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O NOSSO RETRATO - Segundo o Eurobarómetro de Outubro deste ano, divulgado há dias pela Comissão Europeia, os portugueses são dos europeus mais críticos da carga fiscal no seu país, ficando apenas atrás da Estónia e Lituânia neste parâmetro. A avaliação da situação económica é das mais baixas entre os congéneres europeus e a subida do custo de vida é a principal preocupação. A confiança no Governo e no Parlamento sofreu a maior quebra de toda a Europa face ao mesmo período do ano passado. Quando foram questionados sobre como avaliam a atual situação económica do país, oito em cada dez portugueses responderam com insatisfação. Os resultados do estudo mostram que os portugueses são os segundos mais pessimistas de toda a UE, ficando apenas atrás da Grécia. Mas esta desesperança não é exclusiva dos portugueses. Se olharmos para um outro estudo, desta vez efectuado na Dinamarca, 73% dos inquiridos são da opinião que os políticos têm falta de visão e 75% que serão incapazes de resolver problemas estruturais a médio-longo prazo. Uma percentagem ainda maior de dinamarqueses, 82%, pensa que as decisões dos políticos actuais são apenas paliativos de curto-médio prazo, mas que não resolvem as questões de fundo que podem contribuir para a melhoria de vida das pessoas. Aquilo que é mais interessante é que 72% das pessoas inquiridas manifesta a opinião de que a sua apreciação sobre os políticos e os partidos poderia melhorar de forma substancial se surgissem visões e estratégias consistentes de desenvolvimento a longo prazo. Quando olho para estes resultados - o dos portugueses e o dos dinamarqueses, tenho a mesma sensação: a política degradou-se, o sistema partidário está insolvente e abre o caminho a populismos que apregoam salvadores ocos de ideias mas abundantes em verborreia como aqui acontece com André Ventura. O espírito reformista que caracterizava alguns partidos, o desígnio de fazer um país melhor, está desaparecido em combate. Nas próximas eleições vamos ver o resultado disto.
SEMANADA - As rendas na grande Lisboa são 34% mais caras que no Porto; aumentou o peso das despesas com habitação e agora representam mais de um terço do total do orçamento das famílias; quase uma dezena de associações de natureza recreativa, social, regional e cultural de Lisboa foram despejadas nos últimos anos; no Algarve há 200 mil casas vazias destinadas a alojamento turístico e registam-se 10 mil casos de pessoas com “absoluta necessidade” de uma casa; segundo o Fundo Monetário Internacional a taxa de sobrevalorização das casas em Portugal é de 20%; em Julho, Agosto e Setembro foram vendidas em Portugal menos 19% que casas que no mesmo trimestre do ano anterior; este ano aposentaram-se mais de 800 médicos do Serviço Nacional de Saúde, o maior numero dos últimos anos, ultrapassando em muito as previsões do Governo; segundo o presidente da Associação Portuguesa de Admnistradores Hospitalares, Xavier Barreto, existiam estudos que indicavam que o pico das aposentações aconteceria agora, mas nada foi feito com tempo para minorar o efeito de todas estas saídas; apenas metade das unidades de urgências hospitalares estarão a funcionar em pleno na última semana do ano; há seis distritos sem camas de cuidados paliativos hospitalares; os resultados das provas de aferição do 2º, 5º e 8º ano de escolaridade revelam graves deficiências de aprendizagem em matérias fundamentais como português e matemática, com 50% dos alunos a manifestarem fortes dificuldades nas provas efetuadas; um estudo recente indica que existem mais 48% de casos de violência escolar do que se pensava, com uma média de 9051 casos por ano, 65% dos quais de natureza criminal; em 2023 registaram-se 160 rondas de despedimentos em empresas tecnológicas em Portugal, mais 150% que em 2022.
O ARCO DA VELHA - Apesar de terem existido fiscalizações que apontavam para graves irregularidades na Misericórdia de Idanha A Nova, algumas desde 2008, a Segurança Social fechou os olhos e não aplicou as sanções devidas.
A DIVERSIDADE DE UM ARQUITECTO - Para assinalar o centenário do nascimento de Fernando Lanhas (na imagem) podem ser vistas até Março duas exposições evocativas da sua obra, uma no Porto, na Fundação de Serralves e outra no Centro de Artes Visuais, de Coimbra. Fernando Lanhas é considerado uma das figuras mais destacadas da arte portuguesa do século XX e a sua pintura foi pioneira na introdução do abstracionismo geométrico em Portugal a partir de meados dos anos 1940. Arquiteto de formação, Lanhas trabalhou outras áreas como a pintura, o desenho, a arqueologia, a botânica, a astronomia, a etnologia, a museografia, assim como a escrita poética e ficcional. A exposição de Serralves reúne um núcleo muito significativo de obras suas, quer da Coleção de Serralves, quer do depósito da sua obra acordado ao longo de mais de vinte anos em diálogo com o artista. Com o título “Fernando Lanhas, o Homem é fenómeno magistral”, frase retirada de um seu escrito de 2000, a exposição mostra a multiplicidade de áreas que o artista explorou e permite compreender a diversidade e coerência da sua obra. A curadoria é de Marta Moreira de Almeida, diretora-adjunta do Museu de Serralves. Em Coimbra o Centro de Artes Visuais apresenta “Sabe o que não sabes”, com curadoria de Miguel Von Hafe Pérez, cobre também as várias áreas de intervenção do artista e é composta por um núcleo maioritário de obras que vieram diretamente de sua casa, em atenciosa colaboração com o filho Pedro Lanhas.
CUMPLICIDADES MUSICAIS - Para o jornal britânico “The Guardian” o melhor disco de música do mundo de 2023 é “Love In Exile”, de Arooj Aftab, Vijay Iyer e Shahzad Ismaily, respectivamente na voz, piano e produção e baixo. Como o jornal sublinha este disco é a prova de que não é preciso muito, para além de talento, para fazer um disco de sonoridade única, intimista e envolvente. Aroof Aftab é uma cantora de origem paquistanesa que vive nos Estados Unidos e tem trabalhado sempre com recursos musicais minimalistas. “Love In Exile” é o seu quarto disco e o anterior, “Vulture Prince”, ganhou um Grammy em 2021. No novo trabalho, editado no primeiro trimestre deste ano, ela juntou-se ao pianista de jazz Vijay Iyer e ao multi-instrumentista Shahzad Ismaily que desenharam paisagens sonoras perfeitas para a voz de Aroof Aftab. O disco incluiu sete temas, tem cerca de uma hora e um quarto e de cada vez que a voz de Aftab se faz ouvir o efeito é surpreendente, pela conexão que consegue estabelecer com os músicos e pela forma como a sua voz se assume ela própria como instrumento musical que complementa o trabalho de Iyer e Ismaily sem o ofuscar. Este é um exemplo de como um trio tão diverso pode partilhar de forma intensa um mesmo sentimento musical num ambiente de grande tranquilidade e cumplicidade . Disponível nas plataformas de streaming.
POEMAS - Li vários romances de Roberto Bolaño e deixei-me entusiasmar, em quase todos eles, pela sua escrita. Nunca tinha lido os seus poemas e isso é o que faço desde há alguns dias. Escolhi falar hoje de “Poesia Completa”, editado recentemente em Portugal, porque é provavelmente o livro que mais me marcou neste ano. Este não é um livro de quadras soltas nem de rimas fáceis. Tem a outra dimensão da poesia, a que vem da ligação entre os sentimentos, a observação e a forma como as palavras se podem encaixar em tudo. Aqui estão poemas escritos em prosa, histórias em verso, fragmentos, frases e palavras que se juntam e que não sabemos bem o que podem ser até as lermos e nos tocarem, desde as mais simples às mais duras, desde olhar para uma rua ou recordar uma paixão. Manuel Villas escreve no prólogo desta edição que há muito desespero e desamparo na forma como Roberto Bolaño encara a poesia: «Bolaño estava obcecado pelos poetas, porque eram os únicos a resistir ao dinheiro. Os poetas não tinham dinheiro, mas tinham conhecimentos.» Cada página é uma descoberta, desde os poemas escritos quando o autor trabalhava como guarda-nocturno num Parque de Campismo, uma escrita onde a influência de William Burroughs é abertamente assumida, até aos seus momentos mais difíceis, como quando esteve hospitalizado, ou aqueles onde procurou os lugares secretos das cidades, dos quais muitas vezes não se fala e sobre os quais muito menos se escreve poesia. “Imagina a situação: a desconhecida esconde-se no patamar da escada” - começa assim o poema em prosa “os motociclistas”, uma página de aventura, a meio do livro. Muitos destes poemas são profundamente autobiográficos, tal como muita da sua ficção - uma vida inquieta e de mudanças. Roberto Bolaño, chileno, nascido em 1953, aos 15 anos foi viver para o México e depois fixou-se em Espanha, em Barcelona,onde morreu em 2003, tinha 50 anos. A tradução, exemplar, é de Carlos Vaz Marques e a edição é da Quetzal.
PARA SAIR DO PERU - Descansem que hoje não venho falar de aproveitar restos de peru - embora umas fatias finas do peito do animal fiquem bem numa sanduíche de fatias de pão de centeio barradas de mostarda. Deixemos para trás o que sobrou e vamos ao supermercado procurar gambas de bom tamanho, funcho, arroz para risotto, limão e rúcula. Para o risotto siga o método clássico, um leve refogado de base, mas em vez de cebola use um bolbo de funcho finamente picado, a seguir frite o arroz durante dois minutos, adicione um copo de vinho branco e continue mexer até evaporar e depois vá juntando aos poucos o caldo de legumes previamente preparado. Quando o arroz tiver consumido quase todo o caldo adicione os camarões e vigie-os atentamente até começarem a ficar rosados. Nessa altura adicione o sumo e a raspa da casca de um limão e uma colher de sopa de manteiga, deixe mais um minuto em lume brando, adicione uma boa quantidade de rúcula, desligue o lume e tape o tacho, deixando repousar o risotto durante três minutos. Está pronto a servir e acabou de sair das tradições gastronómicas de natal. Aconselho o Greco di Tufo, um branco de uma casta de uvas do sul de Itália, plantada na Quinta da Bacalhoa há uns anos, e que liga muito bem com este prato.
DIXIT - “ A linguagem política tem-se transformado, ao longo das últimas décadas, numa torrente palavrosa sem significado” - António Barreto
BACK TO BASICS - “As pessoas podem perdoar-te por estares enganado, mas jamais te perdoarão por estares certo - especialmente se os acontecimentos mostrarem que estás certo ao mesmo tempo que mostram que elas estão erradas” - Thomas Sowell.
OS PROMETEDORES - No fim de semana passado começou a campanha eleitoral, no rescaldo das eleições internas do PS. De um lado e do outro, ou seja do PS e PSD, sucedem-se promessas variadas, declarações vazias, acusações recíprocas, muito pouco de substancial e bastante de palavreado mais ou menos oco. Olho para as trocas de galhardetes entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro e imagino que estou a ouvir os pregões dos vendedores de carros usados que ficam um em frente ao outro, nos dois lados de uma estrada. Parece tudo uma disputa entre partidos já gastos, em segunda mão. De um lado, oito anos de uma governação recente que atirou Portugal para a cauda da Europa e, do outro, silenciosos sinais de que não se sabe bem que caminho seguir. É certo que até ao lavar dos cestos prosseguirá a vindima dos votos, mas parece que a vinha da política foi atacada pelo míldio e ficou frágil e quebradiça. Gostava de ver programas eleitorais concretos em vez de promessas de despesas e milagres que se desfazem ao fim de pouco tempo. Gostava de ver ideias em vez de conversa fiada. Gostava de não sentir que na política estamos rodeados de mediocridade, de uma mediania nebulosa e anestesiante, perdidos entre teses da moda e ecos do passado. Não ouço nos protagonistas destas eleições o reconhecimento do presente nem o caminho do futuro. Só vejo ideias gastas, sem energia para conterem as muitas ameaças que espreitam. À minha frente vislumbro uma parede esburacada que é o retrato do estado a que chegou o sistema político português, sem partidos confiáveis, com corrupções distribuídas de forma equitativa, com demagogos emergentes e outros reincidentes. É por isto que o número de eleitores que não sabem em quem votar é tão grande nas sondagens que têm aparecido. Os partidos que se propõem ser governo vivem de uma batota eleitoral que estimula que existam votos que não têm tradução prática na escolha final. Como aqui escrevi há semanas nada da Lei Eleitoral foi alterado desde há décadas. 50 anos depois do 25 de Abril os partidos do chamado arco da governação protegem-se mutuamente para manter um sistema que protege os grandes, dificulta os partidos mais pequenos e, mais grave ainda, divide os eleitores entre duas categorias - os que têm um voto que elege e os que votam mas não elegem ninguém - aqueles votos desperdiçados graças ao método de Hondt. Nas eleições legislativas mais recentes aproximadamente 13 % dos votos expressos não serviram para eleger ninguém: caíram no limbo. E houve mais de 40% de abstenção. Querem que acreditemos nos políticos que mantêm este sistema?
SEMANADA - Em 2023 já foram contratados 3100 docentes sem formação pedagógica; há escolas em Lisboa onde os alunos ainda não tiveram neste ano lectivo aulas a Português, Inglês ou Ciências; em 2022 as obras públicas sofreram o maior desvio financeiro de sempre, num total de 130 milhões de euros; desde a demissão de António Costa o governo esteve mais activo do que habitualmente e fez publicar em Diário da República, entre 8 de Novembro e 11 de Dezembro, mais do dobro de actos do executivo do que a média mensal até Outubro; 35% dos concursos para dirigentes no sector público não conseguem atrair candidatos suficientes; os impostos indirectos aumentaram 30% entre o primeiro orçamento de António Costa em 2016 e o de 2023 e só o IVA cobrado aumentou 50% para um valor recorde de 23 mil milhões; segundo a Pordata a população estrangeira residente em Portugal duplicou nos últimos dez anos, sendo que um em cada três imigrantes é originário do Brasil e metade nasceu em países de língua portuguesa; no final do ano passado viviam em Portugal 800 mil estrangeiros, que representam 14% da força de trabalho; os descontos dos trabalhadores imigrantes em Portugal deram 1600 milhões de euros à Segurança Social; no final do ano passado viviam na condição de sem-abrigo 10.773 pessoas e, destas, 5.975 viviam na rua, num abrigo de emergência, enquanto que 4.798 pessoas não tinham casa e viviam em alojamento temporário; quase 19.000 trabalhadores estão a recibos verdes no Estado, o número mais elevado de sempre.
O ARCO DA VELHA - Os TVDE criam entre 10 a 15% do trânsito automóvel nas cidades de Lisboa e Porto e são um forte contributo para os congestionamentos de circulação.
UMA PRENDA FOTOGRÁFICA - A Galeria das Salgadeiras, que recentemente saíu do Bairro Alto e inaugurou novas instalações em Alvalade (Av. Estados Unidos da América 53D), criou uma edição especial que junta um livro que assinala o aniversário da Galeria com quatro obras de outros tantos artistas - neste caso fotografias inéditas de Augusto Brázio, Cláudio Garrudo, Eva Diez e Inês d’Orey, que aliás são alguns dos referidos no livro “Untitled”. A caixa, “Untitled Box #1” é uma edição limitada de 25 exemplares numerados, com as impressões fotográficas em papel Cotton Fineart, que está à venda na Galeria por 480 euros. Esta edição especial prossegue a estratégia de publicações das Salgadeiras que já tem seis títulos. No livro aparecem ainda outros artistas como Carlos Alexandre Rodrigues, Daniela Krtsch, Marta Ubach, Martinho Costa, Rita Gaspar Vieira, Rui Horta Pereira, Rui Soares Costa. A Galeria das Salgadeiras planeia prosseguir estas edições especiais e a "Untitled Box #2" será com outros artistas e outras técnicas. Outros destaques - no Arquivo Municipal/Fotográfico (Rua da Palma 256) a até 2 de Março do próximo ano pode ver a exposição “O Cerco de Lisboa” que inclui trabalhos de sete fotógrafos: Augusto Brázio, Lara Jacinto, Pedro Letria, Valter Vinagre, Paulo Catrica, Mad Rodrigues e São Trindade. Ainda na fotografia Alfredo Cunha e Rui Ochoa mostram em “América, América” a forma como olham para os Estados Unidos, na MAD Gallery(Rua Amorim nº3).
SIMPLICIDADE ACÚSTICA - Treze faixas, três quartos de hora, guitarra, voz e pouco mais, aqui e ali um piano ou uma harmónica. Quase a completar oito décadas de vida, Neil Young aparece sóbrio, discreto e tímido. Aqui estão canções feitas ao longo de toda a sua carreira, tudo gravações ao vivo durante quatro concertos de uma recente digressão, sem palmas nem barulhos do público. Apenas a simplicidade de um músico com as suas músicas, sempre em versões acústicas. “Before + After” é o testemunho de um tempo, com alguma carga de melancolia, canções que parecem pedaços da mesma história que se completam. “I’m The Ocean” é a primeira canção, originalmente gravada em 1995 com os Pearl Jam para “Mirror Ball”. Aqui, sem as guitarras eléctricas, pode ser redescoberta e apreciada de outra forma. Outro dos temas do disco é “If You Got Love”, gravado nas sessões do álbum predominantemente eletrónico “Trans”, de 1982, e que acabou por não ser incluída na versão editada, aqui usa órgão e harmónica. “A Dream That Can Last” baseia-se num piano discreto e “Burned” é uma canção que data de 1966, dos tempos dos Buffalo Springfield, tinha Neil Young uns 20 anos. E há outros temas como “Mother Earth”, “Mr. Soul”, “There Comes a Time” ou o final “Don´t Forget Love” que mostram clássicos incontornáveis, quase um testamento musical, a voz menos enérgica mas talvez mais envolvente. Uma bela prenda de Natal, edição Reprise, disponível em streaming na Apple Music.
UM CLÁSSICO DE NATAL - “Um Cântico de Natal” é uma das mais conhecidas obras de Charles Dickens, editado originalmente em 1843. Rapidamente este romance, considerado um dos 100 melhores romances de sempre, tornou-se num clássico da quadra natalícia. Dickens tornou-se conhecido com “The Pickwick Papers”, de 1836 e foi também o autor de obras como “Oliver Twist” e “Tales Of Two Cities”. Mas foi com “A Christmas Carol” que ganhou fama universal. Neste romance , “Um Cântico de Natal”, na versão portuguesa, acompanhamos Ebenezer Scrooge, um frio e avarento velho homem de negócios que, na véspera de Natal, é visitado pelo espírito do antigo sócio, Jacob Marley. Tendo vivido como Scrooge, Marley está preso a uma eternidade de sofrimento e revela a Scrooge que a única forma de evitar um destino semelhante ao seu será redimindo-se do seu comportamento, através da oportunidade de reflexão que lhe será proporcionada pela visita do Fantasma do Natal Passado, do Fantasma do Natal Presente e do Fantasma do Natal Futuro que se tornaram parte do nosso imaginário colectivo. De tal forma isso aconteceu que no dia da morte de Charles Dickens, o escritor Theodore Watts-Dunton ouviu uma rapariga que vendia fruta nas ruas de Londres exclamar: «Dickens morreu? Então, o Pai Natal também vai morrer?» Esta associação de Dickens ao Natal sobrevive até hoje e “Um Cântico de Natal” estabeleceu Dickens como um dos maiores romancistas ingleses. É um clássico: teve adaptações no cinema, na televisão, no teatro, na banda desenhada e em outros livros. Esta nova edição da Guerra & Paz tem tradução de Carolina Ferreira Mendes.
PETISCO DA ÉPOCA - Como o Natal é tempo de bacalhau devo dizer que nesta matéria há poucos sítios mais recomendáveis que A Casa do Bacalhau, ao Beato. Ali poderá encontrar uma oferta ampla de pratos de bacalhau, sendo que - importante - a matéria prima é de superior qualidade: o bacalhau da Caxamar. Mas antes disso passemos ao local: salas luminosas, amplas e confortáveis, serviço atento. O couvert inclui pão, broa, patê de bacalhau, azeite com balsâmico e azeitonas - boas - bem temperadas. Nas entradas destaco os pastéis de bacalhau, recheio rico e saboroso, ou o carpaccio de bacalhau com alcaparras, rúcula e vinagrete de azeitonas. Na lista as sugestões de bacalhau são numerosas, mas permito-me destacar o bacalhau com todos, postas altas, cozidas bem no ponto. Se lhe apetecer outros preparos sugiro o bacalhau à minhota, os filetes de bacalhau, um interessante caril de bacalhau com risotto de tinta de choco ou o bacalhau assado com grelos. Para os que gostam de coisas disfarçadas há empada de bacalhau ou bacalhau espiritual e, para os mais puristas, o incontornável bacalhau à Braz, - mas insista para vir com a envolvente de ovos mal passada. Caso algum comensal não goste de bacalhau há polvo na frigideira, tornedó e costeletas de borrego além de uma opção vegetariana. A casa tem uma bela garrafeira, lista de vinhos abundantes a preço razoável. Rua do Grilo 54, telefone 218 620 000.
DIXIT - “O Presidente respeita o pensamento do primeiro-ministro, mas não comenta” - Marcelo Rebelo de Sousa
BACK TO BASICS - “Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, eis a política que vale a pena” - Francisco Sá Carneiro
ESTÁ MONTADA A CONFUSÃO - Há pouco mais de um mês, ainda Costa não se tinha demitido, previa-se que o embate eleitoral mais próximo seria o das eleições europeias, em meados de 2024. De repente, em escassas semanas, Costa demite-se, o Orçamento dos Açores é chumbado, a Iniciativa Liberal retirou o apoio ao PSD local. Também no espaço de cerca de um mês o Presidente da República anunciou a dissolução da Assembleia da República e da Assembleia Regional dos Açores. As eleições para a Assembleia Regional dos Açores e para a Assembleia da República ocorrerão com pouco mais de um mês de intervalo, em Fevereiro e Março de 2024. Ao que tudo actualmente indica dificilmente se formarão maiorias claras, o que obrigará a coligações pós eleitorais. Nos dois casos, e com os resultados conhecidos das sondagens, o Chega ganha subitamente uma importância substancial em termos de votação, o mesmo é dizer no número de lugares obtidos em ambos os parlamentos e portanto do seu peso nas votações que ali se realizarem. A ver vamos quem resiste ao canto da sereia. O mais certo é que surjam soluções governativas fracas, dependendo de alianças forçadas e muito provavelmente instáveis. Passámos de um cenário de maioria absoluta para um cenário de nova fragmentação de votos. Pode acontecer que a instabilidade seja tal que tenha que se recorrer a curto prazo a novo acto eleitoral. Em 2025 já teremos, no final do ano, novas eleições autárquicas e não é impossível, se a crise se prolongar, que mais algum acto eleitoral surja. E, em Janeiro de 2026, teremos eleições presidenciais. Prevê-se portanto muita animação e muitos movimentos no tabuleiro de xadrez de políticos ambiciosos. Por falar nisto, teremos já em Fevereiro e Março o primeiro teste eleitoral simultâneo das novas lideranças do PS e PSD. E a ver vamos se os resultados vão implicar mudanças nesses partidos e como ficará o espectro político depois das legislativas.
SEMANADA - Um recente estudo europeu indica que mais de 84% dos portugueses acreditam que o seu nível de vida vai piorar em 2024; o preço das casas duplicou desde 2015; a população sem médico de família cresceu de 9,3 para 13,4% desde 2015; segundo a DECO, a ceia de Natal está 10% mais cara em relação ao ano passado; o PISA, um estudo da OCDE que avalia o estado do ensino em vários países, indica que o desempenho dos alunos portugueses caíu acentuadamente, desde 2018, nas áreas de Leitura, Matemática e Ciência e estes são os piores resultados portugueses desde 2006; a carga fiscal em Portugal voltou a subir em relação à média da OCDE; o primeiro período letivo está a chegar ao fim e mais de 32 mil estudantes têm ainda falta de professor a pelo menos uma disciplina; nas escolas públicas mais de 3500 docentes reformaram-se em 2023 e a partir de 1 janeiro saem mais 434; a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República não tem meios para avaliar o custo de devolver anos de serviço aos professores; há 15 centros de saúde no país que não têm um único médico de família atribuído e 14 localizam-se na região de Lisboa e Vale do Tejo onde há mais de 1,1 milhões de pessoas nessas circunstâncias; mais de um terço dos portugueses já têm seguro de saúde; os 15 maiores municípios portugueses vão gastar cerca de 4,5 milhões de euros em iluminações e actividades de natal; segundo o Eurobarómetro mais de 60% dos portugueses temem manipulação dos resultados nas próximas eleições legislativas de Março.
O ARCO DA VELHA - Dos 14 padres suspensos após a entrega do relatório da Comissão Independente sobre abuso de menores, oito já voltaram ao activo e em 13 dioceses apenas a duas vítimas foi disponibilizado apoio psicológico.
ARTE RECICLADA - “Agora são cadeiras, depois logo se vê” é a nova exposição de Patrícia Garrido que está patente até 6 de Janeiro na Appleton - Associação Cultural (Rua Acácio Paiva 27). O trabalho (na foto) parte de peças de mobiliário antigas, neste caso cadeiras, que a artista desmonta, corta em pedaços e que depois reutiliza para criar esculturas feitas a partir dessa madeira reciclada, em formas que subvertem a função original e desafiam um novo olhar sobre a transformação do quotidiano. Garrido tem utilizado este mesmo princípio de reaproveitamento de materiais para explorar várias linhas do seu trabalho, como “Interior”, uma peça exposta em 2022 na Giefarte, a partir de antigas traves metálicas de prateleiras industriais, criando uma teia que ocupava quase todo o espaço da galeria. Também já este ano apresentou na Galeria Miguel Nabinho “Doze Quartos e Famílias Felizes”, onde, para além de uma série de pinturas sobre papel, apresentou um conjunto de construções feitas a partir de madeiras recuperadas de obras. Ainda na Appleton está patente mais uma exposição baseada na colecção da Fundação Carmona e Costa, “Álbum de Família”. Se estiver no Porto não perca, até 30 de Dezembro, a oportunidade de ver o trabalho de um artista plástico albanês, Edi Rama, que desde 2013 é o primeiro-ministro do país, vencedor de três eleições sucessivas. Na Galeria Nuno Centeno, no Porto, pode ver a sua obra, na exposição “Welcome”, marcada por uma explosão de cores. Segundo Edi Rama, “A política, dentro da sua insanidade, consegue tornar a arte ainda melhor”.
65 GRANDES CANÇÕES -Sérgio Godinho é um cronista das nossas vidas e para assinalar os 50 anos de actividade surgiu agora uma nova compilação, “SérgioX3”, que reúne diversos passos da sua carreira em 3CD’s e que mostra 65 das suas canções. O primeiro, disco“Estúdio”, junta temas que se destacaram nos seus 18 álbuns de originais gravados em estúdio; o segundo, “Ao vivo”, é centrado na sua actividade em palco, inclui momentos captados a partir de 1990 e até aos nossos dias; e o terceiro, intitulado “Avulsos (e outras colaborações)”, reúne gravações dispersas e colaborações que o músico foi concretizando ao longo da sua actividade. No primeiro disco estão temas como ”Liberdade”, “À Queima Roupa”, “O Primeiro Dia”, “Com Um Brilhozinho Nos Olhos” ou”Às vezes o Amor”. No disco que reúne gravações ao vivo encontramos alguns dos seus melhores momentos em palco em diversos locais e com várias formações - incluindo um registo inédito de “O Galo É Dono dos Ovos” numa versão em palco apenas acompanhado pelo piano de Filipe Raposo. Há temas retirados de discos gravados no Instituto Franco-Português, em 1990, ou os captados no Teatro São Luiz, em 2014 e 2018, quer com acompanhamento ao piano e ao baixo, quer com arranjos mais elaborados que envolvem os Assessores, a sua banda há cerca de duas décadas, na companhia da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Em “Avulsos (e outras colaborações)”, o terceiro disco desta compilação, surgem velhas canções populares quase esquecidas que Sérgio Godinho recuperou, colaborações com pares de distintas gerações, do seus contemporâneos (José Mário Branco, José Afonso, Jorge Palma ou Fausto) até às gerações que lhes sucederam (entre outros, Clã, David Fonseca, Samuel Úria, Bernardo Sassetti ou Filipe Raposo). E há ainda uma surpresa, que aliás é o tema de abertura do terceiro disco, uma versão remasterizada de “Nós por cá todos bem”, a canção do filme com o mesmo título assinado por Fernando Lopes, datada de 1977 e recuperada para esta edição. Disponível em streaming.
UM OUTRO OLHAR - Conheci Rita Barros pelas fotografias de reportagem nos Estados Unidos, e em particular em Nova Iorque, que assinava no “Expresso”. Mais tarde fui descobrindo outros trabalhos seus para revistas e publicações norte-americanas, algumas exposições e livros. Rita Barros vive em Nova Iorque desde 1980. E é sobre a sua obra que surge agora o 12º volume da colecção Ph. No livro podemos encontrar algumas das suas séries de fotografia como “The last cigarette” de 2004 ou “Presence of Absence” de 2005/06 mas também outras inéditas, como “Flowers” de 2023, criada especificamente para ser publicada neste livro. “Interessou-se por olhar para o interior dos apartamentos e fotografar a sismografia das vivências individuais dos seus amigos e vizinhos, residentes e ocasionais” do Chelsea Hotel, onde Rita vive, descreve Susana Lourenço Marques no texto introdutório desta edição, que percorre a obra de Rita Barros, desde os anos 80 até à atualidade. O Chelsea Hotel, o seu espaço e os seus habitantes foi aliás o tema de um dos seus livros anteriores. Rita Barros estudou e lecciona fotografia em Nova Iorque e a sua primeira exposição individual ocorreu em 1987, tendo exposto regularmente a partir daí, e a sua obra está presente em diversas colecções institucionais e particulares. Neste Ph.12 é mostrada uma faceta menos conhecida do seu trabalho, muito em torno da autorrepresentação, da teatralização da sua própria vida e da revelação da intimidade do seu espaço. Desde o início do presente século tem sido esta a sua área de trabalho e é ela que marca decididamente esta edição.
OS ENGANOS - Num destes dias li um curioso artigo no jornal britânico “The Guardian”, de um dos críticos gastronómicos da publicação, onde relatava a sua frustração com a maioria dos novos restaurantes e como, cada vez mais, vai à procura de um bom pub clássico que sirva comida tradicional. Ao longo dos últimos dois anos passa-se o mesmo comigo e são muito poucas as vezes em que dei por bem empregue o dinheiro e o tempo de ir experimentar novos restaurantes. Na maior parte das vezes o conceito ultrapassa a atenção ao cliente, no serviço, nos produtos e na confecção. Tenho pois a tendência de ir frequentando os locais em que tenho confiança, onde nunca me enganaram, onde sei que sou bem recebido e bem servido. Abro algumas excepções quando críticos gastronómicos locais em quem confio, como Ricardo Dias Felner e Fortunato da Câmara, aconselham experiências que lhes agradaram. Por via de regra evito os convites e press releases de agências de comunicação que promovem o lançamento de novos espaços e não me tenho dado mal com esta grelha de funcionamento. Mais vale uma boa refeição num local tradicional do que uma desilusão num restaurante da moda. Há uns anos um amigo meu resumia a situação assim: a nova vaga de restaurantes não trabalha para ter clientes regulares, trabalha para atrair turistas e incautos, não se preocupam em saber se o cliente se sente bem e vai querer voltar.
DIXIT - “Liberalismo sem poder é diletantismo” - Miguel Pinheiro
BACK TO BASICS - “Não é de admirar que as pessoas se afastem da política quando ano após ano ouvem os políticos fazer promessas que nem sequer tencionam cumprir” - Bill Clinton
O PAÍS QUE VOTA - Desde 1975 realizaram-se em Portugal 66 eleições e a participação eleitoral tem sempre diminuído. Até 1987 todos os actos eleitorais tiveram mais de 60% de participação e desde 2008 nenhuma das eleições realizadas alcançou os 60% de votantes. Nas últimas legislativas, em 2022, a abstenção atingiu os 42 por cento entre os residentes em Portugal. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) indica que actualmente temos mais eleitores registados do que residentes, sublinhando que em 2021 havia cerca de um milhão de eleitores a mais face aos residentes em Portugal com direito de voto, o que, sublinham os autores do estudo, deturpa a análise das abstenções. Passo a citar: “os investigadores analisaram os resultados eleitorais e concluíram que esta abstenção cairia sete pontos percentuais se os portugueses que residem no estrangeiro - mas mantêm a sua morada no país, estando assim registados para votar em Portugal - fossem inseridos nos cadernos dos círculos eleitorais no estrangeiro. Os autores defendem que a emigração é a principal causa da abstenção técnica no país. Ou seja, é responsável por aquela parte da taxa oficial de abstenção que não resulta da opção de não votar, mas sim da existência de um número de eleitores registados superior ao dos eleitores reais”. Pegando ainda em dados da FFMS, os pensionistas representam actualmente cerca de 36% do eleitorado,cerca de 10% são funcionários públicos e quase 6% recebem rendimento mínimo ou subsídio de desemprego. Ou seja, traduzido por miúdos, 52% do eleitorado está dependente financeiramente do Estado e quase 24% têm mais de 65 anos. Todos os dirigentes partidários sabem que numa situação de abstenção alta, este eleitorado, tão dependente do Estado, estará mais inclinado para colocar a cruz do seu boletim de voto em quem fizer mais promessas de aumento de rendimentos. E não é preciso ser um analista político credenciado para perceber como estes dados condicionam as estratégias dos partidos e o resultado das eleições.
SEMANADA - Nos primeiros onze meses deste ano o Estado gastou mais de 41 milhões de euros em pareceres e serviços de sociedades de advogados, a maioria por ajuste directo; nesta semana 39 serviços de urgência hospitalar têm limitações consideráveis; nos últimos trinta anos o uso de carro triplicou no país; a investigação do processo “Influencer” tem 116 dossiês com escutas telefónicas; a economia portuguesa sofreu uma contração de 0,2% no terceiro trimestre com quedas na exportações de serviços, incluindo o turismo; desde o fim do SEF, a nova Agência Para a Integração, Migrações e Asilo recebeu 93 de pedidos de asilo no aeroporto de Lisboa, mais 60% do que a média mensal do ano passado em todos os postos de fronteira do país; está a subir o número de idosos, sem abrigo e imigrantes internados em unidades hospitalares por não terem para onde ir; até outubro as multas de trânsito já renderam 79,5 milhões de euros, um aumento de 30% face ao mesmo período do ano passado; O número de insolvências decretadas pelos tribunais portugueses está a aumentar, em particular entre as empresas e é nos distritos de Braga e do Porto que o impacto se sente mais com indústrias, sobretudo no textil e calçado a registar uma subida de 40% ; em 2022 foram registados 219 mil acidentes domésticos, sobretudo com crianças e idosos.
O ARCO DA VELHA - A realidade da situação económica: em apenas um ano a população sem abrigo aumentou 25% na região metropolitana de Lisboa.
OUTRA FORMA DE PINTAR - João Queiroz deu à sua nova exposição o nome de “Gepetto- Encáusticas sobre madeira”, evocando o carpinteiro que criou um pequeno boneco de madeira a que chamou Pinóquio. Não é por acaso - a exposição mostra 39 obras de pequena dimensão, todas de 21x31 cms, feitas sobre madeira e com a mesma técnica - a encáustica (na imagem). João Queiroz diz sobre estas obras: “Podemos chamar isto de brinquedos visuais”. A encáustica é uma técnica de pintura que se caracteriza pelo uso da cera como aglutinante dos pigmentos e pela mistura densa e cremosa. Depois a pintura é aplicada com pincel ou espátula quente, é uma técnica usada desde o Egipto antigo e Pompeia, frequente na Idade Média e muito utilizada para elaborar os ícones. Foi esta a técnica que João Queiroz utilizou. O artista sublinha que “a maneira de pintar o quadro é bastante diferente da pintura sobre tela, tem que ser uma construção passo a passo, é quase como fazer um brinquedo, pode raspar-se, pode fazer-se incisões, pode colocar-se pinceladas uma por cima da outra, é um processo que fica entre a carpintaria, a gravura e a pintura”. São também de João Queiroz estas palavras sobre a sua exposição: “ não é um quadro grande, é pequeno, é outro tipo de quadro. O pequeno tem tanta intensidade como um grande, tem é que ser visto de uma forma diferente “. Gepetto- Encáusticas sobre madeira” está na Galeria Miguel Nabinho, Rua Tenente Ferreira Durão, 18B.
CANÇÕES PARA A LUA CHEIA - Desde o início do ano Peter Gabriel tem colocado mensalmente nas plataformas de streaming uma canção inédita. Com a que publicou no início deste mês ficam 12 canções, que constituem “I/O”, o seu primeiro álbum de originais desde há 21 anos. “The Guardian” diz que são doze canções que “enfrentam o tempo e a mortalidade, ao mesmo tempo que celebram a regeneração e a reconciliação”. O tema de “I/O” é a visão que Gabriel tem de um futuro onde a informação é ilimitada, procurando conciliar a tecnologia que avança do presente para o futuro, enaltecendo aquilo que só o ser humano pode dar: amor, pertença e compaixão. Gabriel, agora com 73 anos, continua a ser um perfeccionista, o que se sente na composição, nas letras, nos arranjos. Mais uma vez o título do álbum só tem duas letras como aconteceu com “So” (1986), “Us” (1992) e “Up” “2002). “I/O” é a abreviatura de “Input/Output”. Na canção que dá o título ao álbum ele canta ““Stuff coming out, stuff going in/I’m just a part of everything.” Ao longo destes meses, quando publicou uma nova canção, sempre na noite de lua cheia, em honra do ciclo da natureza, Peter Gabriel fez acompanhar cada canção com uma obra de um artista contemporâneo. Para este disco Peter Gabriel voltou a contar com colaborações como a de Brian Eno, com gravações experimentais feitas ao longo dos anos e com registos de coros sul-africanos. A versão final do álbum oferece duas versões para cada canção - o “Bright Side” , com misturas de Mark Spike Stent, e o “Dark-Side”, com misturas de Tchad Blake. As primeiras são mais efusivas e as segundas mais intimistas. Quem utilizar o sistema de som Dolby Atmos também terá acesso a uma terceira versão, “In-Side”, com misturas de Hans Martin Buff. E este é o desafio que Gabriel deixa a quem ouvir o álbum - que seja cada um a decidir se quer o bright side ou o dark side. Mark Spike Stent resume a coisa assim: “não há o certo e o errado - há apenas uma escolha que cada um pode fazer”. Disponível nas plataformas de streaming.
OS POEMAS DE POMAR - “Prima Construção” é uma recolha de poemas inéditos de Júlio Pomar. Ele já tinha editado dois livros de poemas e nos últimos anos da sua vida dedicou-se à realização de um terceiro, que nunca recebeu versão definitiva. Deixou um espólio abundante de várias centenas de poemas, alguns concebidos como letras de fados (e vários já foram musicados), “muitos aparentemente inacabados, ou constando de variações sobre o mesmo tema, sem indicação de preferência entre variantes», dizem os organizadores do volume, José Alberto Oliveira e José António Oliveira. O preâmbulo, escrito por António Lobo Antunes, começa assim: “O Júlio Pomar disse-me sempre, em alturas difíceis da minha vida: Aguenta-te, que de facto é a única coisa que se pode dizer”. Logo a seguir vêm palavras de Pomar, em jeito de resposta a António Lobo Antunes que, diz Pomar, lhe perguntava por este livro de poemas . Pomar, em resposta, cita João Cabral de Melo Neto, em “A lição de pintura”. Disse ele: “quadro nenhum está acabado”. “Prima Contradição” é apresentado como “sentenças e dislates, divertimento em forma de poesia, arbitrariamente dividido numa dúzia (de treze) cantos”, cada um com treze poemas. Termino com uma estrofe de um dos poemas de “Prima Contradição”: ”Entre paixão e traição/Qualquer um no dia-a-dia/ Não tem que pedir perdão/Vale tudo em poesia”. Edição Assírio & Alvim. E deixo aqui uma ideia- peguem no livro e visitem o Atelier-Museu Júlio Pomar a exposição que evoca dez anos do museu e que mostra até 14 de Janeiro uma selecção dos trabalhos do artista em diversas épocas e sobre vários temas.
DOCE DE ÉPOCA - Chegou a altura das broas, o mesmo é dizer que cheira a Natal. As broas castelar são um dos doces mais característicos desta época do ano, mas cá por mim até podiam existir todos os meses. A broa castelar deve o seu nome aos proprietários da Confeitaria Francesa, os irmãos Castelar. Casa fundada em 1860, na Rua do Ouro, as suas broas depressa se tornaram um vício desde que surgiram naquele estabelecimento no final do século XIX. Os ingredientes da receita original incluem farinha de milho, farinha de trigo, batata doce, açúcar, ovos, amêndoas, canela, casca de limão e casca de laranja. Têm formato elíptico e alongado com uma cor dourada na cobertura. Há quem não as dispense a acompanhar o peru no dia de Natal, e há quem não as dispense no final da refeição, ao lado de um café. Faço parte destes últimos. E embora a concorrência seja feroz, com muitas pastelarias a terem broas castelar de fabrico próprio nos seus escaparates, para mim as que actualmente levam o primeiro prémio ex-aequo são as da Alcoa e as da Gleba. As da Alcoa são mais volumosas e densas, sem serem demasiado doces, com sabor a canela bem presente. As da Gleba, mais pequenas e afiladas, têm um sabor mais frutado e porventura são as que se aproximam mais da receita original. Na dúvida, se puderem, experimentem ambas.
DIXIT - “Desde 2015, o poder socialista aproveitou a folga criada por Passos Coelho para cultivar a dependência do Estado, enquanto partidarizava as instituições, mantinha a mais alta carga fiscal de sempre, e submetia a economia ao regime de favores e de compadrio exposto na Operação Influencer. Fez mais: introduziu a extrema-esquerda no poder, importou o wokismo americano, inventou divisões e promoveu a polarização. “ - Rui Ramos
BACK TO BASICS - “A Nossa História é um estendal de ocasiões perdidas” - Eduardo Lourenço
O CIRCO APODRECIDO - As eleições são um bom momento para avaliar aquilo que os partidos fazem - seja no Governo, seja na oposição. O que fizeram, o que não fizeram, o que propuseram, o que não propuseram. Estamos num compasso de espera para o início da campanha eleitoral, dominado pelas eleições internas do PS, que servirão para indicar quem será, pelo lado dos socialistas e da esquerda, o candidato a Primeiro Ministro. Uma das coisas que me deixa perplexo nos dois candidatos principais e nos seus apoiantes é a forma como falam, parecendo que não estiveram no poder ao longo de oito anos. Ambos agem como se não tivessem tido poder, como se não tivessem sido governantes, como se não tivessem tido oportunidade para concretizar mudanças. Em abono da verdade se diga que de um lado está o homem que foi o guardião da geringonça, do outro o que respirou a maioria absoluta. Um, Pedro Nuno dos Santos, tem do seu lado os descamisados do PS, o outro, José Luís Carneiro, tem a acompanhá-lo os guardiões do templo. Pedro Nuno dos Santos aparentemente é o favorito, apesar do que fez na TAP e no processo do aeroporto de Lisboa e do que não fez na ferrovia e na habitação, áreas que eram da sua tutela. Na realidade há dois PS, o que quis a geringonça por necessidade para conquistar o poder e o que quis a geringonça por convicção ideológica. José Luís Carneiro representa os necessitados, Pedro Nuno dos Santos representa os convictos. Bem pode Pedro Nuno dos Santos camuflar-se de moderado, com Álvaro Beleza e Francisco Assis a servirem de alfaiates do uniforme de combate, mas a verdade é que ele só está a fazer o papel de fera amestrada num circo apodrecido. Nestes dias recomendo a leitura de dois livros - “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, e “Como Mentem As Sondagens”, de Luís Paixão Martins.
SEMANADA - Dois ex-autarcas socialistas, das câmaras de Barcelos e Santo Tirso, foram acusados de corrupção, tráfico de influências, peculato e participação económica em negócio; a PSP tem guardadas desde 2017 cerca de duas centenas e meia de bodycams oferecidas num contrato de ajuste directo com o Ministério da Administração Interna para a compra de três centenas de tasers, uma arma de eletrochoque usada para incapacitar temporariamente os alvos; segundo a Netsonda 19% dos portugueses admitem poder consumir carne produzida em laboratório; os vencimentos reais das empresas privadas cresceram 15% desde 2014, enquanto que no Estado aumentaram apenas 4% mas as remunerações médias no sector público continuam superiores às do privado; a renda média dos contratos de arrendamento antigos é de 166,54 euros e 80% desses arrendatários tem mais de 70 anos; quem sofrer um AVC na região de Beja terá de percorrer quase 200 quilómetros de ambulância para poder ser assistido no hospital de Almada, o mais próximo com condições para tratar essa situação; pediatria e obstetrícia são as valências mais afectadas pelas limitações em 36 urgências do SNS; há mais de 400 vagas por preencher no concurso para médicos especialistas e houve pouco interesse em áreas cruciais para o SNS como medicina interna e medicina geral e familiar; segundo dados da Deco Proteste, o preço do cabaz essencial (com 63 produtos) aumentou 9,6% desde setembro, muito acima da inflação; segundo o INE o número de pessoas em risco de pobreza aumentou este ano para os 20%, o que significa mais de 2 milhões de pessoas em todos os grupos etários e afectou mais significativamente as mulheres e a região de Lisboa; nas autoestradas portuguesas registou-se um aumento de circulação automóvel de mais de 10% nos primeiros nove meses do ano.
O ARCO DA VELHA -A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na gestão de Edmundo Martinho, nomeado por António Costa, gastou 8,4 milhões na preparação de apostas sobre corridas de cavalo que nunca foram concretizadas e continua a gastar milhares de euros para pagar a armazenagem de material para essas apostas, que nunca foi utilizado e provavelmente não o será tão cedo.
DESEJOS PINTADOS - Até 6 de Janeiro Fernão Cruz mostra as suas obras mais recentes na exposição “Insone”, que está na Cristina Guerra Contemporary Art (Rua de Santo António à Estrela, 33, Lisboa). Aos 28 anos, Fernão Cruz “explora imaginativamente as suas próprias experiências de vida para comentar a condição Humana” - sublinha Paul Laster no texto de apresentação da exposição. Laster sublinha que nos cinco últimos anos Fernão Cruz “criou um corpo de trabalho complexo” em “pinturas poéticas, esculturas e instalações que exploram questões pessoais, traumas e desejos”. Depois de duas primeiras exposições, na Balcony e na Gulbenkian, esta nova mostra, “Insone”, apresenta vinte e uma pinturas abstratas e uma escultura figurativa que representa o corpo do artista e está colocada entre as telas que produziu (na imagem). Outro destaque vai para “Stringing the disconnection”, a exposição de Rui Soares Costa escolhida para inaugurar o novo espaço da galeria Salgadeiras, que passou do Bairro Alto para Alvalade, na Avenida Estados Unidos da América 53B. Finalmente, na Galeria de Santa Maria Maior, continua a desenvolver-se um trabalho exemplar de aposta na fotografia por uma Junta de Freguesia de Lisboa. Ali está presente a nova apresentação de “Edição Limitada”, uma parceria com a Associação C11, que inclui 67 imagens de outros tantos fotógrafos,explorando a fotografia documental e que pode ser vista até 6 de Janeiro.
VOZ E PIANO - Foi por acaso que descobri “Rainbow Revisited”, o novo disco de uma pianista e vocalista sul-africana, Thandi Ntuli, com Carlos Niño, um músico multi-instrumentista de Los Angeles, que aqui deixa marca na percussão e na produção. Thandi Ntuli gravou o seu primeiro disco em 2014 e depois regressou com um segundo disco em 2018 e um terceiro em 2022, tornando-se uma das mais interessantes protagonistas do jazz sul-africano. O seu novo disco é centrado no piano e na voz, com alguns apontamentos de percussão. É particularmente interessante ver como Ntuli toca o piano e usa a voz para o complementar de forma discreta ao longo dos dez temas que desenham este álbum. A forma como usa o piano faz por vezes lembrar um outro músico de jazz sul-africano, também pianista, Abdullah Ibrahim. O trabalho de Carlos Niño tem uma dimensão especial em “Voice and Tongo Experiment” enquanto o melhor exemplo da capacidade de improvisação de Ntuli é nas duas parte do tema “The One”, porventura o ponto alto do disco, com súbitas variações de ritmo do piano, uma voz que percorre sonoridades mas não usa palavras e sublinha a intensidade da música. Ntuli gravou este “Rainbow Revisited” numa única tarde, com a colaboração de Carlos Niño, numa gravação ao vivo em estúdio. Disponível nas plataformas de streaming.
A LENDA DE MAO - Ao longo deste século a China foi assumindo uma posição cada vez mais proeminente na economia mundial e no jogo de força entre as maiores nações, estendendo a sua influência política por todo o planeta. “Mao - A História desconhecida” é uma extensa obra que nos permite seguir as décadas em que Mao Tsé-Tung conquistou e ocupou o poder e estabeleceu a China como superpotência. Nascido em 1893, Mao teve ao longo dos seus 82 anos de vida e sobretudo a partir do final da década de 20 do século passado, um papel determinante na organização da República Popular da China. Este livro, editado originalmente em língua inglesa em 2005 teve a sua primeira edição em Portugal em 2013 e tem agora a sua segunda edição. O livro, com mais de 600 páginas, foi escrito por Jung Chang, autora de “Cisnes Selvagens” e por Jon Halliday, um historiador britânico que lecciona no King’s College. Jung Chang nasceu na China, na província de Sichuan, em 1952. Na sua juventude pertenceu ao Exército Vermelho, foi camponesa, depois operária, até se tornar estudante de inglês e, mais tarde, assistente na Universidade de Sichuan. A partir de 1978 passou a viver em Inglaterra e foi a primeira pessoa chinesa a doutorar-se numa universidade britânica. Esta biografia de Mao resulta de mais de uma década de pesquisa e de numerosas entrevistas com muitos que privaram com Mao na China e que com ele tiveram contactos relevantes no estrangeiro. Este é um impressionante documento, tanto no conteúdo e na pertinência das revelações, como na abordagem e numa visão totalmente nova do papel de Mao na história do seu país. Considerado um livro maldito e totalmente banido na China, “Mao - A História Desconhecida” põe em causa vários mitos como o da Longa Marcha, por exemplo, mostrando a forma como Mao Tsé-tung ascendeu ao poder e liderou a China num regime de coação, intriga e chantagem, ao mesmo tempo que revisita a história do comunismo. O livro explora a personalidade de Mao na sua atuação pública e política e revela as histórias desconhecidas (e por vezes verdadeiramente cruéis) da sua vida privada e íntima – com os filhos, as mulheres e as amantes. Edição Quetzal, tradução de Inês Castro.
FRUTA DOS DEUSES - Esta é a época do ano em que me delicio com uma das minhas sobremesas favoritas: dióspiros bem maduros, com a polpa abundantemente polvilhada de canela e comida à colher. O nome dióspiro vem do grego dyospiros, que apropriadamente significa alimento de Zeus, o pai dos deuses que exercia autoridade sobre o Olimpo. O dióspiro é uma fruta de outono, rica em vitamina A e minerais, com propriedades anti-oxidantes. A variedade mais dura do dióspiro pode ser assada e temperado com canela, mas a forma como o prefiro é em salada. Há quem aproveite o sabor adstringente do dióspiro para o usar em vez de tomate numa salada caprese, com mozzarella fatiada, polvilhada de pimenta e sal. Também gosto dele, cortado em fatias finas, numa salada de salmão fumado, misturado com rúcula e alcaparras e, eventualmente temperada com iogurte, tudo salpicado com bagos de romãs, outra fruta do outono. Seja como for o dióspiro é um dos frutos mais versáteis, que tanto pode ser aproveitado em doces e compotas como em saladas ou simplesmente comido sozinho como sobremesa. E já que estamos no Outono, por falar em romãs,uns bagos nas saladas podem fazer milagres e fazer explodir as papilas gustativas misturados no iogurte matinal.
DIXIT - “Em 20 anos Santos Silva não mexeu uma palha para melhorar o sistema de justiça, mas nunca parou de ver conspirações do Ministério Público contra o PS” - João Miguel Tavares.
BACK TO BASICS - “Uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir - Winston Churchill
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