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PROVOCAÇÕES - Vítor Gaspar notoriamente é um homem informado, atento e estudioso; e é igualmente teimoso, insistente e orgulhoso. Todos sabemos como se tem enganado nas previsões (até as agências de rating o fizeram notar), como insiste em receitas rígidas e como nunca vê nem ouve o que não lhe interessa. A teimosia em demasia é muitas vezes confundida com estupidez; no caso de Vitor Gaspar, a teimosia parece ser também uma forma de provocação. Escolhe as palavras que ficam na memória, como o célebre “enorme aumento”. Conhece o peso político das palavras e frases que utiliza em momentos mediatizados. É o maior especialista em sound-bytes deste Governo. Nas últimas semanas fez, com uma regularidade espantosa, sucessivas provocações, sempre com o ar mais tranquilo do mundo – ao parceiro da coligação, ao Parlamento, a colegas seus Ministros. Até a declaração sobre a nota de Cavaco Silva no Facebook tem um travo incontornável de humor negro. Eu acho que o homem é um exímio provocador que tem prazer em pisar o risco com as palavras – vê-se- lhe isso nos olhos, na expressão. Ao princípio ainda se dizia que Gaspar era politicamente ingénuo; agora já se percebeu que é intencionalmente provocador. Por exemplo, esta semana anunciou que os portugueses querem mais do Estado do que os impostos que pagam, mas esqueceu-se de referir que o Estado é especialista em tirar aos contribuintes aquilo que eles já pagaram – nas reformas e pensões, para as quais descontaram durante a sua vida profissional. Já se sabe que o Estado não é pessoa de bem – e nessa matéria fica muito bem representado por Vitor Gaspar. Os burocratas, como cada vez mais se constata, acham sempre que baixar na despesa é difícil e que só se pode mexer nos apoios sociais – nem pensar em reduzir o peso do Estado já que é a sua enorme dimensão que garante o poder dos burocratas. Mas o mais aflitivo no Governo, e creio que o problema começa em Vitor Gaspar porque faz parte do seu perfil provocador, é o desprezo pela negociação – internamente e com a Comissão Europeia. Vitor Gaspar saberá o que é negociar? Terá ideia de que há outros países que têm conseguido negociar – nos prazos, nos juros, nos apoios, na flexibilização de algumas metas e que mesmo assim têm continuado abrangidos pelos auxílios da Troika? Mais valia Vitor Gaspar dizer que não gosta - ou não sabe – negociar e que prefere provocar. Negociar obriga a alterar modelos e dogmas – e provocar, não. Já me ocorreu que pode ser que Vitor Gaspar não saiba negociar ou que se incomode a pedir descontos. No dia a dia pedir descontos e ajustes faz parte da negociação. Eu gostava de ter um Governo que negociasse, em vez de ter um Governo que obedecesse. Preferia um Governo flexível, inteligente e hábil a um Governo marrão, inflexível e sem raciocínio.
COLIGAÇÃO - Nestas últimas semanas tenho estado inquieto com as pessoas que integram um Conselho de Coordenação da Coligação. Será que estão acamados e não têm podido agir, trabalhar, enfim, coordenar? Desde que esse Conselho foi criado há notícia de uma reunião inócua – aquilo a que se chama uma photo opportunity. Mas o Conselho conseguiu a proeza de passar invisível sobre toda novela orçamental, com as medidas anunciadas e retiradas, com os cortes e contra-cortes, com declarações públicas contraditórias de dirigentes e o rol de descoordenação a que se tem podido assistir nos últimos dias. Tenho uma ideia para esclarecer este assunto: de facto a Coligação já é apenas virtual, uma espécie de holograma político, e por isso nem faz sentido coordená-la.
SEMANADA – Um espião do SIS foi apanhado numa rede de lavagem de dinheiro; agências de rating duvidam dos números do orçamento de Vitor Gaspar; a receita com impostos recuou 4,7% entre Janeiro e Setembro; a contribuição per capita do IRS subiu 54% em dez anos; no final de Junho as contas da segurança social registaram o primeiro défice desde 2002; a dívida pública continua a crescer e aproxima-se dos 200 mil milhões de euros; o número de famílias que pediu insolvência aumentou 500% entre 2007 e este ano; mais de 200 famílias de guardas da GNR pediram insolvência; o número de portugueses que emigram deverá ultrapassar os 100 mil este ano; No espaço de dois dias o Governo cortou o subsídio mínimo de desemprego e depois recuou no corte; a receita com impostos recuou quase 4,7% entre Janeiro e Setembro, cerca de 1240 milhões de euros; o Banco de Portugal investiu mais de 40 milhões de euros em obras na sua sede, incluindo a criação do Museu do Dinheiro; uma manifestação contra o FMI em Lisboa registou mais polícias do que manifestantes junto aos escritórios da representação daquele organismo;
ARCO DA VELHA – Eis o regresso aos mercados: a banca portuguesa cortou o financiamento às empresas em 6,8 mil milhões de euros este ano, mas investiu, no mesmo período, 7,4 mil milhões em dívida pública. Como dizia o outro, o dinheiro não chega para tudo…
VER – Três sugestões esta semana: a primeira é uma visita à Carpe Diem (Rua Do Século 79) onde gostei especialmente de ver os desenhos “Lar Doce Lar…” de Cristina Ataíde, o vídeo “Cruzada” de Cinthia Marcelle, a instalação “Variações da Fé” de Hélène Vieira Gomes e Carlos Gomese a “Pintura Descolada” de Rosana Ricalde e Filipoe Barbosa; a segunda é a exposição de Maria Beatriz que assinala os 25 anos da Galeria Ratton (Rua da Academia das Ci~encias 2C), e que recolhe obras do final dos anos 70 e princípio dos anos 80 – desenhos e um belíssimo painel de azulejos – sob o título genérico “Um Lugar À Mesa”; finalmente até Domingo não percam a oportunidade de ver a exposição Blind Date, inserida na Lisbon Week, e que permite também descobrir o espaço, supreendente, da Biblioteca dos Paulistas - Igreja de Santa Catarina - Calçada do Combro, 82 - além de proporcionar um jogo de adivinhas sobre quem é o autor de cada obra exposta, todas do mesmo formato, mas não identificadas.
OUVIR – A carreira discográfica de Tori Amos começou há 20 anos com “Little Earthquakes”, na altura um disco surpreendente. Depois de incursões em várias áreas, da electronica à dança e até, pontualmente, ao hip-hop, Tori Amos como que fecha um círculo com “Gold Dust”, o seu novo álbum, agora editado pela Deutsch Grammophon – é uma revisitação de 14 temas feitos ao longo da sua carreira, provenientes de 10 dos seus 12 discos, aqui com novos arranjos e com o acompanhamento da holandesa Metropole Orchestra. Este não é um “best of”, no sentido que não são as canções mais conhecidas de Amos que ela escolheu – mas aquelas que por alguma razão são mais autobiográficas ou marcantes do seu ponto de vista pessoal. Na realidade este é um belíssimo cartão de visita para quem quiser conhecer ou revisitar a obra de Tori Amos.
FOLHEAR – Já aqui tenho dito que sou fã e colecionador do “Próximo Futuro”, um jornal editado pelo programa, do mesmo nome, criado pela Fundação Gulbenkian. A edição agora distribuída (nº11, Outubro/Novembro) – e que pode ser recolhida gratuitamente na Fundação e numa série de locais em Lisboa – tem um excelente artigo de António Pinto Ribeiro (que é o programador da iniciativa) intitulado “O Choque Civilizacional É No Interior De Cada País”, um bom portfolio fotográfico de Adonis Flores, uma ilustração com o traço inconfundível de Pedro Zamith e uma série de poemas de Fairdooz Tamini. Mais informações em www.proximofuturo.gulbenkian.pt.
PROVAR – Aqui e ali começam a ser reinventadas as padarias – que além de venderem pão, proporcionam pequenas refeições. Uma das mais recentes é “ O Pão Nosso”, que fica na Rua Marquês Sá da Bandeira 46B, perto da Fundação Gulbenkian. Lá provei um destes dias uma belíssima e tradicional tiborna de presunto e uma broa de mel que me trouxe sabores da infância. Na mesma ocasião levei para casa uns belos bagels, e fiquei com olho num bolo levedo, na broa de milho e na broa de avintes. Muito território a explorar. Mais informações e www.opaonosso.pt.
GOSTO – Da iniciativa de Zeinal Bava, na PT, que vai trazer a Portugal alguns dos maiores investidores mundiais para lhes apresentar soluções tecnológicas portuguesas.
NÃO GOSTO – De saber que a EMEL remunera os seus fiscais em função da quantidade de multas passadas.
BACK TO BASICS – Em Portugal a emigração não é a transbordação de uma população que sobra, mas a fuga de uma população que sofre” – Eça de Queiroz.
(Publicado no Jornal de Negócios de dia 26 de Outubro)
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