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(Publicado no diário «Meia Hora» de 30 de Abril)
Nesta semana o Primeiro Ministro anunciou oficialmente um conjunto de importantes obras em Lisboa, que vão ter repercussões na vida dos lisboetas e que vão provocar grandes transformações numa das zonas mais importantes da cidade, Alcântara.
O mais curioso de tudo é que Sócrates fez o anúncio sozinho, sem a presença de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ex-membro do actual Governo. A ausência, por mais justificações que sejam dadas, é sintomática. Existe uma corrida a protagonismo nas grandes obras públicas e existe alguma precipitação no anúncio de soluções que ainda não recolheram consenso de todas as partes envolvidas. Este Governo tem tratado Lisboa como um feudo seu – diz onde quer o aeroporto que serve a cidade, onde quer a ponte, onde vai fazer obras. O problema de ter na Câmara de Lisboa um aliado do Primeiro Ministro é mesmo este: Lisboa deixou de ser governada pela sua autarquia, o centro de decisão passou da Praça do Município para S. Bento, como aliás já se tinha visto na questão da sociedade que vai gerir a frente ribeirinha, estratégica para a cidade, mas dependente exclusivamente do Governo.
Sócrates entrou oficialmente no ciclo eleitoral. Após anos de paralisia das obras públicas, agora, como que por acaso, a ano e meio das eleições, vai entrar-se numa época de grande fartura de obras fantásticas – linhas de comboios, mais auto-estradas, barragens, hospitais, nova ponte, novo aeroporto, gigantescas reformulações urbanísticas.
Desde há um século os grandes debates nacionais são em torno dos mesmos temas – que obras fazer, onde as fazer. Raramente alguém pergunta para quê fazê-las, raramente se desenhou alguma estratégia coerente de desenvolvimento sustentado. Na realidade,
sem obras nada parece funcionar, sem obras quase nem há debate político – se virmos bem, o novo aeroporto e a nova ponte foram os dois grandes momentos de polémica da sociedade portuguesa do último ano. É triste, mas é assim. A política portuguesa vive há demasiados anos enredada nos negócios em torno das obras públicas. Seja qual for o partido no poder, esta é uma sina imutável. E como os interesses em jogo são imensos, ele há momentos em que as coisas se agitam de alguma forma mais intensa, digamos.
Na realidade, o vislumbre de grandes obras públicas no horizonte pode acelerar fortes convulsões no sistema político. Estamos a viver um desses períodos.
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