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O RADICAL DE FALINHAS MANSAS - Durante oito anos o PS esteve no poder, sozinho e coligado. Conseguiu contas certas com truques contabilísticos que se vão descobrindo e com um custo social enorme, instituindo uma austeridade mal disfarçada que degradou serviços públicos e atingiu os profissionais da saúde, da educação, da justiça e da segurança, entre outros. Paralisou-lhes as vidas e as carreiras, agravou assimetrias e criou o caos em várias áreas. Afastou gente das profissões para que tinha estudado, fomentou a ida de muitos recém formados para o estrangeiro. O governo que agora lhe sucedeu começou a negociar com sectores profissionais e foi conseguindo traçar um caminho para a recuperação das situações mais complicadas. É neste quadro que o novo líder do PS, Pedro Nuno Santos, tem a supina lata de dizer que o governo de Luís Montenegro apenas está a fazer aquilo que o PS queria fazer - mas na realidade não fez. Diz que as medidas agora tomadas eram suas e, como um invejoso, clama que não há direito que outros as tomem. Não analisa as políticas, protesta apenas contra serem tomadas sem ser por ele. Pior, com falinhas mansas bloqueia a sua execução, dificulta a sua implementação e chama para o ajudar nessa tarefa o PCP e o Bloco de Esquerda, como se vê, nomeadamente, em relação aos professores. No parlamento fomenta uma aliança tácita com o Chega com o único objectivo de dificultar a acção do Governo. Tal como António Costa nos últimos anos, Pedro Nuno Santos utiliza o Chega como ferramenta de combate ao PSD, extrema as posições, querendo eliminar o centro político e fazer crescer blocos nos extremos. E, no entanto, soube-se por uma sondagem divulgada esta semana, os eleitores socialistas são os mais entusiastas de um Governo apoiado no parlamento por PSD, CDS e PS. Pedro Nuno Santos não está interessado em melhorar a vida das pessoas, apenas em prosseguir a radicalização da sociedade portuguesa.
SEMANADA - As indústrias tradicionais, que representam 60% das exportações portuguesas, perderam 873 milhões de euros de facturação nas vendas ao estrangeiro realizadas nos últimos 12 meses; o preço do azeite aumentou 49% em relação a 2023; o número de alunos no ensino superior é 7 vezes maior que há 50 anos; a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens recebe 140 comunicações de menores em situação de risco; a maioria dos condenados por abuso sexual de crianças, nos últimos cinco anos, não foi alvo de pena acessória de proibição de lidar com menores de 18 anos; das 26 mil vítimas de violência doméstica que foram apoiadas no ano passado, 46% continuaram a viver com o agressor seja por falta de capacidade económica, falta de vagas em casas de abrigo ou dependência afectiva dos agressores; menos de 10% das câmaras municipais tem plano para a integração de migrantes; os preços dos imóveis comnerciais estão a subir há dez anos e em 2023 esse aumento foi de 5,5%, a maior subida desde 2009; nos últimos dez anos, cerca de 840 milhões de euros de água já tratada e não faturada foram desperdiçados devido a fugas na rede de distribuição revela a revista da Deco Proteste; segundo a mesma publicação existem 87 municípios, dos 278 municípios do continente, com aumentos nas perdas reais de água; segundo a Sociedade Ponto Verde desde 1996 os portugueses já colocaram em ecopontos mais de 10 milhões de toneladas para reciclagem.
ARCO DA VELHA - A linha ferroviária da Beira Alta está encerrada desde Abril de 2022, o prazo inicial das obras, que era de 9 meses, já foi em muito ultrapassado e não há indicação de quando voltará a funcionar.
RETRATOS AMERICANOS - Andres Serrano, um artista norte-americano que nasceu em 1950 e iniciou a sua carreira nos anos 80, estudou pintura e escultura e só depois se dedicou à fotografia, combinando a tradição clássica com a cultura pop. Em 2006 a então colecção de fotografia do BES (hoje colecção de fotografia novobanco), adquiriu a série “Des Américains II 2002-2004” , que integra 52 imagens. Estas imagens, baseada na técnica clássica da fotografia de estúdio, reinterpretada na edição digital e usando saturação de côr, apresenta retratos de pessoas das mais diversas origens e profissões, de bombeiros a actores, de anónimos a figuras como B.B. King. O autor apresenta este trabalho como uma reflexão feita após o 11 de Setembro de 2001, sobre as contradições da sociedade americana. Esta série de fotografias tinhas sido mostrada em duas ocasiões, uma em 2008 no Museu Coleção Berardo e outra na inauguração do campus da Nova SBE, em 2018. Nesse mesmo ano a colecção de fotografia novobanco, foi premiada no Parlamento Europeu com o galardão: “For Outstanding Photography Collection - XXI Century Living Artists, Corporate Art Awards, que identifica, reconhece e promove a excelência e as melhores práticas na colaboração entre o mundo corporativo e a arte internacional , através de colecções corporativas. Agora o trabalho de Andres Serrano pode ser visitado até final de Outubro nas instalações da colecção de fotografia do novobanco na Praça Marquês de Pombal 34 de 2ª a 6f das 9h às 18h.
ROTEIRO - Depois da agitada semana que a ARCO trouxe a Lisboa vale a pena retomar com calma o percurso das galerias privadas. Na Galeria Diferença Pauliana Valente Pimentel apresenta até 24 de Junho uma nova série de 18 fotografias sob o título New Age Kids (na imagem). Desde 2010 Pauliana Valente Pimentel tem concentrado o seu trabalho sobre situações culturais e políticas que afectam a juventude, documentando o quotidiano de jovens que integram grupos marginalizados. Na série New Age Kids a autora debruça-se sobre questões de género e foca-se em jovens lisboetas que não se identificam com um género normativo. Na Fundação Carmona e Costa (Rua Soeiro Pereira Gomes Lote 1- 6º, de quarta-feira a sábado, 15h – 20h ) Irene Buarque, uma artista brasileira que trabalha e vive em Portugal desde 1973 apresenta até 14 de Setembro, Uni Verso Plural, com trabalhos de mais de 50 anos de carreira, de pintura, serigrafia, gravura, cerâmica, escultura em pedra, livros de artista, fotografia, cenografia, arte pública e instalação. Na Galeria Belo Galsterer (Rua Castilho 71 r/c) pode ser vista até 27 de Julho uma dupla exposição, “Delay” de Tomaz Hipólito e “Battered Fields “ de Wolfgang Wirth. Tomaz Hipólito apresenta um trabalho de animação e desenho e Wolfgang Wirth explora através da pintura a óleo referências cartográficas. Na galeria “Arte Periférica” (lojas do CCB) Isabel Garcia apresenta até 20 de Junho “Save Our Ship”, um trabalho de pintura que é uma reflexão não panfletária sobre a situação do planeta. Na Galeria das Tapeçarias de Portalegre (Rua Academia das Ciências 2) pode ser vista a exposição “Diálogos”, que apresenta cerâmicas de Beatriz Horta Correia em simultâneo com tapeçarias de Cruzeiro Seixas, Cargaleiro, Menez e Vieira da Silva .
A NOVA ORDEM - Paulo Nogueira, jornalista brasileiro que colaborou regularmente com o extinto «Independente», e outros jornais portugueses, como o «Expresso», o «Público», ou o «Correio da Manhã», fala-nos de um ocidente em crise no seu novo ensaio, “O Cancelamento do Ocidente” , que tem um longo subtítulo «A sociedade que criou a democracia e o Estado de Direito está a autodestruir-se. Como? Porquê?» Segundo o autor, «a sociedade que criou avanços universais como a democracia debate-se não só com oposições externas, como os autoritarismos e os fundamentalismos orientais, mas com o fogo amigo entrincheirado nas suas próprias elites, que – ricas e mal-agradecidas – odeiam, envergonham-se e rejeitam todo o passado ocidental, cuspindo no prato em que comem caviar.» Paulo Nogueira critica a forma como o movimento woke tem vindo a assaltar a universidade, fala-nos de uma identidade ocidental que definha, e que considera corrompida por uma erosão patológica na sua auto-estima. Sublinha Paulo Nogueira que, «em dez anos, fomos subjugados por uma estrambólica retórica: «teoria crítica da raça», «ideologia de género», «teoria queer», «pós-colonialismo», «masculinidade tóxica», «racismo estrutural», «fragilidade branca», etc.» e que hoje o Ocidente surge para os novos totalitários como é o inimigo público número um. Contudo lembra os recursos inestimáveis da civilização ocidental: «do humor à democracia, da arte à meritocracia, da tolerância à ciência. Cabe aos ocidentais escolherem, enquanto ainda há liberdade de expressão.» Edição Guerra e Paz .
A GUITARRA NA ORQUESTRA - Bill Frisell é um dos mais destacados guitarristas de jazz norte-americanos, com uma sólida carreira ao lado de nomes como John Zorn ou Paul Motian, além de numerosas colaborações em sessões de gravação. Muitas vezes colaborou com Michael Gibbs, que agora chamou para o seu lado no mais recente e ambicioso projecto - um álbum gravado com uma orquestra filarmónica e uma de jazz, intitulado Orchestras (Live). Gibbs fez os arranjos para os 59 músicos da Orquestra Filarmónica de Bruxelas e para os 11 da Umbria Jazz Orchestra, que acompanharam o trio de Bill Frisell: o próprio na guitarra, Thomas Morgan no baixo e Rudy Royston na Bateria. Nove temas com a filarmónica, sete com a Umbria Jazz. O resultado é brilhante e sente-se o contraste entre o som envolvente e frequentemente romântico da Filarmónica de Bruxelas e as sonoridades mais descontraídas e cruas da Umbria Jazz Orchestra. Logo no primeiro tema percebe-se o trabalho cuidadoso de Frisell a dedilhar a sua guitarra, como uma conversa sussurrada entre a sua guitarra eléctrica e a secção de cordas da filarmónica. Vale a pena ouvi o trabalho de Gibbs nas orquestrações de temas clássicos como Lush Life e Beautiful Dreamer, os seus arranjos em composições de Frisell, como Strange Meeting, Lookout for Hope, Monica Jane ou o magnífico Throughout, ou, a encerrar, uma versão arrebatadora de We Shall Overcome. Existe também uma versão em vinil, um triplo LP, com o disco adicional baseado em gravações de concertos do trio de Frisell com temas como Be That as It May, Moon River ou What The World Needs Now is Love. A edição é da Blue Note e está disponível em streaming.
DIXIT - “ Se a liberdade de expressão consiste em pronunciar as frases aceites e os conteúdos admitidos, não há liberdade. Temos eventualmente um belo coro, mas liberdade, não” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Os dois elementos mais comuns no Universo são o Hidrogénio e a estupidez” - Harlan Ellison
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
TIRANETES - Há alguns meses, no âmbito da participação da Selecção Nacional de Futebol Feminino no Mundial da modalidade, o Banco que é o patrocinador da equipa portuguesa e da respectiva Federação fez uma campanha publicitária, desenvolvida pela Dentsu Creative, com o título “É Uma Menina!”. O spot publicitário conta a história da vida de uma rapariga que se supera, quer jogar futebol ao mais alto nível e atinge o seu sonho, de integrar a Selecção. No YouTube o filme teve mais de cinco milhões de partilhas. Com uma realização claramente emotiva, desde o nascimento e a reacção da família ao ver que era uma menina, até ao seu esforço e à sua presença no estádio integrada na Selecção. Esta é sobretudo a história de como não deve haver barreiras no desporto entre géneros e que, com esforço, tudo pode ser possível. Pois este filme foi eliminado da shortlist dos prémios do Clube de Criatividade de Portugal porque parte do júri acusou a campanha de ser machista, instalando-se uma polémica sobre a igualdade de género que acabou por ditar a sua saída da shortlist final, apesar de uma decisão inicial em sentido contrário. Esta situação é o espelho daquilo que se está a passar hoje em dia, nas mais diversas áreas, quando opiniões ideológicas prevalecem sobre a liberdade de expressão. O que agora lamentavelmente se passou, num júri publicitário, nasce do clima desenvolvido por pessoas que querem impôr a sua própria opinião acima de tudo o resto. E estas pessoas conseguem criar um clima de intimidação e desconforto que inclusivamente levou elementos do júri a mudar de posição, talvez receosos de serem esmagados pelo batalhão dos novos censores. Já tínhamos visto esta política de cancelamento em universidades, no cinema, na literatura. Chegou agora à publicidade, esse terreno de criatividade e liberdade. Quem diria que os criativos albergam censores em nome dos bons costumes? É sempre em nome dos bons costumes que tudo de mau se passa no campo da censura. No passado, em nome dos bons costumes, também conhecemos censura precisamente nas áreas mais criativas, nos jornais, espectáculos e filmes, arredando jornalistas, músicos, actores, realizadores e argumentistas do trabalho com base em preconceitos ideológicos e da pureza das ideias. Há gente que deseja que a liberdade já não passe por aqui.
SEMANADA - Quase 7% dos bebés nascidos na última década foram de mães que já tinham ultrapassado os 40 anos e mais de 17% dos bebés nasceram de pais que não viviam juntos; segundo um estudo do ISCSP, 50 anos após o 25 de Abril o fraco desempenho da justiça e dos tribunais e a falta de combate eficaz à corrupção são as principais queixas dos portugueses; pela primeira vez o número de estudantes do ensino anterior que recebem bolsa de estudo ultrapassou os 80 mil; em 2023 existiam 575 mil idosos a viver sozinhos; apenas 5% das mensagens publicitárias divulgadas por influenciadores cumpre a lei; as mortes por doenças do aparelho respiratório e por tumores malignos representam quase metade dos óbitos registado em Portugal; Lisboa foi a terceira cidade do mundo com mais congressos em 2023; o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção é o mais baixo dos últimos 18 anos; um em cada quatro utentes do SNS na região de Lisboa e Vale do Tejo não tem médico de família; em Portugal, segundo o INE, 90% da população tem acesso à internet e, segundo a Marktest, há 6,3 milhões de portugueses que utilizam regularmente redes sociais, com o Facebook a liderar; em 2023 cerca de 70% dos portugueses usaram redes sociais, um valor acima da média da União Europeia; em 2022 foram dadas metade das licenças de construção de há 30 anos.
O ARCO DA VELHA - Um estudo recente indica que em Portugal cerca de 20% dos trabalhadores referem sofrer ameaças ou outras formas de abuso nos seus locais de trabalho e sintomas de ‘burnout’ ameaçam quase 80%.
A VIDA NO ATELIER - Devo começar por fazer uma declaração de interesse. Durante os últimos meses trabalhei com a equipa que acompanhou Pedro Cabrita Reis na exposição Atelier, uma viagem pelos seus 50 anos de carreira artística e que abriu na semana passada nos pavilhões da Mitra, em Marvila. Não serei a pessoa mais isenta a olhar para o resultado, mas creio que esta exposição, que é talvez a maior antologia de trabalhos de um artista contemporâneo já apresentada, pode surpreender os visitantes e dar uma visão da diversidade e qualidade da obra de Pedro Cabrita Reis. A exposição tem mais de 1500 trabalhos do artista, com várias técnicas e em diversos suportes, feitos ao longo desses 50 anos. Os primeiros datam ainda da adolescência, antes de ingressar em Belas Artes e os mais recentes foram feitos entre finais de Abril e início de Maio deste ano, no próprio local onde decorre a exposição. Podem ser vistas pinturas, desenhos, esculturas, cerâmica e fotografias que se sucedem sem ordem cronológica, replicando a ideia do trabalho em construção num atelier. Nalguns casos há imagens que mostram obras feitas propositadamente para um determinado local, por exemplo, uma barragem, ou estudos para outras, como As Três Graças, expostas no Jardim das Tulherias, no Louvre, em 2022. A exposição desenvolve-se em oito pavilhões da Mitra e num jardim contíguo onde está uma escultura metálica e pode ser vista até 28 de Julho, de quinta a domingo, entre as 14 e as 18 horas.
ROTEIRO - Esta semana todos os caminhos vão ter à Cordoaria, na zona da Junqueira, em Lisboa. Até domingo 26 ali decorrerá a sétima edição da Feira de Arte Contemporânea de Lisboa, a ARCO. Nesta edição um dos temas fortes é a reflexão sobre a criação artística contemporânea e a descoberta de novos projectos e também “As Formas do Oceano”,uma secção que trará projectos centrados nas relações entre África e a diáspora africana. Na edição deste ano participam 84 galerias, de 15 países, que mostram obras de 470 artistas. Paralelamente à realização da ARCO decorre no Torreão Nascente da Cordoaria uma exposição organizada pelas galerias municipais e que mostra as aquisições de obras de arte realizadas pela Câmara Municipal Lisboa para a sua coleção. A ARCO Lisboa está aberta ao público de sexta 24 até domingo 26, entre as 12 e as 20 horas na sexta e sábado e entre as 12 e as 19 horas no Domingo. Em grande número de galerias de Lisboa realizam-se iniciativas complementares da feira durante toda esta semana. Mas há mais coisas em Lisboa e entre elas destaco a exposição que inaugurou na Cristina Guerra Contemporary Art, “Discipline of Subjectivity” (na imagem) . O artista austríaco Erwin Wurm apresenta até 29 de Junho trabalhos recentes como esculturas em vidro Murano, alumínio, poliéster, resina acrílica, bronze polido e pintura a acrílico sobre tela. Rua de Santo António à Estrela 33.
O LIVRO MAIOR - Aqui está uma edição de “os Lusíadas” que surge no tempo certo - o novo aeroporto irá chamar-se Luís de Camões, cujo quinto centenário do nascimento tem sido ignorado pelos poderes do pensamento conveniente. A sua obra “Os Lusíadas” , que é hoje alvo dos que querem calar a realidade e travar o conhecimento, tem uma edição que celebra Luís de Camões, e que inclui também a reflexão com que Jorge de Sena intelectualizou e conceptualizou as emoções que o poema encerra. “Os Lusíadas de Luís de Camões e a Visão Herética de Jorge de Sena” é o nome desta edição. Na abertura está uma curta apresentação descritiva, que Sena escreveu para a Enciclopédia Britânica, em 1972, e a que se deu o título «Sobre os dez cantos de Os Lusíadas (1972)». Segue-se, “Os Lusíadas” de Luís de Camões na sua versão integral, e a edição fecha com um incontornável texto de Jorge de Sena, escrito em Fevereiro de 1972, para um simpósio camoniano na Universidade de Connecticut, por ocasião da comemoração do 4.º centenário de Os Lusíadas, intitulado «Camões: novas observações acerca da sua epopeia e do seu pensamento». Como Jorge de Sena escreveu, “Camões jamais perde uma oportunidade de sublinhar ou afirmar a sua mensagem de liberdade”. À falta de comemorações oficiais, esta é uma boa forma de assinalar o 5.º centenário do nascimento de Camões, que terá ocorrido em dia incerto, entre 1524 e 1525. A edição, da Guerra & Paz, é feita com o apoio da Fundação Gulbenkian, um livro de capa dura, faces do miolo pintadas à mão, lombada à vista. Uma delícia, para ler, folhear e ver.
SEDUÇÃO SONORA - É muito difícil ouvir a voz de Beth Gibbons sem pensar logo nos Portishead, apesar de o último disco da banda, “Third” ter sido editado em 2008, há 16 anos portanto. Agora, quando comecei a ouvir “Lives Outgrown”, o álbum a solo de Gibbons revelado neste mês, após anos de silêncio invadiu-me um misto de saudade e surpresa. Saudade porque esta voz e esta maneira de fazer música e cantar era há muito desejada; e surpresa, porque o resultado supera as expectativas, as minhas pelo menos. Fazer um regresso depois de um interregno tão grande nunca é coisa fácil, manter a coerência criativa num território musical que mudou muito ao longo de quase duas décadas tão pouco. Em primeiro lugar a voz de Beth Gibbons continua a ser tão intimista como as letras que escreve para as suas canções. Em segundo lugar os arranjos, que ela própria e James Ford desenharam, são surpreendentes - e utilizam várias formas de percussão, um clarinete, violinos, um coro de vozes e um teclado Farfisa para não me alongar demasiado. Mas é talvez graças à percussão de um ex Talk Talk, Lee Harris, que as coisas verdadeiramente mudam de figura. Este disco esteve onze anos em preparação e sente-se que houve tempo para pensar a melhor forma de concertar o passado com o presente e abrir pistas para o futuro. Claro que há uma evocação da folk music, evocação em que as guitarras e cordas têm papel, como na faixa final, “Whispering Love” ou em “For Sale”, mas também há lugar a uma incontornável elegância pop em “Floating On a Moment”, ou à percussão que se anuncia ao lado do piano na faixa de abertura, “Tell Me Who You Are Today” e reincide em “Beyond The Sun”, num exercício entre vozes e ritmos arrebatador. “Lives Outgrown” consegue ser inesperado, desafiante, elegante e sedutor. Não é pouca coisa. Disponível em streaming.
DIXIT - “ Destruir uma floresta para pôr painéis solares não é fantástico.” - João Manso Neto
BACK TO BASICS - “Estudem o passado se quiserem definir o futuro” - Confúcio
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
AS ELEIÇÕES PARA O ALBERGUE - A campanha para as eleições europeias já está nas ruas, ou seja, melhor dizendo, nos ecrãs das televisões e nas feiras, festinhas e repastos de carne assada. Há uma coisa que salta desde já à vista: o PS pretende transformar esta campanha numa rampa de lançamento de António Costa para o Conselho Europeu e esse é o seu principal objectivo de comunicação. Assim o voto no PS nestas eleições será um voto em António Costa para ele dar o seu tão desejado salto para a Europa, seguindo o numeroso rol de políticos portugueses que se fartaram das maçadas lusitanas e foram arejar para organizações internacionais. Tirando António Costa, a avaliar pelos primeiros dias, os assuntos vão ficar centrados na política de defesa e no aumento do investimento europeu e de cada país nessa área, nas políticas sobre migração e no alargamento da União Europeia, nomeadamente a inclusão da Ucrânia. De fora está a ficar a questão das regulamentações ambientais e da crise climática que tem provocado fracturas consideráveis na Política Agrícola Comum e criado tensões políticas em muitos países. E, sobretudo, de fora fica a questão que paira sobre a Europa e que ninguém quer aprofundar: o que está a suceder no berço da civilização para que seja aí que a extrema direita floresça a olhos vistos e se arrisque mesmo a ser recordista no futuro Parlamento Europeu? Perceber as causas disto é olhar para os erros, fragilidades e contradições de uma União Europeia, coisa que quase ninguém quer fazer. Para o comum dos mortais a União Europeia é uma fornecedora de subsídios, uma fomentadora de corruptelas e um albergue de políticos em segunda mão e burocratas. Vai ser engraçado olhar para o número de abstenções - aqui e na média dos eleitores dos estados da União.
SEMANADA - As reclamações contra operadoras de TVDE aumentaram 50% nos quatro primeiros meses deste anos, a UBER lidera as reclamações e cobrança indevida é a principal denúncia dos passageiros; nos últimos três anos o número de veículos registados que estão em circulação em Portugal aumentou quase meio milhão e actualmente o total já ultrapassa os 7 milhões; no final de 2022 existiam em Portugal 840 publicações periódicas, menos de metade das 1763 que existiam em 2000; mais de um quarto de publicações existentes são editadas no concelho de Lisboa, a que se seguem os concelhos do Porto, Oeiras, Coimbra e Sintra; apenas em 87 dos 308 concelhos portugueses é editada pelo menos uma publicação periódica; 83,5% dos utilizadores de internet em Portugal consomem áudio em formato digital, seja através de rádio, música ou podcasts; nos últimos cinco anos quase 900 mil doentes faltaram a consultas que tinham agendado no SNS; o número de insolvências em Portugal cresceu 14% nos quatro primeiros meses do ano; 20% da população empregada em Portugal trabalhou a partir de casa no primeiro trimestre do ano; o número de trabalhadores despedidos até março aumentou 98% e o número de lay-offs duplicou no mesmo período; o mercado do arrendamento ganhou 145 mil casas nos últimos dez anos; crianças que vivem em contexto de violência entre os pais chumbaram quase cinco vezes mais e quase metade não termina o 12º ano.
O ARCO DA VELHA - Segundo o INE as rendas das casas por metro quadrado aumentaram em Abril 7,1% face ao mesmo mês de 2023.
A ARTE DAS LETRAS - É na literatura que as palavras, e as letras que as compõem, são tradicionalmente usadas no campo das Artes. Mas as letras, e o que elas representam, são também matéria prima para outras artes, como o desenho e a escultura. E foi exactamente com base em letras que Rui Sanches imaginou a sua mais recente exposição, “Words Don’t Come Easy”, que junta desenhos e escultura. No texto que escreveu para a exposição, Rui Sanches afirma que “o processo significativo da linguagem escrita é diferente da linguagem visual” e sublinha que “as letras são formas e, também, sinais simbólicos”. Rui Sanches conta também que esta exposição foi influenciada por “Le Chef-d’ouevre inconnu”, uma novela de Honoré Balzac que é “uma inspiradora meditação sobre o estatuto da obra de arte e o papel da subjectividade na sua realização”. Num dos episódios da novela surge o pintor Nicolas Poussin que Sanches diz ter exercido sobre ele “um grande fascínio”. Numa das obras principais de Poussin surge uma frase em latim, “Et in Arcadia Ego”, frase que Sanches escolheu para trabalhar “criando uma forma escultórica para cada letra”, a escultura que está em destaque na exposição. A madeira e seus derivados continuam a ser uma das matéria primas mais utilizadas por Rui Sanches e aqui ele utiliza contraplacado de pinho para construir as letras, quer da frase já referida, quer das palavras “Love” e “Hate”, que foi buscar à tatuagem de Robert Mitchum no filme “The Night Of The Hunter”. Além das cinco esculturas a exposição apresenta também cinco desenhos onde a simbologia gráfica das letras é igualmente evocada. “Words Don’t Come Easy” está na Galeria Miguel Nabinho, Rua Ferreira Durão 18.
ROTEIRO - Duas exposições a não perder no Centro Cultural de Cascais. Começo pela de Ruth Orkin (1921-1985), uma fotógrafa, foto-jornalista e cineasta norte-americana. Trabalhou para revistas como a “Life” e a “Look” e jornais como o “New York Times”, entre outros. Esteve muito ligada quer à cidade de Nova Iorque, quer a Hollywood, onde fotografou nomes como Marlon Brando, Tennessee Williams, Hitchcock , Lauren Bacall ou Ava Gardner. Foi também a primeira fotógrafa a expor no Museum Of Modern Art, quando a área de fotografia era dirigida por Edward Steichen. A imagem mais famosa de Orkin é “An American Girl In Italy”, aqui reproduzida. A fotografia foi feita em 1951 e nela aparece Ninalee Craig, de 23 anos, que na época era conhecida como Jinx Allen, uma pintora que lhe serviu várias vezes de modelo. A imagem fazia parte de uma série originalmente intitulada “Não tenha medo de viajar sozinha”, que foi publicada pela revista “Cosmopolitan”. Sob orientação de Orkin, Jinx passou várias vezes no mesmo local perguntando indicações a algumas pessoas que estavam naquela esquina, até a fotógrafa ter fixado este momento, que espelha a tensão entre os olhares dos homens centrados na rapariga e a atitude de Jinx. Sob o título “A Ilusão do Tempo”, esta é a primeira apresentação em Portugal da obra de Ruth Orkin. A exposição mostra 180 fotografias, além de filmes, documentos e objetos originais, como cartas, excertos de jornais e revistas, páginas do diário pessoal de Orkin, e uma câmara fotográfica. A exposição pode ser vista no Centro Cultural de Cascais até 7 de julho de 2024, numa iniciativa da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais no âmbito da programação do Bairro dos Museus. No mesmo local pode também ser vista a exposição “LUCIEN HERVÉ: Flashes do Homem na Cidade Moderna”, dedicada à obra do franco-húngaro Lucien Hervé, considerado um dos mais importantes fotógrafos de arquitetura do século XX.
UMA HISTÓRIA DA GUERRA - Ian Kershaw é um historiador inglês, professor de História Moderna, cujo trabalho se centra em torno da História do século XX, nomeadamente na época da II Grande Guerra e em particular na História da Alemanha e das origens do conflito. “Decisões Fatais - Dez decisões que mudaram o mundo 1940-1941” é o título do livro originalmente publicado em 2007 e que agora foi editado em Portugal, numa tradução de José Mendonça da Cruz. Ian Kershaw revisita dez decisões críticas tomadas entre maio de 1940 - quando a Grã-Bretanha decidiu continuar a lutar em vez de se render - e o outono de 1941 - quando Hitler decidiu exterminar os judeus da Europa. Em Londres, Tóquio, Roma, Moscovo, Berlim e Washington, políticos e generais, muitas vezes trabalhando com base em informações de má qualidade e enfrentando graves problemas logísticos, financeiros, económicos e militares, tiveram de decidir como explorar ou combater a crise que se desenrolava. Estas decisões dão a conhecer ao leitor as enormes dificuldades enfrentadas pelos líderes, bem como a influência que as suas personalidades tiveram no decurso da guerra: Churchill resistindo à catástrofe de Calais, Hitler ordenando a invasão da URSS, Estaline a aliar-se a Hitler nos primórdios do conflito, a indecisão de Roosevelt e a decisão do alto comando japonẽs de atacar os Estados Unidos. Ao longo de cerca de 600 páginas Kershaw relata o que se passava em Londres, Berlim e Tóquio em 1940, como a época foi seguida em Washington e Moscovo em 1941 e como no Outono de 1941, em Tóquio e Berlim, foi iniciada a guerra. Edição D. Quixote/Leya.
GUITARRADA - Desde finais dos anos 60 T. Bone Burnett tem deixado a sua marca na música norte-americana, quer como guitarrista, quer como produtor, quer como compositor. Trabalhou com nomes como Bob Dylan, Greg Allman, Elvis Costello, Sam Philips, Los Lobos ou Roy Orbison, entre muitos outros. Compôs bandas sonoras para filmes e musicou até uma peça de Sam Shepard. A solo lançou dezena e meia de álbuns, o mais recente dos quais, o primeiro desde há quase duas décadas, é “The Other Side”, agora editado. O disco tem 12 temas e é um trabalho ficcional sobre um casal que se vai encontrando e desencontrando ao longo de uma viagem. A sua guitarra é omnipresente, excelente como se esperava, os músicos convidados fornecem o suporte a uma voz arrastada onde as palavras surgem cantadas de forma emotiva, ajudando a construir o clima da narrativa, desde o inicial e místico “He Came Down”, até uma canção de saudade como “Little Darling”, que finaliza o disco, passando por incursões no passado como “The Town That Time Forgot” ou canções de desamor como “The Pain Of Love” ou “Someday” - aqui com a participação de Roseanne Cash. Noutros cinco temas Burnett tem a seu lado as vozes de Lucius, um duo folk. A country e os blues são os territórios deste disco, um trabalho gravado em Nashville e que prova como T Bone Burnett é um músico e compositor de excepção. Disponível nas plataformas de Streaming.
DIXIT - “ A ideia onírica de abrir as portas a imigrantes sem acautelar as condições para os legalizar, acolher, encaminhar e proteger foi um crime contra o país e contra as pessoas” - Manuel Carvalho
BACK TO BASICS - Uma coisa essencial à justiça que se deve aos outros é fazê-la, prontamente e sem adiamentos; demorá-la é injustiça.” — Jean de La Bruyere
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JOR NEGÓCIOS
A LINHA COR DE ROSA - De repente Pedro Nuno Santos e André Ventura deram as mãos e, obviamente por mero acaso, desataram a aprovar em conjunto propostas que contrariam as intenções e planos do Governo. Estão no seu direito e nada impede que se juntem. No entanto, convirá recordar que para Pedro Nuno Santos, durante a campanha eleitoral, havia uma linha vermelha em relação ao Chega. Agora, feitas as eleições, no quadro parlamentar, a linha vermelha deixou de existir e PS e Chega convivem num mapa cor de rosa. Ora isto quer dizer que a partir daqui as críticas de Pedro Nuno Santos a quaisquer entendimentos parlamentares com o Chega soam a falso. Ficamos a saber que aquilo que é vermelho para os outros, é cor de rosa para o PS. Mas este entendimento com o Chega em relação às SCUT mostra uma outra coisa: sem sobressaltos Pedro Nuno Santos passou de líder do regresso da ferrovia para mentor de maior utilização do automóvel. Estes singelos episódios parlamentares entram naquele crescente rol de coisas que levam as pessoas normais a não acreditar no que os políticos dizem. Se não conseguem ser coerentes no que afirmam, como se pode ter confiança no que dizem querer fazer? Pedro Nuno Santos até já sugeriu que, mesmo estando na oposição, consegue tomar mais medidas que o actual Governo. Talvez ele se possa recordar que o PS, ao fim de oito anos de governo, deixou por resolver as reivindicações de recuperação do tempo de serviço dos professores, o pagamento de suplementos de risco para as forças de segurança, a revisão salarial dos guardas prisionais, os suplementos e horas extraordinárias dos funcionários judiciais e os aumentos e revisão da carga horária de médicos e enfermeiros. Será que se esqueceu disto tudo?
SEMANADA - Para que seja possível, nas eleições europeias de 9 de Junho, votar em qualquer lado o Estado adquiriu 29 mil computadores para os quais são necessários 12.000 técnicos, mas ainda falta contratar 2600 para que exista um em cada mesa de voto, como é obrigatório; os pagamentos feitos no retalho durante 2023 alcançaram uma média diária de 11,6 milhões de euros; o excedente orçamental do Estado que existia em fevereiro transformou-se em saldo negativo no final de Março, segundo a Direcção Geral do Orçamento; um estudo divulgado na semana passada indica que o futebol contribui para a economia portuguesa com 667 milhões de euros, ou seja 0,26% do PIB; em 2023 as duas ligas profissionais de futebol pagaram 228 milhões de euros entre impostos e segurança social; segundo o INE o sector cultural no seu todo gera um volume de negócios anual superior a 8 mil milhões de euros num universo de 75 mil empresas que empregam quase 200 mil trabalhadores; uma em cada cinco autarquias cobra o valor máximo de IMI; a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial está parada há seis meses e não tem sequer enquadramento legal para exercer as suas funções; Portugal é o 3º país da UE com mais infecções hospitalares; apenas 8% dos doentes em hemodiálise são tratados em hospitais do SNS; mais de 60% dos trabalhadores portugueses por conta de outrem ganham no máximo um salário-base até mil euros, de acordo com os valores declarados à Segurança Social; mais de metade dos crimes sexuais contra menores investigados pela Polícia Judiciária em 2023 foram cometidos no seio da família.
O ARCO DA VELHA - A agência para a migração tem 400 mil pedidos pendentes, é alvo de 7600 processos e gera 52 queixas judiciais por dia pelos atrasos na legalização dos migrantes.
VER A SURPRESA - Arte que não desafia nem surpreende pode ser agradável à vista mas fica-lhe a faltar uma parte importante da sua razão de ser. Quando numa exposição vejo uma obra inesperada, o meu primeiro reflexo é procurar pensar o caminho criativo que culminou naquele trabalho. Nalguns casos não se descortina a razão, noutros percebe-se o pensamento. A exposição que Patrícia Garrido inaugurou esta semana na Sociedade Nacional de Belas Artes, uma peça única que enche por completo o salão nobre do edifício, e que a fotografia aqui publicada mostra parcialmente, é um desafio que nos obriga a procurar as suas origens e é uma afirmação pessoal de revisitação de memórias, que repetidamente surge na carreira da artista. Numa peça desta dimensão, que só pode ser vista de fora, o visitante é remetido ao papel de espectador da evocação dessas memórias. Com o título “11 Casas (2024)” esta escultura, feita integralmente em cantoneira metálica, remete para a história de vida da artista, revisitando um tema que lhe tem sido frequente: os espaços que habitou. Aqui, Patrícia Garrido evoca onze das casas onde viveu, recriando os seus espaços à escala real, misturando-os e fundindo-os num exercício de geometria variável, inspirado em memórias de uma vida, e que parte do desenho para a criação de formas e estruturas que se cruzam e sobrepõem num labirinto. A obra agora apresentada foi construída expressamente para o Salão Nobre da SNBA, será depois desmontada e pode ser vista só até 1 de Junho. Este é um projecto da Fundação Carmona e Costa, coordenado por Patrícia Garrido e Manuel Costa Cabral.
ROTEIRO - A Galeria Ratton, dedica-se à criação de obras de artistas contemporâneos em azulejo e tem ao longo dos anos mantido colaboração com uma grande diversidade deles. Agora apresenta painéis e azulejos inéditos de Manuel João Vieira e Pedro Proença, sob o título genérico “O Que Faz Falta e a Falta que Faz - 25 de Abril 50 anos” (na imagem). Apresenta também uma selecção de painéis de azulejo de de Bartolomeu Cid dos Santos, João Vieira, René Bertholo e Josephine King. A exposição fica patente até 6 de Setembro na Ratton, Rua da Academia das Ciências 2C, Lisboa. No MAAT, até 26 de Agosto, pode ser vista no uma mostra de fotografias, vídeos e peças escultóricas do fotógrafo francês Nicolas Floc’h, incluindo uma série que realizou no estuário do Tejo e nos Açores. O MAAT proporcionou a Floc’h a residência que deu origem ao mural “A Cor da Água – Rio Tejo”, composto por 408 fotografias das cores da água deste rio – no troço entre Castanheira do Ribatejo e Bugio –, e foi parceiro (com o Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, Açores) da campanha que lhe permitiu registar as fontes termais subaquáticas ao largo da ilha de São Miguel. Na galeria Sá da Costa, ao Chiado, Catarina Pinto Leite apresenta até 26 de Maio a exposição “Palimpsesto”, um trabalho de colagens baseadas na recuperação de obras da artista danificadas numa inundação. E em Coimbra prossegue até 30 de Junho a 5ª Bienal com o título “Fantasma da Liberdade”.
UM LIVRO QUE SE COME - Jim Harrison tem uma extensa obra literária, da poesia à ficção, passando pelo ensaio, mas aquilo que o tornou mais popular foi escrever sobre comida. A imprensa norte-americana, onde tanto escreveu sobre restaurantes e gastronomia, chamava-lhe “o poeta laureado do apetite.”Uma Grande Almoçarada” é o livro, agora editado entre nós, que reúne alguns dos seus melhores textos sobre comida, vinhos, e também a felicidade da partilha de uma refeição. Aqui, neste livro, está o relato de um almoço francês que tinha 37 pratos - e que dá o título ao livro - até um texto divertidíssimo sobre as colunas e os críticos de vinhos, as rivalidades entre o vinho branco e o vinho tinto, passando por recordações do seu convívio com outros apreciadores de comida como Orson Welles, Jack Nicholson e Anthony Bourdain. Jim Harrison, que morreu em 2016 aos 79 anos, é autor de três dúzias de livros, além disso escreveu argumentos de cinema, foi crítico literário e fez artigos sobre desporto, viagens e comida - que é o tema que nos traz aqui hoje. Com uma tradução exemplar de Isabel Lucas, o livro inclui 47 dos seus textos mais célebres. Pego no divertido “Apontamentos sobre vinho”, de onde roubo estas linhas: “A prova de vinhos presta-se a comédia, mas o mesmo acontece noutras profissões de grande valor intrínseco, desde cientistas loucos a strippers virtuosas e políticos cheios de boas intenções”. Num outro texto sublinha: “Nunca me contenho à mesa porque é mais divertido comer do que não comer”.E, um pouco mais à frente: “a invenção do supermercado tem sido, de um modo geral, desastrosa para a saúde humana”, para logo a seguir defender os mercados locais, as lojas que vendem boa charcutaria artesanal ou queijos de produtor em vez de pastas fabris - e declara, peremptório, que em Paris preferia os mercados locais às catedrais e museus. A descrição da infelicidade sentida num restaurante com estrelas Michelin, onde lhe serviram um frango sem as respectivas pernas, é outro monumento. Edição Quetzal.
JAZZ COM HARMÓNICA - Se, como eu, são fãs da música que Ennio Morricone compôs para filmes, então aconselho que procurem “Ennio”, um álbum que reinterpreta alguns dos seus temas mais conhecidos, aqui interpretado pela harmónica de Grégoire Maret e o piano de Romain Collin. O primeiro dos 12 temas é o clássico “Once Upon a Time in America”, bem acompanhado por “ A Few Dollars More”, “The Good, The Bad And The Ugly”, “Once Upon a Time in the West”, “ Cinema Paradiso”, “ The Sicilian Clan” ou “Man With a Harmonica”, entre outros. Maret é um discípulo de Toots Thielemans, o músico que levou uma instrumento muitas vezes considerado um brinquedo, como a harmónica, para a primeira linha do jazz. Grégoire Maret trabalha regularmente com o pianista Romain Collin, com quem já havia gravado um outro álbum de versões, em 2020, “Americana”. No novo trabalho Maret e Collin percorrem repertório de Ennio Morricone, com temas das numerosas bandas sonoras que compôs. É muito curioso ouvir como os dois músicos dialogam entre a harmónica e o piano, desenhando versões que não são cópias dos originais, antes criam um universo sonoro distinto do ambiente orquestral criado por Morricone. Num dos temas, “Se Telefonando”, surge um dueto vocal entre Cassandra Wilson e Gregory Porter. E em todo o disco é patente a forma como Grégoire Maret e Roaming Collin transportaram para o jazz o trabalho de um compositor que admiram. Disponível nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Qualquer fiscalista dirá que a tributação empresarial é o maior obstáculo ao crescimento económico e ao aumento dos salários em Portugal” - Manuela Ferreira Leite
BACK TO BASICS - “Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo.” — Albert Camus
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
TRUQUES & FALSIDADES - A próxima campanha eleitoral já começou. A arrancada pré-eleitoral é notória na forma de actuação quer de governo quer da oposição. Qualquer situação transforma-se num caso, o que ontem se disse esquece-se hoje e amanhã é contrariado. Trabalha-se para a urna de voto , o que é bem diferente de trabalhar para o futuro do país e dos portugueses. Vivemos demais em função da propaganda e de menos em função dos resultados. Este país é avesso a reformas e sobressaltos quando se mexe na situação instalada. As reivindicações, por mais justas que sejam, fazem ressaltar o que ficou por fazer para trás - o eterno adiar de resolução de problemas e ausência de planos de futuro. Empurrar com a barriga foi o mantra de António Costa e do seu executivo durante a quase década em que brincou aos governos. Fez um primeiro ciclo de reversão de medidas do Governo anterior - o que é sempre uma característica dos anti-reformistas - e um segundo de inacção, outra marca genética do exercício de poder pelo PS. Resultado: noves fora nada. As sondagens feitas a propósito dos 50 anos do 25 de Abril mostram preocupações de grande parte dos portugueses sobre a situação em que estamos e as perspectivas de futuro. E mostram uma ainda maior preocupação pelo comportamento dos políticos, a corrupção que permitem, a mentira que praticam, o cinismo que ostentam, a falsidade que mostram, a vaidade e a presunção que exibem- enfim o leque de características que infelizmente se tornou no emblema de boa parte da classe política e que é o alimento dos populistas. Pensar no futuro é um programa que ninguém quer, entretidos que andam na futura caça ao voto.
SEMANADA - A oferta de casas novas só cobre 17% da procura e essa é uma das razões dos preços do imobiliário; em 130 dos 308 concelhos portugueses o preço das casas aumentou mais de 10% em 2023; o Relatório Anual de Segurança Interna de 2023 registou uma subida de 67% nas queixas do crime de furto e uso abusivo de cartões bancários de débito e crédito, com um total de 10 386 ocorrências, face às 6219 de 202; na criminalidade escolar registou-se uma subida de 16% face a 2022, tendo sido registadas 5380 ocorrências; a violência praticada por gangues juvenis teve 6756 ocorrências e 2048 detenções, os números mais altos da última década; no ano passado o número de portugueses que viajou para o estrangeiro cresceu 21,5% e ao todo foram feitos por portugueses noutros países pagamentos com cartões bancários no valor de 6,4 mil milhões de euros; 35% do milhão de estrangeiros residentes em Portugal são brasileiros, o que os torna na principal comunidade imigrante; no indicador da OCDE que tem como referência a carga fiscal aplicada a um trabalhador solteiro e sem filhos, a ganhar o salário médio, Portugal subiu um lugar e ocupa agora a oitava posição nas três dezenas dos países da lista; as exportações portuguesas no primeiro trimestre caíram 4,2% em termos homólogos; em fevereiro os proveitos gerados pelo turismo em Portugal aumentaram 13% face ao mesmo período do ano passado, atingindo 276,4 milhões de euros; em 2023 Portugal foi o país que perdeu mais área de cultivo de vinha, uma diminuição de 11 mil hectares, tendo agora 182 mil hectares de área vitícola.
O ARCO DA VELHA - A segurança social tem 50 inspectores para fiscalizar 2606 lares de idosos registados, e existem para realizar as inspecções 22 viaturas, das quais 17 têm uma média de 24 anos de utilização e nunca estão todas operacionais.
O OLHAR DE PAULA REGO - Até 6 de Outubro a Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, apresenta “Manifesto”, uma exposição que evoca a primeira mostra individual de Paula Rego, realizada em 1965 na SNBA. O título da exposição baseia-se na obra “Manifesto (for a lost cause)”, que era reproduzida na capa do desdobrável dessa primeira exposição individual da artista (e na imagem nestas páginas). A exposição original incluía 19 obras, criadas entre 1961 e 1965, mas agora estão apenas expostas 18, porque uma das pinturas, "Cães de Barcelona", pintada em 1964, uma peça preferida da artista, fazia parte da colecção pessoal de João Rendeiro e está desaparecida desde 2008 - mas na exposição está patente uma reprodução dessa obra. Para além da peça que dá o título à exposição são apresentadas outras obras de referência da exposição original, como “Cães famintos” (1963), "Alegoria Britânica" (1962-63), "Tarde de Verão" (1961) e "Fevereiro 1907 (O Regicídio)” (1965). A exposição“Paula Rego: Manifesto” tem curadoria de Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira e, para ressaltar a importância daquela exposição no panorama cultural português da época, integra documentos daquele período relacionados com a organização e a recepção crítica da mostra de 1965. Algumas das obras desta exposição foram localizadas apenas recentemente, depois de anos em paradeiro incerto. As obras em empréstimo são provenientes das coleções de instituições nacionais como a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação de Serralves, além de coleções particulares portuguesas, inglesas e francesas. A recriação da exposição original ocupa apenas 1 das 8 salas da Casa das Histórias Paula Rego e a segunda parte da exposição apresenta cerca de 60 obras que mostram o olhar de Paula Rego, sobre temas como o contexto pós-revolucionário, assim como a intervenção cívica da artista no seu país de origem.
ROTEIRO - O Padrão dos Descobrimentos tem produzido interessantes exposições, suportadas em trabalhos de investigação. Até 30 de Novembro poderá agora ver “Álbuns de Família: fotografias da Diáspora Africana na Grande Lisboa”, com curadoria científica de Filipa Lowndes Vicente e Inocência Mata (na imagem). São “álbuns de família” com as imagens que os portugueses afrodescendentes e os africanos registaram de si próprios e das suas comunidades desde 1975, data das independências dos países africanos de colonização portuguesa. No edifício do Antigo Recolhimento das Merceeiras, na rua Augusto Rosa, 15, em Lisboa, o fotojornalista Mário Cruz, duas vezes premiado no World Press Photo e fundador da galeria Narrativa, apresenta “Roof” que resulta de uma investigação feita ao longo últimos dez anos, em que fotografou com regularidade prédios, fábricas, escolas que têm em comum o facto de estarem devolutos há muito tempo e que por vezes servem de abrigo a pessoas num contexto de falta de habitação condigna. Este trabalho deu origem a um livro e a esta exposição. Em Setúbal e até final de Maio a Casa da Cultura em Setúbal apresenta uma exposição de pinturas de Pedro Chorão. E por fim, por convite das Galerias Municipais de Lisboa e do Atelier-Museu Júlio Pomar, a artista Luisa Cunha realizou uma peça de som para as entradas dos seis Espaços de Arte Contemporânea da EGEAC: Galeria Avenida da Índia, Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, Galeria da Boavista, Galeria Quadrum, Pavilhão Branco e Atelier Museu Júlio Pomar. A instalação desenvolve-se em seis andamentos, e o usufruto completo da obra só é possível com a deslocação aos seis espaços onde se encontra instalada.
POLÍTICA MODERNA - Rui Calafate deu os primeiros passos no jornalismo em 1995, começou a comentar a actualidade no extinto “Semanário”, a cuja redacção pertenceu, em 1996. Depois criou e dirigiu a revista “Política Moderna” entre 1998 e 2001. Mais recentemente fez comentário político, escrito, no jornal digital “ECO”, escreve actualmente no semanário “Económico” e, em televisão, é comentador na CNN desde o início de 2021. Além disso é um dos pioneiros de podcasts com “Maquiavel para Principantes”, que continua a gravar. O seu primeiro livro foi publicado no final do mês passado, “10 Mandamentos da Política”. Nas palavras do autor o livro é sobre “luzes e sombras, verdade e mentiras, mitos e caricaturas” e aborda “casos lapidares sobre imagem, comunicação e poder”. Ao longo do livro combinam-se as observações sobre política, com evocações de filmes ou livros, mostrando o fascínio que o autor tem pelo cinema e pela literatura. Não é por acaso que Calafate evoca uma cena de “Pedro, o Louco”, de Godard, na qual Samuel Fuller afirma: “O cinema é como um campo de batalha. Amor, ódio, acção, violência, morte. Numa palavra: emoção”. E Calafate acrescenta: “Troquem a palavra emoção por política e vão ver que é exactamente a mesma coisa”. Neste tempo em que o comentário político é omnipresente (segundo um estudo do Media Lab do ISCTE o número dos comentadores políticos nas televisões aumentou 47% nos últimos oito anos, de 53 para 78) , os “10 Mandamentos da Política” mostram como “o poder e a política continuam a ser fascinantes demais para impedir a ambição humana”. Uma leitura especialmente recomendável nestes atribulados tempos que vivemos. Muitos dos políticos no activo fariam bem em ler com atenção o que vem nestas páginas. Edição Oficina do Livro.
UM OUTRO PIANO - “Silent Listening”, o primeiro álbum a solo do pianista Fred Hersch para a editora ECM, foi gravado em Maio do ano passado e publicado já neste mês. Ao longo de 50 minutos e 11 temas, Hersch percorre um repertório diversificado de originais seus mas também de versões de clássicos, que mostram uma vontade de experimentar novas sonoridades e de estender os limites do piano solo. Entre os temas clássicos estão logo a faixa de entrada, popularizada por Duke Ellington, “Star Crossed Lovers”, The Wind” de Russ Freeman, “Winter of my Discontent” de Alec Wilder e, sobretudo, “Softly as in a Morning Sunrise”, uma balada escrita para a opereta “New Moon” e que teve dezenas de interpretações de nomes que vão de John Coltrane a Miles Davis, passando por Sonny Rollins, Chet Baker ou o Modern Jazz Quartet. A interpretação de Hersch desta balada é um exemplo de como se pode recriar um tema clássico sem o trair. As sete composições originais mostram o interesse que o pianista tem na improvisação, que se ouve na faixa-título “Silent, Listening”, mas também contida dentro de um conceito pré-estabelecido, como é tão bem mostrado na deliciosa “Little Song” que já tinha gravado anteriormente com o trompetista Enrico Rava. O álbum está disponível em CD, vinil e streaming.
DIXIT - “Quem quer julgar, hoje, os reis e os escravos de há séculos, quer hoje qualquer coisa. E não se trata apenas de bons sentimentos; quer poder, bens e poleiro” - António Barreto
BACK TO BASICS - “Saber esperar só custa a primeira vez” - Miguel Esteves Cardoso
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