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Fez nesta semana 22 anos que o mundo da música mudou. A 23 de Outubro de 2001 a Steve Jobs apresentou o primeiro iPod, um leitor de áudio em ficheiros MP3 com capacidade para mais de mil canções. Seis anos depois apresentava o iPhone, que além de telefone, tinha também um leitor de música. O iPhone era o primeiro smartphone e revolucionou a forma como comunicamos, trabalhamos e nos divertimos. Os novos aparelhos revolucionaram a indústria musical, o audiovisual, a mídia em geral. Na música abriram caminho a plataformas como o Spotify, que tornaram o streaming a forma dominante de consumo de música e, mais importante, pagavam direitos a autores, produtores, editores. A venda de CD’s caíu, o formato LP de vinyl foi ressurgindo mas toda a lógica económica do negócio da música foi alterada. Os discos deixaram de ser a primeira fonte de rendimento dos músicos e as digressões e grandes concertos passaram a ser a base da indústria. As canções, cada vez mais popularizadas em formato digital, auxiliaram uma geração de novos artistas a explodir.
Um dos exemplos maiores é Taylor Swift que começou como cantora country e muito depressa se tornou num dos maiores fenómenos pop mundiais. O primeiro álbum data de 2006, o mais recente de 2022. Pelo caminho vendeu 200 milhões de discos de vários formatos a nível mundial, fez sete filmes baseados em concertos ao vivo e já ultrapassou os 80 mil milhões de streamings das suas canções. Mas o feito mais surpreendente está a acontecer este ano com a digressão “Eras” - 52 concertos nos Estados Unidos, totalmente esgotados, 2,6 milhões de bilhetes vendidos. No dia em que a bilheteira electrónica Ticket Master abriu houve 3,5 mil milhões de pedidos de bilhetes e o sistema foi abaixo. Milhões de fãs não puderam comprar bilhetes . A receita total prevista para a digressão é de 1,5 mil milhões de dólares mas havia muita gente que tinha ficado sem poder ver o espectáculo. A equipa que gere a carreira de Taylor Swift pensou imediatamente em fazer um filme que pudesse ser exibido nos cinemas e que pudesse de alguma forma satisfazer a vontade dos fãs - mas Hollywood é uma máquina lenta e só estava disposta a lançar o filme em 2025. Foi aí que surgiu um golpe de génio. A produtora da cantora avançou com o filme, negociou directamente com o maior operador de salas de cinema dos Estados Unidos, a AMC, e garantiu a estreia em Outubro em quatro mil salas de cinema. Com a greve de argumentistas e actores havia falta de filmes para estrear depois dos êxitos de verão, “Barbie” e “Oppenheimer ”. A AMC viu no filme de Taylor Swift uma oportunidade de voltar a encher as salas. O sistema tradicional de distribuição de filmes através dos estúdios de Hollywood foi ultrapassado e ainda por cima a artista recebe uma margem maior que receberia no sistema tradicional. Nem sequer foi necessário uma gigantesca campanha de publicidade como é hábito nas grandes estreias de Hollywood. Taylor Swift fala directamente com os seus fãs nas redes sociais e arrastou-os autenticamente para os cinemas- só no Instagram tem 275 milhões de seguidores. O filme tem a duração de 160 minutos e foi produzido nos concertos que se realizaram em três noites de Agosto no Sofi Stadium de Los Angeles. Nos Estados Unidos, no primeiro dia de exibição, o filme fez quase 100 milhões de dólares de bilheteira, um novo recorde para estreias em Outubro. É a primeira vez que ainda durante a duração da digressão estreia um filme que espelha esses concertos. Os relatos da estreia contam que durante a exibição as pessoas se levantam, dançam e cantam em côr as canções mais conhecidas como se estivessem num concerto - do contrato que Swift fez com a AMC estava aliás explicitamente indicado que as pessoas poderiam agir assim e não tinham que ficar sentadas. O mundo da música mudou o seu modelo de negócio e agora, depois de Swift, é Beyoncé que anuncia um filme baseado na sua digressão “Rennaissance” e que será também lançado pela AMC em Dezembro. Só por curiosidade “Taylor Swift: The Eras Tour” é já o filme mais rentável de sempre no segmento de gravações de concertos de um único artista, tendo ultrapassado “This Is It”, de Michael Jackson, que fez 103 milhões. Só para termos uma comparação, o filme 3D dos U2 obteve uma receita total de 15 milhões de dólares.
(TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO NOVO SEMANÁRIO)
O PANTANOSO - Quando António Guterres se demitiu de Primeiro-Ministro, depois de uma estrondosa derrota autárquica, afirmou que se tinha criado um pântano político sob o seu Governo. Cá para mim ele deve gostar de pântanos porque acabou de criar um novo esta semana com as suas declarações sobre o ataque do Hamas a Israel. O discurso de abertura proferido por Guterres, enquanto Secretário Geral da ONU no Conselho de Segurança da organização, afirmou, preto no branco, que o ataque terrorista do Hamas e Israel a 7 de Outubro “não nasceu do nada”, associando-o à situação vivida pelos palestinianos. Ou seja procurou encontrar justificações para um massacre. Alguém acredita que o Hamas não sabia que Israel iria reagir de forma dura depois do ataque que sofreu? Este foi apenas o mais recente de tantos ataques que aconteceram ao longo dos anos, como a situação que em 1967 deu origem à Guerra dos Seis Dias ou à guerra do Yom Kippur em 1973. Israel é atacada desde o dia em que nasceu, em 1948. O Hamas é um grupo considerado terrorista por grande parte da comunidade ocidental, e, se falamos do que acontece à população civil , é bom não esquecer que desde há muitos anos o Hamas utiliza os civis palestinianos como escudo humano. Para mim é impensável justificar as atrocidades do Hamas em nome da defesa do povo palestiniano. Guterres acabou de se auto-excluir da possibilidade de ser o negociador da paz para se colocar como justificador da guerra. Teresa de Sousa escreveu numa newsletter do “Público” algo com que estou completamente de acordo: “uma certa esquerda europeia tenta apagar ou ignorar as atrocidades sem nome cometidas pelo Hamas no dia 7 de Outubro, justificando-as com a defesa do povo palestiniano, sempre contra um Ocidente democrático que nunca hesitam em culpar por todos os males existentes à face da Terra.”
SEMANADA - O número de pessoas sem abrigo aumentou 78% em quatro anos; há 1,7 milhões de portugueses em situação de pobreza, com um rendimento mensal que não chega aos 600 euros mensais; Portugal terá recebido quase 121 mil imigrantes em 2022, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o valor mais elevado dos últimos nove anos, quatro vezes mais do que o registado em 2014; os portugueses gastam 4,4 milhões de euros por dia em apostas desportivas; o investimento público em Portugal previsto no orçamento para 2024 é o terceiro mais baixo entre os países da zona euro; em 2028 a economia portuguesa não deve ir além da 11ª posição entre os 20 países da zona euro e da posição 138 entre 190 países a nível global; segundo o director da Faculdade de Economia do Porto, Óscar Afonso, ficaram por executar quase 6 mil milhões de euros do investimento público previsto para o período de 2016 a 2023, o que se traduz numa deterioração cada vez maior dos serviços públicos, com graves prejuízos para cidadãos e empresas; um em cada quatro portugueses pede a reforma antecipada, na maior parte dos casos no final do subsidio de desemprego; as previsões apontam para que nesta década se reformem cinbco mil médicos em Portugal; de 1996 a 2022 nunca a taxa de execução de investimentos na saúde chegou sequer aos 60% e em 2022 ficou apenas em 37%; metade da frota automóvel do Estado tem mais de 16 anos; os carros que são abatidos em Portugal tem em média 24 anos; as novas regras do IUC abrangem três milhões de veículos; nos primeiros seis meses deste ano o consumo de combustível para veículos foi o mais elevado desde 2010; o preço dos combustíveis já subiu 7% desde o início do ano.
O ARCO DA VELHA -Segundo a Pordata, o Estado recebeu em média 8759 euros por pessoa no ano passado em impostos e contribuições incluindo IRS, IVA, descontos para a Segurança Social e demais impostos e contribuições sociais.
PARA ALÉM DO PUNK - Michael Grecco é um fotógrafo norte-americano que entre o final dos anos 70 e o início dos anos 90 acompanhou o nascimento do punk e as alterações e ramificações que foi tendo no campo da música. Registou imagens dos Clash, Johnny Rotten (dos Sex Pistols), Ramones (na fotografia aqui reproduzida), Wendy O. (dos Plasmatics), Dead Kennedys, Siouxsie and the Banshees, Adam Ant, Billy Idol, lene Lovich, David Byrne (dos Talking Heads) ou Aimee Mann, entre muitos outros. São mais de uma centena de fotografias do universo rock , feitas em Nova Iorque e Boston. A exposição “Days Of Punk” é uma iniciativa da Fundação D. Luís e estará patente até 28 de Janeiro no Centro Cultural de Cascais,. Para além das fotografias a exposição inclui ainda objectos da colecção pessoal de Grecco além de uma componente de vídeo com imagem de arquivo também captadas por Grecco e que inclui alguns depoimentos de músicos e outros personagens da cena musical da época. Michael Grecco é o autor do livro “Punk, Post Punk, New Wave: Onstage, Backstage, In Your Face 1978-1991”, que agrupa as imagens expostas e que está à venda na loja do Centro Cultural de Cascais. Outro destaque da semana vai para “Zonas de Transição”, que reúne 150 obras da colecção da sociedade de advogados PLMJ, iniciada em 2001 e que é já um dos mais importantes acervos de arte contemporânea, abrangendo 40 anos de produção de artistística do universo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e mais de mil obras. A seleção apresentada nesta exposição integra 90 artistas de gerações diferentes, de diversos países, de núcleos da coleção que incluem pintura, desenho, livro de artista, escultura, instalação, fotografia e vídeo. Comissariada por João Silvério, que é o curador actual da colecção, co-organizada com a EGEAC, “Zonas de Transição” fica até 7 de Janeiro no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional. Termino sugerindo uma visita à Sociedade Nacional de Belas Artes, onde de 25 a 29 decorre a sexta edição da Drawing Room Lisboa, uma feira de arte dedicada ao desenho contemporâneo e que conta com obras de 65 artistas, apresentadas por 23 galerias.
O REGRESSO DO ROCK - Se me dissessem nos anos 70 que, quase a meio da segunda década do século XXI, os Rolling Stones gravariam um novo disco de originais acharia que alguém estava a delirar. Mas a verdade é que 61 anos depois de terem começado a sua carreira em Londres, os Rolling Stones continuam vivos a fazer rock e já venderam mais de 200 milhões de discos ao longo da sua carreira. Mick Jagger tem 80 anos, Keith Richards 79 e Ron Wood 76. O quarto Rolling Stone, o baterista Charlie Watts, morreu em 2021 e Steve Jordan, cuja colaboração com os Stones já vem de longe, tem sido o seu substituto. É neste cenário que nasce “Hackney Diamonds”, o primeiro disco de gravações originais dos Stones em 18 anos. E desta vez trouxeram convidados como Lady Gaga, Stevie Wonder, Paul McCartney, Elton John e também o regresso de Bill Wyman à banda, três décadas depois de ter saído. São 12 temas, 50 minutos de música. Várias publicações da área musical não hesitam em dizer que “Hackney Diamonds” é o melhor disco dos Stones desde “Some Girls”, de 1978. É muito engraçado perceber que a colaboração de Paul McCartney surge em “Bite My Head Off”, uma enérgica canção rock em que o ex - Beatle toca baixo. O disco começou a ser preparado em 2020, foi interrompido pela pandemia e retomado em 2022, tendo as gravações decorrido até Janeiro de 2023. Foram gravados 23 temas , o que deixa a possibilidade de os 11 temas não incluídos em “Hackney Diamond” ainda serem utilizados num futuro disco. A derradeira faixa do álbum é a única que não foi escrita pelos Stones, trata-se de um original de Muddy Waters, “Rolling Stones Blues”, que, reza a lenda, esteve na origem da relação entre Jagger e Richards e o nascimento do grupo. É também uma homenagem a Charlie Watts, o baterista que cruzava o rock, os blues e o jazz e que Jagger tem evocado constantemente desde a sua morte. O mais curioso de “Hackney Diamonds” é o facto de ser um disco puramente de rock and roll, contemporâneo na produção de Andrew Watt, sem ser revivalista, mas mantendo vivas as origens e a tradição musical da banda. Mais interessante ainda é a qualidade das canções, num equilíbrio entre ritmo, energia e serenidade. Muitos serão os cépticos, mas não custa nada pegarem numa das plataformas de streaming e ouvirem este “Hackney Diamonds” e, depois , tirarem as próprias conclusões. Eu, por mim, sou dos que considera que há muito tempo os Rolling Stones não faziam um disco tão bom.
PARA NÃO ESQUECER A HISTÓRIA - Nestes tempos de revisionismo histórico e de querer confundir o que foi o progresso e a descoberta com perseguição e destruição, vale a pena regressar a uma das mais importantes obras da literatura portuguesa: “Peregrinação”, de Fernando Mendes Pinto. Considerado por nomes como António José Saraiva e Óscar Lopes como “o maior tesouro imaginário da literatura portuguesa”, este livro é uma aventura por mares nunca dantes navegados. "Peregrinação" é, um dos grandes clássicos da literatura de viagens. Editada originalmente em 1614, tornou-se logo num sucesso editorial e, ainda hoje, é um dos livros portugueses mais traduzidos no mundo. Só no século XVII, terão circulado pela Europa, em diversos idiomas, dezanove edições. Este é também um documento histórico para se conhecer a vida e os costumes dos povos orientais no século XVI, bem como os meandros da presença portuguesa na Ásia, descrita sem condescendências por Fernão Mendes Pinto. A presente edição da Assírio & Alvim, celebra os 480 anos da chegada dos portugueses ao Japão e tem introdução, fixação do texto e notas de Sérgio Guimarães de Sousa. O autor de “Peregrinação”, Fernão Mendes Pinto nasceu em Montemor-o-Velho, em data incerta entre 1509 e 1514, e faleceu perto de Almada a 8 de julho de 1583. Tinha um forte espírito aventureiro que em 1537 o levou a embarcar numa armada composta por cinco naus e capitaneada por D. Pedro da Silva, rumo à Índia. Foi assim que começaram as suas aventuras, cheias de de peripécias, por geografias diversas. Ao longo dessa viagem foi um pouco de tudo: soldado, escravo, corsário, etnólogo à medida do seu tempo e até diplomata. Regressou definitivamente a Portugal em setembro de 1558 e, na década de 60, estabeleceu-se numa quinta em Almada, onde redigiu as suas memórias sob o título Peregrinação, publicadas postumamente.
DIXIT - “Um sistema com círculos uninominais de candidaturas e um círculo nacional de compensação iria ajudar a diminuir a abstenção” - Eduardo Ferro Rodrigues sobre a revisão do sistema eleitoral.
BACK TO BASICS - “A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação” - Eça de Queiroz
ILUSIONISMO - Uma simples recolha de números - e cito um artigo de João Duque - explica de forma clara a situação em que estamos: em 2015, quando tínhamos acabado de sair das imposições da troika, o total da despesa prevista no Orçamento do Estado para esse ano era de €63.167 milhões e representava 35,1% do PIB. Agora, para 2024 o peso económico do Orçamento do Estado será de €124.334 milhões, representando 45,5% do PIB. Ou seja, enquanto o peso do Estado duplicou, crescendo à taxa anual de 8,8%, o PIB (a preços correntes) apenas cresceu à taxa anual de 5,4%. Há portanto aqui qualquer coisa que não bate certo. Os oito anos de Governo de António Costa caracterizam-se por cada vez mais impostos, taxas, multas e outras cobranças que no final resultam na maior carga fiscal de sempre para garantir uma presença cada vez maior do Estado. E qual o resultado disso? A resposta é conhecida de todos: os serviços que recebemos desse Estado são cada vez piores: degradação na área da Saúde, problemas cada vez maiores na Educação, crise na justiça, deterioração da classe média, aumento da emigração dos portugueses mais preparados, piores transportes públicos e uma crise terrível na habitação. O Estado tira-nos cada vez mais rendimento mas não melhora o seu funcionamento. O Orçamento é um exercício de prestidigitação: diminui alguns impostos directos, aumenta os indirectos, proporciona alguns aumentos salariais mas logo a seguir faz crescer o custo de vida. O que dá de um lado, tira-se do outro basta olhar para a diminuição de portagens rodoviárias e o aumento do IUC. O mais espantoso é que a oposição, apesar de ter conseguido uma vitória política com a redução do IRS que ela própria propôs, depois analisa o orçamento com uma graçola de mau gosto, classificando-o de “pipi, bem apresentadinho e muito betinho “. É espantosa a falta de jeito de Montenegro.
SEMANADA - O Orçamento de Estado prevê uma receita adicional de IVA de dois mil milhões em relação ao ano anterior; o aumento dos impostos indirectos compensa cerca de dois terços do alívio nos impostos directos; a subida do IUC pode valer o dobro dos cortes nas portagens do interior; 63% dos veículos automóveis que estão a circular têm Mais de dez anos e 26% tê, mais que 20 anos; dois terços das novas matrículas automóveis de 2022 foram de veículos usados importados que em média têm sete anos de idade; há mais de dois mil professores que depois de darem aulas durante anos a contrato, terão que fazer agora uma espécie de estágio para entrarem nos quadros; desde abril de 2022 que não há ligação ferroviária entre Coimbra e Vilar Formoso, a Linha da Beira Alta continua fechada e não é apontada data para o fim dos trabalhos; no Instituto Português de Oncologia médicos, enfermeiros e farmacêuticos queixam-se da falta de meios; um quinto dos farmacêuticos dos hospitais do SNS pediram escusa de responsabilidade devido à crescente falta de recursos e de condições dos serviços; o investimento público na ciência está estagnado desde 2011 e actualmente situa-se ao nível de 1991; em percentagem de PIB os fundos do Estado alocados à Ciência atingiram o valor mais baixo dos últimos 30 anos; a falta de material básico nas unidades de saúde familiar nunca foi tão grande, segundo responsáveis do sector; cerca de 9% dos juízes admitem recorrer a substâncias ilícitas para lidar com o stress; segundo a Pordata1,7 milhões de portugueses vivem com menos de 551 euros por mês; mais de 200 famílias, a maioria com crianças menores, estão a receber apoio da Refood no Algarve para conseguirem sobreviver.
O ARCO DA VELHA - Os dois anos iniciais da execução do PRR deverão terminar com uma diferença negativa superior a 2,7 mil milhões de euros face às metas de investimento público.
A FORÇA DA COR - Na sua primeira exposição individual na Galeria das Salgadeiras, Martinho Costa apresenta um conjunto de sete pinturas onde as cores intensas servem para reforçar a sua interpretação pessoal de cenas e paisagens aparentemente banais.Essas sete pinturas estão montadas de forma a permitir que os visitantes tenham quase a sensação de que se trata de uma mesma obra composta por sete momentos diferentes que constroem uma narrativa. Martinho Costa trabalha frequentemente com recurso a imagens prévias que servem de modelos à sua pintura, com algumas referências a obras clássicas, como acontece na imagem aqui reproduzida, “Piquenique Vertical”, um óleo sobre tela de 200x130 cm. O preço das obras desta exposição, que se mantém até 18 de Novembro, varia entre 6000€ das quatro grandes telas e os 2000€ das três de 60x90cm. A Galeria das Salgadeiras fica na Rua da Atalaia 12. Outros destaques: na Cristina Guerra Contemporary Art (Rua de Santo António à Estrela 13), João Onofre apresenta até 18 de Novembro os seus mais recentes trabalhos que trabalham as relações e as possibilidades de cruzamento do som com a imagem. Na Fundação Carmona e Costa (Rua Soeiro Pereira Gomes 1-6ºandar) está patente até Janeiro a segunda parte da exposição “Álbum de Família”, uma continuação da mostra patente no MAAT - Central Tejo e que apresenta pela primeira vez obras da colecção formada ao longo dos anos por Maria da Graça Carmona e Costa.
JAZZ - Joshua Redman é um brilhante saxofonista tenor, com uma forma de tocar muito própria e uma enorme versatilidade. É, além disso, um criativo compositor que também se aventura por reinterpretações de canções bem conhecidas de outros autores. “Where Are We” é o seu primeiro trabalho para a Blue Note e é um disco empenhado. O primeiro tema “After Minneapolis (Face toward mo(u)ring” é uma evocação da morte de George Floyd às mão de um polícia da cidade. O tema começa com umas notas de “This Land Is Our Land”, de Woody Guthrie e o sonoro lamento do seu saxofone é acompanhado pela voz de Gabrielle Cavassa, uma jovem cantora que o acompanha neste disco em nove dos 13 temas, cantando por vezes letras escritas pelo próprio Redman. Ouçam a versão “bluesy” de “The Streets Of Philadelphia”, de Bruce Springsteen ou os arranjos que Redman fez para temas como “Going To Chicago”, a partir de um original de Duke Ellington e também “By The Time I Get To Phoenix” , “I Left My Heart In San Francisco” ou “Alabama”, de John Coltrane, com a voz de Gabrielle Cavassa a deixar a sua marca. Neste disco Redman faz-se acompanhar de músicos de eleição como os guitarristas Kurt Rosenwinkel e Peter Bernstein,, o vibrafonista Joel Ross, o trompetista Nicholas Payton, a que se juntam aos músicos que normalmente acompanham Redman: Aaron Parks no piano, Brian Blade na bateria e Joe Sanders no baixo. A revista “Downbeat” diz que este “Where Are We” é o melhor trabalho de sempre de Joshua Redman. Disponível nas plataformas de streaming.
A NOVA DITADURA - “A Religião Woke” é um ensaio sobre a cultura woke, esse movimento baseado na cultura do cancelamento, na censura, no condicionamento do pensamento, na reescrita da História e na tentativa de imposição de um pensamento único em nome daquilo que os seus defensores consideram politicamente correcto. O autor, Jean-François Braunstein procura esclarecer a origem, motivação e finalidade desse movimento. No livro, Braunstein afirma que o movimento não é, ao contrário do que se pensa, do foro da racionalidade política, mas do foro religioso. Esta é, acrescenta, uma «religião sem perdão» que tem como destruir a liberdade em nome da «justiça social». Segundo Jean-François Braunstein, um historiador do pensamento, o movimento woke configura «a primeira religião nascida nas universidades», propagada por académicos, intitulados «guerreiros da justiça social». E porquê uma religião? Tendo tomado de empréstimo um termo da cultura popular negra dos Estados Unidos da América, este movimento baseia-se numa premissa: «a razão deve, em dado momento, abrir espaço à fé para compreender as verdades mais profundas». O movimento woke está a «desconstruir» todo o património cultural e científico, impondo uma censura social, comumente intitulada «cancelamento», e policiando a linguagem e as opiniões dissonantes com o objectivo de instaurar uma ditadura em nome do «bem» e da «justiça social», querendo impor um pensamento único. Entre os dogmas que o wokismo tem propagandeado em nome da luta contra a discriminação está a «teoria de género», que “professa que o sexo e o corpo não existem e que a consciência é que importa”. Edição Guerra & Paz, com tradução de Ana Pinto Mendes, colecção “Os Livros Não Se Rendem”.
REPROVADO - Eu já devia saber que não é boa ideia frequentar restaurantes com conceito O Cícero Bistrot, apresenta-se assim: “A ementa do Cícero Bistrot aborda a relação do célebre pintor Cícero Dias com as cidades onde viveu, Paris-Lisboa-Recife, e traz um diálogo entre a culinária de autor e os ingredientes luso-brasileiros”. Este é um restaurante de contrastes: o empratamento tem um visual aliciante e o serviço é bom. Onde a coisa falha é na confecção, algo banal, por vezes formalmente cuidada mas gustativamente subalternizada. A entrada escolhida, anunciado como um carpaccio de polvo, com amêndoas torradas em canela, sobre rúcula e vinagrete de romã, é um bom exemplo de contraste entre um bonito empratamento e uma desilusão gustativa, um carpaccio com pouca graça, uma rúcula que já tinha sido mais viçosa. O lírio, um peixe gordo com uma textura compacta e macia, foi talvez maltratado, vinha cozido demais e com uma consistência diferente da esperada. Era acompanhado de ameijoas pretas, também elas vítimas de excesso de cozedura, o que resultou numa textura borrachosa. Salvou-se o arroz de coentros, verdadeiramente a melhor coisa da refeição. Do outro lado da mesa a moqueca de palmito com cogumelos frescos e crocante de papadams também se caracterizou pela banalidade, salvando-se uma vez mais, o arroz de acompanhamento. Em resumo, a casa sabe cozinhar arroz mas do resto não deu prova. Na sobremesa o carpaccio de abacaxi com especiarias foi uma desilusão: demasiado adocicado, enjoativo mesmo, sem sabores contrastantes como a designação deixava antever. No fim a conta foi alta, o que já se esperava, e seria aceitável, se a qualidade tivesse estado no mesmo patamar. Em resumo, evite-se o Cícero Bistrot.
DIXIT - “Este orçamento, o que dá com uma mão, tira com a outra” - Joaquim Miranda Sarmento
BACK TO BASICS - “Os homens mais admirados publicamente são os que mentem sem parar e os que menos simpatia geram são aqueles que tentam dizer a verdade” - H.L Mencken
O 25 DE NOVEMBRO - Vai para aí um grande sururu por causa do 25 de Novembro e o que a data significa. E o seu significado é simples: numa escala diferente, o 25 de Abril e o 25 de Novembro são datas que se complementam e ambas significam liberdade. A primeira porque restituíu a liberdade e abriu caminho à democracia após 48 anos de ditadura; a segunda porque evitou que essa mesma liberdade se perdesse nas mãos de uma pretensa revolução. Sendo ambas importantes têm uma relevância diferente. Se Abril foi uma festa, Novembro foi uma resistência, felizmente vitoriosa, de onde devemos tirar lições. A melhor maneira de evocar o 25 de Novembro é explicar às gerações mais novas o que aconteceu no Verão de 75, a importância do comício da Alameda em que Mário Soares deu os primeiros passos dessa resistência, o papel decisivo dos militares moderados do Grupo dos Nove, a efectiva tentativa de golpe desencadeada pelo sector mais à esquerda das Forças Armadas e que envolveu a ocupação da RTP e de quartéis. Ramalho Eanes, mais tarde Presidente da República, foi um dos militares incumbidos de travar a tentativa de golpe. Saíu vitorioso e são suas estas sensatas palavras: “Momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se”. Por isso, em 2024, no programa das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, faz sentido recordar tudo o que se passou no 25 de Novembro, não numa festa, mas num momento de reflexão, por forma a deixar testemunho para quem não viveu essa época. Um bom exemplo de uma maneira de mostrar o que se passou parte de uma iniciativa do Instituto +Liberdade: a exposição “Memória-Totalitarismo na Europa”, patente na Biblioteca Municipal de Sintra até 6 de Novembro, e que bem podia depois ser mostrada em Lisboa, para recordar a luta contra todo o tipo de extremismos. A exposição é uma homenagem às vítimas do nazismo, comunismo e fascismo. E é a melhor forma de agora recordar o 25 de Novembro e preparar a sua evocação nas comemorações do próximo ano. De preferência sem actos de variedades.
SEMANADA - Em 2016 António Costa anunciou 1400 milhões de euros para resolver a crise da habitação e prometeu construir 7500 casas mas ainda não há nem uma para mostrar; o Estado continua sem saber ao certo quantos imóveis devolutos tem e quantos podiam ser recuperados para habitação; o número de jovens com casa própria caíu para metade nas duas ultimas décadas; a oferta de casas para venda caíu quase 40% numa década; em 66 concelhos os preços da habitação subiram mais de 50% no espaço de cinco anos; o poder de compra da classe média em Portugal é dos mais baixos da União Europeia e um estudo recente diz que o nível de vida em Portugal é igual ao dos países de leste; um estudo da Faculdade de Economia do Porto lançou esta semana uma questão relevante: a Roménia já terá em 2022 ultrapassado Portugal no PIB per capita, quando há 20 anos era um terço do nosso; segundo a DECO proteste marcar uma colonoscopia na maioria das entidades convencionadas com o SNS pode demorar mais de quatro meses; nove hospitais já fecharam serviços por falta de clínicos; até Agosto os médicos do SNS já tinham feito mais de 4,3 milhões de horas extraordinárias; as tentativas de homicídio subiram 45% em cinco anos; um em cada cinco homicídios acontece entre gangs.
O ARCO DA VELHA - Apesar da crise que por aí vai Portugal será um dos seis co-organizadores do Mundial de Futebol , ao lado da Espanha, Marrocos, Uruguai, Argentina e Paraguai. Como sugeriu Pedro Norton é uma boa altura para ler a auditoria que o Tribunal de Contas fez ao Euro 2004 em Portugal.
DUAS EXPOSIÇÕES A NÃO PERDER - Há duas razões para ir ao MAAT e à Central Tejo: ver a exposição “Álbum de Família”, que mostra a extensa colecção criada por Maria da Graça Carmona e Costa na Fundação com o seu nome; e ver a exposição ”Castelo Surrealista”, que assinala o centenário do nascimento de Mário Cesariny. Estas duas exposições justificam por si só, mais que qualquer outra, uma ida ao edifício da Central Tejo e do MAAT. A exposição “Álbum de Família”, comissariada por Manuel Costa Cabral e João Pinharanda, mostra a enorme colecção de obras que inclui grande parte dos artistas contemporâneos portugueses, muitas vezes com trabalhos feitos em diversas épocas das suas carreiras. É de facto um álbum que permite ver a arte portuguesa das últimas décadas num conjunto que dificilmente pode ser comparado com qualquer outro. Há uma predominância do desenho, que a coleccionadora sempre seguiu com atenção e, ao mesmo tempo, um intenso programa editorial paralelo às exposições que foi organizando ao longo dos anos. “Sobre a Transformação das Nuvens” é o grande painel de entrada na exposição, criado por Pedro Calapez precisamente com base nos catálogos e outras obras publicadas pela Fundação Carmona e Costa. A imagem que acompanha esta nota é precisamente desse painel, com um quadro, ao fundo, de Julião Sarmento, que abre a exposição (a fotografia é de Bruno Lopes, cortesia da Fundação EDP/MAAT). “Álbum de Família” fica exposto até 1 de Abril do próximo ano. No edifício do MAAT, “Castelo Surrealista” assinala simultaneamente o centenário do nascimento de Mário Cesariny e também o centenário da publicação do primeiro “Manifesto do Surrealismo”, de André Breton. “O Castelo Surrealista” nome desta exposição, inspirou-se no título de um livro que Cesariny escreveu entre Lisboa, Paris e Londres em homenagem à vida e obra de Maria Helena Vieira da Silva e Árpád Szenes. A exposição inclui obras de Cesariny e daqueles que afectivamente elegeu para companhia ideal, apresentadas numa cenografia muito simples. O percurso recria de certa forma uma galeria imaginada, onde Cesariny expõe a coleção de obras dos que tomou como mestres ou pares, e evoca também o próprio ambiente em que Cesariny vivia. Até 19 de Fevereiro do próximo ano,
O ENCANTO DO PIANO - Tenho para mim que Carlos Maria Trindade é, além de músico, um escultor de sons e um arquitecto de discos. É longo o seu percurso enquanto músico e produtor. Tocou órgão e teclas em grupos como Corpo Diplomático, Heróis do Mar, Madredeus e No Data. Foi produtor de nomes como Delfins, Rádio Macau, Xutos e Pontapés, António Variações e Santos e Pecadores, entre outros. Trabalhou com Nuno Canavarro, foi responsável pelo catálogo nacional da Polygram/Universal, onde lançou artistas como Paulo Bragança, Pedro Abrunhosa, Quinta do Bill ou Repórter Estrábico, além de ter feito vários discos a solo. Começou por estudar piano clássico e as teclas marcam todo o seu percurso. Agora regressa às origens com “Vitral Submerso”, trabalho que vem desenvolvendo em piano solo desde 2018, quando recuperou para o seu estúdio o piano Grotrian-Steinweg quarto de cauda, fabricado em 1920 e comprado para ele pelo pai quando tinha apenas 5 anos. Carlos Maria Trindade recorda que desde o dia em que recuperou o seu piano, começou a compor para ele, depois de décadas de teclados electrónicos e sintetizadores, numa espécie de regresso às origens. “O resultado dessa aventura solitária - afirma o músico - está no som destas peças, que vagueiam numa espécie de neoclassicismo assumido, fruto de sentimentos variados e de uma vida musical já bastante longa.” O disco, disponível em CD, LP e em streaming, tem nove composições de Carlos Maria Trindade, todas em piano solo e é uma boa surpresa. Dia 21 de Novembro vai apresentá-lo, ao vivo, no Teatro de S. Luiz, no Misty Festival.
O AMOR - Todas as estações do ano são boas para amar mas cá para mim o outono é bom para fazer crescer uma paixão. Há muitos livros sobre o Amor e o seu mistério mas um dos mais arrebatadores é a “Arte de Amar”, de Ovídio, nascido 43 anos antes de Cristo, em Itália. Uma nova edição deste clássico foi agora lançada, em versão bilingue, latim e português, traduzida e preparada por Carlos Ascenso André,um professor de línguas e literaturas clássicas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Na introdução que escreveu para esta edição, Carlos Ascenso André sublinha que para os poetas do Amor dos anos finais da República, em Roma, o amor era a “incarnação verdadeira da espontaneidade mais genuína”. Ovídio, contemporâneo de Virgílio e Horácio, foi um dos fundadores da tradição poética ocidental. Assume-se como mestre experimentado no amor e, por isso mesmo, senhor de especiais competências para industriar nas suas lides. “Arte de Amar” é um conjunto de poemas (três livros, os dois primeiros dirigidos aos homens e o terceiro às mulheres) sobre como seduzir e manter a amada ou como conquistar e atrair os homens, tratando também do amor extraconjugal, da beleza, da dominação e da liberdade do prazer e do pudor, da lascívia e da obscenidade do amor. E Ovídio deixa uma advertência: «Não existe uma receita universal nem um só método serve para todas.» Edição Quetzal.
OVAS - “Ó senhor Fonseca, então como estavam as lulas? “ pergunta a dona de casa ao patrão do marido, convidado para jantar em sua casa. E ele responde: ”um Pitéu!”. Este diálogo é saído de uma das mais divertidas campanhas de publicidade portuguesa no início da televisão e, claro , propagandeava a qualidade das lulas recheadas da marca Pitéu, que ainda hoje existem. Mas não é de lulas que vou aqui falar hoje e sim de conservas algo diferentes do habitual. Conservas de ovas. Não confundam por favor com patés e outros derivados. Estou a falar mesmo de conservas de ovas de várias espécies de peixe, cozidas e depois enlatadas em azeite de qualidade. A Nevis é uma marca algarvia que trabalha bem este segmento da indústria conserveira. As suas latas de ovas de bacalhau e de ovas de cavala são produtos de muito boa qualidade. As de bacalhau são uma boa base para uma salada, já as de cavala puxam uma fatia de pão suculento num lanche. E deixo para o fim as melhores de todas, ovas de sardinha. Experimentem-nas em torradas de bom pão, em fatias finas, e acompanhem-nas por um espumante bruto. Não se vão arrepender. E não se surpreendam que o preço de cada lata seja bem acima das conservas vulgares: já imaginaram o trabalho que dá encher uma lata com ovas de cavala ou de sardinha? Bom apetite.
DIXIT - “O que os socialistas estão fazendo é inaceitável. Eles querem separar o que sabem ser contínuo. O 25 de Abril iniciou, o 25 de Novembro salvou e as eleições fundaram” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Não abandone as suas ilusões. Quando elas desaparecerem pode ainda existir, mas na realidade deixou de viver” - Mark Twain.
AFECTIVIDADES - Na semana passada meio país andou a falar sobre a privatização da TAP, uns a favor, outros contra, outros ainda na típica posição de “vamos ver”. E não faltou quem aparecesse a criticar a privatização em nome da afetividade à companhia. Pois eu, que às vezes tenho que voar na TAP, tenho cada vez menos afetividade por ela e isso é basicamente porque a TAP não mostra nenhuma afetividade para com os passageiros. Já nem falo dos atrasos, mas falo da forma como os passageiros são tratados, tantas vezes sem manga à saída ou chegada a Lisboa e com um serviço de bordo no mínimo pouco simpático. Mesmo quando achávamos que a coisa não podia piorar, eis o que me aconteceu num recente voo de Valência para Lisboa, ao que parece operado por uma tripulação búlgara num avião com as cores da TAP. Para além do costumeiro atraso este vôo teve uma particularidade: nenhum dos membros da tripulação dirigiu palavra aos passageiros. Passeavam, mudos e vigorosos, no corredor, a ver se os cintos estavam apertados. Não surgiu nem um copo de água - que teria sido bem vindo depois de todo o atraso. Cereja no topo do bolo: o comandante não dirigiu uma única palavra tão pouco, não pediu desculpas pelo atraso, não falou durante todo o voo, nem na aproximação a Lisboa, com as habituais informações que se dão nestas circunstâncias. Foi um vôo sui generis, o preço do bilhete não foi nada barato mas a TAP comportou-se pior que uma low cost. Assim sendo, a minha afetividade pela companhia é nula. António Costa nacionalizou a TAP com juras de amor eterno e até a comparou às caravelas portuguesas que partiram a descobrir mundo. Agora já está disposto a vendê-la até na totalidade, se necessário fôr. É mais uma manifestação da sua incoerência e da sua habilidade no ilusionismo político. Nada de novo, portanto.
SEMANADA - Os pedidos para bolsas de estudo no ensino superior já totalizam 90 mil, mais dez mil que no ano passado; o consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens está a aumentar desde 2015 e quase 40% dos jovens de 18 anos admitem terem-se embriagado severamente no último ano pelo menos uma vez; apenas 60% dos alunos inscritos concluem os cursos de mestrado; no âmbito de investigações sobre corrupção há 29 inspecções a decorrer no Ministério da Defesa; este ano já foram abertos 220 processos crime a lares por “condições indignas e cruéis de tratamento” de idosos e por propriação indevida dos seus bens; a esperança de vida em Portugal dos homens é 78,05 anos e a das mulheres é 82, 52 anos; entre Janeiro e Outubro reformaram-se 705 médicos do Serviço Nacional de Saúde e espera-se a reforma de mais uma centena até final do ano; segundo a Ordem dos Médios há duas dezenas e meia de hospitais sem meios para tratar os doentes em áreas como a medicina interna, pediatria, cuidados intensivos, ginecologia, obstetrícia e cardiologia; a recusa de médicos a mais horas extra fechou as urgências em seis hospitais; em 2021 74% da população portuguesa dizia-se satisfeita com o SNS mas esse valor desceu agora para 53% e três em cada cinco pessoas afirmam ter reduzido os gastos com a saúde por razões económicas; a avaliação bancária na habitação teve uma subida de 8,8% no período de um ano, fixando-se em agosto nos 1538 euros por metro quadrado; os novos radares quadruplicaram as multas por excesso de velocidade em apenas um mês.
O ARCO DA VELHA - Em vésperas do início do debate sobre o Orçamento de Estado constata-se que a maioria dos estudos, grupos de trabalho e avaliações propostos pelos partidos da oposição na sequência da discussão do anterior orçamento não saíram do papel e não se efectuaram.
O ENCANTO DA PINTURA - A pintura ocupa um lugar à parte nos meus gostos pessoais em matéria de artes plásticas. Está a par com a fotografia e, ambas, um pouco acima da escultura. Entre estes três mundos - pintura, fotografia e escultura - podia bem passar os meus dias a lavar a vista e a estimular o pensamento. Vem isto a propósito do trabalho que Pedro Cabrita Reis apresentou na passada semana em Lisboa, na Galeria Miguel Nabinho (Rua Tenente Ferreira Durão 18). É um conjunto de oito quadros com o título comum “Flores”, pintados em 2020 os mais pequenos e em 2023 os de maiores dimensões. Para Pedro Cabrita Reis “estas flores são francamente flores, não são flores disfarçadas, digamos, nem de arte abstrata nem conceptual”. O artista confessa a sua admiração pela pintura de Giorgio Morandi (1890-1964) e admite a sua influência: “A Morandi vou buscar os vasos das plantas e, a mim próprio, estas flores impossíveis que não existem.”, Na imagem está “Flower Pot 6”, uma das oito pinturas da exposição , cujos preços oscilam entre os 150.000 euros e os 25.000 e que ficarão expostas até 25 de Novembro. Um dia antes da inauguração de Lisboa, Pedro Cabrita Reis esteve em Londres para a inauguração da sua exposição “insomnia” numa das mais prestigiadas galerias locais, a Sprovieri, onde apresenta cinco obras até 24 de Novembro. No texto que escreveu para esta exposição londrina, João Pinharanda recorda a importância das referências à história da arte na obra do artista e sublinha: “Insomnia” é um programa ideológico: refere o estado de permanente vigilância em que Pedro Cabrita Reis se encontra, revela-nos como ele dá continuidade discursiva à corrente de testemunhos culturais que nos definem transformado-os em obra pessoal — através dessa obra o artista refere-se ao mundo e a si mesmo mantendo-nos despertos para a realidade“.
O ESPÍRITO DO TEMPO - The Legendary Tigerman, aliás Paulo Furtado, tem um novo disco que é uma surpresa irresistível. O disco chama-se “Zeitgeist” e vai buscar o seu nome a um termo alemão cuja tradução significa "espírito do tempo". O zeitgeist é, no fundo, um conceito que abarca o clima intelectual, sociológico e cultural de uma certa época da história, ou as características de um determinado período de tempo. E é isso mesmo que este disco faz. Longe vão os tempos em que The Legendary Tigerman era um one man band com sonoridades tradicionais. “Zeitgeist” é o resultado de um trabalho de composição que demorou o seu tempo, um tempo de recolhimento, de pesquisa, de ensaio de sonoridades. A electrónica é aqui dominante, a par com um conjunto de vozes marcantes que dão outra consistência ao projecto, sem abafar a composição e o experimentalismo sonoro que ele tem. Há em “Zeitgeist” uma síntese entre a música e a palavra num território que The Legendary Tigerman desbravou em dez temas ao lado de nomes como Ana Prior, Sean Riley, Ray, Ed Rocha Gonçalves, Asia Argento, Jehnny Beth, Delila Paz, Best Youth, Catarina Salinas, Calcutá ou Sarah Rebecca,. É o testemunho de uma geração que não faz música óbvia, que trabalha para além das canções como se estivesse a fazer uma banda sonora do mundo que nos rodeia agora, uma geração de músicos que aposta na diferença e criatividade. Num universo musical estagnado onde quase tudo é corriqueiro, este disco faz a diferença e volta a mostrar o talento e a solidez de Paulo Furtado. Disponível nas plataformas de streaming.
UM LIVRO POLÉMICO - Michel Houellebecq, uma das estrelas da actual literatura francesa, é também um dos seus mais controversos escritores. Colecciona prémios, entre os quais o Goncourt, com o romance “ O Mapa E O Território”. Boa parte da sua obra está publicada em Portugal e agora surge o seu mais recente e polémico livro: "Alguns meses na minha vida, outubro de 2022 a março de 2023". Em circunstâncias ainda hoje em dia confusas, Houellebecq assinou contrato com um realizador holandês, Stefan Ruitenbeek, para protagonizar um filme pornográfico. Houellebecq conta que desejava fazer videos pornográficos com a sua mulher e reconhece que para o fazer “a única solução realmente eficaz consiste no recurso a uma terceira pessoa”. O resultado foi o filme “Kirac 27”. O escritor afirma que tinha dito não querer ser reconhecível no filme e o realizador, ele próprio também uma figura polémica, garante que não foi isso o acordado. O resultado de toda esta polémica é este "Alguns meses na minha vida, outubro de 2022 a março de 2023"”, que relata a visão do escritor sobre a sua participação em “Kirac 27”. Ao longo de cerca de 120 páginas, fala sobre esta sua experiência de forma confessional e até inesperada, neste tempo em que proliferam os caçadores de bruxas. Pelo meio, Houellebecq processou o realizador, e o filme, que tinha distribuição em streaming, foi retirado. "Pela primeira vez na minha vida, senti-me tratado, absolutamente, como o tema de um documentário sobre a vida selvagem; é difícil para mim esquecer aquele momento" - escreveu Houellebecq na contracapa do livro. O editor português do livro, Manuel S. Fonseca, sublinha: “o meu desejo por este livro vem da candura, inocência e franqueza com que o autor o escreve”. Edição Guerra & Paz.
SIGA A MARINHA - É nos restaurantes mais simples que por vezes surgem as melhores surpresas. Foi o que me aconteceu numa das estivais noites deste início de Outono na Praça da Armada. Não se apoquentam que não foi no restaurante com o mesmo nome do local, mas sim num outro, bem mais simpático. Falo do Zanzibar, situado numa das extremidades do largo. A sala é confortável e a esplanada é agradável nestas noites. A simpatia e eficácia do serviço está a par com a qualidade da comida. Na circunstância a escolha recaiu num rosbife, que pedi sem o molho que podia acompanhar, pedindo para o substituir por mostarda. Assim aconteceu, o rosbife estava no ponto, fatiado fino e em boa quantidade. Veio acompanhado por batatas fritas bem fritas, aos palitos, estaladiças. Do outro lado da mesa a opção foi filetes de peixe galo com arroz de berbigão e um toque de tomate. Os filetes estavam impecáveis, o arroz guloso e sem estar a afogar-se em malandrice. Para quem gosta, a casa tem frequentemente ovos verdes e peixinhos da horta cuja prova ficou guardada para próxima oportunidade. O restaurante aposta na comida tradicional portuguesa e desde a língua estufada à alheira, passando por rabo de boi ou moelas e croquetes, há várias opções. Os preços são sensatos, quer na comida quer na lista de vinhos, curta mas bem escolhida. O Zanzibar fica na Praça da Armada 36 e o telefone é o 216 050 908.
DIXIT - “Parece que a Europa encontra satisfação na sua vocação de parque temático e de atracção turística. A sua força é o seu passado. Não o seu futuro” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Não é a mesma coisa ser-se uma boa pessoa ou ser um bom cidadão” - Aristóteles
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