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LISBOA - Leio, e nem acredito: «Os deputados municipais do PS e do PSD em Lisboa recusaram terça-feira, na assembleia municipal, enviar para discussão pública propostas de reorganização das freguesias, alternativas àquela negociada por socialistas e sociais-democratas». Aquilo que podia ser uma boa coisa – a diminuição do número de freguesias e uma reordenação da cidade – tornou-se num case study de manobrismo político. Este é o retrato do pior que existe na traficância de interesses partidários, é o retrato da arrogância e soberba das lideranças dos partidos do bloco central na assembleia municipal de Lisboa. Fui eleito, como independente, mas na lista do PSD, em 2009, para a Assembleia Municipal de Lisboa e depois das primeiras reuniões deixei de participar nos trabalhos, solicitando a substituição, em cada reunião, há mais de um ano. Sobre o assunto tenho mantido silêncio, mas há muito que discordo da actuação da liderança do PSD na Assembleia, discordo da sua relação com a equipa de vereadores social-democratas, e discordo da forma como tem sido conivente com um funcionamento perfeitamente inútil da Assembleia Municipal. A minha curtíssima experiência autárquica faz-me desconfiar da utilidade deste órgão – um mini parlamento para auto satisfação oratória de alguns funcionários políticos, que promovem reuniões atrás de reuniões, na generalidade vazias e muitas delas inúteis, para justificar umas senhas de presença e dar uma ilusão de debate. Só que, como se vê, quando o debate público é preciso, ele é abafado. A Assembleia devia ser o garante da relação com os Munícipes, e não um obstáculo. Com esta decisão a Assembleia Municipal de Lisboa ergueu à sua volta um muro que a separa da cidade. PS e PSD foram os obreiros desta obra, um tratado de Tordesilhas da capital, negociado directa e exclusivamente entre as estruturas distritais dos dois partidos, com a benção de António Costa. Assim sendo não se percebe para que serve a Assembleia Municipal – é uma mera figura de corpo presente. Esta semana entreguei a minha renúncia ao mandato de deputado municipal. No estado em que as coisas estão, não alimento a menor esperança que mudem.
ARCO DA VELHA – O Tribunal Central de Instrução Criminal, que tem em mãos alguns dos mais mediáticos processos judiciais, é o retrato do país real: uma máquina muito usada de fotocópias, ausência de scanner, falta de armários para guardar os processos, um fax com 11 anos; este é o lado da moeda, inverso ao deslumbre tecnológico de Sócrates. De um lado cenário e fantasia; de outro a crua realidade. No meio, a ineficácia da justiça. Portugal no seu melhor.
SEMANADA – O Ministro Silva Pereira foi ao Parlamento dizer que a culpa das falhas nas eleições presidenciais foi do Ministério da Administração Interna, mas zurziu a oposição por pedir a demissão do respectivo Ministro; o Bloco de Esquerda transformou um instrumento político, a moção de censura, numa espécie de bóia salva-vidas para o Governo – que vai sair do assunto a rir-se da oposição; no fundo, Louçã teve uma ideia um bocado parva, para utilizar uma expressão muito em voga.
PERGUNTA – Que dirá José Sócrates de Angela Merkel? E que dirá Angela Merkel de José Sócrates?
LER - «Prova de Vida» é o novo livro de Filipe Pinhal, ex-presidente do BCP que há três anos foi protagonista de uma história ainda muito mal contada. Neste seu segundo livro sobre o BCP (o primeiro foi «Em Defesa do Bom Nome», de 2009), já com o recuo que o tempo proporciona, Filipe Pinhal relata o que aconteceu, em detalhe, designando pessoas e chamando as coisas pelo nome. É um relato impressionante, muito bem resumido por Miguel Cadilhe, na apresentação pública do livro: «A Caixa Geral de Depósitos financiou o assalto ao BCP, com luz verde do Governo, e apadrinhada pelo Banco de Portugal, CMVM e pelo Ministro das Finanças». Os detalhes e peripécias deste processo que «levou o BCP a mudar de mãos sem que quem o adquiriu pagasse prémio aos accionistas», provocou a governamentalização, politização e desvalorização do Banco – defende Pinhal. Este é um retrato de uma época , a da fase inicial do regime Sócrates, da tomada de posições em vários sectores, numa utilização abusiva do Estado como ainda não se tinha visto de 1974 para cá.
VER – A galeria Pente 10 é uma das poucas que em Lisboa se dedica à fotografia – e tem feito um bom trabalho, embora os preços apontados sejam um pouco desproporcionados . Até dia 2 de Abril exibe uma nova série de fotografias de Luisa Ferreira, agrupadas na exposição «Nós». São imagens construídas, situações onde a natureza se cruza com a encenação da presença de pessoas, familiares e amigos da autora. Em boa parte funciona como um regresso às origens, num percurso muito pessoal. Com um cuidado extremo no enquadramento e na abordagem quase gráfica da natureza ( a série dos bosques, por exemplo), «Nós» retoma a vontade de Luisa Ferreira em mostrar que a sua fotografia vai para além da observação da realidade, preferindo construir momentos. Intervenção na paisagem, como diz Luisa Ferreira.
OUVIR – A pianista japonesa Mitsuko Uchida regressa pela segunda vez ao registo dos concertos para piano nº20 e nº 27 de Mozart, duas das peças mais populares do compositor. O registo original foi feito há já algumas décadas, com a English Chamber Orchestra. Aqui Uchida trabalhou com a Orquestra de Cleveland, que surge em grande forma, e com quem a pianista conseguiu estabelecer uma relação perfeita, dirigindo-a a partir do paino, como acontecia na época em que Mozart compôs. Mas o fundamental continua a ser a precisão, a leveza do fraseado e o sentimento colocado por Uchida nestas peças.
AGENDA – Tesouros escondidos por detrás da aparência exterior: assim se pode descrever «BloomArt», a exposição de esculturas murais que Anamar & Telma apresentam na Cordoaria Nacional, até 17 de Março. Cada peça mistura cores com formas, palavras e frases com música e um ponto comum entre todas: no interior, guardado está um anel. E um anel, como escreve João Pinharanda sobre a exposição, «deve ser um objecto mágico (….) teremos de ser nós a gerir o bem e o mal que ele possui».
PROVAR – O Hotel Inspira Santa Marta é um bom exemplo de recuperação de um prédio antigo. Em vez de uma ruína temos agora um prédio vivido, recuperado com bom gosto e funcional. No seu piso de entrada funciona a Open Brasserie Mediterrãnica – o espaço é amplo, luminoso, infelizmente com clientela não muito abundante. E, no entanto, a cozinha é simpática e baseada em produtos como o peixe espada preto (bons filetes), um saboroso frango do campo recheado ou uma posta de boa carne barrosã, grelhada. Os acompanhamentos tem uma preocupação de agricultura biológica e o restaurante serve água da torneira filtrada. O serviço é simpático, a confecção é boa, a arquitectura é convidativa. Pena não ter mais gente, porque a merecia. Ao almoço e jantar há menus especiais mas em qualquer caso mantém-se a lista. Os vinhos disponíveis não são muitos mas são bem escolhidos e a preço razoável. Rua de Santa Marta 48, telefone 210440900.
BACK TO BASICS – A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano (Voltaire)
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