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SOBRE O FADO E A UNESCO

por falcao, em 14.06.10

(publicado no Jornal de Negócios de 11 de Junho)


 


FADO – Na semana passada a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, por unanimidade, a candidatura do Fado a património imaterial da Humanidade, que será depois formalizada junto da Unesco. Foi feito um grande foguetório à volta deste assunto e não percebo bem porquê – que a candidatura tenha sido aprovada era de esperar, que ela tenha algum efeito prático é outra coisa, mas isso só o tempo o dirá, e cheio de boa vontade vou esperar que sim. Vale a pena dizer, no entanto, que um outro género musical com uma identidade própria parecida com a do Fado, o Tango argentino, tentou também a classificação junto da Unesco e foi repelido. Espero, sinceramente, que o destino do Fado seja diferente. Mas este sentimento de unidade nacional – que é sempre uma coisa que me irrita um bocadinho – não nos deve impedir de fazer o balanço de um episódio particularmente desagradável desta candidatura. Falo do filme «Fados», realizado por Carlos Saura, e que, a certa altura, um bizarro vereador do pelouro da Cultura que passou por Lisboa, de nome José Amaral Lopes, resolveu apoiar com um milhão de euros. Outras entidades públicas, pressionadas, diga-se, participaram também cegamente no financiamento, que apresentou um orçamento total de cerca de quatro milhões de euros. Toda a argumentação para o apoio da Câmara e do Estado ao projecto teve como base a grande importância que ele teria para a acima citada candidatura do Fado no âmbito da Unesco – que só agora vai acontecer, já ninguém se lembra do filme, que foi um flop total. Na altura escrevi, aqui mesmo neste jornal, que o financiamento do filme era um disparate e que os argumentos utilizados eram um engano terrível e caríssimo. Volto ao assunto para que as coisas não caiam no esquecimento. «Fados», diziam os seus apoiantes, teria uma grande carreira nacional e internacional e seria premiado pelo mundo inteiro, numa extraordinária operação de marketing da candidatura. Resultado? - 34.151 espectadores em Portugal, o que deu 141.181 euros de receita de bilheteira (números do Instituto do Cinema), uma pífia carreira internacional em meia dúzia de mercados não influentes, arrasos diversos da crítica, e só em Espanha (terra do realizador Carlos Saura), conseguiu um prémio, menor, relativo à banda sonora. O «enriquecimento da projecção internacional do Fado» como dizia o PSD Amaral Lopes, «em boa hora apoiado», como disse o PS António Costa, ficou-se por uma operação sem resultados. «Quem não conhece a história do fado sairá certamente decepcionado deste filme» - escreveu um crítico brasileiro, depois de, por cá, muitas pessoas terem chamado a atenção para as inexactidões que este pseudo-documentário exibia. Mas no fim, fica uma pergunta a que eu acho que alguém, na autarquia, devia responder: não teria sido mais rentável produzir, com o mesmo milhão, uma boa série documental para televisão? Ou, esse milhão não teria sido melhor empregue a criar a Film Commission Lisboa, que faz falta, tarda, e, essa sim, podia ajudar à nossa imagem internacional, fado incluído? Com a falta de financiamentos que existe na área da cultura e criatividade faz impressão ver como esta candidatura do Fado serviu para atirar à rua um milhão de euros da Autarquia em nome do apoio saloio a Carlos Saura. Para terminar: por acaso ele realizou um idêntico mau filme sobre o «Tango» (foi aliás daí que a ideia foi copiada) e o resultado na Unesco para a música de Buenos Aires já se conhece.


 


VER – Já que os poderes dominantes acabaram há uns anos com a Lisboa Photo, para vermos o trabalho de comissariado do português Sérgio Mah na área da fotografia, restam-nos duas alternativas: ou ir a Madrid, cidade que rapidamente o acolheu na PhotoEspaña, ou aproveitar o facto de o Museu Berardo, no CCB, volta e meia nos proporcionar algumas destas exposições que ele trabalhou para o evento madrileno. Na semana passada foi inaugurada «German Faces», do norte-americano Colin Schorr, um dos mais interessantes nomes da fotografia contemporânea, que se tem especializado no retrato, muitas vezes encenado em situações de evocação histórica. Tal como nas suas séries «Novos Soldados» ou «Florestas e Campos», Schorr regressa com este trabalho às evocações históricas das marcas da guerra no nosso imaginário comum. Neste caso as imagens são todas de habitantes de uma pequena cidade do sul da Alemanha, Schwabisch Gmund, retratos fortes, marcantes, quase intemporais, a assinalar apenas uma espécie de recordação da ameaça permanente do passado. As imagens de Schorr ficam no Museu Berardo até 15 de Agosto e são uma das mais interessantes exposições de fotografia apresentada este ano em Portugal.


 


LER – Os diários de viagem são um género muito peculiar e quando os seus autores são personagens fascinantes a coisa torna-se ainda mais interessante. «Diário da Bicicleta», de David Byrne, o fundador e mentor dos Talking Heads, entra nesta categoria. O que se passa é que desde o início dos anos 80 David Byrne decidiu que a bicicleta seria o seu principal meio de transporte quando está numa cidade – de maneira que, quer em Nova Iorque, onde vive, quer nas cidades por onda vai fazendo actuações, transporta sempre consigo um velocípede. Vai daí começou a escrever um livro sobre a forma como, pedalando, via metrópoles como Londres, Buenos Aires, Berlim, Istambul, Sydney e uma série de cidades norte-americanas, para além de NY, num delicioso passeio pelas suas memórias de infância e de vida. Pelo meio destes passeios fala não só do que vê, mas também do que sente, seja com a música local (de que faz muito engraçadas notas) até à arquitectura. Tudo isto é completado por fotografias escolhidas por Byrne e por muitos desenhos feitos por ele próprio em observações bem irónicas e certeiras. São 400 páginas que correm num ápice, numa bela edição da Quetzal.


 


OUVIR – O pianista Brad Mehldau gosta de arriscar - e a verdade é que misturar jazz com drum and bass pode parecer uma ideia perigosa. Acontece que o resultado é muito bom.  As primeiras experiências nesta direcção tinham sido feitas com o álbum «Largo» (de 2002), onde se ensaiou a primeira exploração neste sentido – podia ter corrido mal, mas não; e agora, em «Highway Rider» o resultado é ainda melhor, com a curiosidade de, às sonoridades mais contemporâneas, se juntar uma orquestra completa ao longo deste duplo CD, que é talvez o trabalho mais conseguido da carreira de Mehldau – conseguido e polémico já que as críticas oscilam entre o elogio e o arraso. Eu coloco-me do lado do elogio. Em «Highway Rider» está o trio habitual (Mehldau no piano, Jeff Ballard na bateria e Larry Grenadier no baixo), a que se juntaram o génio de Matt Chamberlain na percussão e o talento do saxofonista Joshua Redman (que aqui volta a demonstrar a sua técnica e sensibilidade). É certo que as culpas do que correu bem devem ser assacadas em partes iguais ao bom senso de Mehldau e do produtor que o tem acompanhado nestas explorações, Don Brion.  Ouçam o dueto entre Mehldau e Redman em «Old West», a forma como Redman intervém em «The Falcon Will Fly Again» ou o envolvente «Into The City» e deixem-se levar por este magnífico disco.


 


PROVAR – Um dia destes, por mero acaso, tive a sorte de descobrir um verde branco absolutamente fantástico, feito na região de Baião, e chamado «Cazas Novas» - fresco, vivo, verdadeiramente ideal para o fim de tarde em dias quentes, ou para acompanhar saladas, peixe e marisco. Por favor deixem-se de preconceitos e não comecem a torcer o nariz -  entre os vinhos verdes estão alguns dos nossos melhores e mais raros brancos. Este «Cazas Novas» é produzido na Quinta de Guimarães, em Santa Maria do Zêzere. Não é fácil de encontrar mas se vos passar por perto agarrem-no, que vale a pena.


 


BACK TO BASICS – Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem – Padre António Vieira


 

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publicado às 13:54


1 comentário

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De aumentare sperma a 15.06.2010 às 10:12

Parabéns pelo seu blog! uma delícia! Voltarei para ler

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