PRIORIDADES - Leio com atenção o artigo de Mário Soares no «Diário de Notícias» sobre o 25 de Abril e uma estratégia para Portugal. Soares fala em quatro quintos do artigo sobre memórias do tempo em que foi protagonista e diz que o país está à beira de uma nova era «política, financeira, económica, ambiental, energética e, sobretudo, de valores». Muito sintomaticamente não fala da maior crise da sociedade portuguesa – que é o não funcionamento da justiça, com o que ela traz – o implícito benefício de quem não a cumpre e o não reconhecimento de quem faz as coisas como deve. Uma geração de políticos, mairotariamente advogados e juristas, como Mário Soares, deixaram como legado um país onde a Justiça não funciona. E fazer com que funcione é um imperativo estratégico – senão, não há nem economia, nem valores que resistam. O artigo acaba por ser a confissão de que, para os políticos, a justiça não é uma prioridade.
LISBOA - Cá para mim António Costa pode bem ser o mentor escondido da Frente de Esquerda. É ele quem tem a ganhar politicamente se a Frente surgir, a acção em si é típica de políticos à antiga como ele (que evocam com saudade a época do frentismo e gostam da táctica da unidade para expurgarem o campo em que se movem), e claramente esvaziaria de sentido as aventuras de Helena Roseta e deixaria o Bloco encurralado – sendo que com o PCP, como antes já aconteceu, pode sempre fazer-se um acordozito. Acho que a coisa já esteve mais longe de poder acontecer do que está na realidade e a pressão sobre quem ficar de fora vai ser enorme – de cisionistas a aliados da reacção vão ouvir de tudo. Com o inefável José Sá Fernandes na primeira linha do combate frentista, aposto.
CAPILÉ - Na terça feira de manhã escrevi isto no Twitter e no Facebook: «Tanta conversa sobre os quiosques de refrescos já aborrece - fazem mais falta esplanadas decentes na Av. da Liberdade que hinos ao capilé». Esta afirmação desencadeou uma guerra de opiniões, coisa boa e que é aliás o que me anima a lançar frases fortes – que de qualquer maneira correspondem ao que eu sinto, quando há uma desproporção entre a promoção e o seu objecto – como é o caso.
LER – Eis um bom exemplo de como um livro de ensaios, e para mais sobre cultura contemporânea, pode ser um estimulante exercício para o pensamento – mesmo quando se percebe que o autor, como é compreensível, valoriza o seu ponto de vista e subalterniza o dos outros – o que proporciona aliás alguns momentos divertidos, por serem tão assertivos. Mas, divertimentos à parte, «À Procura de Escala», de António Pinto Ribeiro (não, não é o Ministro, que esse não pensa nem age sobre Cultura) é um conjunto de cinco textos que faz bem o ponto de situação de uma determinada lógica de pensar a política e a actividade cultural no sentido da criação de um gosto – desse ponto de vista é talvez o mais sólido resumo do que foi o verdadeiro fundamento da política a que Carrilho quis chamar de sua. («À Procura da Escala», de António Ponto Ribeiro, Livros Cotovia).
VER - Uma sugestão para todos os que gostaram de ver e ouvir o maestro venezuelano Gustavo Dudamel no Coliseu de Lisboa no passado fim de semana: existe no mercado português um óptimo DVD onde Dudamel dirige a Orquestra Juvenil Simon Bolívar, gravado em 2007. O repertório é bem diferente do que ele aqui interpretou e inclui a «Eroica» de Beethoven, a «Danza Final» do argentino Alberto Ginastera e «Huapango» do mexicano José Pablo Moncayo. Atractivo suplementar, um documentário sobre como foi criada e funciona esta orquestra que impressiona tanta gente. DVD Deutsche Grammophon, distribuído pela Universal.
OUVIR – J.P. Simões é um dos mais interessantes e polifacetados músicos contemporâneos portugueses. Ao longo da sua carreira esteve com os Pop Dell Arte, fundou os Bellechase Hotel e criou o Quinteto Tati antes de iniciar a sua carreira a solo, que já leva dois discos editados. Pelo meio escreveu em jornais, fez bandas sonoras para filmes, escreveu um livro de contos, e tem dado concertos um pouco por onde calha, muitas vezes sozinho em palco com a sua viola. Admirador confesso de Chico Buarque, de quem as influências até na forma de cantar se notam, J.P. Simões é um compositor de invulgar talento e um intérprete notável. Eu acho que não é exagero considerá-lo o melhor da sua geração e o novo disco, acabado de editar e gravado maioritariamente ao vivo, «Boato», é prova disso mesmo. Não são só as canções, é o ambiente, a forma de tocar, o que está escrito e como é cantado – tudo tem aquele raro toque de génio que volta e meia nos faz parar a corrida para ouvir o que se passa à nossa volta.
DESCOBRIR - Nesta época de crise da imprensa é bom ver como no sector das revistas há alguma coisa diferente. O grupo editorial norte-americano Condé Nast decidiu acabar com a sua revista de economia e negócios, «Portfolio», mas ao mesmo tempo decidiu lançar a «Wired» no Reino Unido. Neste número inaugural da edição europeia surgiram novos temas e novas formas de abordagem relativamente à americana, com o futuro como tema de capa.
PETISCAR – Podia ser uma barra espanhola bem fornecida, como o Luciano em Ayamonte, mas é uma boa taberna portuguesa em Setúbal. Chama-se Taberna Grande, fica na Rua das Fontainhas 30 e apresenta um conjunto de propostas para petiscar com fartura e qualidade, de pataniscas a torresmos, passando por polvo à galega, presunto, requeijão e doce de abóbora a condizer. Recomenda-se apenas maior atenção na fritura – por vezes imperfeita e pesada. A garrafeira tem boas propostas regionais e o espaço é confortável, mesmo quando está cheio. Telefone 309847226.
BACK TO BASICS – A justiça deve ser mantida viva pelo espírito e não pela forma da Lei – Earl Warren