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Olhar para esta janela é entrar num mundo de fantasia onde figuras de super heróis convivem com figuras de animais. É um ecrã duplo - para quem passa na rua fica a pensar no que se passa lá dentro e quem está lá dentro, depois de abrir as portadas fica a imaginar as aventuras que dali podem nascer. A quadrícula desta janela, por outro lado, faz lembrar um livro de banda desenhada onde o super homem encontra o universo da selva que Tarzan habitou. Todas as interpretações são possíveis e a imaginação pode navegar solta enquanto o olhar se fixa, de repente, neste horizonte urbano. Acho fascinante passear nas ruas de uma cidade e deparar-me com surpresas como esta janela assim composta. Quando vejo e fotografo algo assim sinto que ganhei o dia. Quando andamos de carro não vemos estes detalhes. É preciso andar a pé para fazer descobertas - as surpresas não estão escondidas, até estão à vista, como esta janela de aventuras. Mas para ver mesmo o que é evidente é preciso olhar, ter curiosidade, não andar de passo apressado, não olhar em frente e sim para todos os lados. Há quem goste de passear nas ruas a olhar para as montras das lojas. Eu gosto de olhar para os prédios, para as suas paredes, para as portas e para as janelas. Estes super heróis e estes animais são os guardiões de alguém que os reencontra ao chegar a casa e ao abrir as portadas da janela os vê, vigilantes, no seu horizonte. Coisas assim tornam as ruas melhores e estabelecem cumplicidades com quem passa. Esta janela é como que uma exposição de memórias partilhadas com desconhecidos. No fundo, é uma generosidade.
MANOBRAS PERIGOSAS - O que é feito da legislação sobre utilização de telemóvel enquanto se conduz? Aqui há uma dezena de anos fui (bem) multado por ir a conduzir com o telemóvel encostado ao ouvido. Hoje muitos veículos têm dispositivos de alta voz que permitem que se fale sem ter uma mão a pegar no aparelho e isso facilita as coisas. Mas vejo cada vez maior número de pessoas a ler e enviar mensagens pelo telemóvel e tenho a sensação que um número considerável de acidentes ocorrem porque há quem se distraia a ler ou escrever e acabe por bater no carro da frente quando este trava ou reduz a velocidade. Mas outro caso igualmente grave ocorre com as aplicações usadas pelos motoristas de TVDE - que enquanto conduzem as manuseiam, quer a procurar chamadas de clientes, quer a procurar direcções. Estar a conduzir ao mesmo tempo que se olha e manuseia o ecrã do smartphone não me parece uma boa ideia e tenho curiosidade de saber se a legislação sobre a utilização de telemóvel enquanto se conduz permite este tipo de manobras. Neste fim de semana em Lisboa constatei que mais de metade dos carros em circulação no percurso pelo centro da cidade que tive de efetuar eram TVDE’s, que contribuem muito para o congestionamento de trânsito. Não sei o que se passa hoje nas escolas de condução e nos exames de motoristas de TVDE’s - não os ensinam a fazer piscas quando querem mudar de direcção? Não sabem que inverter o sentido no meio de um traço contínuo é uma manobra perigosa? Alguém tem que pôr cobro a isto - quer na eventual utilização ilegal de telemóveis durante a condução, quer na falta de cumprimento de normas básicas do código de estrada. Assim não é de admirar o elevado grau de sinistralidade rodoviária que temos.
SEMANADA - Segundo o jornal “The Portugal News”, no concelho de Vila do Bispo 44% dos votos nas recentes eleições foram de estrangeiro residentes, mas Albufeira, Lagos, Aljezur, Loulé e Tavira registaram também uma percentagem superior a 30%; segundo o INE Portugal registou no ano passado um crescimento efetivo de população para um total de 10 749 635 pessoas, mais 110 mil, no sexto ano consecutivo de aumento de residentes feito à custa da imigração; um inquérito realizado a 2300 estudantes conclui que um elevado número se sente triste e 40% consome psicotrópicos; há mais estudantes no Ensino Superior que também trabalham e no ano letivo 2023-2024 ultrapassavam já os 41 mil, representando 9,2% do total de inscritos, a percentagem mais alta dos últimos dez anos de trabalhadores-estudantes; três em cada quatro utilizadores de bicicletas e trotinetas não usam capacete, um número significativo deles passa sinais vermelhos, anda em cima de passeio e não faz sinais de mudança de direcção; a GNR deteve, em apenas quatro horas na madrugada de 13 de junho, 50 condutores nas principais vias de acesso à Área Metropolitana de Lisboa, a maioria por conduzir sob o efeito de álcool; quase 31% dos portuguess possuem ou beneficiam de seguro de saúde; em maio havia 1.644.807 utentes sem médico de família, mais 42.230 que no mesmo mês de 2024; o concurso nacional para a colocação de médicos recém-formados em medicina geral e familiar voltou a ficar aquém das necessidades: das 5685 vagas abertas apenas 231 foram preenchidas, ou seja, só 39% tiveram interessados; o concelho da Azambuja só tem um médico do SNS para quase 19 mil utentes.
O ARCO DA VELHA - Na lista das duas dezenas de pessoas sinalizadas como pertencendo à milícia neonazi pelo menos quatro são agentes da PSP e um deles fazia a avaliação do uso de armas pelos candidatos a entrar na organização.
UM AVISO - Na semana passada, a conselho de voz amiga, fui ler “Desconhecido Nesta Morada”, da escritora norte-americana Katherine Kressman Taylor, editado recentemente em Portugal. Este curto romance foi publicado em 1938 e assume a forma de uma troca de cartas entre dois amigos que fundaram uma galeria de arte em São Francisco. Um deles, Martin, decide em 1932 voltar para a Alemanha, que era a sua terra natal, enquanto Max, de origem judia, fica nos Estados Unidos a gerir a galeria. O romance - melhor dizendo a troca de cartas - espelha a época do nascimento e crescimento do partido nacional-socialista até tomar o poder, segue a transformação ocorrida em Martin, que procura justificar as perseguições e culmina no progressivo afastamento dos dois amigos - ao ponto de Martin se recusar a auxiliar uma irmã de Max, que acabou por ser morta por nazis que perseguiam judeus. Martin, defensor da nova ordem, descrevia Hitler como “uma espada desembainhada” e relatava que “a Alemanha levanta a cabeça bem alto entre as nações do mundo” e “segue o seu Glorioso Chefe rumo ao triunfo”. O livro foi banido pelos nazis, tornou-se um êxito internacional, foi traduzido para mais de 20 línguas e lido por milhões de pessoas em todo o mundo. Numa das cartas, Max escreve a Martin: “Esta censura, esta perseguição aos espíritos livres, o incêndio de bibliotecas e a degradação das universidades haveriam de merecer a tua indignação, mesmo que ninguém tivesse levantado a mão contra os da minha raça”. É uma das derradeiras cartas, até que, algum tempo depois, Max recebe devolvida uma nova missiva que tinha enviado a Martin, com o carimbo “Desconhecido nesta morada”, o sinal de que o seu amigo tinha desaparecido, também ele vítima de um regime que defendia. Na semana em que se soube dos planos de milícias de extrema direita para atacar o parlamento português e em que se assiste de forma cada vez mais frequente a tentativas de condicionar, calar e punir a liberdade de opinião, este é um livro a não perder. Edição Livros do Brasil Colecção Dois Mundos.
OS AMBIENTES DE CASQUEIRO - “Daltónica” é o titulo da nova exposição de Pedro Casqueiro na Galeria Miguel Nabinho (Rua Tenente Ferreira Durão 18, a Campo de Ourique). Casqueiro, que fez o Curso de Pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa na primeira metade dos anos 80, expõe regularmente desde 1981 e a sua obra foi apresentada em instituições como a Fundação Gulbenkian, o Museu de Serralves, a Fundação EDP, a Fundação PLMJ ou a Colecção Berardo e também em museus internacionais em Espanha, Bélgica Alemanha e Estados Unidos. Partindo de uma base de desenho, Casqueiro tanto pode avançar em evocações arquitetónicas como em abstracções, misturando referências a banda desenhada com ambientes que evocam imagens pop. As 13 obras expostas, sob o título genérico “Daltónica”, têm diferentes dimensões, desde os 50x50cm até 200x130cm, com preços que vão desde os 3700 euros até aos 21.500. Há também formatos muito diferentes, alguns que fogem às formas mais usuais, no que é também, afirma o artista, um caminho que quer explorar no futuro. Nestas novas obras há uma utilização diferente de combinações de cores e Pedro Casqueiro afirma que uma boa parte do seu processo criativo se baseia na exploração do equilíbrio de cores. Algumas das obras retomam ideias existentes em obras anteriores, desenvolvendo-as, outras baseiam-se em desenhos e ilustrações que consulta, como um livro de patentes, e até em músicas que ouve enquanto trabalha. A exposição pode ser vista até 6 de Setembro.
ROTEIRO - Começo por recomendar uma visita ao Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (Rua da Palma 246), onde Eurico Lino do Vale apresenta até final de Setembro a exposição “do TEATRO ao RETRATO”. A exposição apresenta uma visão da produção fotográfica do autor, realçando a componente cenográfica que tem sido constante no seu trabalho. Com curadoria de António Pedro Mendes e Sofia Castro, são mostradas fotografias tiradas em diversas épocas e situações, com predominância para retratos nos quais os ambientes são preparados e os fotografados são dirigidos como protagonistas de uma encenação (na imagem). É apresentada, pela primeira vez, a série “Fotografias Num Contexto de Moda”, em que o próprio Eurico Lino do Vale é o protagonista. Também são inéditas imagens de um projecto ainda em curso, “Adolescentes do século XXI”. Esta é uma das mais interessantes exposições de fotografia de autores portugueses já apresentadas este ano. Mas esta semana há mais para ver: a Galeria da Avenida da Índia reabre vocacionada para acolher a colecção de arte contemporânea que a autarquia lisboeta vem adquirindo desde 2016. Nesta exposição, com curadoria de Sara Antónia Matos e Pedro Faro, sob o título “WHO WHERE / QUEM ONDE” figuram sete dezenas de obras de uma colecção que já vai em 200 peças. Na exposição estão nomes como Ana Cardoso, Ana Jotta, Ana Vidigal, André Cepeda, Ângela Ferreira, António Júlio Duarte, Gabriel Abrantes, Inês d’Orey, Jorge Queiroz, Jorge Molder, Luisa Cunha, Manuel Rosa, Paulo Brighenti, Paulo Nozolino, Patrícia Garrido, Rita Gaspar Vieira e Rui Chafes, entre outros.
JAZZ À GUITARRA - Colocar a guitarra no centro de um conjunto de músicos de jazz é sempre um desafio. A norte-americana Mary Halvorson, compositora e guitarrista, sai-se bem. O seu novo disco, “About Ghosts” mantém ao lado da guitarrista o trompetista Adam O’Farrill, o trombonista Jacob Garchik, a vibrafonista Patricia Brennan, Nick Dunston no baixo e Tomas Fujiwara na bateria, no fundo o mesmo grupo do disco anterior, “Cloudward”, considerado um dos melhores de 2024. Entre a improvisação e melodias muito rítmicas, os oito temas deste disco mostram uma grande diversidade, que vai desde a energia de “Full Of Neon”, a faixa inicial, até “Eventidal”, um deliciosa balada baseada na guitarra e vibrafone e outras faixas, como “Absinthian” e “Amaranthine” evocam sonoridades do bebop. O disco está disponível nas plataformas de streaming.
ALMANAQUE - O Centro Pompidou, inaugurado em 1977, vai entrar em obras até 2030 e enquanto os trabalhos não começam apresenta no espaço da Biblioteca Pública de Informação, até 22 de Setembro, uma ambiciosa exposição do artista alemão Wolfgang Tillmans intitulada “Nothing could have prepared us – Everything could have prepared us”, que ocupa uma área de seis mil metros quadrados. A exposição percorre 35 anos da carreira de Tillmans e mostra a sua fotografia da arquitectura ao retrato, passando por naturezas mortas, trabalhos documentais e abstracção.
DIXIT - "Sentar uma piada no banco dos réus é uma ideia bizarra" - Ricardo Araújo Pereira
BACK TO BASICS - “As melhores piadas são perigosas e são perigosas precisamente porque mostram a verdade” - Kurt Vonnegut
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
Quando ando por essas ruas fora gosto de olhar para os prédios, a ver como estão as suas fachadas, que é como se fossem as suas caras. Tenho a convicção de que as janelas são os olhos dos edifícios. E nessas caras as janelas são olhos com dois sentidos: quem está dentro pode ver o que se passa fora e quem está na rua imagina o que se passará lá dentro. Se não fosse assim, como teria nascido esse fantástico filme que é “A Janela Indiscreta”? Ao contrário de alguns países, em Portugal as janelas são muitas vezes tapadas - desde portadas opacas a pesados cortinados, passando por estores de várias formas - tudo serve para quebrar o encanto de uma janela aberta. Há cidades, sobretudo no norte da Europa, onde passeio pelas ruas à noite e sinto a luz que vem das janelas, prova de vida dessas casas. Por aqui é raro, a janela portuguesa funciona como uma porta que se fecha. Nalguns sítios ainda há quem coloque flores no parapeito e faça pequenos jardins nas suas janelas e nas varandas que escaparam à fúria das marquises fechadas. Nessas janelas sorridentes, em vez de cortinados, há sardinheiras coloridas e outras flores e plantas que são um sinal de vida. Noutras, sobretudo nas cidades, a natureza é substituída por novelos de cabos das mais variadas origens e gerações que se espalham pelas fachadas como teias de aranha. Mais valia que fossem usados para fazer crescer trepadeiras em torno deles, a conjugação da função electrónica com uma nova paisagem urbana. Já imaginaram como todas as ruas seriam melhores se houvesse mais flores e as janelas fossem mais abertas e sorridentes?
QUEM ESTEVE, AFINAL, NO PLENÁRIO DO METRO? - A noite de Santo António é considerada a noite mais longa de Lisboa. As festas da cidade, os arraiais nos bairros, os pequenos concertos por todo o lado levam milhares de lisboetas e pessoas dos arredores da cidade à rua. Por causa de tudo isto há naturalmente fortes condicionantes ao trânsito automóvel e a opção, para quem quiser andar por essas ruas do centro da cidade e dos bairros antigos, é utilizar os transportes públicos. Melhor dizendo, a solução seria de facto utilizar os transportes públicos, mas este ano isso não foi possível porque a Carris culminou uma semana de paralisações parciais com greve em todo o dia de Santo António, logo com começo às zero horas. Por uma daquelas engraçadas coincidências sindicais, o metropolitano também não circulou nessa noite porque, imagine-se, foi convocado um plenário geral dos seus trabalhadores que convenientemente agendaram a sua reunião para as 21h15, prolongando-se até às 02h30, o que obrigou ao encerramento de todas as estações a partir das 20h00. Portanto, transportes públicos inexistentes. Procurei por todo o lado notícia sobre a participação nesse plenário. No meio da habitual grandiloquência do comunicado da Fectrans (Federação dos Sindicatos de Transportes e Telecomunicações), era reivindicada uma grande presença dos trabalhadores no referido plenário. A única fotografia que consegui encontrar dessa reunião está no Facebook da Fectrans e mostra cerca de uma centena de pessoas. Ou seja, os lisboetas viram-se privados de metropolitano porque algumas dezenas de pessoas resolveram que a mobilidade, a segurança e o conforto dos lisboetas não interessa para nada. Cada vez mais reduzido, do ponto de vista sindical, à administração pública e aos transportes, o PCP e os sindicatos que controla não hesitam em penalizar os cidadãos com ações de paralisação que muitas vezes coincidem convenientemente com “pontes” entre feriados e fins de semana . A sucessiva perda de peso eleitoral e de relevância política do PCP é também fruto destas táticas contra os utentes dos serviços que manipula. Por isso mesmo o Governo faz bem em querer melhorar a Lei da Greve, porque, da maneira que está, ela é um novelo em que as reivindicações dos trabalhadores se enrolam no dia-a-dia dos utentes de vários serviços, prejudicando-os. É uma situação que não interessa a ninguém - até porque desacredita os sindicatos e hostiliza os cidadãos.
SEMANADA - 40 anos após a assinatura do Tratado de Adesão à UE, o poder de compra dos portugueses ainda é inferior em quase 20% à média europeia; segundo o INE a inflação em Maio atingiu os 2,3%, um aumento em relação ao mês anterior; os aeroportos portugueses movimentarem em abril 6,5 milhões de passageiros, mais 8,1% do que no mesmo mês do ano passado; a entrega do relatório sobre a expansão do aeroporto de Lisboa foi adiada três meses para o final de Julho; a violência doméstica foi o crime contra idosos mais denunciado à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, entre 2021 e 2024; entre 6 e 12 de Junho, em operações de fiscalização rodoviária, a GNR efetuou 526 detenções e registou mais de oito mil infracções; nessa operação a GNR detectou 249 situações de condução sob efeito de álcoo, 125 de condução sem habilitação legal, 31 por tráfico de estupefacientes, 13 por furto e roubo e 11 por posse de armas proibidas; em 2024 foram registadas pela GNR e PSP 8294 queixas devido ao ruído, uma média de 22 casos por dia; no ano passado, o INEM registou 3230 ocorrências devido a sinistros que envolveram bicicletas e trotinetas, um aumento de 278% face aos números de 2019; segundo o IMT os Condutores de TVDE já são quase o dobro dos taxistas e em Maio houve 38.339 motoristas de TVDE em actividade, o que compara com 20.317 taxistas registados; 30% das consultas realizadas em hospitais do SNS ultrapassam os tempos máximos de Resposta Garantidos; em Portugal há 16 milhões de telemóveis usados que já não são utilizados.
O ARCO DA VELHA - No Porto duas voluntárias de uma equipa de ajuda alimentar a pessoas sem abrigo foram insultadas e agredidas por dois homens que fizeram a saudação nazi e as acusaram de ajudaram imigrantes.
UM MISTÉRIO - Confesso devorador de policiais fiquei bem surpreendido ao ler “Morte nas Caves”, o novo livro de Lourenço Seruya, um actor que também ensina escrita criativa e que, antes deste, já tinha publicado outros quatro livros. Nas investigações que relata há um personagem recorrente, na melhor tradição dos policiais e que é o inspector Bruno Saraiva, recém chegado à cidade do Porto, depois de ter estado baseado em Coimbra. Na Judiciária do Porto faz parelha com o inspector Gil Cabecinha e ambos são chamados a investigar um crime ocorrido numa das casas mais importantes de Vinho do Porto, identificada no livro como Caves Ferreira. Empresa familiar é governada com mão férrea pela mãe e co-gerida pelos seus três filhos, um homem e duas mulheres - algo que evoca a história da mítica Ferreirinha. A investigação desenvolve-se em volta do assassinato de Rodrigo Bessa Alves, o filho, candidato a futuro responsável das Caves, ocorrida após uma festa da empresa. Ao longo do livro assistimos ao desenrolar da investigação, conhecemos os conflitos familiares, as pequenas intrigas e invejas, tudo o que poderia levar alguém a matar o futuro responsável das Caves Ferreira. A forma como Lourenço Seruya faz desenvolver a acção confronta o leitor com vários suspeitos e fá-los entrar na forma como os dois inspectores vão investigando. Como mandam as boas regras dos policiais, o culpado só é revelado no fim e não era nenhum dos suspeitos iniciais. A escrita de Lourenço Seruya é escorreita, com boa construção de personagens e é uma escrita que cria um clima de permanente mistério. Aqui está um bom policial para levar de férias. Edição Porto Editora.
A MODA DE WESTWOOD - Até 12 de Outubro poderá ver no renovado MUDE (Museu do Design, Rua Augusta 24) mais de 50 peças criadas pela designer de moda Vivienne Westwood na exposição “O Salto da Tigresa”. A mostra, com curadoria de Anabela Becho, celebra a obra de Westwood, que se celebrizou nos anos 80 e esteve ligada, no início, ao movimento punk britânico, tornando-se uma das mais influentes estilistas dessa época - trabalhou de perto com o músico e produtor discográfico Malcolm McLaren, com quem esteve casada, que lançou os Sex Pistols. Na exposição podemos observar o diálogo entre a meia centena de peças desenhadas por Westwood, que incluem vestuário, acessórios, ilustração, fotografia e livros, mostrando como a estilista foi influenciada pela história do Reino Unido. Vivienne Westwood utilizava de forma inesperada elementos emblemáticos da cultura britânica (como o tartan e os tweeds) e fazia a sua própria reinterpretação da alfaiataria tradicional. A exposição também mostra como Westwood interpretou e reinventou elementos tradicionais do traje, como a crinolina ou o corpete, propondo silhuetas esculturais, e utilizando, como a curadora sublinha, “uma exímia técnica na construção do vestuário”. As peças expostas são da Coleção Francisco Capelo pertencente ao acervo do MUDE e de coleções institucionais e privadas. Na fotografia está um sapato da colecção primavera/verão de 2020 em seda brocada e pele, aqui fotografado por Luísa Ferreira.
ROTEIRO - Até 28 de junho a Galeria Monumental (Campo dos Mártires da Pátria 101) apresenta a nova exposição individual de Carlos de Medeiros, intitulada “Turdus Merula: du ciel silencieux” (na imagem). As 21 fotografias desta exposição são inspiradas num texto dos “Contes Cruels” de Octave Mirbeau, Les Corneilles (Os Corvos) e correspondem a outras tantas frases desse texto. Coimbra acolhe agora a terceira obra do projeto “Outdoor ’25”, uma iniciativa da associação P28 que transforma painéis publicitários em suportes de arte contemporânea. Depois de Pedro Valdez Cardoso e de Luísa Cunha, é a vez de José Maçãs de Carvalho, curador do Centro de Arte Contemporânea de Coimbra, expor a sua obra na fachada lateral norte do Convento São Francisco, na Avenida da Guarda Inglesa, em Coimbra. Em Lisboa, na Casa Ásia- Colecção Francisco Capelo (Largo Trindade Coelho 22), pode ser vista até 31 de Agosto uma exposição feita em parceria com o Museu Bordalo Pinheiro que aborda a influência do Japonismo na obra artística de Bordalo. Além de duas cerâmicas, mostram-se trabalhos gráficos, na sua maioria para os jornais e almanaques, através dos quais se exploram três vias: Bordalo protagonista japonês; À moda do Japão e Japonesices na caricatura.
REDESCOBERTAS - “Chet Baker Re:Imagined” é uma colecção de 15 novas versões de outros tantos clássicos de Chet Baker. Com arranjos feitos propositadamente para esta edição, os produtores foram buscar um lote de intérpretes de várias áreas musicais próximas do jazz, da pop e da música soul. De entre os temas do disco destaque para “That Old Feeling” por Eloise, “There Wil Never Be Another You” por Matilda Mann, “I Fall In Love” por Stacey Ryan, “ I Fall In Love Too Easily” por Mxmtoon, “My Funny Valentine” por Matt Maltese, “Old Devil Moon” por Dodie ou a inesperada reinterpretação de “Speak Low” por Ife Ogunjobi. Se ouvirem o disco no Spotify poderão comparar as reinterpretações com os originais de Chet Baker, que aparecem a seguir a cada uma das novas versões, autênticas redescobertas.
ALMANAQUE - Badajoz fica aqui mesmo ao lado e Ana Vidigal apresenta até 5 de Outubro a sua exposição “Histórias de Família” no Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC), fruto da transformação da antiga prisão de Badajoz, um edificio de origem militar construído no século XVII. A exposição retoma o trabalho que Vidigal apresentou na Fundação Eugénio de Almeida no início deste ano, com curadoria de Patrícia Reis. Aqui estão cerca de 50 obras com várias séries do trabalho da artista, nomeadamente as que foram propositadamente feitas para a exposição da Fundação Eugénio de Almeida a partir de placas de cortiça. Ana Vidigal regressará a Badajoz no primeiro trimestre de 2026, desta vez com trabalhos novos, na Igreja de Santa Catalina.
DIXIT - “O excesso de passado apenas serve para manipular politicamente o presente” - João Miguel Tavares
BACK TO BASICS - “A paciência tem os seus limites; quando é levada demasiado longe confunde-se com covardia” - George Jackson
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
Nos últimos tempos dou comigo a gostar mais de ir ver as exposições depois das inaugurações. O dia da inauguração tem quase sempre demasiada gente, não se consegue ver bem o que se quer. Fala-se mais do que se vê. A melhor parte de visitar uma exposição é descobrir pormenores, sobretudo na pintura. Os grandes artistas não procuram o acaso, trabalham persistentemente para transformar as ideias em obras de arte, estão constantemente a desafiar-se a si próprios. Recentemente li uma frase de Van Gogh em que ele dizia que insistia em fazer o que ainda não fazia como queria, de maneira a aprender a fazê-lo como deve ser. É esta persistência que me encanta e que vejo em muitos dos artistas que tenho a sorte de conhecer e com quem vou falando. Também sinto que cada vez mais me desafio a olhar para uma exposição como deve ser, ir para além da impressão imediata. Esta fotografia que hoje partilho foi efectuada na Fundação Gulbenkian, numa recente exposição sobre pinturas de mestres venezianos que se chamava “Veneza em Festa”. Enquanto percorria devagar a exposição dei com esta senhora a contemplar uma obra, o perfeito exemplo de quem se encanta com o que está a ver e quer fazer perdurar esse prazer. Segui-a durante um pouco e, frente a vários quadros, repetiu esta mesma posição: sentada num dos pequenos bancos portáteis do Museu, a ver com atenção o quadro que estava à sua frente. Cada vez mais, nesta época acelerada onde tudo parece ser instantâneo, prezo mais o luxo de poder ter tempo, de ficar a olhar, apenas a ver, saborear a descoberta. Ficar a olhar e ver bem o que temos à frente é o desafio que muita gente evita. Contemplar é uma das melhores formas de entender o que se passa à nossa volta.
SOBRE A CULTURA - Mais importante que o lugar ocupado no Governo, o que interessa é a forma como o poder vê a questão da política cultural. Nesta matéria estou sobretudo interessado em observar o comportamento de quem manda no Governo ou autarquias. De forma umas vezes subreptícia, de outras ostensiva, políticos de vários quadrantes proclamam de maneira destacada, mais do que medidas a tomar, a ideia de que a política cultural não deve privilegiar as elites. A afirmação pode à primeira vista parecer razoável, mas serve apenas para justificar aquilo a que se tem assistido - um ganhar de terreno, não da cultura popular, mas de uma amálgama que é equivalente, no espectáculo e na produção artística, ao populismo conservador e retrógrado, avesso à criatividade e ao talento. A situação cria paradoxos. Por exemplo, algumas destas figuras, como Carlos Moedas, gabam-se de apostar em startups e novas tecnologias, ao mesmo tempo que atribuem medalhas de mérito cultural a plagiadores confessos, desprovidos de talento ou criatividade como Tony Carreira, também por acaso um artista do agrado de Luís Montenegro, outro político ultimamente muito virado para a inovação, pelo menos em palavras. Existe uma clara contradição entre o que dizem na área económica e tecnológica e o que praticam na área das artes e cultura, como se as coisas se pudessem separar e devessem ser antagónicas. As políticas culturais, além da defesa do património, são o alicerce da preservação para as futuras gerações da criatividade artística dos dias de hoje e do testemunho do estado da sociedade. E se é importante em qualquer arte conseguir comunicar e estabelecer ligações com os públicos, também é importante explorar e desbravar novos caminhos, alargando o conhecimento, reforçando a cidadania, estimulando a reflexão e o espírito crítico. O mais paradoxal nestes cruzados anti elitistas é que, nomeadamente nas autarquias, subvertem as leis do mercado ao canalizar contratos e apoios para quem tem actividades comerciais rentáveis e promovendo concertos gratuitos que fazem concorrência a produtores privados. O oportunismo, de braço dado com a boçalidade, tornaram-se linhas de pensamento e ação na actividade cultural do governo e autarquias e isso é um péssimo sinal. O papel do Estado, em vários casos, mas também na política cultural, deve ser o de complementar o que os privados não fazem e não concorrer com eles. Uma das tarefas que o Estado cumpre mal é promover o talento português no exterior, não fomentando a internacionalização de artistas das diversas áreas, o mesmo é dizer apostar na presença da língua e cultura portuguesa no mundo, sabendo usar a cultura como uma arma da diplomacia para reforçar a imagem de Portugal e não para a apoucar. Como alguém me dizia no dia em que se conheceu o novo governo, agora o desafio é conseguir manter as coisas, porque melhorar vai ser difícil.
SEMANADA - Dois terços dos fundos europeus do PRR estão em risco a um ano do fim do programa; apenas quatro por cento dos lugares previstos no PRR para creches, lares e apoio domiciliário estão concluídos; os 133 mil lugares no programa Creche Feliz só chegam para 53% das cerca de 250 mil crianças até aos três anos com direito a beneficiar da medida; um estudo da OCDE indica que 15% dos jovens portugueses ficam nervosos ou ansiosos quando estão sem telemóvel; o Portal da Queixa revela um aumento expressivo nas reclamações dirigidas à Carris e nos primeiros cinco meses de 2025, o número de queixas contra a empresa subiu mais de 70%, face a 2024; atrasos e incumprimento de horários representam 38% dos problemas denunciados pelos consumidores; na Área Metropolitana de Lisboa existem atualmente 27 bairros de barracas, vários criados de raiz nos últimos três anos e estima-se que em conjunto albergam cerca de 3 mil famílias; em 2024 as reservas de ouro do Banco de Portugal valorizaram 8.000.000.000 de euros; mais de um terço dos activos bancários em Portugal são de investidores estrangeiros; desde 3020 foram apreendidas nos aeroportos portugueses mais de sete toneladas de cocaína proveniente da América do Sul num valor estimado de 175 milhões de euros; Entre 2023 e 2024, registaram-se 2851 casos de violência contra profissionais de saúde, mais cerca de 230 face ao ano anterior.
O ARCO DA VELHA -Portugal tornou-se num importante ponto de entrada de cocaína na Europa, tendo sido apreendidas 22 toneladas desta droga em 2023.
UM GUIA PARA A MUDANÇA - Logo na capa deste livro surge uma frase, como que um subtítulo, que resume o que depois se pode ler lá dentro: “O modelo económico europeu está obsoleto e tem de ser reinventado”. O autor é António Costa Silva, que foi Ministro da Economia e do Mar, depois de uma longa carreira no sector privado. O livro, agora editado, chama-se "Portugal na Europa e com a Europa: que futuro?”. O autor, ao longo de cerca de 180 páginas sublinha a importância de a Europa fazer mudanças futuras sob pena de se transformar num museu, aborda a questão energética e a dependência do gás russo, as crises da defesa e segurança, a perda de competitividade e os desafios que se colocam a Portugal e à Europa, depois de sublinhar que a rigidez e ortodoxia de alguns responsáveis europeus minam a capacidade de enfrentar problemas e fazer as mudanças necessárias. “O que temos hoje é uma Europa perdida num mundo que viu a geopolítica pura e dura, do confronto de poder, do uso dos recursos, da tecnologia, do comércio, das próprias cadeias logísticas e de abastecimento como armas de competição estratégica entre as grandes potências, em particular entre os Estados Unidos e a China”, sublinha Costa e Silva. Ao longo do livro surgem várias referências ao relatório Draghi, que preconiza mudanças importantes na Europa e defende a necessidade de renovação do projecto político europeu. O autor indica mudanças que Portugal deveria concretizar para aumentar a sua competitividade, num contexto europeu mas também mais global. O livro inclui já os efeitos da política de Trump e a escalada do conflito provocado pela Rússia na Ucrânia e que faz com que estejamos “ a viver o momento mais perigoso da História depois da Segunda Guerra Mundial”. Um livro que dirigentes partidários e membros do Governo deviam ler sem preconceitos Edição Guerra & Paz.
AMBIENTES MUSICAIS- Brian Eno, que nos últimos anos se tem dedicado sobretudo à produção e às artes plásticas, surge com um duplo disco, muito ambiental, com baladas em que o músico é acompanhado pela voz de Beatie Wolfe. Os dois conheceram-se primeiro através do trabalho que ambos apresentaram em galerias de arte e a colaboração musical nasceu daí. De facto Eno e Wolfe fizeram dois discos, agora editados: “Luminal” tem 11 canções e é apresentado como “Dream Music”; já “Lateral”, apresentado como “Space Music”, apresenta oito variações sobre um mesmo tema. Estes trabalhos constituem uma surpresa e já estão disponíveis nas plataformas de streaming.
ARTE E VIDA - Ao longo da vida Julião Sarmento (1948-2021), que foi um dos mais importantes artistas plásticos portugueses e com maior projecção internacional, reuniu uma colecção de obras de outros artistas, portugueses e estrangeiros, umas vezes provenientes de trocas entre pares, outras compradas pelo próprio ou que lhe foram oferecidas. Essa colecção, com cerca de 1500 obras, está agora no Pavilhão Julião Sarmento, inaugurado há poucos dias na zona de Belém. O edifício resulta de uma transformação do anterior Pavilhão Azul, bem projectada pelo arquitecto Carrilho da Graça, para acolher o novo museu que ostenta o nome de Julião Sarmento. Nesta primeira exposição, comissariada por Isabel Carlos, que dirige o equipamento, estão quase uma centena de obras da colecção, numa escolha que permite ter uma visão de proximidade do universo pessoal, estético e afectivo de Julião Sarmento. O objectivo deste equipamento não é expôr obras do próprio Julião Sarmento, mas sim partilhar com o público obras de uma colecção única em Portugal que ele construíu ao longo da vida. “TAKE 1 – A Coleção do Artista Julião Sarmento” é o título desta exposição inaugural, centrada em duas áreas: “Arte e Vida” dedicada à amizade, amor, partilha e celebração entre artistas, e “Espaço e Arquitetura”, revelando como Julião Sarmento tinha, nas palavras da curadora, “o fascínio pelo habitar, pela construção do desenho arquitetónico e pela materialidade”. Nesta exposição podem ser vistas até Abril de 2026 obras de Andy Warhol, Joseph Beuys, Marina Abramovic, Ernesto Neto, Robert Morris, Juan Muñoz, Cristina Iglesias, Rui Chafes, Richard Long, Lawrence Weiner, Ângela Ferreira, John Baldessari e Rita McBride, entre outros. O Pavilhão Julião Sarmento fica na Avenida da Índia 126.
ROTEIRO - De 11 de Junho a 30 de Setembro está patente na Galeria de Exposições Temporárias do Museu de S. Roque, em Lisboa, a exposição “Casar!”, que reúne centenas de fotografias do arquivo Ephemera, provenientes de álbuns familiares e espólios diversos e que abarca um arco temporal que percorre todo o século XX (na imagem). A exposição, além das fotografias, inclui quatro vestidos de noiva de épocas e origens bem diversas, ementas de copos de água, um vídeo com numerosas imagens, e uma adaptação original da Marcha Nupcial de Mendelssohn, da autoria de Fast Eddie Nelson. Na exposição é possível observar as diferenças sociais patentes nas cerimónias de casamento realizadas quer nas grandes cidades e vilas, quer no interior do país, em casamentos ricos e pobres, em igrejas ou até em Las Vegas. Outra exposição de fotografia a merecer atenção decorre no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa e revisita o trabalho que António Pedro Ferreira fez em Paris entre 1982 e 1984 com comunidades de emigrantes portugueses na capital francesa. São quatro dezenas de imagens reunidas sob o título “Allez Paris”, numa exposição com curadoria de Sofia Castro Até 20 de Setembro, na Rua da Palma 246.
ALMANAQUE - A Colecção Pinault no edifício da Bourse du Commerce, em Paris, recuperado pelo arquitecto japonês Tadao Ando, apresenta a exposição “Corps et Âmes” com obras, entre outros, de Gideon Appah, Ali Cherri, Deanna Lawson, Philip Guston, Duane Hanson, Marlene Dumas, Miriam Cahn , Latoya Ruby Frazier, Robert Frank, Irving Penn, Michael Armitage e, a finalizar, “Avignon” de Georg Baselitz.
DIXIT - “A preparação, a sensatez e a integridade não têm grandes hipóteses contra o cálculo, a resiliência, a ambição e a desfaçatez.”- Sérgio Sousa Pinto
BACK TO BASICS - “Os livros, a realidade e a arte são a mesma coisa para mim”- Van Gogh
Admiro a imaginação das pessoas que assim de repente colocam uma mão plástica no meio de um arbusto. Isto é criatividade pura, uma mão às riscas, preta e branca, que salta no meio do verde, como se nos estivesse a pedir alguma coisa. Qual seria a intenção de quem ali plantou esta mão, na sebe de um largo muito bem arranjado, a contrastar de tal forma com o que está à sua volta que inevitavelmente chama a atenção de quem passa? É como se alguém assim fizesse um manifesto. Esta mão grita:”Olhem para mim!”. E eu fiquei ali a olhar, sem saber se a mão pertencia a algum putativo candidato presidencial, se era uma mensagem subliminar para as próximas autárquicas ou se era um gesto a anunciar que tudo está a mudar e nada vai ser como era. É que antes não saíam mãos dos arbustos, muito menos às riscas e com um buraco no meio. Esta é uma mão surrealista, uma intervenção deliciosamente provocatória. Agora imaginem que esta mão artificial era uma dessas plantas invasoras que se multiplicam na natureza. Já pensaram o que seria um bosque cheio de mãos assim, despudoradamente acenando para quem passa? Levo o pensamento mais longe. Fecho os olhos, imagino o hemiciclo de S.Bento todo coberto de densos arbustos verdes, com mãos destas saltando por todo o lado. Os ecologistas claro que ficariam todos contentes, os defensores dos animais iriam certamente proteger as mãos não fossem elas ter algum ser vivo por trás, os grandes partidos entrariam em crise profunda, tecendo suspeitas de tenebrosas conspirações. E algum tribuno com vivos dotes oratórios faria um discurso exacerbado sobre a necessidade de regular a existência destas estranhas mãos que surgem em arbustos. Já vi coisas piores no Parlamento.
PAISAGEM MEDIÁTICA - Sabem qual é o jornal mais lido? A rádio mais ouvida? Os canais de televisão mais vistos? Vamos às respostas e começamos pelos jornais. O “Correio da Manhã” com 34 094 exemplares por dia lidera as vendas em banca, de acordo com os mais recentes dados divulgados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT). Ainda nas vendas em banca, em segundo lugar surge o semanário “Expresso”, com uma média de 29.709 exemplares por edição (caiu 13% em comparação com o mesmo período do ano passado). A seguir vem o diário desportivo “Record”, com uma venda de 12.327 exemplares por dia e o ‘Jornal de Notícias’, com 12.795 exemplares. Depois vem a revista ‘Sábado’, que registou uma venda média de 9337 exemplares, e o ‘Público’ com 8398 jornais diários vendidos. O “Diário de Notícias” teve uma venda diária em banca de 966 exemplares, mas há outras publicações com vendas consideráveis: a revista “Maria” teve 24 415 exemplares, a “Nova Gente” teve 21 882 exemplares, a “TV 7 Dias” teve 24 526 exemplares e a “TV Guia” 19 759. Nas publicações económicas este “Negócios” é líder incontestado com uma circulação global, entre vendas em banca e assinaturas digitais, de 6925 exemplares. Nas assinaturas digitais o volume, nalguns casos já é assinalável: o “Público” tem 54.301 assinantes digitais e o “Expresso” tem 49.987. Nos jornais regionais a liderança pertence ao “Diário de Coimbra” com 5.847 exemplares vendidos, seguido pelo “Notícias da Madeira” com 4.812 e o “Diário de Aveiro” com 3.388. Alguns títulos tomaram a decisão de não serem auditados pela APCT e daí a sua falta nesta lista. Passemos agora à rádio. Segundo o mais recente estudo de audiências de rádio da Marktest a estação com maior share de audiência é a Rádio Comercial com 26,3%, seguida pela RFM com 21,4% e a M80 com 9,6%, enquanto a Antena Um tem 7% de share, a TSF 3,8%, a Rádio Observador 1,3% e a Smooth FM regista 1,2%. E chegamos à televisão: no final de maio, entre os canais generalistas, a SIC liderou as audiências pelo segundo mês consecutivo, seguida pela TVI e a RTP1. Os canais generalistas em conjunto captam cerca de 40% dos espectadores e os canais de cabo e plataformas de streaming são vistos por 60%. No cabo a CMTV é líder há mais de 700 dias consecutivos e em maio conseguiu mesmo o melhor share médio de sempre, com 6,6%, que compara com 2,7% da CNN, 2,5% da SIC Notícias e 1% da RTP3. De notar que o News Now, também do grupo Presselivre, tendo sido lançado há menos de um ano, já regista 1,5% de share. Uma espreitadela às plataformas de streaming revela que no primeiro trimestre de 2025, os telespectadores portugueses preferiram a Netflix que tem agora uma quota de mercado de 24%. A Prime Video ocupa o segundo lugar das preferências com 22% e a Disney+ o terceiro com 16%. A Max está na quarta posição, com 13% , seguida da Apple TV+ e da SkyShowtime, ambas com 9% e a Filmin, que fica nos 3%.
SEMANADA - Os acidentes com trotinetas e velocípedes são 3,6% do total; os portugueses gastam 21 milhões de euros por ano em novos medicamentos para obesidade; em 2024 as apostas realizadas em Portugal ultrapassaram 24 mil milhões de euros, impulsionadas pelo jogo online; as perdas dos apostadores ultrapassaram os 2600 milhões de euros; em 2024 realizaram-se 1044 casamentos entre pessoas do mesmo sexo; mais de metade das crianças portuguesas brincam menos de uma hora por dia com a família; cerca de 220 mil automóveis atravessam diariamente as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama; oito dos 10 vídeos de conteúdo político mais visualizados no TikTok desde 2021 são protagonizados por André Ventura, que tem quase meio milhão de seguidores, mais que qualquer outro dirigente partidário; na zona de Lisboa tem-se sucedido a descoberta de dormitórios clandestinos e sem as condições mínimas, que alojam emigrantes - o caso mais recente localizava-se na Penha de França e alojava 50 pessoas; os serviços de informações da República debatem-se com a passagem à reforma dos agentes mais antigos e com dificuldade em recrutar novos espiões o que põe em causa o funcionamento do serviço; mais de dez mil pessoas passaram à reforma desde o início de Janeiro no conjunto da Função Pública; há 72 mil pessoas à espera de cirurgia que já ultrapassaram o tempo máximo de espera definido por Lei.
O ARCO DA VELHA - A SILPOR, empresa que importa grande parte dos cereais que consumimos, está em liquidação há 25 anos num processo que até ex-ministros consideram “inexplicável” e já recebeu do Governo um perdão de dívida no valor de 157 milhões de euros.
UMA HISTÓRIA DESCONHECIDA - Que papel tiveram as mulheres na História de Portugal? Conhecemos muitos exemplos, desde a Padeira de Aljubarrota à Rainha Santa Isabel ou D. Maria II, mas há uma época, pouco conhecida, que merece atenção. Durante quase um século, entre os reinados de Manuel I e D. Sebastião (1495-1578), um grupo de mulheres, que eram mais cultas do que os homens, comandava a vida intelectual na Corte portuguesa de então. Era um grupo restrito mas poderoso que permanece desconhecido da maioria dos portugueses cuja importância é agora contada pelo historiador André Canhoto Costa no recente livro “A Corte das Mulheres”. No século XVI Lisboa foi uma das capitais do mundo, mas é pouco conhecido o facto de ter florescido nessa época uma Corte dominada por mulheres, uma autêntica Universidade Feminina, conforme lhe chamaram diversos autores na época. Eram eruditas, escritoras, leitoras e autoras de filosofia, apaixonadas pela improvisação poética, cantoras e compositoras, exímias dançarinas, proprietárias e organizadoras de valiosas bibliotecas, mecenas de escritores, dominando línguas clássicas como o grego, o siríaco e o latim e autoras de gramáticas de línguas modernas. Eram princesas, damas e aias, que nos palácios davam conselhos a ministros e embaixadores, argumentando diante dos doutores, correspondendo-se com o papa, colocando no centro do debate a ascensão da mulher e a crítica do poder, o raciocínio sobre o amor e o desejo. Durante esse tempo em que a Corte das Mulheres existiu brilharam a erudição de Joana Vaz, Públia Hortênsia de Castro e Luísa Sigeia, a música de Paula Vicente, ou o comportamento irónico e provocador de Francisca de Aragão e Guiomar de Blaesvelt que foram marcantes na época da Renascença em Portugal. “A Corte das Mulheres” está escrito como um romance que narra a ascensão e queda desse grupo que foi esquecido ao longo dos séculos. Edição Quetzal.
AS PALAVRAS QUE SE VÊEM - Cristina Guerra, inaugurou em simultâneo, na sua própria galeria e num local exterior, o Panteão Nacional, duas exposições que vivem da observação do mundo contemporâneo e da utilização de palavras e das letras que as constroem como ferramentas de criação artística. Na Cristina Guerra Contemporary Art (Rua de Santo António à Estrela 33), Antoni Muntadas apresenta até ao início de Julho “Outros Lugares/Everywhere” (na imagem). Muntadas nasceu em Barcelona mas vive e trabalha em Nova Iorque desde 1971. O seu trabalho aborda frequentemente temáticas sociais e de comunicação, com recurso a fotografia, vídeo, texto, reprodução de imagens da imprensa ou da internet. A actual exposição tem curadoria de Carolina Grau que, no texto de apresentação, sublinha que a obra de Muntadas se baseia “num princípio orientador que se tornaria central na sua prática: Arte ⇄ Vida (1974). Este mote afirma a ligação indissociável entre arte e vida, uma convicção que atravessa tanto a sua obra como a sua vivência quotidiana, sintetizada na afirmação: “Trabalho onde vivo e vivo onde trabalho” . Ao mesmo tempo que Muntadas está na galeria, Cristina Guerra mostra no Panteão Nacional a obra “Around the World” de um dos artistas que tem divulgado, o norte-americano Lawrence Weiner. André de Quiroga, num texto que escreveu para a ocasião, sublinha a importância da colaboração entre monumentos nacionais e artistas contemporâneos e o responsável pelo Panteão Nacional, Santiago Macias, sublinha que a linguagem é um ponto central da prática artística de Lawrence Weiner. Até 31 de agosto as ideias, palavras e frases de Weiner podem ser vividas no espaço único do Panteão Nacional.
ROTEIRO - Esta semana o destaque vai para a fotografia e a exposição "Venham Mais Cinco, O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa – 1974-1975" que apresenta duas centenas de imagens feitas na época por três dezenas de fotógrafos e fotojornalistas estrangeiros que passaram por Portugal nessa época. A exposição decorre no Parque Empresarial da Mutela, em Almada, num antigo silo automóvel, que o arquitecto Pedro Pacheco adaptou para poder acolher, em cerca de 2000 metros quadrados a exposição destas fotografias de grande formato. A concretização da exposição e a pesquisa partiu da iniciativa de Sérgio Tréfaut, depois de desafiado pela jornalista Ana Soromenho e por Margarida Medeiros, uma crítica de fotografia e professora universitária, já falecida, e que foi das figuras mais importantes na história recente da fotografia em Portugal. As fotografias não estão apresentadas por ordem cronológica, mas por áreas temáticas e a exposição decorre até finais de Agosto na Avenida da Aliança Povo MFA (Almada), de Quinta a Domingo, entre as 1 e as 19 horas, com entrada livre. Está prevista a edição de um catálogo e a possibilidade de a exposição ser apresentada noutras cidades. A imagem que acompanha esta nota é do fotógrafo francês Jean-Paul Miroglio.
JARRETT EM VIENA - Em 2016 Keith Jarrett realizou a sua derradeira digressão europeia. Agora, por ocasião do seu 80º aniversário, a ECM editou um registo inédito de um concerto realizado nesse ano em Viena, numa das mais importantes salas da cidade, a Musikverein, construída no final do século XIX, conhecida não só pela sua beleza arquitectónica, mas sobretudo pela qualidade acústica. O título do disco é “New Vienna - At the Musikverein, 2016”, tem cerca de uma hora de duração, inclui nove improvisações de Jarrett e uma versão de “Somewhere Over The Rainbow". Disponível nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Mais um falhanço estrondoso em empreender reformas e atacar a raiz dos problemas e será mesmo para os braços de Ventura que os portugueses inevitavelmente se virarão” - Pedro Norton, no “Público”.
BACK TO BASICS - “Evitem o excesso, deixem a moderação ser o vosso guia” - Cícero
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
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