(Publicado no diário Meia Hora de dia 10 de Março)
Poucas cidades têm a sorte de estarem num estuário como o do rio Tejo. Lisboa é uma cidade privilegiada pela localização, privilegiada pelo clima, privilegiada pela luz, privilegiada pelos sinais que a História foi deixando ao longo dos Séculos.
A zona ribeirinha de Lisboa merece especial cuidado, porque é o melhor que a cidade tem, é o seu bem mais precioso e é muito disputado. Qualquer espaço que surja é pretendido: a polémica sobre a ampliação do terminal de contentores de Alcântara é um exemplo disso. A discussão, que se adivinha começar sobre o futuro a dar ao espaço do antigo Museu de Arte Popular, em Belém, é outro sinal disso. Uma coisa é certa: não é normal que se tenha recuperado a zona ribeirinha da área oriental de Lisboa (na Expo) e que agora se comece a querer estragar a zona ocidental.
Por estes dias soube-se o crescimento que o tráfego de cruzeiros turísticos tem tido em Lisboa. Este aumento traduz-se em milhares de visitantes que vistam museus e equipamentos, que consomem nas lojas da cidade, que têm um efeito positivo na economia. A posição das cidades escolhidas como ponto de paragem de cruzeiros é sempre frágil – e a competição é enorme.
Antes de se avançar para a ampliação do terminal de contentores devia estudar-se se a vocação do Porto de Lisboa é ser um porto de carga ou um porto de turismo – as duas coisas não coexistem bem e a história das cidades portuárias tem muito exemplos disso mesmo. E qualquer nova construção deve ser bem avaliada.
Com todo o devido respeito esta decisão, estratégica, não pode pertencer nem à Administração do Porto de Lisboa (cuja história é uma sucessão de atentados à cidade…), nem à empresa concessionária que quer fazer vingar a sua pretensão à revelia inclusivamente de regras de concessão de zonas públicas. A cidade de Lisboa – a sua autarquia, os seus órgãos próprios, têm que ter uma posição e explicá-la publicamente: como querem que seja no futuro a zona ribeirinha de Lisboa? A sociedade criada há poucos anos para resolver esta questão reflectiu pouco, envolveu-se cedo em querelas que levaram à saída voluntária, ainda não cabalmente explicada, do seu responsável (José Miguel Júdice) e regra geral prima pela ausência de estudos ou actividade palpável para além da obediência cega às ordens da tutela. A maior riqueza de Lisboa não pode ser desbaratada ao sabor de favores de circunstância do Governo do momento.