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JORNALISMO EM TEMPO DE GUERRA

por falcao, em 25.11.23

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O jornalista britânico David Patrikarakos tem uma grande experiência como repórter de guerra e ao longo da sua carreira tem acompanhado os conflitos no Mèdio Oriente e mais recentemente na Ucrânia.  Escreveu um livro sobre o Irão, fez extensas reportagens no Iraque, Palestina e Israel. Mas foi em 2014, quando cobria a ofensiva das milícias pró-russas na Ucrânia, que lhe surgiu a ideia de um outro livro. A história conta-se rapidamente. Enquanto aguardava no seu hotel em Donetsk o momento de poder vir para a rua, num intervalo dos ataques, foi lendo relatos do que se passava à sua volta, bem perto, mas fora do seu alcance, através do Twitter. Durante esse período na Ucrânia,  ia seguindo em simultâneo o surgimento de novos conflitos no Médio Oriente através das notícias que surgiam online, nomeadamente a ofensiva da organização terrorista ISIS que inesperadamente assumiu o controlo, nessa altura, de Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, com ampla difusão dos seus feitos no YouTube e no Twitter.  Recordo que estamos a falar do acontecimento de 2014 e nessa altura registavam-se também conflitos violentos entre o Hamas e o exército israelita. No seu quarto de hotel na Ucrânia, David Patrikarakos ía seguindo o que se passava através das informações que palestinianos e israelitas publicavam no Twitter, obviamente divergentes. Nesse momento percebeu que, na realidade, existiam duas guerras: a que se travava no terreno entre combatentes dos dois lados e uma outra, que se desenrolava em torno da comunicação com base nas redes sociais e sites. Foi nessa altura que Patrikarakos se lembrou de escrever um livro a que deu o título ”A guerra em 140 caracteres: como as redes sociais estão a moldar os conflitos no Século XXI”. A obra foi editada em 2017 e, nas palavras do seu autor é um livro “sobre a guerra, sobre as suas histórias, as narrativas do conflito e o conflito das narrativas”. A verdade é que este livro se tornou particularmente actual depois dos ataques terroristas do Hamas em Israel no passado dia 7 de Outubro e a posterior ofensiva israleita em Gaza. David Patrikarakos  seguiu estes acontecimentos de perto, no local, foi entrevistado pela Columbia Journalism Review e, com a devida vénia, reproduzimos algumas das suas afirmações. Sobre o atual conflito sublinha: “Desde que as guerras existem há quem escreva e documente com  imagens o que se passa. Mas este é o conflito mais mediatizado de sempre e também aquele que mais joga com as emoções e sensibilidades de cada um de nós, quer de um dos lados do conflito, quer do outro”. E prossegue: “sabemos que a guerra travada no campo de batalha, entre tanques, armas, bombas e balas vai sempre ser o ponto chave de qualquer conflito. Mas - sublinha - esta guerra é também travada entre tweets e posts e o alcance e impacto que têm”. Uma das observações curiosas de David Patrikarakos é a mudança entre as guerras antigas e as actuais. Dantes numa guerra entre dois lados, no fim havia um vencido e um vencedor, que impunha os termos da rendição e colocava fim à guerra. Mas agora, sublinha, tudo é diferente: segundo ele no caso da Ucrânia o que Putin fez foi mandar tropas invadir a Ucrânia e depois injectar propaganda no país invadido e desencadear uma campanha de desestabilização e contra-informação com o objectivo de impedir a adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO. A guerra passou a ter um objectivo político e não militar. O que Putin pretendia não era hastear a bandeira da Rússia no parlamento de Kiev, era sim desestabilizar económica e politicamente o país invadido. É por isso, prossegue David Patrikarakos, que o controle da narrativa é importante. Na situação actual de conflito entre Israel e o Hamas acontece algo semelhante.Quando conseguimos eliminar todo o ruído, percebemos que o desfecho militar está pré-definido: o Hamas não consegue derrotar o exército israelita e Israel não conseguirá destruir todo o Hamas, aconteça o que acontecer. Sem querer menosprezar o sofrimento dos dois lados, nesta guerra sem sentido militar a única maneira que o Hamas tem de conseguir simpatia e obter uma vitória no campo da comunicação, é  mostrar os corpos dos seus mortos . O efeito é paradoxal: quanto mais Israel avança e alcança vitórias  militares, mais perde em termos de comunicação e opinião pública. A vantagem de compaixão e compreensão que tinha obtido depois do ataque bárbaro do Hamas a 7 de Outubro foi-se esvaindo à medida que foi entrando em Gaza e infringindo derrotas aos terroristas, causando inevitáveis baixas entre os civis usados pelo Hamas como escudo humano. “Quanto mais o Hamas perde, mais êxito mediático consegue” - afirma David Patrikarakos. Esta guerra, prossegue, é sobre como moldar narrativas e difundi-las. As narrativas não destroem túneis. O resultado é que, independentemente do que se passa no terreno,  quem não ganha a guerra da informação e propaganda geralmente fica a perder em relação ao outro lado. A produção de informação alterou-se. Hoje em dia qualquer pessoa que se queira arriscar pode tornar-se num correspondente de guerra com um smartphone na mão, onde escreve tweets, faz e publica imagens. A ideia dos grandes correspondentes de guerra, vozes autorizadas e confiáveis, cujos relatos eram seguidos com atenção, desapareceu. Da mesma forma que hoje há centenas de canais de informação, hoje há centenas de pessoas que podem dar cada uma a sua visão dos acontecimentos, não necessariamente reportando de forma verdadeira o que se passa. A realidade é que os influencers chegaram à guerra e isso não é uma boa notícia.

(Publicado originalmente no semanário Novo , na coluna mensal escaparate )

 



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publicado às 11:00

AS TEIAS DE ARANHA DAS ELEIÇÕES

por falcao, em 24.11.23

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OS VOTOS PERDIDOS - Temos eleições marcadas para 10 de Março e nada da Lei Eleitoral foi alterado desde há décadas. 50 anos depois do 25 de Abril os partidos do chamado arco da governação protegem-se mutuamente para manter um sistema que protege os grandes, dificulta os partidos mais pequenos e, mais grave ainda, divide os eleitores entre duas categorias - os que têm um voto que elege e os que votam mas não elegem ninguém - aqueles votos desperdiçados graças ao método de Hondt . Nas eleições legislativas mais recentes aproximadamente 13 % dos votos expressos não serviram para eleger ninguém: caíram no limbo. Várias entidades , entre as quais a SEDES, já apresentaram sugestões para remediar esta situação. Uma dessas propostas, da Iniciativa Liberal, pega nos vários estudos realizados e, mantendo o numero actual de deputados, 330,  propõe a criação de 150 círculos uninominais e um círculo de compensação nacional de 80 deputados, que garanta a tradução em eleitos do número total de votos conseguidos por cada partido. O processo é simples, o racional é claro, a injustiça da situação actual é evidente. Tenho a firme convicção que esta é uma das razões da elevada abstenção e do descrédito em que caíu o sistema político, já que muitos cidadãos temem que o seu voto não sirva para nada. Este é também o albergue onde é alimentada a nefasta teoria do voto útil que, como temos visto em eleições sucessivas, acaba por ser bastante inútil porque o resultado obtido não cumpre o prometido na campanha nem altera o estado das coisas. A frustração dos eleitores é terreno adubado para crescerem os extremistas e populistas. A actual crise política é um bom pretexto para pensarmos nisto. Cada vez mais vamos caminhar para resultados que obrigarão a acordos pós-eleitorais para garantir a possibilidade de governos funcionais, mas o nosso sistema eleitoral é uma teia de aranha que paralisa as mudanças necessárias. Seria bom que, no programa dos partidos para as eleições de Março, cada um dissesse o que pretendem fazer sobre isto para garantir que cada voto conta. E já agora gostava de ouvir o que os candidatos à liderança do PS têm a dizer sobre isto.



SEMANADA - Esta semana há 36 hospitais com serviços de urgência limitados, quase metade das 80 urgências que existem no SNS; segundo a Ordem dos Médicos nas duas últimas décadas os Governos travaram as vagas para seis mil novos médicos de várias especialidades;  a Polícia Judiciária registou 2479 vítimas de crimes sexuais nos primeiros nove meses deste ano; em cinco décadas, o país perdeu quase metade dos seus habitantes mais jovens e actualmente, Portugal é o segundo país da União Europeia com menor proporção de crianças e jovens na sua população; no ranking dos beneficiários do PRR, os maiores e os principais são entidades públicas e a primeira entidade privada beneficiária surge em 15.º lugar;  ao fim de mais de um ano, a taxa de execução do PRR é de apenas 18%, cerca de 20% dos investimentos estão em estado preocupante e 3,5% em estado crítico; desistências, incumprimentos e correcções já levaram à anulação de 160 milhões de euros do PRR em operações que já estavam aprovadas; segundo o Banco de Portugal, o investimento direto estrangeiro no imobiliário português voltou a bater um novo máximo nos meses de julho a setembro, com mais de 1,1 mil milhões de euros e até setembro o valor das transferências de investidores internacionais para o sector supera já os três mil milhões de euros; as vendas de bens e serviços online representaram 19% da faturação das empresas em 2022, atingindo os 68.000 milhões de euros, mais 36,3% que no ano anterior. 

 

O ARCO DA VELHA - Na noite do auge da crise política o Presidente da República arrastou as televisões ao local onde os Távoras foram executados, acusados de conspirarem para matar o Rei.

 

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DESENHOS DE SARMENTO - A exposição “A Pedra e o Desenho”, que mostra 60 desenhos feitos por Julião Sarmento para o livro homónimo de Gonçalo M. Tavares, abriu segunda-feira passada e pode ser vista apenas até quarta 29 na Universidade Católica de Lisboa, na Galeria Fundação Amélia de Mello (na foto). Vale a pena contar a história destes desenhos. Em 2016 Julião Sarmento foi convidado para comissariar uma exposição em Barcelona a partir das colecções da Fundação La Caixa, do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e da Fundação Gulbenkian. Para título, Julião Sarmento escolheu “O Peso de um gesto”, o nome de uma das suas próprias obras. Para escrever um texto para o catálogo dessa exposição, convidou Gonçalo M. Tavares. Passados uns anos, Julião Sarmento e Gonçalo M.Tavares voltaram às palavras criadas para essa exposição. Sarmento escolheu excertos do texto original, com ligeiras adaptações, e fez 60 desenhos, baptizando cada um deles com o nome dos artistas representados nessa exposição de Barcelona. Criou assim uma relação entre essa exposição, os textos então feitos e os desenhos posteriormente criados. São esses desenhos, feitos pouco tempo antes da morte de Julião Sarmento, que deram origem ao livro “A Pedra e o Desenho”, editado pela Relógio d ' Água. Agora é possível ver, pela primeira vez, esses desenhos na exposição patente na Universidade Católica, com curadoria de Bruno Marchand.  No texto que acompanha esta exposição, Bruno Marchand sublinha “ que o poder lacónico de uma frase solta era, para Sarmento, semelhante ao mistério das grandes obras de arte”. Outro destaque a não perder, desta vez a norte: em Serralves André Romão um dos artistas portugueses mais relevantes da geração nascida nos anos 80, apresenta a sua primeira exposição individual no Museu de Serralves. Com o título “Calor”, a exposição , com curadoria de Inês Grosso, “abre caminho para novas perspectivas e níveis de consciência na nossa relação com o Outro, aquele que é diferente, que habita o mundo de maneira distinta”. 

 

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UM PIANO DIFERENTE  - Se gostam de piano e têm espírito aventureiro experimentem ouvir o novo álbum da pianista e compositora norte-americana Celia Hollander. Pianos há muitos, mas o modo de tocar de Hollander é mais raro, muito mais raro. Ela mistura o instrumento que todos conhecemos com a manipulação digital dos sons, o trabalho de alteração de samples que utiliza, combinando depois tudo como se de um único instrumento se tratasse. Neste seu novo disco, “2nd Draft”, utiliza gravações que fez de si própria durante uma residência artística no centro de arte no Nevada. Improvisou, percorreu técnicas  e estilos e depois trabalhou as gravações originais em pós produção. Fragmentos das gravações das suas improvisações são acelerados ou retardados, reproduzidos de trás para a frente e sujeitos a uma série de manipulações digitais . Este novo trabalho tem 18 curtas faixas num total de 35 minutos, todas elas rápidas sequências de notas que por vezes se transfiguram de forma completamente inesperada. Há influências claras, de Brian Eno, de Philip Glass, mas também evocações de estilos mais clássicos, que convivem com demolições de harmonias que trazem o punk à memória. Não conhecia Hollander e descobri-a através de uma nota do jornal “The Guardian” sobre este disco. Não é música ambiente - é música que nos tira da zona de conforto, como acontece quase sempre quando nos deparamos com a diferença. Hollander avançou pelo piano de uma maneira até agora não experimentada. Há sempre algo de novo a descobrir. “2nd Draft” está disponível nas plataformas de streaming.

 

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SURREALISTA - Por ocasião do centenário de Mário Cesariny a Assírio & Alvim publicou “Poesia de Mário Cesariny: antologia” uma revisitação de toda a obra do grande poeta surrealista, com edição de Fernando Cabral Martins, que permite conhecer uma obra poética fundamental em língua portuguesa. Mário Cesariny será o poeta homenageado no encontro de poesia Carmina 4, que decorrerá de 23 a 26 de novembro em Vila Nova de Famalicão, por  iniciativa da Fundação Cupertino de Miranda, em parceria com a Câmara Municipal local e que reúne um grupo de especialistas em literatura numas jornadas em torno da palavra poética: conversas, debates, apresentações. Ao mesmo tempo a Assírio & Alvim publica“Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea”, uma antologia inédita, organizada por Cesariny logo após o 25 de Abril de 1974, e que desenha uma imagem da literatura portuguesa de uma perspectiva surrealista, desde o século XII até ao século XX. Este projecto começou por ser um espectáculo de teatro, mais tarde reformulado como uma série de filmes para televisão, ideia nunca concretizada. Esta antologia recolhe textos de Camões, Mariana Alcoforado,  Bocage, Natália Correia, Florbela Espanca, Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, Almada Negreiros ou Fernando Pessoa entre outros. A edição é de Fernando Cabral Martins e de Luís Manuel Gaspar.

 

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DIVINAL -  E, se em vez de vos falar de um restaurante ou de petiscos, optasse por um livro que faz o levantamento de todas as referências a comida que surgem na Bíblia? Trata-se de “A Mesa de Deus”, um enciclopédico trabalho que demorou dez anos a fazer, nascido de uma conversa entre a autora, Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, e José Tolentino de Mendonça, que escreveu um texto, delicioso, de apresentação do livro. A autora, investigadora de gastronomia,  jornalista e colunista que escreve sobre essa área,  anotou todas as referências sobre os alimentos, a cozinha, a refeição, o prazer e a dádiva da comida, estudando hábitos alimentares no  Antigo e Novo Testamento. Ou seja, o que se comia, como se comia, como se preparavam os alimentos e que regras e interditos foram aceites ao longo do tempo. É uma viagem pelo universo dos rituais, da etiqueta alimentar no tempo de Jesus e da época da travessia do deserto, mencionando alimentos e temperos, o vinho ou o azeite, tudo o que está ligado à alegria da mesa. Na introdução o cardeal Tolentino de Mendonça sublinha: “ O livro constitui uma espécie de micro-história da Bíblia; dá nos uma ideia dos produtos acessíveis, do impacto do clima, do tipo de economia; abre-nos a janela para a sociologia das suas gentes; faz-nos participantes de rituais religiosos, do conteúdo do espaço familiar, da hierarquia e da versatilidade das relações.” Edição Quetzal

 

DIXIT - “Um parlamento dissolvido, a prazo, aprova um Orçamento do Estado, a correr, antes de partir para a campanha eleitoral (...) É possível que nunca se tenha ido tão longe, nas últimas décadas, no desrespeito pelo Estado de direito” - António Barreto.

 

BACK TO BASICS -“Tantos livros e tão pouco tempo” - Frank Zappa



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ISTO ESTÁ A FICAR PERIGOSO

por falcao, em 17.11.23

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O ORÇAMENTO E OS IMPOSTOS - Há duas semanas Francisco Assis, Presidente do Conselho Económico e Social e destacado militante do PS, deu uma entrevista ao “Expresso” que merece ser lida com atenção. Permito-me destacar esta ideia: “É errado associar uma reforma fiscal ao processo orçamental. Confundir a questão fiscal com a questão orçamental é negativo, e lembro-me de o Professor Sousa Franco dizer isso quando era Ministro das Finanças. O país deve fazer uma discussão de fundo em matéria fiscal, até para clarificar algumas coisas,  como, por exemplo, qual é a nossa carga fiscal em comparação com outros países europeus e verificar onde se pode mexer”. Mas em Portugal fazer uma reforma estrutural, mesmo em maioria absoluta, é algo sempre adiado. Tenho alguma curiosidade em ver se Francisco Assis mantém esta ideia, agora que é o primeiro apoiante de Pedro Nuno Santos. Por falar em Governo do PS, recordo alguns dados surgidos nas últimas semanas: um estudo da Tax Foundation revela que temos o 2º IRC mais alto de toda a OCDE e sublinha que nos países que crescem mais que Portugal a taxa não ultrapassa os 20%, enquanto cá é de 31,5%; o peso dos impostos e contribuições sociais no PIB deverá atingir os 38% em 2024 depois dos 37,2% este ano, no que será um dos saltos maiores entre os países da moeda única; Portugal teve a quinta maior subida da carga fiscal na UE. E a isto acresce outro dado conhecido nos últimos dias: nos primeiros nove meses do ano, a receita com taxas, multas e outras penalidades passou a fronteira dos 3 mil milhões de euros, o que acontece pela primeira vez no acumulado até ao mês de setembro - trata-se de receita do Estado que engloba as mais diversas taxas e multas e outras penalidades. Não resisto a citar o filósofo, historiador e político Cícero, que no ano 56 AC afirmou: "O Orçamento deve ser  equilibrado, o Tesouro Público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada e as pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do Estado ". 

 

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A ÉTICA - Vá-se lá saber porquê António Costa, que tinha feito uma digna intervenção a anunciar a sua demissão, resolveu estragar a pintura na noite de sábado, na qual basicamente entendeu dizer aos portugueses considerar que os fins justificam os meios e que há amigos nalgumas ocasiões que podem passar a descartáveis na ocasião seguinte. A intervenção serviu para esclarecer a ética que norteia o Primeiro Ministro demissionário. Espero que não tenha havido muita criança a ouvir António Costa na noite de sábado para não ficarem com a ideia que  em política vale tudo. Há uma postura política de ética e respeito pelas pessoas que um estadista deve ter e que, notoriamente, António Costa deu provas de não ter. Não vou repetir evocar a sua predileção por nomes polémicos ligados a Sócrates, por ter o seu “melhor amigo” envolvido em negociações do Estado em dossiers como o da TAP ou por ter tido o Governo com o maior número de casos e menos espírito reformista, apesar da maioria absoluta. Mas fico preocupado quando um Primeiro Ministro mistura a importância do investimento privado com a possibilidade de promiscuidades políticas. Na última semana algumas pessoas descobriram, entre o chocado e o surpreendido, que ter ética é uma condição básica para se estar na política. Devo dizer que estas reflexões sobre ética se aplicam igualmente ao Ministério Público cuja acção levanta reservas. A ética é um bem raro, até Mário Centeno anda à sua procura. Não se queixem se, com cenários assim, os extremos da paisagem política se agudizarem e conseguirem captar mais e mais eleitores. Esta crise beneficia objetivamente os extremos, a começar no Chega e a acabar na nova liderança do Bloco, como aliás indicam as sondagens mais recentes. Aristóteles, que muito pensou e escreveu sobre ética,  dizia que não é a mesma coisa ser-se um bom homem ou ser-se um bom cidadão. E recordava que, sem amigos, a vida pouco interessa mesmo que se tenha tudo o resto. Boa altura para recordar Aristóteles, cuja imagem mais conhecida aqui fica.

 

SEMANADA - Num ano, a banca nacional deixou de ter a sexta oferta de crédito à habitação mais barata da Zona Euro para ter agora a sétima proposta mais cara do espaço da moeda única; quase 40% das empresas portuguesas de media apresentaram resultados líquidos negativos em 2022; as mulheres portuguesas têm pensões 43% mais baixas que os homens; a força aérea só tem 58% dos pilotos previstos e necessários para a realização de operações; o hospital de S. João, no Porto, está a receber doentes de sete hospitais cujas urgências fecharam e, em virtude disso, o número de cirurgias aumentou 128% e o número de partos duplicou; cerca de um quarto dos projetos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão com atrasos “preocupantes ou críticos”; em oito anos de governo de António Costa como primeiro-ministro foram constituídos 14 arguidos no Governo e em gabinetes em sete diferentes casos; no espaço de um ano o INEM socorreu 741 jovens com intoxicação alcoólica; neste ano mais de 3500 professores entram na reforma; as exportações portuguesas estão em queda há seis meses consecutivos; o emprego em Portugal ultrapassou os cinco milhões de postos de trabalho pela primeira vez desde 2009 e há mais do dobro de pessoas com ensino secundário e superior a trabalhar do que há dez anos; 62% dos portugueses que contraíram empréstimo para aquisição de casa estão a ter dificuldade em cumprir os pagamentos.

 

O ARCO DA VELHA - Quando apresentou a sua demissão, João Galamba considerou que ainda tinha condições políticas para continuar como Ministro e invocou razões familiares para a saída do Governo.

 

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O AZULEJO  - Andreas Stöcklein nasceu na Alemanha, cresceu em Angola, estudou em Dusseldorf, descobriu a Arrábida em 1982, em 1983 fixou-se em Portugal e dedicou-se à utilização do azulejo como matéria prima da sua criatividade artística. Para assinalar os 40 anos do seu trabalho entre nós, a Galeria Ratton, especializada em azulejo, e com quem Stöcklein trabalha regularmente, organizou duas exposições. Uma, na própria Ratton, sob o título “O Outro Lugar . Conversas Intimas”, que além de trabalhos em azulejo, isolados e em painel, inclui pintura e desenho. E, no Museu do Azulejo, em Lisboa, apresenta uma exposição antológica, “Sobre a Linha do Horizonte – Andreas Stöcklein na Colecção Ratton” com quatro dezenas de painéis de diversas épocas do seu percurso, e uma instalação (na imagem), intitulada “O Estaleiro do Tempo”, concebida especialmente para esta ocasião. Alexandre Nobre Pais, director do Museu do Azulejo, considera que Andreas Stöcklein é um dos mais importantes artistas a trabalhar na atualidade o azulejo em Portugal. Outros destaques: Na Fidelidade Arte, em Lisboa, no Chiado, apresenta-se até 5 de Janeiro a quarta etapa do ciclo “Território”, com curadoria de Frederico Duarte e Vera Sacchetti, que inclui  uma revista de design, a "Fazer#1". Na Galeria Fernando Santos, no Porto, até final do ano podem ser vistas duas exposições no âmbito das comemorações dos seus 30 anos de existência: uma colectiva com obras recentes de artistas que têm estado ligados à Galeria e, na Project Room, uma mostra individual de fotografia de Pedro Lobo.

 

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DYLAN REVISITADO - No ano passado Cat Power, Chan Marshall de seu nome, realizou um concerto no Royal Albert Hall, de Londres, onde replicou o espectáculo que Bob Dylan fez em 1966 no Manchester Free Trade Hall e que, por erro da edição pirata da gravação, surgia como tendo decorrido no Royal Albert Hall. Localizações à parte, Cat Power retoma os 15 temas desse concerto, pela mesma ordem. Vale a pena destacar as suas interpretações de “She Belongs To Me”, de “Ballad Of A Thin Man” ou “Desolation Row”. Sete das versões são acústicas e oito são eléctricas, algumas mais conseguidas que outras, mas regra geral a revelarem a conhecida capacidade de Cat Power em trabalhar repertório de outros artistas. Aliás ela tem três discos com versões, “The Covers Record” de 2000, “Jukebox” de 2008 e “Covers” de 2022, todos de estúdio, enquanto este novo disco resulta de uma gravação ao vivo. As maiores diferenças em relação a Dylan nascem nas canções onde a cumplicidade entre Dylan e The Band era mais notória, mas há casos em que a versão de Cat Power parece ainda mais certeira que o original - por exemplo em “Mr Tambourine Man”. Outro desafio que correu bem foi “Desolation Row”, um minuto mais longa que no original. De uma forma geral Cat Power faz alongar as palavras, como Dylan fazia nessa época, o que provoca ainda mais um sentimento de autenticidade a estas novas versões. A terminar, na derradeira faixa, “Like A Rolling Stone”, Cat Power distancia-se da interpretação de Dylan, é menos directa e intensa e introduz uma quase melancolia sobre a evocação da época em que a canção foi escrita.  “Cat Power Sings Dylan” está disponível nas plataformas de streaming.

 

A CASSATA  - Com a temperatura política a subir nada como um gelado para refrescar as ideias. Devo confessar que uma das minhas preferências em matéria de gelados vai para  cassata napolitana, e aquela de que mais gosto em Lisboa é a da La Fabbrica, a antiga fábrica de gelados da Avenida de Berna, fundada em 1933. Hoje em dia mudou de sítio, mas as receitas originais mantêm-se e é ainda um descendente da família fundadora, italiana, que a dirige. A cassata da La Fabbrica é meia esfera de gelado enformado, constituída por várias camadas: de fora para dentro encontra gelado de baunilha, gelado de chocolate, gelado de morango e nata batida com fruta cristalizada e, na base, nata batida com amêndoa torrada moída. Reza a lenda que a forma da cassata napolitana, a meia esfera, é uma evocação do seio da mulher - não sei se hoje em dia será politicamente correcto dizer isto. Adiante. Em La Fabbrica pode comprar a cassata inteira, às metades ou quartos ou, se passar pelo local e lhe apetecer, pode simplesmente deliciar-se com uma fatia, que foi o que eu fiz. La Fabbrica Rua Filipa de Vilhena 14 A, telefone 21 759 03 60.

 

DIXIT - “É o maior desbaratamento da história da democracia portuguesa. O Governo tinha tudo o que era preciso. Um Primeiro Ministro hábil e habilidoso. Uma maioria absoluta. Um partido de Governo coeso e unido. Um Presidente da República cooperante e colaborador como nunca se tinha visto” - António Barreto

 

BACK TO BASICS - ”Nos negócios não existem amigos, apenas clientes” - Alexandre Dumas




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A CRISE - O semanário “Nascer do SOL” tinha na sexta-feira da semana passada, como chamada principal de capa, esta afirmação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo:”A corrupção está instalada em Portugal”. Na entrevista de onde estas palavras são extraídas, Henrique Araújo afirmava que a corrupção tem uma “expressão muito forte na administração pública. Isto não é uma simples percepção, é uma certeza!”. Para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dizer isto, alguma coisa se passava além dos casos e casinhos em que a vida política nacional é farta. O comunicado da Procuradoria Geral da República, emitido terça-feira sobre as investigações que estavam a decorrer, indicava que “no decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto supra referido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente.” Não é preciso ter uma bola de cristal para perceber que a Procuradoria manteve sobre este assunto um diálogo com o Supremo Tribunal de Justiça, a entidade a quem cabe investigar o Primeiro Ministro, se necessário. Recordo que António Costa sabia existir uma investigação sobre os negócios do lítio e hidrogénio desde 2020 e em novembro desse ano disse estar “absolutamente descansado” sobre esse assunto. Foi essa investigação que levou à actual crise. Acredito que Costa esteja inocente,  mas também creio que o seu apoio público a figuras como Vítor Escária,  Diogo Lacerda de Machado e João Galamba tenha proporcionado um clima permissivo. Entre 30 de Março de 2022 e 7 de Novembro de 2023 este Governo do PS registou 14 casos, casinhos e demissões. Quando deu posse a António Costa, a 30 de Março de 2022, o Presidente da República deixou claro que o rosto da maioria absoluta não podia ser substituído a meio do caminho. Resta saber o que o Presidente decidirá, agora que voltou a ganhar novo protagonismo e influência. Seja qual for a decisão, o maior beneficiário de tudo isto é o Chega,  que António Costa insuflou para diminuir o PSD e que agora será o que mais vai clamar contra a corrupção do sistema político. Não me admirava que Costa tivesse aberto a porta para o Chega ter um resultado surpreendente em eventuais legislativas. E se isso acontecer a confusão vai ser gigantesca.


SEMANADA - Portugal passou, em 2022, a ser o sexto país da UE com o mais baixo rendimento médio nacional e só a Bulgária, Eslováquia, Roménia, Hungria e Grécia estão em pior situação; o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, reconheceu que, no negócio da venda da Efacec, existe desproporção de esforço entre o fundo Mutares e o Estado; o anterior Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, tinha afirmado que a venda da Efacec se poderia concretizar em seis meses mas o negócio afinal demorou três anos a ser fechado; no último ano o governo emitiu 2600 vistos a nómadas digitais vindos de fora da Europa, sobretudo brasileiros e norte-americanos; há escolas sem verba para reparar os computadores portáteis usados nas aulas; segundo a associação dos mediadores do imobiliário faltam cerca de 70 mil casas para satisfazer as necessidades da população portuguesa; o tribunal eclesiástico da igreja católica castigou o padre que denunciou 12 colegas suspeitos de abuso sexual a crianças; Portugal, com 4851 rotundas, está em segundo lugar no ranking do número de rotundas rodoviárias por milhão de habitantes; 50% dos veículos automóveis do Estado português, que por lei estão isentos de IUC, têm 16 ou mais anos; os 12 maiores beneficiários do PRR, segundo os dados actuais,são entidades públicas; este ano, até final de setembro, registaram-se 85 vítimas de violência doméstica por dia

 

O ARCO DA VELHA - Em algumas zonas do interior do país, devido ao encerramento das urgências, o transporte de um doente em estado grave para o hospital mais próximo pode demorar duas horas.

 

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UMA EXPOSIÇÃO SURPREENDENTE  - Por ocasião do centenário do nascimento de Augusto Cabrita é apresentada no Barreiro uma exposição que mostra cerca de cerca de 130 fotografias a preto e branco, da sua autoria, grande parte delas inéditas. Esta é a maior exposição feita até agora da obra do fotógrafo e cineasta Augusto Cabrita, pioneiro do fotojornalismo em Portugal, diretor de fotografia, e autor de numerosas curtas-metragens. A exposição apresenta trabalhos que vão desde a fotografia documental de viagens, que Augusto Cabrita realizou pelos quatro cantos do mundo, à fotografia de personalidades da cultura nacionais e internacionais, à fotografia publicitária, ou ao próprio fotojornalismo. A exposição “100 anos de Augusto Cabrita - Um olhar inédito”, tem curadoria do seu neto, também Augusto Cabrita, é organizada pelo município do Barreiro e está patente no Auditório Municipal Augusto Cabrita até 16 de Março. Para terminar destaco as exposições inaugurais do MAC/CCB, “Objecto, Corpo e Espaço”,  que agrupa obras da Colecção Berardo, obras da colecção Ellipse (que nos últimos anos esteve afastada do olhar público), da colecção Teixeira de Freitas e obras da Colecção de Arte Contemporânea do Estado. Por ocasião da inauguração do MAC a artista belga Berlinde de Bruyckere concebeu uma exposição inédita, “Atravessar Uma Ponte em Chamas”,  inspirada por um conto do escritor chileno Roberto Bolaño, que ficará patente até 14 de Março de 2024. No MAC/CCB  poderá ainda ver a exposição permanente de obras da Colecção Berardo e “O Desenho Contínuo”, com desenhos da Colecção Teixeira de Freitas.

 

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BEATLEMANIA - Não vou falar de novo da edição de uma nova canção dos Beatles, a partir de um original de John Lennon, mas trago uma outra novidade. “1964: Olhos da Tempestade”, um livro com 275 fotografias inéditas do acervo de Paul McCartney e que mostra como ele viu e fotografou a digressão dos Beatles no auge da Beatlemania, em 1964. É um diário fotográfico que documenta três intensos meses de viagem em seis cidades e  três países diferentes. Nesse período Paul McCartney fez mais de mil imagens, das quais foram selecionadas as que integram o livro, acompanhados das suas próprias  reflexões em forma de texto, que nos revelam como foi viver aquela época e ainda um prólogo onde conta: “nós, quatro tipos de Liverpool, não podíamos de maneira alguma perceber nessa época as implicações do que estávamos a fazer”. O livro inclui também textos de enquadramento da historiadora Jill Lepore, de Nicholas Cullinan e Rosie Broadley, da National Portrait Gallery de Londres, onde estas imagens estiveram expostas, textos que  ajudam a ter  uma visão mais profunda e abrangente da efervescência cultural desta época. Edição Porto Editora, com tradução de Jorge Pereirinha Pires.

 

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A BOLA DE CRISTAL - Se o novo livro de Luís Paixão Martins sobre sondagens já gerava muita curiosidade, no novo quadro político que se criou esta semana vai ser um guia para a acção de muito putativo candidato. O calendário eleitoral português que até agora existia - europeias em 24, autárquicas em 25, legislativas e presidenciais em 26 - já dava pano para mangas e agora ainda vai dar mais. Até parece que Luís Paixão Martins adivinhava a efervescência actual quando apresentou o seu novo livro há duas semanas, uma obra com um título provocador: “Como mentem as sondagens”. E no destaque de capa explica: “Os media servem-nos doses cada vez maiores de sondagens. Aquilo que passa por informação transforma-se em conteúdo político. Uma bola de cristal atrevida e avariada”. Serão as sondagens meros palpites? E como são interpretadas? Luís Paixão Martins, que trabalhou nas campanhas eleitorais de Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa, sabe bem como utilizar estudos de opinião e como analisar sondagens. Este livro é a sua visão sobre esse universo paralelo às eleições, escrito de forma leve mas precisa e com um saboroso sentido de humor, especialmente em muitas das notas de rodapé. Luís Paixão Martins identifica seis problemas em relação às sondagens e dá a sua visão sobre eles: a amostra, o questionário, a dinâmica, os indecisos, a mediatização e a volatilidade. “O meu objectivo - escreve o autor falando sobre este livro - é facultar a todos aqueles que se interessam pela comunicação e pela política um conjunto de observações que fui construindo no meu ofício e que julgo que os ajudará a ler e interpretar melhor os estudos de opinião e enquadrar as formas demasiado simplistas com que eles são mediatizados”. Edição Zigurate.

 

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OUTRA FORMA DE VER - No texto que escreveu para o livro de José Luís Neto, agora editado pela Imprensa Nacional, Jorge Calado classifica-o como “compositor de luz” e afirma que ele “criou um novo tipo de fotografia”. Para Calado, os dois objetivos de José Luiz Neto, ao fotografar sem sair do estúdio, são investigar as propriedades da luz e os limites da fotografia usando uma folha branca de papel fotográfico e, por fim, ”apropriar-se uma fotografia esquecida para lhe dar um futuro diferente”. José Luís Neto trabalhou toda a vida no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, conhece o seu espólio como poucos. Jorge Calado sublinha que no trabalho de José Luís Neto o seu conhecimento da história da fotografia e do Arquivo onde trabalha têm alimentado as ideias para a sua actividade como fotógrafo. A prática da  apropriação invadiu a fotografia nos anos 80 e, ao longo dos anos, José Luís Neto apropriou-se do trabalho de outros, revisitando-o, muitas vezes a partir de um pequeno pormenor - como aconteceu com o projecto “22474”, baseado em imagens feitas por Joshua Benoliel na Cadeia Penitenciária de Lisboa que ele depois refotografou e manipulou, usando ampliações extremas (na imagem). “Em fotografia “ampliar pode não significar intensificar, mas sim diluir”, sublinha Calado.  Este livro inclui os mais significativos trabalhos de José Luís Neto, feitos entre 1993 e 2023. O fotógrafo participa em exposições desde 1990, está representado em diversas importantes colecções nacionais e internacionais e recebeu o prémio BES Photo em 2005. A colecção Ph., dedicada à fotografia portuguesa, tem direcção editorial de Cláudio Garrudo e é editada pela Imprensa Nacional.

 

DIXIT - “Na prática, o conflito israelo-palestiniano é manipulado pelo Hamas para impor um regime islamista e a sharia. Devemos, no entanto, reconhecer-lhe um mérito: a extraordinária mobilização de "idiotas úteis" que, por histeria ou cálculo político, o apoiam entusiasticamente” - Jorge Almeida Fernandes, no Público 

 

BACK TO BASICS - Levantai as fímbrias de vossos mantos senhoras, que vamos atravessar o inferno” - Jack Kerouac



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ACTIVISMOS - Anda muita gente por aí entusiasmada com os protestos dos activistas climáticos que, nas últimas semanas, se especializaram em tingir roupa de ministros, provocar engarrafamentos poluidores, atentar contra obras de arte, partir montras de lojas ou interromper o trabalho de actores. Ao contrário do que certas mentes podem achar nada disto é novidade, tudo é até um pouco bafiento e já existiu, nestas e noutras formas, ao longo dos tempos. Que me lembre estas acções nunca deram bom resultado - nunca alcançaram os objetivos pretendidos. Até Mariana Mortágua, que sabe bem destas coisas de agitação e propaganda, veio a público pôr em causa a eficácia dos protestos climáticos contra ministros, duvidando que possam contribuir para criar um movimento que leve as questões sobre o clima para o centro do debate público. A verdade é que estes activistas procuram apenas o seu minuto de fama, hoje em dia facilitado pelo instantâneo mundo digital.  Querem saber só de si próprios e não respeitam a liberdade dos outros nem a diferença de opiniões. Mostram não aceitar as regras da liberdade de expressão e manifestação dentro da democracia. Provavelmente a sua agenda ultrapassa as questões climáticas mas não têm coragem de dizer, de facto, ao que vêm. Frequentam cursos de desobediência civil que a democracia permite que existam e actuam, depois, para desacreditar a própria democracia. Não ganham sequer simpatia para a sua causa. E se julgam que estão a ser muito criativos, desenganem-se e vão ler uns livros de História. Querer impôr a vontade, querer condicionar o pensamento e atacar outras pessoas não é o caminho para conseguir alterar o estado das coisas. Nem no ambiente, nem em nada.

 

SEMANADA - Um estudo da Tax Foundation revela que temos o 2º IRC mais alto de toda a OCDE e sublinha que nos países que crescem mais que Portugal a taxa não ultrapassa os 20%, enquanto cá é de 31,5%; o peso dos impostos e contribuições sociais no PIB deverá atingir os 38% em 2024 depois dos 37,2% este ano, de acordo com as previsões do Governo no que será um dos saltos maiores entre os países da moeda única; Portugal é o quarto país com maior contracção do PIB na UE; Portugal teve a quinta maior subida da carga fiscal na UE;  cerca de 50% dos portugueses que emigram são licenciados; segundo um estudo do INE, uma em cada cinco pessoas dos 18 aos 74 anos (20%) já foi vítima de violência física ou sexual; já foram feitos mais de 20 aumentos do preço dos combustíveis desde o início do ano, provocando uma subida de quase 7%; Alemanha e Polónia foram os principais importadores das quase dez toneladas de cannabis que Portugal cultivou e exportou em 2022, um aumento de 63% em relação ao ano anterior; o novo Museu de Arte Contemporânea do CCB recebeu quase 12 mil visitantes nos três primeiros dias; um estudo de uma associação ambientalista estima em mais de 3,5 milhões de euros por dia o custo provocado pelo ruído do aeroporto de Lisboa na saúde, bem estar e até valorização do imobiliário da capital; uma sondagem feita esta semana indica que a maioria dos inquiridos considera que o OE para 24 vai fazer piorar a situação do país; nos últimos dez anos 28 juízes foram reformados contra a sua vontade por problemas de saúde mental ou física que os impedia de fazerem o seu trabalho correctamente.

 

O ARCO DA VELHA - Na semana em que se inicia a discussão do Orçamento de Estado convém recordar que a dois meses do final do ano continua por executar mais de metade das quase 70 medidas que o PS aprovou aos partidos da oposição no orçamento deste ano.

 

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MUITO PARA VER - Cristina Ataíde apresenta um novo conjunto de obras na Galeria Belo Galsterer sob o título “A pedra só não voa porque não quer” . Trata-se de uma exposição predominantemente de escultura, mas onde, por vezes, o mármore branco é quase usado como uma folha de papel onde surgem desenhos esculpidos. Além das seis esculturas há dois desenhos feitos a pigmento sobre grafite (na imagem) e um conjunto de nove desenhos volumétricos resultantes da aplicação de pasta sobre papel - estes datados de 1999, tudo o resto de 2023, excepto duas esculturas de 2015. Na mesma Galeria Paulo Brighenti apresenta uma nova série de aguarelas e uma peça  de escultura, sob o nome comum “Mãe”.  De entre as várias exposições recentes que podem ser vistas em Lisboa destaco a colecção feita por Paulo de Pitta e Cunha, que estará no Museu Arpad-Szenes-Vieira da Silva, até 21 de Janeiro. A exposição, com curadoria de Raquel Henriques da Silva e Rita Maia Gomes, tem 123 obras montadas de forma exemplar, que mostram o gosto pessoal do coleccionador. Nas palavras de Alexandre Pomar é “uma colecção e uma exposição fora do baralho” feita de forma “diferente, livre, sem depender de galerias, de de-curadores, de modas” ou de modas, que vai dos anos 60 a 2000 e que é  uma “lição de escolhas e de gosto” com muitos pequenos formatos, papéis desenhados e pintados de artistas portugueses e estrangeiros. Ali ao lado, na Casa Atelier Vieira da Silva estão obras de Bela Silva, que também está presente ona colecção de Paulo Pitta da Cunha. Outros destaques: o cartoonista português, Luís Afonso, autor de Bartoon (Público), SA (no Negócios) e de Barba e Cabelo (A Bola), apresenta no Museu Bordalo Pinheiro, até 28 de Janeiro, a exposição “Ora, Faço Gravuras…” .

 

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O REGRESSO DOS BEATLES - Hoje vou falar de uma canção que não ouvi, mas quando estas linhas forem lidas ela já terá sido divulgada publicamente. A canção em causa é uma composição de finais dos anos 70, que John Lennon deixou esboçada com voz e guitarra numa cassete dirigida a Paul McCartney e que Yoko Ono lhe entregou em 1994. Intitulada “Now And Then” a qualidade da gravação original era fraca e durante anos tentou-se por várias vezes completar a canção. Graças a novo software de Inteligência Artificial foi finalmente possível separar e restaurar a voz de Lennon, usar acordes de piano que estavam na gravação, juntar-lhe posteriormente o baixo de Paul McCartney, a bateria de Ringo Starr e ainda usar gravações da guitarra de George Harrison, que ele tocou nas primeiras tentativas de completar esta gravação em 1995. McCartney juntou-lhe uma secção de cordas e assim ficou finalizada a canção. Lennon foi morto a 8 de Dezembro de 1980, George Harrison morreu a 29 de Novembro de 2001 e agora “Now And Then” ficou pronta, a derradeira composição de Lennon para os Beatles, que graças à IA surgem juntos de forma virtual. O lançamento é acompanhado de um documentário sobre o processo de gravação utilizado e o disco com “Now And Then” é lançado sexta feira dia 3 de Novembro e inclui de um lado a nova canção e do outro o primeiro single dos Beatles, “Love Me Do”. O grafismo da capa, que aqui podem ver, foi encomendado ao artista norte-americano Ed Ruscha.

 

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O ÚLTIMO ESCRITO DE MISHIMA - “O Declínio do Anjo” é a última peça da tetralogia considerada o testamento literário de Yukio Mishima, “Mar da Fertilidade” onde o autor abordou a decadência dos valores tradicionais japoneses, a essência da filosofia budista e a visão apocalíptica do mundo moderno. Pouco depois de terminar este romance Mishima suicidou-se, praticando o ritual tradicional dos samurai, o seppuku, conhecido no ocidente por haraquiri. “O Declínio do Anjo" foi originalmente publicado a 25 de fevereiro de 1971, três meses volvidos sobre esse suicídio. O livro retoma a personagem do herói Honda, que ao longo dos livros anteriores desta saga, conhecemos como estudante, advogado e depois juiz. Ele está agora velho e afastado dos tribunais, mas ainda questionando incansavelmente a sua existência nos mundos terreno e espiritual. O título remete para a crença budista dos cinco sinais de decadência que indicam a morte iminente de um anjo. A tradução é de  Tânia Ganho cujas notas ajudam a compreender o pensamento de Mishima e o mundo em que viveu. Yukio Mishima é o pseudónimo de Kimitake Hiraoka, nasceu em Tóquio em 1925 e suicidou-se a 25 de novembro de 1970, depois de falhada uma tentativa de golpe de estado que pretendia reforçar o papel do Imperador do Japão. Conduziu a sua vida segundo o tradicionalismo militar e espiritual dos samurais e a sua concepção da arte liga-se a um elevado culto da alma e do corpo. Mishima escreveu contos, peças de teatro e romances e escreveu obras como “Confissões de Uma Máscara” (1948), “O Templo Dourado” (1956) ou “O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar” (1963). “A vida humana é finita mas eu gostaria de viver para sempre”, escreveu Mishima na manhã antes da sua morte.

 

DELÍCIAS DE PENAFIEL -  No fim de semana passado fui alimentar o espírito a Penafiel, à Escritaria, uma festa dedicada à literatura e que este ano homenageou Miguel Esteves Cardoso. Devo fazer uma declaração de interesses - fui um dos convidados para falar sobre aquilo que nos aproximou, a mim e ao Miguel, há muitos anos, mais precisamente sobre os seus textos reunidos no livro “Escrítica Pop”, cuja edição deste ano prefaciei. Por Penafiel passaram muitas pessoas que abordaram as diversas facetas da obra de Miguel Esteves Cardoso, de Manchester a Colares, passando por Lisboa, da música aos jornais e revistas, aos romances e à observação do quotidiano. A Escritaria é uma ideia concretizada por Tito Couto com o apoio da Câmara Municipal de Penafiel. E foi graças a esta conjugação de factos que num dia fui levado ao Sapo, um restaurante da terra que faz muita gente desviar caminho para por lá passar. Há entradas para todos os gostos, desde um excelente queijo da região a enchidos e presuntos notáveis, polvo aos pedaços frito, salada de tomate maduro, salgados diversos, boa azeitona, tudo acompanhado com broa de Avintes. Depois de um carrossel de entradas vêm os pratos sérios, com destaque para o cachaço de vitela assado, acompanhado por arroz de forno. O vinho é da casa, verde branco e verde tinto, eu a preferir o verde branco, verdadeiramente fora de série. A rematar vieram bilheracos, uns bolinhos de abóbora menina frios, polvilhados com açúcar e canela - muito bons mesmo e um pão de ló exemplar. O Sapo fica na Rua da Estrada 25, em Irivo, Penafiel e o telefone é 255 752 326.



DIXIT - “A liberdade é uma troca. É até um mau negócio: pela liberdade de dizer o que penso (...) tenho de aturar as atoardas de todos os facínoras com vontade de abrir a boca” - Miguel Esteves Cardoso.

 

BACK TO BASICS - “Não se consegue domar um tigre fazendo lhe festinhas” -  Roosevelt






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