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POLÍTICA & COMUNICAÇÃO - O debate sobre o estado da Nação, realizado na semana passada, veio colocar a capacidade de comunicação em primeiro plano. Há que reconhecer que o debate não correu bem ao novo líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, mas foi ele o autor da frase mais lapidar desse dia: “Se o PS fosse tão bom a governar como a fazer propaganda, Portugal era o país mais rico do mundo”. Na realidade António Costa é exímio a comunicar e o PS tem a sua máquina bem montada, melhor que os outros partidos. Repare-se que o primeiro-ministro foi o primeiro a reconhecer que existem problemas na governação: “O que nos divide não é reconhecer se há ou não problemas. Claro que há. A grande diferença é que, perante os problemas a oposição fala em caos e o governo vê desafios”. Como João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, afirmou nessa ocasião, “nem a habilidade do Primeiro-Ministro consegue esconder o caos em que estão os serviços públicos em Portugal”. Estas trocas de galhardetes parlamentares evidenciam uma coisa: a comunicação em política é baseada no uso de meias verdades e isto varre todo o espectro partidário, sem excepção. Mas a comunicação enganosa que resulta melhor é a que tem um fundo de verdade - cria confiança, aproxima das pessoas. E, além de tudo o mais, Costa é simpático, está sempre sorridente (às vezes até quando as circunstâncias, dramáticas, não o recomendariam). Mas cativa as pessoas e é exímio a apresentar promessas como se fossem soluções para os problemas, em deixar de falar das promessas que não cumpriu, das soluções que não se concretizaram, ou em reescrever a história como o PS faz quando fala da troika e da austeridade nascida quando o governo de Sócrates levou o país quase à bancarrota. Durante anos Rui Rio, porventura o mais inábil político em termos de comunicação que o país conheceu, deixou essa narrativa vingar. Adão e Silva, premiado por Costa para fazer o fecho do debate parlamentar, depois de o primeiro-ministro ter olimpicamente recusado responder a perguntas da oposição, saíu-se com esta afirmação: “não confundimos o mandato que temos para governar, com um governo enclausurado na sua própria maioria”. Querem melhor exemplo de ilusão?
SEMANADA - Nos últimos 40 anos os incêndios consumiram o equivalente a metade da área de Portugal continental; em sete meses a GNR já deteve mais suspeitos de incêndios do quem, todo o ano de 2021; Lisboa, Porto, Sintra e Gaia são os concelhos com maior número de desempregados; Lisboa concentra 22% de toda a habitação social portuguesa; um estudo da OCDE indica que os portugueses precisam do equivalente a 11,4 anos de salários para conseguir comprar uma casa com 100 metros quadrados; os lucros da Galp subiram 153% no primeiro semestre, face a igual período de 2021, para 420 milhões de euros; o crescimento da receita fiscal dos impostos indirectos levou a que o total previsto para este ano tivesse já sido alcançado em Maio; a receita fiscal do Estado aumentou 29,7% até junho face ao mesmo período do ano passado; a operação de manutenção da TAP no Brasil, anunciada como grande negócio pelos gestores brasileiros que levaram a TAP ao buraco onde está, perdeu quase 600 milhões de euros desde 2008; segundo a Pordata em 2021 estavam detidas 11.588 pessoas, das quais 10.774 eram do sexo masculino e 814 eram do sexo feminino e as prisões tinham uma ocupação de 91,8% da sua capacidade; o Instituto Nacional de Reabilitação recebe uma média de três queixas por dia de discriminação de pessoas com alguma deficiência; o Tribunal de Contas detectou que entre setembro de 2020 e agosto de 2021 o Estado pagou 1,3 milhões de euros por ligações à internet, destinadas a escolas e alunos, que não foram utilizadas.
O ARCO DA VELHA - Um pirómano que havia sido detido em Outubro passado pela Judiciária, e que então foi libertado pelo Tribunal, já ateou este ano seis fogos florestais na zona de Arruda dos Vinhos.
CHAFES INVADE SERRALVES - “Chegar sem partir” é o título da exposição de Rui Chafes em Serralves, que se estende do interior do edifício aos jardins exteriores. Cobrindo mais de três décadas de atividade, a exposição inclui trabalhos da fase inicial da sua produção escultórica e um conjunto de obras especificamente pensadas para o Museu e Parque de Serralves. No interior do edifício, “Sudário”, uma escultura de 2018, é a peça que primeiro recebe os visitantes, suspensa no corredor. A exposição apresenta um conjunto de obras significativas no percurso de Rui Chafes, algumas reconstituídas para esta ocasião como as instalações “Medo não medo” (1988/98) — refeita e adaptada ao longo corredor desenhado por Álvaro Siza — e “A não ser que te amem”, (1987). Há peças novas, como “Sem nascer nem morrer” e outras mais antigas como “Burning in a forbidden sea”(2011), que é acompanhada por uma composição sonora e texto da artista irlandesa Orla Barry. O desenho, que Chafes raramente traz para a esfera pública, surge pela primeira vez ao lado das esculturas, como um fio condutor, da exposição. No hall do Museu, está uma sequência de mais de vinte esculturas pertencentes à série “Balthazar” e a exposição prossegue nos jardins de Serralves, onde Chafes apresenta esculturas de diferentes períodos e outras criadas especificamente para este contexto — como é o caso de “Chegar sem partir” (na imagem), a escultura de 6 metros que dá título à exposição e que está logo na entrada do parque. A exposição inclui também uma obra que ficará permanentemente em Serralves, uma escultura subterrânea intitulada “Travessia”, um túnel escuro que termina numa câmara central iluminada por raios de luz natural, que são até ali conduzidos por um óculo, e revelam uma escultura de formas orgânicas que evocam um casulo em metamorfose. “Chegar sem partir” fica em Serralves até 26 de Fevereiro do próximo ano.
GUIA PARA IR À PRAIA - Faz bem ir à praia? Os banhos de mar são benéficos?, Não serão perigosos? Em 1876 estas perguntas andavam na boca do mundo e ir à praia não era coisa que agradasse a muita gente. Foi nessa altura que Ramalho Ortigão escreveu e publicou “As Praias de Portugal - Guia do Banhista e do Viajante”, agora editado na magnífica colecção “Terra Incógnita” da Quetzal. Ramalho Ortigão enaltece as vantagens e os benefícios biológicos e culturais da água do mar, do oceano e dos banhos de água fria: “Pelo simples facto da residência à beira-mar, como numa localidade muito elevada, o apetite aumenta, a digestão opera-se mais regularmente e mais rapidamente, a respiração exerce-se com mais actividade, o sistema nervoso sobre-excita-se: tais são, pelo menos, os fenómenos mais manifestos e mais gerais que se observam, e fazem com que o ar do mar seja tão salutar”. O escritor deixou em “ Praias de Portugal” um mapa da época balnear do final do século XIX, um clássico da literatura de viagem em Portugal. Ramalho Ortigão fala da Foz, de Leça e de Matosinhos, de Pedrouços e da Póvoa do Varzim, da Granja, de Cascais, de Vila do Conde, mas também de Espinho, Ericeira, Nazaré ou Figueira da Foz e ainda de Setúbal. Há também um capítulo sobre aquilo a que chama “as praias obscuras”, que inclui S. Pedro de Moel, S. Martinho do Porto, a Costa Nova ou Porto Brandão, entre outras.
O ELOGIO DA SIMPLICIDADE - O disco que mais ouvi esta semana é “Shifting Sands” do trio do baixista Avishai Cohen, com Elchin Shirinova no piano e Roni Kaspi na bateria. Cohen tornou-se notado quando tocou em 1997 com Chick Corea. Nos dez temas deste disco ele mostra bem a sua versatilidade como músico e como compositor, juntando influências que vão dos standards do jazz norte americano até ao funk, passando pela música latina e temas do folclore de Israel, o seu país natal. “Shifting Sands” é um exemplo de um trabalho colectivo, de um diálogo solto e criativo entre os músicos, com o piano de Shirinova a ser muitas vezes o pólo condutor que dá entrada ao diálogo entre o baixo e a bateria. A faixa título é um exemplo perfeito desta articulação - tanto mais curiosa quanto o baterista, com 21 anos, recém saído de Berklee, é uma revelação que integra este novo trio de forma magnífica. Noutros temas, como em “Dvash”, o piano e o baixo, por si sós, estabelecem uma sonoridade marcante e outras faixas que merecem destaque são “The Window” e “Joy”. Há momentos em que Cohen quase desaparece, deixando o palco para o pianista e o baterista, como em "Intertwined", a faixa de abertura. O mais impressionante é a simplicidade de tudo isto e a forma como o trio usa essa simplicidade para fazer grande música. Não tenho dúvidas em dizer que este é um dos melhores discos de jazz que ouvi este ano. “Shifting Sands” está disponível em streaming.
ESPLANADA SETUBALENSE - Vou falar do Peixoco, em Setúbal, bela localização, frente à foz do Sado. As muitas notícias publicadas na imprensa criaram expectativa, e lá fomos nós. O sítio é simpático, está bem arranjado e o serviço é atento. Apesar de tudo isto a realidade da comida fica parcialmente abaixo da expectativa criada. Vamos lá a ver - não se pode dizer que uma experiência no Peixoco seja má, o problema é que se esperava mais, a começar por maior criatividade na lista. Indo por partes: as ostras eram boas mas isso em Setúbal é obrigação. Uma boa surpresa foi a beringela assada, com tomate confitado e alcaparras, ingredientes bem combinados e confeccionados, tempero certo. Mas o tártaro de atum estava muitos pontos abaixo do que se podia esperar. Uma das apregoadas especialidades da casa, a salsicha de peixe com puré de batata doce, desiludiu na salsicha mas cumpriu no puré. O problema é que a tal salsicha estava seca, demasiado passada e francamente com um sabor indistinto. O local convida à partilha petisqueira, mais do que à escolha do formato tradicional de entrada e prato principal. Em resumo 50% da expectativa foi cumprida. é melhor que nada mas é pouco para o que o restaurante vem anunciando. A rematar uma boa surpresa: um vinho da região, o sauvignon blanc de Aldeia de Irmãos, revelou-se uma boa escolha que fez atenuar os aspectos menos bons da refeição. Já me esquecia: a manteiga de algas do couvert é bem boa e é a melhor parte do dito. Telefone 265 105 268.
DIXIT - “Não rejeito nada” - Augusto Santos Silva
BACK TO BASICS - “A raça humana tem dificuldade em enfrentar a realidade” - T.S. Eliot
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