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Há um ditado popular que volta e meia me vem à memória quando sou defrontado com uma coisa inesperada: “quem não tem cão, caça com gato”. Foi isso mesmo que pensei quando me deparei com este pequeno lago no meio de Amieira do Tejo, uma aldeia do concelho de Nisa. Nesse lago as figuras principais, que me atraíram o olhar, são estes patos de plástico. Foi a solução possível para o lago ser habitado e não ficar ali vazio, só com a água e os limos que sempre vão crescendo. Lembrei-me de perguntar à Inteligência Artificial de onde vem este ditado popular e que quer ele dizer. A resposta veio pronta, e aqui a reproduzo: “A expressão "quem não tem cão caça com gato" significa usar meios alternativos quando não se tem o ideal para atingir um objetivo. Há uma outra versão, que usa a expressão "caça como gato", uma invenção recente que, embora faça sentido por valorizar a astúcia do gato, não é a forma histórica. A forma "com gato" está atestada em textos do século XIX, incluindo obras de Machado de Assis, enquanto a versão "como gato" só apareceu muito mais tarde. E assim, olhando para o pequeno lago, vendo os seus patos plásticos, acabei por descobrir que o grande Machado de Assis, esse expoente da literatura brasileira do século XIX também se viu levado a pensar no gato. Eu por mim, depois de ficar ali um bocado a namorar o lago, saí a trautear “todos os patinhos sabem bem nadar”....
os pensamentos estão ás sextas em sapo.pt

UM PAÍS INVISÍVEL - Uma das questões mais graves da política cultural portuguesa é a fraca visibilidade no estrangeiro dos nossos artistas e das suas obras, excepção feita aos esforços de entidades privadas que asseguram presença em festivais de cinema, feiras de arte contemporânea ou festivais literários. Ao contrário de outros países, as embaixadas portuguesas têm muito pouca actividade nesta área cultural, resultado de um misto de esclerose do Instituto Camões com falta de verba, falta de dinamismo e criatividade por parte dos embaixadores e dos adidos culturais. Há excepções, Paris é uma delas, Madrid também, mas pouco mais. Ou seja, a divulgação da criação artística portuguesa no exterior não é uma preocupação e uma prioridade, é fruto das circunstâncias e de vontades individuais esporádicas. O mesmo se pode dizer em relação à actividade do serviço público audiovisual nesta área, mais vocacionado para as estrelas fugazes do que para a criação de um acervo que testemunhe o presente para gerações futuras. A criação de documentários sobre grandes nomes da cultura portuguesa é praticamente inexistente, o que tem reflexos nas iniciativas possíveis de dinamizar no exterior. Há uma linha comum nisto tudo: a inexistência de uma política cultural com objetivos e rumo conhecidos. Há iniciativas pontuais, muito fogo de artifício mas pouco trabalho consistente e continuado. A presença cultural de um país no exterior é um barómetro daquilo que os respectivos governos fazem dentro de portas. Se preferem fogachos a um trabalho sério e consistente os resultados não são bons nem interna nem externamente. O que falta na política cultural em Portugal é um desígnio, uma estratégia que sirva o país e que permita desenvolver a percepção da nossa imagem em termos internacionais. Hoje em dia um país sem uma política pública que dinamize uma produção audiovisual que espelhe a sua realidade criativa não existe neste novo mundo digital. Nesta matéria, infelizmente, caminhamos para a invisibilidade. Esta ausência de desígnio e de estratégia é o mal maior da situação da Cultura em Portugal.
SEMANADA - Na habitação o preço por metro quadrado pago por estrangeiros em Lisboa é 60% superior ao que é pago por compradores com domicílio fiscal em Portugal; a AIMA atribuiu 386.463 autorizações de residência até 22 de outubro deste ano, mais 60% do que no mesmo período de 2024; os portugueses continuam a não conseguir poupar e 64% afirmam conseguir guardar menos de 10% do seu salário líquido enquanto 36% dizem não conseguir poupar sequer 5% do que recebem; segundo a Marktest 3,7 milhões de pessoas apostaram na lotaria ou outros jogos de sorte nos últimos 12 meses, o que representa 49,8% dos residentes em Portugal; os estudantes portugueses de 15 e 16 anos consomem menos álcool, tabaco e substâncias ilícitas que a média dos seus congéneres europeus, mas envolvem-se mais em jogos de apostas a dinheiro; os crimes contra idosos aumentaram 26% entre 2020 e 2024, ano em que 42.313 pessoas com 65 ou mais anos foram vítimas; mais de vinte viaturas são roubadas todos os dias em Portugal; segundo a Marktest a rede social X/Twitter foi a mais abandonada no último ano pelos portugueses que utilizam redes sociais, na segunda posição ficou o Snapchat e na terceira o Facebook; o mesmo estudo revela que quase 24% dos utilizadores destas plataformas em Portugal abandonaram pelo menos uma rede no último ano.
O ARCO DA VELHA - Meia centena de bebés foram abandonados à nascença ou nos primeiros seis meses de vida entre 2019 e 2024.

IMAGENS QUE MARCAM - Até 29 de Novembro pode ser vista em Lisboa, na galeria Ochre Space, a obra de um dos maiores fotógrafos contemporâneos, o chinês Lu Nan, que integra a prestigiada agência Magnum e vive em Pequim. O seu trabalho resulta de observações prolongadas dos temas que aborda. Nesta exposição pode ser vista a série que realizou sobre as prisões e condições de detenção no norte da Birmânia, realizada ao longo de três meses em 2006. Estão expostas 63 fotografias, imagens duras, por vezes quase chocantes, mas incontornáveis e que permitem documentar a realidade que se vive nesses locais. Ao mesmo tempo a galeria projecta num vídeo de 28 minutos a totalidade das imagens do seu trabalho mais conhecido, “Trilogy”, que engloba as séries “the Forgotten people”, 56 fotografias sobre a doença mental na China, “On the Road” , 60 fotografias sobre a presença da igreja católica na China e “Four Seasons”, 109 fotografias sobre a vida diária dos camponeses tibetanos. Estas fotografias foram realizadas entre 1989 e 2004, ao longo de um intenso trabalho de 15 anos focado na condição humana. “Trilogy” está editado num livro que inclui as três séries e que está disponível na galeria. João Miguel Barros, que dirige a Ochre Space e fez a curadoria desta exposição, sublinha que a obra de Lu Nan “é uma síntese rara entre ética, estética e espiritualidade.” Lu Nan, prossegue” não nos oferece imagens para consumir - oferece-nos imagens para contemplar, para escutar, para encontrar”. A Ochre Space, fica na Rua da Bica do Marquês 31A, à Calçada da Ajuda, e está aberta quartas e sábados das 15h00 às 18h30.

MESA DE CABECEIRA - Esta semana trago dois livros que nos permitem conhecer melhor o planeta e a sua História. “A Rota do Ouro - Como a Índia Antiga transformou o mundo” relata como durante um milénio e meio, a Índia exportou a sua civilização diversificada e criou à sua volta um vasto império de ideias. A arte indiana, as religiões, a tecnologia, a astronomia, a música, a dança, a literatura, a matemática e a mitologia cruzaram o mundo ao longo de uma Rota do Ouro, que se estendia do Mar Vermelho ao Oceano Pacífico. O jornalista norte americano William Dalrymple recorda a posição da Índia enquanto coração da antiga Eurásia. Relata como a Índia transformou de facto o mundo, do maior templo hindu em Angkor Wat ao budismo da China, do comércio que ajudou a financiar o Império Romano à invenção dos números que usamos na atualidade (incluindo o zero). O autor mostra que a Índia marcou a cultura e a tecnologia não só do mundo antigo, como também do mundo de hoje. Edição D. Quixote. O outro livro, “Pólo Norte, história de uma obsessão” , é escrito por Erling Kagge, um explorador norueguês e a primeira pessoa a ter conseguido atingir os três pólos: o Pólo Norte, o Pólo Sul e o pico do Evereste. O Pólo Norte foi durante séculos um mistério e só há uma centena de anos começou de facto a ser melhor conhecido. Ali, no limite setentrional do planeta, há um único nascer do sol por ano, e o dia dura seis meses; depois, o sol põe-se, e a noite dura outros seis. Erling Kagge fez a sua primeira expedição ao Ártico em 1990, com Børge Ousland e a mais recente ocorreu em 2023 e permite-nos conhecer melhor a natureza no lugar que é considerado o mais inóspito do planeta. O livro tem uma enorme actualidade , já que nunca como hoje o Ártico, a Gronelândia e o Pólo norte estiveram nas primeiras páginas dos jornais e nos grandes debates de geopolítica. Edição Quetzal.

ROTEIRO - A Galeria Ratton apresenta até final de Dezembro a exposição “Correspondências”, que assinala os 38 anos da Galeria Ratton, celebrando azulejos criados por Menez, Graça Morais, Virgínia Fróis e Júlio Pomar. A Ratton tem uma actividade centrada no azulejo e tem trabalhado regularmente com alguns dos maiores artistas portugueses. Na imagem um painel com quatro azulejos de Júlio Pomar. Na galeria pode ainda ver, além desta exposição, algumas obras do seu extenso e importante acervo. No grande hall do MACAM está patente “Juliet and Juliet”, de Isabel Cordovil, a segunda parte do projecto Murmur que integra o programa de exposições temporárias do museu com a apresentação de obras de artistas portugueses e estrangeiros concebidas especialmente para aquele local. Isabel Cordovil apresenta uma instalação em torno da identidade, entre a herdada e a desejada, com curadoria de Carolina Quintela.

OS BLUES, SEMPRE - O saxofonista Charles Lloyd tem um novo disco, “figure in blue, memories of duke” , um dos seus melhores registos recentes. Acompanhado por Jason Moran no piano e por Marvin Sewell na guitarra, Lloyd apresenta 14 temas, predominantemente influenciados pelos blues, ao longo de hora e meia. Entre baladas como “Hina Hanta, the way of peace” e a sonoridade própria dos blues do delta do Mississipi, como Chulahoma”, o disco é uma homenagem a Duke Ellington, em temas como “Black Butterfly” and “Heaven.” e inclui originais de Lloyd além de versões de temas clássicos do jazz e dos blues como em “Blues for Langston”, “Abide for Me”. A forma de tocar guitarra de Sewell, recorrendo ao uso de bottleneck, um clássico dos blues do Mississipi, é uma preciosa contribuição para este disco e o piano de Jason Moran completa o trabalho do trio. A última faixa do disco é “Somewhere”, um tema de Leonard Bernstein para “West Side Story” , aqui numa versão notável. Este é o 12º disco de Charles Lloyd para a editora Blue Note e está disponível nas plataformas de streaming.

ALMANAQUE - Até dia 31 de Janeiro está patente na Lisboa Social Mitra, ao Beato, a exposição “Francisco Sá Carneiro e a Construção da Democracia Portuguesa”, organizada pela Associação Cultural Ephemera, com curadoria e textos de José Pacheco Pereira. A exposição pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 14 às 18 horas, e aos sábados, domingos e feriados das 10 às 18 horas. Ali podemos seguir o que foi a vida pública de Francisco Sá Carneiro com três grandes núcleos temporais e documentais: antes do 25 de Abril, do período revolucionário até à consolidação do regime democrático e, por fim, o legado político do fundador do PPD. São também apresentados documentos inéditos pertencentes ao Arquivo Ephemera e um dos pontos altos é o espólio de Sá Carneiro, guardado pela sua secretária pessoal, Conceição Monteiro, que conservou grande parte dos documentos, pela primeira vez agora revelados ao público.
DIXIT - Todos os fundadores (do PPD) consideravam uma questão de fronteira, uma “linha vermelha” como agora se diz, o seu partido não ser um partido de direita, mas um partido de centro-esquerda (…) como Sá Carneiro sempre repetiu até à morte” - José Pacheco Pereira, no Público.
BACK TO BASICS - “A liberdade é importante, mas tão importante quanto a liberdade são a solidariedade e sermos capazes de lutar pela igualdade” - Francisco Pinto Balsemão
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS

Amada por uns, temida por outros e odiada por mais uns tantos, a chuvinha voltou a entrar nas nossas vidas, um mês depois de o Outono se ter manifestado. Foi para já uma chuva tímida, a preparar as mentes para o inverno que ainda está a meio do seu sono. Um bom dia para ir a um restaurante de bairro, ao lado de casa, onde servem umas febras como eu gosto, finas, grelhadas e estaladiças, acompanhadas por umas batatas fritas naturais sem vestígio de congelador. É meio dia e meia e a casa já está cheia. Estão televisões ligadas num canal de notícias nas duas pontas da sala: enquanto duram as notícias de futebol a atenção dos comensais está mais nos ecrãs que nas bochechas estufadas, que eram o prato do dia. Desaparece o futebol retomam as conversas. De Paris vêm duas notícias: a prisão de Sarkozy com uma Carla Bruni chorosa a dizer-lhe adeus; e logo depois o relato de um tufão que deixou um rasto de destruição em Paris. Sobre a primeira notícia na mesa ao lado ouvi duas raparigas a exclamar “coitada, e tão gira ainda, olhem que cinco anos preso é muito tempo”; e, sobre a outra notícia, ouço apenas um desabafo, masculino por sinal: “já não se pode confiar no tempo, está tudo a mudar, por este andar, depois desta chuvinha de hoje ainda vem para aí um nevão”. Lá fora estavam 21 graus. Tomo o meu café e saio para a rua. Debaixo do toldo do restaurante duas freguesas fumam daqueles cigarros modernos que deitam enormes nuvens de vapor perfumado a tabaco. Fujo dali, escapei ao cheiro da fritura das batatas, não me apetece levar com este em cima. A chuva é pouca, daquela que molha parvos. Assumo a minha humilde condição e lá vou molhar-me.

EXEMPLOS AUTÁRQUICOS - Agora, depois das autárquicas, em que os eleitores escolheram quem querem a governar as suas terra é tempo de deitar mãos à obra, estudar para além dos seus genéricos programas eleitorais e procurar bons exemplos. Trago dois exemplos: uma grande cidade, capital de um país, e outra mais pequena, de outro país, também da Europa, mas mais a sul. A primeira cidade é Copenhaga, a capital da Dinamarca. A segunda é Montpellier, no sul de França, a uma escassa dezena de quilómetros do mar mediterrânico. Copenhaga foi nomeada em Junho como a cidade mais habitável do mundo, num ranking do Global Liveability Ranking, da revista The Economist, que analisou 173 cidades. Copenhaga teve pontuação alta em estabilidade, educação, infraestruturas, saúde, cultura e meio ambiente. O estudo sublinha que Copenhaga conseguiu a “harmonia entre o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento urbano”. Estatísticas oficiais dinamarquesas indicam que mais de um terço dos edifícios habitacionais de Copenhaga pertencem a cooperativas e a evolução dos seus preços tem um efeito regulador sobre o resto do mercado, travando a especulação imobiliária. Este modelo permite ainda que as cooperativas proprietárias dos edifícios impeçam a sua utilização por alojamentos locais turísticos. Ao mesmo tempo as autoridades municipais estimularam a criação de apartamentos para a terceira idade em regime de de utilização comum, o “senior cohousing”. Em Montpellier, uma cidade da província, o número de habitantes cresce e a economia desenvolve-se. Michel Delafosse, o Presidente da Câmara, tem 48 anos, é considerado um potencial candidato presidencial em França e tem sido o responsável pela transformação da cidade, que hoje em dia é um exemplo de urbanismo de vanguarda, com uma nova zona de crescimento económico, a Cidade Criativa, que ficará pronta em 2027. Numas antigas instalações militares, agora desocupadas, disponibilizou 10.000 metros quadrados para estúdios de artistas e áreas de exposição e cosntruíu 2500 novas casas, um terço das quais destinadas a habitação social. E certamente existirão mais exemplos além destas duas cidades. Basta investigar, aprender com os melhores. E fazer de facto, em vez de dizer que se quer fazer.
SEMANADA - Os estudantes do Ensino Superior falharam o pagamento de mais de 36 milhões de euros em propinas às principais universidades e politécnicos públicos, um valor acumulado dos últimos três anos lectivos; 20% dos estudantes do ensino superior frequentam instituições privadas; entre 2019 e 2024 os preços de restauração e alojamento em Portugal subiram 31,4%, bem acima da média de 19,7% dos principais países da europa do sul; dois em cada cinco residentes em Lisboa são estrangeiros; no final de 2024 residiam em Portugal milhão e meio de estrangeiros, 85% dos quais em idade activa; os imigrantes são 17% da força de trabalho; o índice de preços na habitação disparou 22,8% no espaço de um ano e 6.9% face ao trimestre anterior; vários bancos consideram que o crescimento dos preços da habitação, que mais que duplicaram nos últimos dez anos, pode não ser sustentável e constitui um risco de crédito; cada português produziu 519 quilos de lixo em 2024; a potência eléctrica pedida pelos centros de dados que estão em projecto supera toda a capacidade de produção de energia eléctrica actual em Portugal; mais de metade dos docentes portugueses tem mais de 50 anos; o número de alunos nas escolas portuguesas aumentou 30% nos últimos cinco anos; um estudo da Universidade da Beira Interior indica que mais de metade do país corre o risco de ficar sem cobertura jornalística e indica que cresce o número de concelhos sem órgãos de comunicação social que acompanhem a realidade local.
O ARCO DA VELHA - Na proposta de Orçamento de Estado para 2026 o peso dos impostos indirectos na receita fiscal atinge 53,5% , o valor máximo da década.

UM POLICIAL COMO DEVE SER - O título deste romance policial é todo um programa: “A Solidão do Manager”. Trata-se do oitavo livro publicado por Manuel Vásquez Montalbán, em 1977, a época da transição da Espanha do regime franquista para a democracia. É, claro, uma investigação do detective Pepe Carvalho, o personagem criando por Montalbán, um nativo de Barcelona, que mistura ter pertencido ao partido comunista, ter sido agente da CIA e assumidamente ser um gastrónomo que nos deixa as receitas dos petiscos que cozinha noite fora enquanto matuta na investigação que está a fazer naquela altura. A sua escrita é irónica, reflecte os ventos políticos dessa época em Espanha, sobretudo na Catalunha. Neste livro Carvalho e o seu indispensável ajudante Biscuter procuram esclarecer o assassinato de um gestor, catalão, de uma multinacional, depois de ter descoberto que nas contas da empresa falatavam 200 milhões de pesetas - ainda não havia euro na época. Foi encontrado morto com umas cuecas femininas no bolso. Não vou contar a história, mas se querem um policial sério ponham-se na pista do grande Pepe Carvalho, das ruas mal afamadas que frequenta, dos petiscos que devora e das aventuras em que se mete. Edição Quetzal.

MESA DE CABECEIRA - Esta semana, duas leituras que acabam por estar ligadas entre si. Em “As Teorias da Conspiração” (edição Guerra & Paz), o filósofo e historiador Pierre-André Taguieff explica como podem surgir essas teorias, apontando a sua autoria a um ou vários grupos secretos compostos por conspiradores que encontram nas redes sociais um palco privilegiado para a sua actividade, amplificando-a. Em “Teorias da Conspiração”, Taguieff afirma que o conspiracionismo é a resposta a uma procura social por sentido e coerência, e defende que para enquadrar o caos deste mundo nada é melhor do que formular a hipótese de um inimigo invisível e diabólico que explica todos os males da humanidade. O outro livro, “O Clube de Leitura da CIA” (edição Casa das Letras) revela a história verídica de um programa secreto da espionagem norte-americana que conseguiu contrabandear dez milhões de volumes através da vastíssima e fortemente vigiada Cortina de Ferro. A missão visava minar diretamente a censura imposta pelo regime soviético e levar visões políticas e culturais alternativas a um povo privado de acesso à informação livre. Liderado por George Minden a partir dos escritórios da CIA em Manhattan, um homem nascido em Bucareste que compreendia profundamente as realidades e necessidades culturais do Leste, o programa enviava uma diversificada seleção de literatura para a Europa de Leste , desde clássicos de George Orwell a autores populares como Agatha Christie. Estes livros, que funcionavam como faróis de esperança e ar fresco intelectual, eram transportados através de todos os meios imagináveis de contrabando: a bordo de camiões e iates, enviados por balões, escondidos em compartimentos secretos de comboios, ou dissimulados na bagagem de viajantes comuns. Esta história real é narrada pelo jornalista Charlie English e mostra como o impacto desta torrente clandestina de literatura foi particularmente forte na Polónia, onde os livros circularam avidamente contribuindo para o colapso da censura naquele país no final dos anos 80.

OS CICLOS DO OLHAR - Maria Condado utiliza a pintura para combinar a maneira como olha em seu redor com a forma como encara o mundo actual repleto de tensões e conflitos. O título da sua actual exposição na Galeria Carlos Carvalho é “turn, turn,turn”, nome roubado a uma canção de Peter Seeger, popularizada pelos Byrds em 1965. A canção relembra que todas as coisas têm o seu tempo e que se repetem ciclicamente. A exposição está dividida em duas partes - na sala principal da galeria o conjunto de novas pinturas (na imagem) e na sala lateral é apresentada uma projecção de 80 dispositivos em projecção contínua que mostram os ciclos que se sucedem durante os meses de preparação de uma exposição , combinando o tempo da criatividade com a realidade do caos dos dias de hoje. A exposição fica patente até 6 de Dezembro na Galeria Carlos Carvalho, Rua Joly Braga Santos Lote F.
ROTEIRO - Com uma carreira assinalável na área de restauro de obras de arte antigas, Nazaré Tojal apresenta nesta exposição na Galeria Sá da Costa obras suas, novas, que reflectem a sua atracção pela criação de novas formas a partir da recuperação das memórias e de um cuidadoso trabalhar dos materiais diversos onde aplica várias técnicas. “Criaturas Sem Sombra” é o título desta exposição (na imagem) que pode ser visitada até dia 13 de Novembro, de segunda a sábado, entre as 14h30 e as 19h, na Rua Serpa Pinto 19. Na “Pequena Galeria” (Avenida 24 de Julho 4C) o fotógrafo espanhol Antonio Sánchez-Barriga apresenta até 8 de Novembro a exposição “Aberto a Portugal”, que mostra a sua visão sobre o país. Mas o ponto alto da semana é a oitava edição da Drawing Room, uma feira de arte dedicada ao desenho contemporâneo, que decorre na Sociedade Nacional de Belas Artes até domingo, 26 de Outubro. Esta edição reúne obras de mais de 60 artistas nacionais e estrangeiros apresentadas por 23 galerias. A feira acolhe ainda os trabalhos dos finalistas do Prémio FLAD Drawing Room.

QUEBRAR O SILÊNCIO - Este ano Brian Eno já nos tinha brindado com dois trabalhos, “Lateral” e “Luminal”, os dois primeiros passos de uma trilogia que agora se completa com “Liminal”. Todos estes álbuns foram feitos em parceria com Beatie Wolfe, uma artista norte-americana considerada uma das mais inovadoras criadoras na área da música produzida através de recursos digitais. Para algumas pessoas, Eno é hoje em dia pouco mais que um fazedor de música ambiente destinada apenas a ocupar o silêncio. No entanto seria interessante que ouvissem estes trabalhos, todos disponíveis nas plataformas de streaming, e sobretudo este último onde evidencia o facto de ser um compositor capaz de escrever música que vai para além do imediato. Temas como “Corona” ou “Shudder Like Crows” são prova disso mesmo, do talento em conjugar harmonias com a voz e sons dos instrumentos que os dois músicos utilizam. Todos os discos da trilogia, editados pela Verve, estão disponíveis nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Recentemente, alguns activistas foram notícia por rasgar exemplares do livro do Henrique Cymerman (...) Não se defende a liberdade, nem as ideias contrárias às nossas, com censura ou proibição, queima ou rasgar de livros” - Vicente Ferreira da Silva, no Observador.
BACK TO BASICS - “Pintar é apenas outra forma de manter um diário” - Pablo Picasso.
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS

Estou numa aldeia, num caminho de terra que leva a uma fonte, muros de um lado e outro. Nalguns pontos despontam atrás dos muros as cores de uma romãzeira, noutros vislumbram-se dióspiros na sua árvore, descubro depois que também é chamada de caquizeiro, tem origem asiática e pode atingir 10 metros de altura. Se um dióspiro maduro cai lá de cima espalha-se o meio do chão todo esborrachado. É assim que está o chão ao pé daquele muro. Já só se vêem dióspiros nos ramos mais altos, os que ficavam ao alcance da mão sumiram-se naturalmente. A melhor parte de passear assim num caminho no meio do campo, ao fim da tarde, é podermos ver o que numa cidade não se vê. E não falo só da natureza, das árvores, dos frutos, da água que corre da fonte para o ribeiro. Eu gosto de olhar para pormenores e os muros de pedra fascinam-me sempre. De repente vejo isto - um muro de pedra que levou com um tijolo a espreitar lá no meio. Não há imaginação que explique como aquele tijolo foi ali parar. Que faz um tijolo numa parede de pedra? Da maneira que está pode ser que tenha sido usado para espreitar de um lado para o outro do muro. Sendo assim, talvez seja um tijolo espião, que facilite a vida aos espreitadores. Será que do outro lado alguém gosta de ver quem passa no caminho? Ou é a forma de ver quem quer lançar a mão aos dióspiros? Fico parado a olhar, percebo que também eu posso deste lado espreitar. Estas coisas, para mim, são fascinantes. Ponho-me logo a pensar quem terá tido a ideia de montar este sistema de observação. Ou será que estou a fantasiar e isto foi apenas um acaso do destino, uma maneira de tapar um buraco no muro com o que estivesse à mão? Nunca vou descobrir o que faz este tijolo naquele muro.

O MOVIMENTO ELEITORAL - Ao fim de uma semana já foi (quase) tudo dito sobre as autárquicas de domingo passado. O maior dos vencedores é o bipartidarismo, a hegemonia de PSD e PS, que havia sido seriamente atingida nas legislativas de Maio deste ano: em conjunto os dois partidos dominam 262 das 308 Câmaras do país. O Chega não alcançou o que pretendia, mas os vereadores que elegeu podem ser determinantes para a governabilidade de 39 câmaras. Já o PCP de uma assentada perdeu Évora, Setúbal e a simbólica Grândola. Há também um reforço das candidaturas independentes, em número de candidatos e em resultados obtidos. E há o caso de Lisboa, que merece atenção. Vejamos o que se passou: Carlos Moedas, com mais de 110 mil votos, aumentou a votação dos partidos que o apoiaram, em quase 20% em comparação com o resultado de 2021, e isto apesar de um Chega que passou de dez mil para quase 27 mil votos. Já o PS, coligado com o BE, o Livre e o PAN, viu diminuir em cerca de 12% a votação obtida em conjunto por esses partidos em 2021. Os 15.000 votos então obtidos pelo BE evaporaram-se em boa parte. O PCP teve até um ligeiro aumento. apesar do insistente apelo ao voto útil por parte de Mariana Leitão. A estratégia de alianças da candidata do PS não funcionou e o Bloco afugentou muitos eleitores, o que não deve ser surpresa para ninguém excepto para os próprios. Mas os números mostram também outra coisa: a esquerda, entendida em sentido lato, englobando PS, Livre, BE e PCP teve um total de quase 117 mil votos, mas os partidos à sua direita, PSD, CDS, IL e também o Chega, todos juntos, somaram mais de 137.000 votos. Ou seja, a diferença entre esquerda e direita em Lisboa nunca foi tão acentuada, o que é uma novidade, e isto num cenário em que em Lisboa votaram agora mais 23 mil eleitores do que em 2021. É um sinal de que houve mudanças demográficas acentuadas na cidade, a gentrificação produz efeitos políticos e não se ganham eleições com campanhas que não percebem estas mudanças. A cidade está a mudar, não para melhor como quem lá vive sabe, e a nova demografia tem reflexos eleitorais. Durante quatro anos Carlos Moedas usou como argumento para uma gestão pouco ambiciosa o facto de não dispor de uma maioria. A grande curiosidade será ver como agora, com estes resultados, ele irá actuar nas áreas onde a cidade não tem funcionado. Os maiores problemas, verdade seja dita, vêm do tempo de Costa e Medina, como a limpeza ou os transportes públicos, o excesso de turismo e de alojamentos locais, mas nestes quatro ano alguns até pioraram. A ver vamos como Moedas se portará com esta votação reforçada, se tem rasgo, ideias e coragem para as pôr em prática e fazer aquilo que há quatro anos prometeu e não cumpriu: tornar Lisboa uma cidade agradável para quem lá vive e não só para os visitantes.
SEMANADA - Segundo a PJ, o número de mulheres detidas desde o início do ano por provocarem incêndios florestais aumentou de forma considerável: das 88 detenções registadas em 2025, 18 são mulheres, e há até octogenárias detidas; a quase totalidade dos suspeitos é responsável por mais do que uma ignição; um estudo da OCDE revela que apenas metade dos adultos portugueses têm competências básicas de literacia; o mesmo estudo indica que um licenciado português tem um nível de literacia equivalente ao de um adulto finlandês com o ensino secundário; nos primeiros nove meses de 2025, até setembro quase milhão e meio de chamadas para linha saúde 24 do SNS ficaram por atender, um aumento de cerca de 941% em relação ao mesmo período do ano passado; 79% dos portugueses usufruem de algum tipo de seguro, plano ou subsistema de saúde; 24% dos portugueses recorrem a um hospital privado em caso de necessidade de recurso a um médico; Portugal importa da China mais de 10 mil euros por minuto, sendo já o maior fornecedor de Portugal fora da Europa; Pequim representou 16,7% do défice comercial português em 2024; este ano, até setembro, foram vendidos, em média 50 carros por dia; em agosto de 2025 estavam registados 35.958 veículos afectos à actividade TVDE, dos quais 8,5% usam motores de combustão e há 39.049 condutores activos desses veículos, 50% dos quais são portugueses, 20% brasileiros, e 23% da Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal; na segunda-feira passada um comboio Intercidades da CP que ligava Lisboa a Faro perdeu uma carruagem a meio da viagem, quando o engate que ligava duas carruagens se partiu, aparentemente por deficiente manutenção do equipamento.
O ARCO DA VELHA - Durante os preparativos para as Jornadas Mundiais da Juventude, em 2023, as coroas de palmas das colunas monumentais de Keil do Amaral no Parque Eduardo VII foram retiradas com a indicação de que iriam para manutenção e restauro. Nunca mais voltaram a ser colocadas e em vez de restauro estão ao abandono num talhão vazio do Cemitério de Carnide, sem proteção adequada.
SOBRE A PINTURA - Na Galeria Diferença, que está com nova dinâmica desde há algum tempo, Isabel Garcia apresenta até 31 de Outubro uma série de novos trabalhos sob o título “Poppy Day”, com pinturas de maior dimensão que o habitual na artista e que se inspiram nas cápsulas das papoilas depois da floração, muitos com cores intensas. Outros mostram as plantas na altura em que as flores vermelhas já partiram mas permanece a sua memória com os caules delgados a erguerem-se rasgando o azul do céu. Estes trabalhos são um testemunho da força da pintura, da capacidade de comunicação que pode ser estabelecida entre o artista e os seus públicos. A exposição inclui ainda duas instalações que simbolizam a permanente renovação das plantas. A Galeria Diferença fica na Rua São Filipe Neri 42.

ROTEIRO - Na Galeria Cristina Guerra (Rua de Santo António à Estrela 33), a artista brasileira Rosângela Rennó mostra até 15 de Novembro um conjunto de obras que, com recurso à fotografia como base de trabalho, exploram imagens geradas a partir de fotografias, umas actuais, outras provenientes de arquivos, todas elas manipuladas e que têm em comum a evocação dos laços históricos, coloniais e contemporâneos, entre Portugal e o Brasil, incluindo terras brasileiras, portuguesas e personagens dos dois lados do Atlântico (na imagem). Por curiosidade, na mesma rua, foram apresentadas na semana passada as novas instalações da galeria Movart, que nasceu em Luanda e tem também este espaço em Lisboa, no nº 74 da Rua de Santo António à Estrela. As exposições inaugurais apresentam trabalhos de Jules Be Kuti (“Fragment from an Invisible Masculinity”) e Fidel Évora (“Coisas do Coração e Não Coisas”), esta com curadoria de João Silvério.

O DESEJO - O novo livro de fotografia de Alfredo Cunha é dedicado primordialmente ao corpo humano e o seu título é o relato das imagens: “Cartografia do Desejo”. Conhecido pelas suas reportagens fotográficas e pelo testemunho de épocas como o 25 de Abril e o período de 1974 e 1975, Alfredo Cunha sai da sua trajetória habitual de fotojornalista e, a partir de fotografias efetuadas durante a preparação do espectáculo de dança “Há Qualquer Coisa Prestes A Acontecer”, de Victor Hugo Pontes, no Teatro Nacional de S. João, fotografa a nudez e o corpo, numa narrativa de imagens que ocupam boa parte do livro. Já no final mostra um lado de imaginação que evolui a partir das formas do corpo. O livro inclui uma série de textos de Ana Aragão, que de alguma forma enquadram, bem, as suas quatro partes: “Do Desejo”, “Abismo, Encontro, Intimidade” e, porventura as mais interessantes, “Miopia” e “Plástico Fetiche”. Com uma paginação cuidada e uma impressão muito boa, esta obra permite conhecer uma outra dimensão do trabalho de Alfredo Cunha. Edição Guerra & Paz, com o apoio da SPA e da empresa DST.

O FADO DO PAÍS - De entre toda a nova geração de fadistas, Carminho é a intérprete que mais procura experimentar, romper tradições, ousar o acompanhamento de instrumentos improváveis, da guitarra eléctrica até teclados electrónicos. E, desde há algum tempo, é ela que faz questão de assumir a produção musical dos seus discos. No anterior álbum, de 2023, “A Portuguesa”, utilizou guitarra eléctrica. A seguir gravou um EP em Nova Iorque nos estúdios Electrical Audio com sonoridades simples e também inesperadas, e a participação de Caetano Veloso numa versão de “Os Argonautas”. Agora, o novo disco vai ainda mais por terrenos musicais pouco explorados pelo fado, ao incluir alguns instrumentos como o mellotron. “Eu Vou Morrer de Amor ou Resistir” é o nome deste disco em que dois dos principais temas são baseados em poemas de Ana Hatherly - “Balada do País Que Dói” e “Saber” - este último com a participação de Laurie Anderson, que canta, em dueto virtual, este poema que gravou em inglês a pedido de Carminho. O disco inclui ainda poemas de Amália Rodrigues, Pedro Homem de Mello, a participação de Mário Laginha em “Dia Cinzento” e uma versão de um clássico de Norberto Araújo e Raul Ferrão, “Lá Vai Lisboa”. São onze temas onde a voz e a capacidade de interpretação de Carminho surgem de forma perfeita, quer na entoação, quer na maneira como diz as palavras que canta e que atinge o expoente na forma como interpreta “Balada do País Que Dói”. É um disco emocionante. Disponível nas plataformas de streaming.

A NÃO PERDER - Baseado num livro de José Cardoso Pires, adaptado a cinema por António Pedro Vasconcelos e realizado e fotografado a preto e branco por Mário Barroso, “Lavagante” é um filme que vale a pena ser visto, com grandes interpretações de Júlia Palha, Francisco Froes, Nuno Lopes e Diogo infante, entre outros. É o retrato de um Portugal que não se deve esquecer e é, também, uma grande história de amor.
ALMANAQUE - No Rio de Janeiro, no Centro Cultural do Banco do Brasil, José Pedro Croft tem até 17 de Novembro uma grande exposição que, sob o título “Reflexos, Enclaves, Desvios”, apresenta 170 obras, entre esculturas, desenhos, gravuras e pinturas. A exposição foi adaptada à arquitectura do edifício e Croft criou uma instalação especialmente para o espaço da rotunda do edifício. Utilizando espelhos, construíu uma ilusão de ótica que transforma a claraboia do CCBB Rio de Janeiro num poço de 40 metros de profundidade.
DIXIT - “(Nestas eleições) o fenómeno maior é o da rejeição dos partidos dos extremos. Não foi a moderação que triunfou – foi o extremismo que foi rejeitado” - Miguel Esteves Cardoso
BACK TO BASICS - “Perdoem aos vossos inimigos mas nunca se esqueçam dos seus nomes” - John F. Kennedy.
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Volta e meia vou pela rua fora e, de repente, vejo alguma coisa que me atrai o olhar e decido parar. Nessa altura pergunto-me se vale a pena fotografar o que me chamou a atenção. Na maioria das vezes paro e fixo a imagem. Uma coisa que a fotografia faz em mim é oferecer-me pequenos interregnos no caminho que seguia, obrigar-me a estar atento a ver se alguma coisa me interessa, por mais banal que seja. Muitas vezes andamos demasiado depressa, sem ter tempo para olhar bem o que existe à nossa volta. Mas se formos andando a pensar que pode de repente surgir uma fotografia, ganhamos outro ritmo. Quando decidimos fixar uma imagem, com o smartphone ou uma câmera fotográfica, congelamos o olhar e, de alguma forma, transformamos o que pode parecer banal em algo diferente, pelo menos para nós próprios. Uma fotografia é apenas uma recordação de uma pausa que tivemos quando olhámos à volta. Na realidade a fotografia nasce quando parámos, em vez de seguir caminho ignorando o que vemos. O que me fascina na fotografia é não apenas fixar uma imagem, mas obrigar-me a ver melhor o que se passa e ter a noção de que mesmo pequenos detalhes de formas ou de sombras conseguem chamar a atenção de forma diferente da que existiria se fôssemos apenas andando a olhar em frente. Uma das coisas que a fotografia me traz, e de que gosto, é essa possibilidade de introduzir uma pausa no percurso. Por exemplo, esta imagem que hoje publico não existiria se eu fosse a andar rapidamente em direcção ao restaurante onde ía almoçar. Esta fotografia existe porque olhei para o lado e vi este emaranhado de fios: o contraste com a parede e as sombras obrigaram-me a parar e a guardar este novelo, um dos muitos que existem por todo o lado sem darmos por eles, apesar da perturbação que produzem nas paredes onde estão. Será que às vezes escolhemos não ver o que está a mais?

AS ELEIÇÕES - Domingo 12 de Outubro teremos 308 eleições simultâneas, nas autarquias de todo o país. Este ano há maior número de independentes a concorrer e disputas acesas em cidades como Lisboa, Porto e Setúbal. Existe a possibilidade de o Chega conseguir uma presença autárquica relevante, que ainda não tem. Será curioso ver, apesar da natureza diferente dos actos eleitorais, como os votos conquistados por André Ventura nas legislativas deste ano nalgumas regiões, sobretudo no sul do país, se traduzirão agora numas eleições onde o perfil pessoal dos candidatos locais conta muito na hora de os eleitores irem votar, mais do que a figura dos líderes partidários. Uma vez apurados os resultados será muito interessante avaliar a influência que o Chega pode ter na constituição de maiorias pós eleitorais em autarquias onde, na vereação, pode vir a formar maioria com a AD. Peguemos o caso de Lisboa ou Porto, onde segundo as sondagens, há um empate técnico entre os candidatos do PS e da AD. Conviria que Pedro Duarte, no Porto, e Carlos Moedas, em Lisboa, esclarecessem como tencionam fazer acordos de que inevitavelmente necessitarão para governar caso vençam - e que o façam de forma clara e sem sofismas. Nas autárquicas o Presidente da Câmara é aquele que tiver mais votos, mas com a lei eleitoral actual, pode haver nos executivos autárquicos uma maioria de sentido contrário à preferência da maioria dos eleitores. O resultado é uma mixórdia política que representa, em última análise, a subversão do sentido maioritário dos votos. Desejo que nestas próximas autárquicas cidades como Lisboa possam sair da degradação em que caíram, mais vocacionadas para acolher visitantes do que em garantir limpeza, segurança e comodidade aos seus habitantes. E o mesmo digo em relação a Setúbal, onde o regresso de Maria das Dores Meira pode ser uma lufada de ar fresco.
SEMANADA - O preço das habitações aumentou 17,2% no segundo trimestre, face a igual período do ano passado; Portugal está entre os 12 Estados-membros da UE onde os preços da habitação mais do que duplicaram desde 2010, com um aumento de 141%; mais de metade dos candidatos a futuros juízes e procuradores chumbaram nos exames psicológicos, do Centro de Estudos Judiciários com elevado número de pareceres psicológicos “não favoráveis” e muitos dos candidatos considerados como não aptos foram dos que obtiveram melhores notas nas provas escritas e orais; cerca de 40% das mortes por atropelamento em Portugal acontecem em passadeiras e em 2024 a GNR registou 355 acidentes em passadeiras, resultando em 30 mortes e 147 feridos graves, enquanto a PSP contabilizou 3.107 atropelamentos, com 24 vítimas mortais; o número de utentes que aguardam cirurgia além do tempo máximo previsto na lei tem aumentado nos últimos meses e cifrou-se em 75 641 no final de julho, mais 1519 que no mês homólogo de 2024; de acordo com a Marktest o universo de utilizadores de internet do escalão etário 55-64 cresceu quase 7,3 pontos percentuais entre 2024 e 2025 e este crescimento acontece maioritariamente no telemóvel; a média nacional de utilizadores de internet é de 86,1% e na faixa entre os 15 e os 34 anos, verifica-se que praticamente 100% dos cidadãos usam a internet, com 84,5% dos portugueses a privilegiar o telemóvel para aceder a sites e aplicações móveis; o tik-tok tem 4,2 milhões de utilizadores em Portugal; um homem que queria ser bombeiro ateou dois fogos em Póvoa de Lanhoso que obrigaram à evacuação de casas, uma escola e um lar de idosos.
O ARCO DA VELHA - Os Anjos diziam querer defender a sua imagem, mas só a estragaram com o processo que moveram a Joana Marques.

UMA HISTÓRIA DIVERTIDA - Provavelmente este é o romance mais inesperado e envolvente que li nos últimos meses. A ideia é brilhante: uma livreira japonesa, apaixonada por literatura, adere a uma rede social local, Perfect Strangers, cujo objectivo é proporcionar encontros entre duas pessoas para se conhecerem melhor, encontros que à partida não implicam envolvimento de qualquer natureza e que devem ter uma duração máxima de 30 minutos. Nanako Hanada, a livreira e autora deste romance autobiográfico, propõe encontros onde tem por objectivo conhecer outros apaixonados por livros e sugerir-lhes uma obra que eles ainda não conheçam e que ela considere que lhes é particularmente adequada. As suas sugestões vão de livros de viagens a ensaios, passando pelo enorme universo de Manga, a forma literária de banda desenhada muito popular no Japão. Os seus encontros permitem-lhe descobrir pessoas e novos mundos em Tóquio e dar uma utilidade ao seu enciclopédico conhecimento sobre livros: “Gosto de trabalhar em livrarias, onde posso partilhar os livros com as pessoas”. No final há uma lista dos livros recomendados e, para os leitores deste”Confissões de Uma Livreira”, Nanako Hanada fez também uma lista de livros. Edição Casa das Letras.
MESA DE CABECEIRA - Samuel Fitoussi é um ensaísta, colunista e investigador francês que coloca esta pergunta como título do seu livro: “Porque se Enganam os Intelectuais?”. Fitoussi reflecte sobre como a ideologia pode impedir o cérebro de funcionar, levando alguns intelectuais à cegueira na sua relação com a realidade da sociedade onde vivem. Samuel Fitoussi é da opinião que a Universidade, considerada um templo do conhecimento, corre hoje o risco de se tornar um mundo fechado, virado só para si mesmo - um mundo onde a realidade da vida não entra. Bem diferente é “Enigmas da História da Arte” , onde Susie Hodge e Gareth Moore mostram 36 obras de referência de nomes clássicos da história da pintura como Botticelli, Hieronymous Bosch, Rafael, Ticiano, Bruegel, Velásquez, Vermeer, Goya, Manet ou Van Gogh, mas também pintores mais recentes como Miró, Picasso, Mondrian, Dali, Basquiat e Keith Haring, entre outros. Cada quadro é identificado e contada a sua história, assim como a do seu autor e para cada obra é feito um conjunto de perguntas, decorrentes da respectiva observação, e que desafiam o leitor a aprofundar o seu conhecimento. Edição Arte Plural.

GUACHES E CERÂMICA - A galeria Rui Freire (Rua Serpa Pinto nº1), apresenta “Momento Suspenso”, uma nova exposição do mais recente trabalho de Bela Silva com 17 guaches sobre papel e uma peça de cerâmica. Mais conhecida pelo seu trabalho em cerâmica, Bela Silva trabalha também na pintura em guache, no desenho, em murais e em azulejo. A série agora exposta é inspirada no património do Palácio Fronteira e Bela Silva evoca a tradição do azulejo em composições muito vivas onde jardins, pássaros e folhagens ganham nova vida com as cores intensas que a artista utiliza e que são a sua imagem de marca nos diversos suportes em que trabalha. Bela Silva tem apresentado exposições em instituições como o Museu Nacional do Azulejo, o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu do Oriente, a Villa Tamaris em França, a Rhona Hoffman Gallery de Chicago e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no Brasil. Bela Silva nasceu em Lisboa, onde estudou em Belas Artes e na Ar.Co, tendo depois prosseguido os seus estudos na University of Fine Arts em Norwich e no Art Institute de Chicago.

ROTEIRO - Luísa Ferreira apresenta na Mira Galerias (Rua Miraflor, nº 155, no Porto), a exposição “Um Cão Que Sonha”, fruto de um trabalho realizado com Agustina Bessa Luís. O título da exposição é o de um livro que Agustina ofereceu a Luísa Ferreira no primeiro encontro de ambas, na casa da escritora na Rua do Gólgota, após uma sessão de retrato. Esse foi o primeiro de muitos outros encontros, entre o final do século XX e o início do século XXI, que permitiram a Luísa Ferreira recolher um conjunto de imagens profundamente ligadas ao universo da escritora, como esta aqui publicada e que mostra a mão de Agustina a indicar uma página de um dos seus livros. Também no Porto, mas em Serralves, uma outra exposição de fotografia mostra “All Beauty Must Die”, um trabalho de Patrícia Almeida, que teve recentemente um livro que mostra a sua obra fotográfica na colecção Ph. da Imprensa Nacional. A série exposta em Serralves mostra o registo de imagens em festivais de música, nomeadamente em Paredes de Coura e na ilha do Ermal. E em Lisboa, permanecendo ainda na fotografia, Pedro Reigadas é o curador da exposição “José Veloso de Castro. A Revelação de um Artista”, que fica no Museu Militar até 31 de Dezembro. Esta é a primeira grande exposição dedicada à obra do Major Veloso de Castro. As 120 fotografias apresentadas, com excelente impressão, foram captadas em Angola entre 1904 e 1912 e são um exemplo de documentação colonial e militar sobre o quotidiano em Angola no início do século XX. O Museu fica na Rua do Museu de Artilharia 51.

UM PORTUGUÊS NOS GRAMMY - O disco “Origins” do quarteto do saxofonista português César Cardoso, foi nomeado para os Grammy deste ano na categoria de melhor álbum de jazz instrumental, melhor composição original (com o tema título “Origins”) e melhor interpretação com o tema “Vila Forte” (que tem a participação do fadista Ricardo Ribeiro). Editado em Maio deste ano, “Origins” é o quinto disco do músico e o quarteto que o gravou e integra, além de César Cardoso no saxofone, Óscar Marcelino da Graça no piano, Demian Cabaud no baixo e Pedro Felgar na bateria. Com oito temas, todos da autoria de César Cardoso, o disco tem servido de base à digressão que o quarteto tem efectuado uma digressão. Destaca-se o fraseado claro do saxofone de César Cardoso que é o pólo aglutinador do trabalho dos outros músicos, com destaque para o trabalho do pianista e da secção rítmica. César Cardoso nasceu em Leiria e além deste seu quarteto impulsiona a Orquestra de Jazz de Leiria. “Origins” está disponível nas plataformas de streaming.
ALMANAQUE - O museu Victoria & Albert, em Londres, apresenta até Março do próximo ano a exposição “Marie Antoinette Style” que apresenta roupas, jóias, mobiliário e diversos objectos pessoais que pertenceram à rainha Maria Antonieta, e explora a sua influência no design, dos criadores de moda, em filmes e na arte ao longo de 250 anos.
DIXIT - “Mais de 80 municípios não têm um único jornal e 74 não têm uma única rádio. Sem jornalismo local, o escrutínio de políticos, empresários e gestores públicos é nulo” - Bárbara Reis
BACK TO BASICS - “Até os deuses gostam de uma piada” - Aristóteles
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Desde os tempos mais remotos o homem é desafiado a moldar o ferro e dele foi fazendo, ao longo dos séculos, matéria prima para criar o necessário para a vida e para a guerra, já que é o quarto elemento mais abundante na crosta do nosso planeta e um dos constituintes principais do núcleo da Terra. Trabalhar o ferro exige saber e destreza. Usá-lo como base de produção artística é um desafio em tudo: na criação de formas, na sua cor e como reage à luz, na imagem que projecta na imaginação de cada pessoa. Rui Chafes é um escultor português que usa o ferro como matéria prima. Além do ferro que molda e solda, das formas que cria, usa apenas o desenho como se fosse um diário, não o misturando com a sua oficina onde só existe o metal e os utensílios para o trabalhar. Chafes é também um apaixonado pelas palavras e foi o tradutor, logo aos 25 anos, de “Fragmentos de Novalis”, uma obra de referência com citações de Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, um expoente do período do idealismo alemão no final do século XVIII. São dele frases como “apenas um artista é capaz de adivinhar o sentido da vida” ou “o maior bem consiste na imaginação”. Cada trabalho de Rui Chafes tem um período de preparação longo: levou nove meses a trabalhar nas 19 novas obras, de grandes dimensões, suspensas do tecto na Galeria Filomena Soares, e que, logo à entrada, formam uma floresta aberta a todas as interpretações - intenção desde logo manifestada no título “Acredito em tudo”. Para além da emoção imediata que a primeira visão deste conjunto de obras provoca, há depois toda uma descoberta de pormenores, dentro de cada uma das esculturas, do ferro que, mesmo sendo negro, tem uma luz própria, como este fragmento mostrado na imagem. Ao ver de perto essas obras é inevitável recordar uma outra citação de Novalis - “a luz é símbolo da verdadeira lucidez”. O trabalho de Rui Chafes suscita inquietações e pode ter várias interpretações, sobretudo nestes tempos tão estranhos e preocupantes. Numa conversa que teve com Delfim Sardo e Nuno Faria em Março de 2019, a propósito da exposição “Desenho Sem Fim”, Chafes afirma: “O resultado artístico final tem de ser muito mais forte do que as intenções conceptuais do artista: não pode necessitar de explicações para ter força. Uma obra de arte, seja de que natureza for, tem de existir na sua autonomia”.

TVDE’S DESCONTROLADOS - Na semana passada houve um dia, a meio da tarde, fora da chamada hora de ponta, em que tive que percorrer várias zonas do centro de Lisboa e não foi de automóvel. No meio do congestionamento de trânsito generalizado foi fácil fazer uma constatação: a maioria dos carros que estavam a circular eram TVDE’s, nalguns locais certamente mais de 80% do total. Lisboa está invadida por TVDE’s e ninguém sabe quantos circulam nas ruas da cidade. Mas claramente há demais. Aparentemente não existe regulação nesta matéria, ao contrário do que acontece com os táxis. Há um excesso de TVDE’s a circular que perturbam o trânsito, são directa e indiretamente poluentes e, além disso, em grande número de casos, são conduzidos de forma perigosa e ao arrepio do código da estrada. Há poucos dias a PSP efetuou em várias cidades uma operação a que chamou “Transporte Seguro”, focada na fiscalização de TVDE’s, e os resultados são preocupantes: 28 pessoas detidas, das quais 20 por condução em estado de embriaguez, cinco por falta de habilitação legal e três por outras situações de âmbito criminal. Foram registadas 290 infrações, destacando-se 126 por excesso de velocidade, 35 por falta de inspeção periódica obrigatória e 16 por falta de seguro de responsabilidade civil. Foram também detectados condutores não inscritos, ausência de contratos entre motoristas e operadores e certificados em falta. 15 viaturas foram apreendidas. A verdade é esta: no universo dos TVDE’s reina a rebaldaria. Tem de haver um sistema que limite o número de veículos em circulação, a concessão de licenças tem de ser revista, a habilitação dos condutores tem de ser mais rigorosa e exigente. Assim como está é que não pode continuar e já agora era bom que os candidatos autárquicos, sobretudo em Lisboa, dissessem o que pensam fazer para inverter esta situação. Quando se anda a pé no centro da cidade, o ar, muitas vezes, é irrespirável com a concentração de trânsito e motores a trabalhar, parados em intermináveis engarrafamentos onde os protagonistas principais são quase sempre os TVDE’s.
SEMANADA - O valor cobrado do IMT e IMI aumentou 91% numa década e o peso desses impostos ligados ao imobiliário na receita total dos municípios cresceu de 11% para 27% no mesmo período de tempo; em 2009, o número de transações de habitações usadas foi de 59 mil, contra 41 mil transações de novas habitações mas em 2024 a situação inverteu-se e foram transaccionadas 124 mil usadas e apenas 32 mil novas; no final do 2.º trimestre do ano existiam em Portugal 4,7 milhões de assinantes do serviço de TV por cabo, mais 40 mil do que no trimestre homólogo; em Portugal, de acordo com dados do barómetro Bstream da Marktest, o ano de 2024 terminou com mais de metade dos portugueses (52%) a utilizarem plataformas de streaming, um número recorde; em 2024 existiam 1.799.179 portugueses emigrados, o segundo valor mais alto desde 2015; Portugal é o segundo país mais desigual da OCDE; 11.680 crianças e jovens estavam em 2024 fora da família de origem em diversas instituições de acolhimento; no primeiro semestre do ano foram registados 711 casos de abuso sexual de crianças; segundo a Ordem dos Psicólogos metade da população portuguesa está insatisfeita com a sua vida sexual: a Polícia Judiciária deteve duas idosas, ambas de 81 anos, por suspeita de terem ateado pelo menos 11 fogos, em Paredes e Loulé; Miguel Pinto Luz, o ministro com a tutela dos transportes, reconheceu que passado um mês sobre o acidente o governo ainda está a averiguar quem é a entidade responsável pela fiscalização do elevador da Glória.
O ARCO DA VELHA - Um homem com doença hepática crónica, que entrou nas urgências do Barreiro, teve alta por abandono porque estava numa maca à espera de ser observado e ninguém deu por ele. Foi encontrado pela nora ao fim de sete horas e morreu 24 horas depois.

FOTOGRAFIA - A colecção Ph., uma iniciativa editorial da Imprensa Nacional dinamizada por Cláudio Garrudo, é uma coerente selecção de autores portugueses de fotografia que tem permitido agrupar e editar obras diversas, mas significativas e importantes no contexto da fotografia portuguesa. O seu novo volume é dedicado a Patrícia Almeida, uma fotógrafa prematuramente desaparecida em 2017, então com 47 anos de idade e 15 de actividade artística. Licenciada em História estudou Imagem e Comunicação em Londres e a sua obra focou-se sobretudo na fotografia documental, com particular atenção à vida urbana. Duas vezes finalista do prémio BES Photo, o seu livro “No Parking”, produzido em Tóquio no início deste século, valeu-lhe o prémio “European Photo Exhibition Award". Criou a editora Ghost dedicada a projectos de fotografia e integrava o colectivo POC, Piece Of Cake. No prefácio que José Bértolo escreveu para esta edição da Ph., é sublinhado que “o livro de fotografia “constitui talvez o maior acto de resistência contra a morte a que um fotógrafo pode aspirar”. Nesta edição são recolhidas fotografias dos quatro livros de Patrícia Almeida: “Locations”, “No Parking”, “Portobello”, “All Beauty Must Die” e “Ma Vie Va Changer” e através das imagens selecionadas desses quatro momentos bem distintos é possível compreender a evolução do olhar de Patrícia Almeida, a forma como observou o quotidiano urbano mas também a forma como olhou para si própria e fotografou os seus estados de espírito e, também, uma reflexão sobre o que acontecia à sua volta. Na imagem uma das duplas páginas da série “No Parking”. Edição Imprensa Nacional.

ESCULTURA - “Acredito em tudo/ I believe in everything”, a mostra de novos trabalhos de Rui Chafes na Galeria Filomena Soares, é uma exposição emocionante e provavelmente a melhor do ano até agora. As 19 peças, de grandes dimensões, em ferro trabalhado, suspensas do tecto, evocam tanto um bosque como uma formação militar com flâmulas ao vento, umas mais definidas, outras como que esfarrapadas (na imagem). Rui Chafes levou nove meses a fazer estas peças, um laborioso trabalho oficinal no seu atelier. As peças oscilam entre os dois metros e os dois metros e cinquenta de altura. Algumas parecem lanças, outras árvores despidas no outono. Quando se olha o conjunto tem-se uma sensação de que algo pode acontecer e não sabemos o que será. Provavelmente a intenção de Rui Chafes quando começou esta série não previa a leitura política que agora é inevitável quando se olha com atenção para o conjunto das 19 esculturas e para cada uma delas em particular. Há também, como acontece muitas vezes com obras de Rui Chafes, um apelo romântico que impulsiona a imaginação de quem olha - e é precisamente daí que nasce a emoção que este conjunto de esculturas suscita. Até 15 de Novembro na Galeria Filomena Soares, Rua da Manutenção 80, Lisboa.

ROTEIRO - Volta e meia o átrio do Hotel Tivoli Avenida é tomado por um artista plástico que ali deixa, por algum tempo, a sua marca. Desta vez a escolha do Hotel e da curadoria destas iniciativas, a cargo de O Apartamento, recaíu em Jorge Feijão. O artista criou uma instalação a quase toda a altura do átrio, inspirada na pintura renascentista, que evoca a figura do Arcanjo Miguel (na foto). Ao longo de um ano Jorge Feijão trabalhou nas muitas dezenas de minuciosos desenhos e pinturas que, em conjunto, formam a figura do Arcanjo Miguel, junto a um dos três painéis de madeira, com recortes geométricos, do átrio do hotel. O título da exposição é “o Sonho de Gyorgy” , uma referência à obra do compositor Gyorgy Ligeti. Outras exposições que vale a pena visitar em galerias lisboetas: Na Galeria Vera Cortês, Rua João Saraiva 18, João Louro apresenta “The Origin Of Predatory Animals”, inspirada pelos escritos de Charles Darwin sobre a origem das espécies. Na Galeria das Salgadeiras, Rui Soares Costa apresenta esculturas, pintura e fotografia numa exposição com o título "More than human"( Av. Estados Unidos da América 53 D). Na Galeria Monitor Lisboa (Rua da Páscoa 91), Diogo Pinto apresenta uma nova série de pinturas com o título “Agência”, que evoca a Expo 98 e essa época, incluindo um quadro que simula a figura de Cavaco Silva. E na Galeria Graça Brandão (Rua dos Caetanos 26), pode ser vista uma exposição de fotografias de Maria José Palla, recentemente falecida, e uma outra de escultura, de Francisco Figueiredo Lopes. E na Balcony Nuno Nunes Ferreira apresenta “Prima Ester”, que a partir de recortes de jornal e baús revisita o que foi a chegada dos retornados a Portugal em 1975 (Rua Coronel Bento Roma 12A)
GUITARRADA - Wolfgang Muthspiel é um guitarrista de jazz austríaco e o seu trio incorpora os norte-americanos Scott Colley no baixo e Brian Blade na bateria. O terceiro álbum deste trio, agora editado, inclui uma dezena de temas gravados ao vivo em Tokyo no final de 2004. O título do álbum é aliás “Tokyo” e tem por base as gravações dos concertos que o trio fez nessa cidade japonesa e de uma sessão de estúdio, com produção de Manfred Eicher, o fundador da ECM. Logo a começar está uma versão de um original de Keith Jarrett, “Lisbon Stomp”, do álbum “Life Between the Exit Signs”, de 1968. Nos originais de Muthspiel neste disco destacam-se baladas como “Pradela” e “Traversia”, uma homenagem a Kurt Weil, “Weill You Wait” e um tema bem swingante, “Roll”. Existe ainda uma outra versão, “Abacus”, de Paul Motian, uma jóia que é a derradeira faixa deste álbum onde a sonoridade da guitarra de Muthspiel está sempre presente. Edição ECM, disponível nas plataformas de streaming.
ALMANAQUE - Um dos mais importantes artistas norte americanos, Kerry James Marshall, tem a sua maior retrospectiva de sempre na Europa na Royal Academy Of Arts, de Londres. Intitulada "The Histories”, a exposição apresenta 70 trabalhos e fica patente até 18 de Janeiro, devendo depois ser apresentada em Paris e Zurique. Kerry James Marshall inspira-se na história da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, aproxima-se graficamente da banda desenhada e da ficção científica, além das suas próprias memórias. O seu trabalho tanto interpreta o passado, como o dia-a-dia actual e deixa no ar a ideia de um futuro mais optimista que a actualidade.
DIXIT - “O que sei é que não fazer nada não trava coisa nenhuma” - José Pacheco Pereira sobre o crescimento do Chega.
BACK TO BASICS - "Aqueles que sonham durante o dia são conhecedores de muitas coisas que escapam aos que apenas sonham durante a noite" - Edgar Allan Poe
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