencionou chamar The Great American Songbook. Mas o disco não tem só versões, inclui um original da própria Melissa dedicado a Chet Baker. Há uma razão para este “For Chet”: para além da voz de Melissa é justo dizer-se que o disco tem encantos adicionais na forma como Gene Bertoncini toca guitarra acústica e Ike Sturm toca contrabaixo e Gene era uma dos músicos que tocava com Chet Baker. Na realidade “Dream Dancing” não é o disco de uma vocalista, mas de um trio de voz, guitarra e baixo, num perfeito e raro entendimento. Entre os clássicos estão uma versão arrebatadora de “Perdido”,  um “Corcovado” cantado em português e inglês, e versões de temas como  “It Could Happen To You”, “Sweet And Lovely”, “My One And  Only Love” e “It Might As Well Be Spring”. Disponível nas plataformas de streaming.

 

CANTINA ITALIANA - Marcello Di Salvatore é um italiano que vive há uma dúzia de anos em Portugal onde criou a sua Cantina Italiana, a que chamou Bella Ciao. Natural de Abruzzo, no centro de Itália, apostou em fazer uma cozinha familiar, com receitas tradicionais. Depois de duas localizações na baixa, o Bella Ciao mudou há pouco tempo para a zona de Alcântara, na Rua do Costa, junto ao largo ao fundo da Rua Maria Pia. Este espaço é bem maior que os anteriores, a decoração continua a ter a marca de Itália, desde as toalhas aos quadrados das mesas aos cartazes que decoram as paredes. A lista tem entradas como vitello tonnato e nos pratos principais há um simples esparguete com azeite, alho e peperoncino, orecchiette com brócolos e queijo Grana Padano, uns clássicos penne all'arrabbiata, pappardelle con funghi porcini e, acima de tudo, um spaguetti carbonara, tradicional e sério, com esparguete de bom calibre, sem o pecado habitual das natas e com a tradicional receita que apenas leva gema de ovo e queijo, além de pancetta. E, claro, há boas pizzas. Nas sobremesas o Tiramisú recomenda-se e há uma muito procurada mousse de Nutella. Rua do Conde 10, telefone 210 935 708.

 

BOM - O catálogo da exposição “Sombras do Império”, que esteve no Padrão dos Descobrimentos, é um exemplar trabalho de investigação sobre  os sucessivos planos urbanísticos e projectos de arquitectura da Praça do Império.

 

MAU - José Sá Fernandes, o coordenador das Jornadas da Juventude nomeado pelo Governo, ainda não deu a conhecer o plano de mobilidade para o evento que deve envolver milhão e meio de pessoas.

 

DIXIT - “Pretender controlar a linguagem, proibir posições e atitudes, exigir “direitos” que são identitários-corporativos, é a pior maneira de criar igualdade e tolerância" - José Pacheco Pereira

 

BACK TO BASICS - “Os que andam à caça dos outros devem lembrar-se que também podem ser caçados” - Esopo




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A RODA LIVRE - Razão tinham aqueles que, há um ano, lançaram alertas sobre os perigos de uma maioria absoluta. Não se enganaram nem um bocadinho. Em vez da estabilidade anunciada, conhecemos a instabilidade, traduzida em 13 substituições de membros do Governo. Em vez de um gabinete coeso tivemos compadrios, indícios de corrupção, sordidez, desnorte, problemas éticos. Em vez de reformas que melhorem o país tivemos imobilismo, mais problemas na justiça, saúde e, sobretudo, educação. Em vez de aproveitarmos os recursos, temos de novo uma emigração portuguesa para o estraneiro, da geração em que o país mais investiu na formação, que é em termos absolutos, próxima do que se passou na década de 60 com, nessa altura, mão de obra desqualificada. Uma maioria absoluta, um ano de instabilidade. Perdeu-se tempo. Perdem-se recursos. Não se começou a resolver os maiores problemas. Esta semana, numa entrevista colocada no canal de serviço público de televisão, e que teve 770 mil espectadores, António Costa, garantiu que a legislatura é para chegar ao fim e até brincou:  “O meu médico diz-me que estou bem”. O problema, na realidade, não é a saúde de Costa, que todos desejamos que continue em boa forma, mas a adesão das suas afirmações à realidade. O problema é a sua capacidade de fazer coisas em vez de fazer habilidades. António Costa é uma pessoa divertida e um político habilidoso. Mas não é um fazedor. É um equilibrista, um trapezista da política. E quando se viu com maioria absoluta achou que já não precisava de ter a rede de segurança que a geringonça lhe deu. E entrou em roda livre, que é o actual estado da nação.

 

SEMANADA - Portugal tem cerca de quatro milhões de pessoas com idade igual ou superior a 55 anos; 2,6 milhões de portugueses vivem com menos de 660 euros por mês; em dezembro a taxa de inflação homóloga na zona euro foi de 9,2%, menos nove décimas que no mês anterior; 9,6% foi a inflação em Portugal em Dezembro, mais três décimas que no mês anterior; PS, PSD e Chega chumbaram a desclassificação de documentos militares da Guerra  Colonial; em 2022 registaram-se 103 escalas de cruzeiros no Porto de Lisboa, um aumento de 43% face a 2019; um estudo da Universidade Católica indica que sete em cada dez jovens discutem política mas preferem modos de participação sociais e cívicos em vez de modos formais; nove em cada dez jovens já votaram pelo menos uma vez, sendo as eleições legislativas aquelas que lhes suscitam maior participação; o Portal da Queixa identificou uma subida de 57% no número de reclamações dirigidas aos serviços de entrega de refeições ao domicílio, comparativamente com 2019 e a Uber Eats é a marca que recebe mais queixas dos consumidores; segundo a OCDE quase um quinto do dinheiro que sai do Estado em financiamentos e apoios volta ao Estado sob a forma de impostos e taxas; segundo o INE o alojamento turístico registou 26,5 milhões de hóspedes e 69,5 milhões de dormidas, em 2022, que correspondem a aumentos homólogos de 83,3% e 86,3%, respectivamente; a taxa de desemprego em Portugal subiu para 6,7% em dezembro, segundo o INE; um estudo da Marktest indica que o número dos portugueses que bebem café fora de casa está a cair e atingiu o valor mais baixo dos últimos dez anos.

 

O ARCO DA VELHA - No caos da educação contabilizam-se 40 ministros do sector , mas apenas um constante interlocutor, o português que mais vezes se sentou com governantes  - Mário Nogueira. 

 

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OS CÍRCULOS - A nova exposição da semana é, sem dúvida, “Et Sic in infinitum" de José Pedro Croft, que pode ser vista na Fundação Arpad Szenes -Vieira da Silva até 28 de Maio próximo. Incorporando a sua experiência de escultura, desenho e pintura, José Pedro Croft desenvolve o seu trabalho a partir de variações entre grafismo e geometria, muitas vezes desafiando noções de espaço. Se em momentos anteriores as linhas rectas e as formas lineares tinham uma presença recorrente, nestes seus trabalhos mais recentes o que ele ensaia é a exploração das possibilidades do círculo, das linhas curvas. Os trabalhos expostos foram feitos nos últimos dois anos, com excepção de duas obras, uma gravura de 1996 e uma escultura em calcário negro e ardósia, de 1987. O curador desta exposição, Sérgio Mah, faz notar que o título “Et sic in infinitum” é uma citação da frase que consta em cada um dos lados de um desenho do físico e cosmologista Robert Fludd, reconhecido como uma das primeiras representações da criação do universo. É também de Sérgio Mah esta síntese da exposição: “Em geral, estas obras distinguem-se pela sua sobriedade e elegância formal. Contudo, é importante frisá-lo, essas qualidades não visam o deleite formalista ou o mero conforto contemplativo. Pelo contrário, são atributos que estimulam a indeterminação, o carácter problemático e enigmático das obras, que espicaçam a perplexidade de quem as defronta”. Na semana passada, na Casa Atelier Vieira da Silva, foi inaugurada a exposição de novos trabalhos de  Catarina Pinto Leite, “O Grau Zero de todas as coisas”. Outros destaques: na Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12), Daniela Kirtsch apresenta “Take Me To The Dawn” até 18 de Fevereiro. E, também até 18 de Fevereiro, há uma exposição retrospectiva da obra em pintura de João Abel Manta, na Sociedade Nacional de Belas Artes, Rua Barata Salgueiro, em Lisboa.

 

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LIBERDADE - Isaiah Berlin foi um filósofo, historiador de ideias e teórico político. Defendeu o liberalismo contra o extremismo político e o fanatismo intelectual. Em 2002 uma série dos seus ensaios foi reunida sob o título genérico “Liberty”. E foi a partir dessa edição que agora se edita em Portugal “Esperança e Medo, Dois Conceitos de Liberdade”, com tradução de Jorge Pereirinha Pires e Maria José Batista. Os textos levantam questões essenciais, tantas vezes incompreendidas por quem detém o poder: «Porque é que eu devo obedecer a outrem?» «Porque é que não hei‑de viver como quero?» «Tenho de obedecer?» «Se eu desobedecer, posso ser coagido?». Berlin foi claro quando escreveu: «Liberdade é um termo cujo sentido é tão poroso que existem poucas interpretações a que este pareça capaz de resistir. Não proponho discutir a história desta palavra proteiforme nem os mais de duzentos sentidos registados para a mesma pelos historiadores de ideias. Proponho examiná‑la em não mais do que dois desses sentidos, que considero serem os sentidos centrais e que têm atrás de si uma grande parte da história humana e, atrevo‑me a dizê‑lo, a história ainda por vir.». E esses dois sentidos são o negativo (ausência de coacção) e o positivo (o direito de se ser senhor de si mesmo). O livro aborda temas que vão desde a democracia liberal e dimensão e papel do Estado, até à esfera e limites da liberdade individual. Como disse John Gray, um filósofo político inglês,  «num mundo em que a liberdade humana se espalhou mais lentamente do que a democracia, os escritos de Berlin sobre liberdade e decência básica são mais instrutivos e úteis do que nunca». Edição Guerra & Paz.

 

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MÚSICA AVENTUREIRA - John Cale, aos 80 anos, surpreende mais que muitos músicos actuais cheios de espalhafato, mas vazios de ideias. Só para situar John Cale foi um dos pilares dos Velvet Underground na segunda metade dos anos 60, e, mais tarde, o produtor responsável por alguns dos melhores trabalhos dos Stooges, Patti Smith, Nico ou Modern Lovers. Ao mesmo tempo foi desenvolvendo a sua própria obra e ainda encontrou ocasião para meter a mão no tema “Hallelujah”, responsável por dar notoriedade a um Leonard Cohen, até aí pouco conhecido. John Cale lançou-se agora a um novo trabalho, “Mercy”, o seu 17º álbum de originais. Há temas que evocam e homenageiam amigos seus, como David Bowie e Nico, mas na maioria das canções ele assume frontalmente abordar o presente, como acontece em “ The Legal Status Of Ice”, enquanto chama para o seu lado uma geração de novos talentos, como a voz de  Weyes Blood, os provocadores Fat White Family ou os experimentalistas Animal Collective, a cantora colombiana Tei Shi, o duo de pop electrónico Sylvan Esso ou Laurel Halo, que já ganhou o título de álbum do ano da revista The Wire. É esta abertura de espírito e desejo de descobrir novos caminhos que torna o trabalho de John Cale fascinante. É como se em vez de lermos o relato de viagem de um explorador do início do século XX, estivéssemos a ouvir as descobertas sonoras possíveis neste século XXI, através de um aventureiro musical. “Mercy” e os seus 12 temas, uns instrumentais, outros cantados, estão disponíveis nas plataformas de streaming.

 

COMIDA CONCEPTUAL - Aqui há uns dias, ainda a noite era uma criança e a fome apertava, fui seduzido por umas luzes num pátio frente à Assembleia da República, onde surgiu a palavra “O Jardim”. Fui tentado a ver se a coisa funcionava, ou seja, se o que eu via, de mesas e cadeiras, correspondia à ideia de um restaurante. Uma vez entrados e simpaticamente sentados, eis que, quando analisámos a lista e fizemos o pedido,  o empregado, com um olhar inquisidor, perguntou-nos: “Explicaram-vos o conceito?”. Foi nesse momento que percebi que tinha caído num terrível equívoco. “O Jardim” não é um restaurante, é apenas um conceito. Eu, confesso, não gosto de conceitos em vez de restaurantes. É uma mania minha. O local tem imenso conceito, quantidades inversamente proporcionais, qualidades medianas e preços muito pouco conceptuais e bastante materiais. No fundo, ir lá é um tempo perdido. E se quiserem ir à casa de banho, cuidem-se que a sinalização é conceptual, daquelas onde não se percebe bem o género. Uma coisa meio woke, portanto - aliás, o local quer afirmar-se pela contemporaneidade, nada mais que outro conceito. Não percam tempo - o local assemelha-se em inutilidade gastronómica aos piores momentos dos debates que decorrem lá em frente, na Assembleia da República. 

 

BOM - “A Nova Paródia- Comédia Portuguesa”, criada por Hugo van der Ding para o Museu Bordalo Pinheiro, 16 deliciosas páginas, à venda no Museu.

 

MAU - A falta de coragem do PSD em se demarcar de acordos com o Chega

 

DIXIT - “Portugal tem um problema de corrupção grave” - Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados

 

BACK TO BASICS - “Os homens são tão simplórios e obedecem de tal forma às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar.” - Nicolau




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