(Publicado no Meia Hora de 17 de Março)
Num mundo ideal o serviço público de televisão não seria preciso para nada – mas como estamos longe de viver num mundo ideal, a razão de ser para que exista um serviço público de televisão tem a ver com a garantia de que os espectadores possam ter, gratuitamente, acesso a programações que dificilmente surgem num operador privado – por razões que têm a ver com interesses comerciais normais.
O serviço público ideal não deveria ter publicidade – como acontece na rádio – exactamente porque a existência de uma exploração comercial num canal de televisão pressupõe a valorização e a conquista de audiências para que o espaço publicitário vendido atinja valores de mercado relevantes. Parece óbvio que não é esta a missão de um serviço público.
O serviço público ideal deveria ser imparcial, promover uma informação de qualidade, estimular reportagens, documentários, produção de ficção, gravação de espectáculos. E devia fazer isso integrado numa estratégia de valorização audiovisual da nossa língua e da nossa cultura, apoiando o desenvolvimento e a sustentabilidade da produção independente.
O serviço público não deveria ter canais competitivos com canais comerciais privados, devia ser comedido no desenvolvimento da sua capacidade de produção instalada preferindo fomentar a indústria audiovisual em Portugal, devia ser pioneiro em tecnologias de distribuição gratuita, devia ter uma forte atenção a questões locais e regionais e devia ser um auxiliar da imagem externa do país.
Dito isto, não percebo porque é que existe um canal RTP N, não percebo porque existe a RTP Memória, não percebo porque é que existem dois canais internacionais, ambos fracos. E não percebo porque querem criar mais dois canais, um infantil e outro dedicado ao conhecimento. Uma programação coerente de serviço público organiza-se muito bem em dois canais abertos nacionais, nos dois regionais dos Açores e Madeira e em apenas mais um internacional, garantindo, de melhor forma, toda essa diversidade de conteúdos e evitando um desperdício de recursos inconsequente.
Não pensem que isto é delírio: há numerosos exemplos semelhantes por esse Mundo, de serviços públicos de televisão que seguem este modelo. Com sucesso, qualidade, respeito pelos públicos e um impacto positivo no desenvolvimento da indústria audiovisual local. Relegar informação, arquivos, documentários e programação infantil para canais sectoriais é abdicar de parte importante dos deveres de um serviço público de televisão universal e gratuito. Pode dar jeito à propaganda, mas é mau para todos nós.