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OS INCAPAZES - O uso da demagogia em política é uma coisa tramada. Nas inundações da semana passada o PS de Lisboa veio rápido atacar Carlos Moedas, acusando-o de diversas malfeitorias que teriam estado na origem de tudo o que aconteceu. Imputaram-lhe numerosas responsabilidades no assunto mas, certamente por esquecimento, ainda não o acusaram de ter feito a dança da chuva, seguindo o ritual dos índios Sioux. Neste farwest em que a política portuguesa se tornou, e no qual vive a oposição na autarquia lisboeta, vale tudo, até pelos vistos arrancar olhos. Se calhar por isso o PS lisboeta fechou os olhos ao tempo em que, enquanto António Costa e Fernando Medina dirigiram a autarquia, meteram na gaveta um projecto que aliviará os resultados das chuvas intensas, o túnel de drenagem que Moedas decidiu recuperar e iniciar. Quando António Costa entrou na presidência da Câmara de Lisboa, em 2007, já existiam os primeiros estudos e planos sobre esse túnel de drenagem, cinco quilómetros que vão de Campolide até Santa Apolónia, e que, uma vez acabado, permitirá que o que aconteceu nas últimas semanas não se repita. E, no entanto, durante os 13 anos em que o PS esteve à frente da Câmara de Lisboa, entre 2007 e 2021, nas mãos de Costa e Medina, nada se fez nem se avançou nessa obra fundamental para a cidade. Carlos Moedas, numa entrevista recente, garantiu que quando chegou à autarquia lisboeta não havia planos de execução da obra, que ele próprio mandou avançar. O arranque da obra, um ano depois de Carlos Moedas ter entrado em funções, foi anunciado há semanas, antes de todas as chuvas recentes. Esta vai ser uma obra cara, longa, e incómoda para os lisboetas, tudo coisas que desaconselham um político a meter-se no assunto - e deve ter sido por isso que Costa e Medina nem quiseram ouvir falar de túneis. Muitas vezes não fazer nada e deixar as coisas arrastarem-se é o programa de acção dos políticos que vivem a fugir dos problemas e esperam com isso ganhar uns votos de quem não pensa no futuro. São os mesmos políticos que, a seguir, estimulam os seus seguidores a criticar quem fez o que eles não foram capazes de fazer.
SEMANADA - Em Lisboa o arrendamento de um T1 representa em média 63% do salário mensal, contra 45% em Madrid, 40% em Paris ou 24% em Viena; Portugal registou a maior subida dos juros de crédito à habitação de toda a zona euro; segundo uma sondagem divulgada no início da semana 37% dos portugueses vai cortar nos gastos de Natal; o cabaz de produtos alimentares essenciais já aumentou quase 20% desde o início do ano e peixe, lacticínios e carne foram os produtos que mais subiram; 96% dos portugueses assinam pacotes de televisão por cabo, serviço que chega a 4,5 milhões de lares; a segurança privada em Portugal já tem 60.000 profissionais e factura 945 milhões de euros por ano; segundo o Instituto do Cinema e Audiovisual Lisboa tem 12,1% do total das salas de cinema do país; as salas de cinema em Portugal perderam 40% dos espectadores este ano, em comparação com o período pré-pandemia; nos primeiros seis meses do ano aumentou nos hospitais públicos o incumprimento dos tempos de espera para consultas e cirurgias de cancros e coração; só 52 dos 201 municípios do país aceitaram, no âmbito das medidas de descentralização, as competências na área da saúde e as razões para a recusa são a não transferência de verbas e garantia de condições e médicos por parte do Governo.
O ARCO DA VELHA - Um advogado, Rui Santana, condenado quatro vezes por enganar clientes e ficar com dinheiro que não é seu, continua em liberdade e a exercer e tem o seu nome e contacto disponíveis no site da Ordem dos Advogados.
UM DESTAQUE NA MADEIRA - Lourdes Castro foi uma das mais importantes artistas portuguesas, com um percurso iniciado na Madeira, onde nasceu, e que passou por Lisboa, Munique, Paris e Berlim, locais onde viveu e trabalhou até regressar ao Funchal. Em Paris, no final dos anos 50, integrou o grupo KWY, que editou uma revista homónima, e que integrava nomes como João Vieira, Costa Pinheiro, René Bertholo, Jon Voss e Christo, entre outros. Viveu em Paris 25 anos, regressou ao Funchal em 1983 e a partir daí viveu na sua casa no Caniço. Pelo meio teve exposições em Serralves , na Gulbenkian e na Bienal de S. Paulo. Lourdes Castro morreu em Janeiro deste ano, com 91 anos, e agora abriu no MUDAS - Museu de Arte Contemporânea da Madeira, uma exposição que mostra não só obras de diversas fases da sua carreira artística, como abundante documentação que a curadora Márcia Sousa recolheu e começou a organizar depois da sua morte. A exposição “Como uma Ilha sobre o Mar: Lourdes Castro” (na imagem) abriu este mês, conta com 300 peças, entre obras e documentação, recolhidas a partir do espólio da artista mas também das colecções de diversas instituições, e ficará disponível ao público até Junho de 2023. É uma ocasião única para descobrir não só a obra mas também a forma como Lourdes Castro encarava o seu trabalho e momentos da sua vida. Do Funchal sugiro uma passagem pelo Porto, onde no renovado Cinema Batalha já se pode ver, restaurado, o grande painel que Júlio Pomar fez para esta sala e que durante muitos anos esteve escondido do olhar do público.
A ESCRITA DA MEMÓRIA - Gosto muito de ler Bruno Vieira do Amaral. Escreve bem, com ritmo, humor, um raro sentido de observação e uma forma simples de nos fazer pensar em coisas que vemos todos os dias mas às quais nem ligamos. Não usa floreados, não pratica estilos retorcidos, não atira erudição barata para cima dos leitores, apenas bom senso. É terra-a-terra num país em que há uma geração recente de escritores que gosta de se colocar nas nuvens, de onde os seus protagonistas vão caindo aos trambolhões. O seu novo livro, “O Segundo Coração”, reúne crónicas publicadas na imprensa. É um livro de memórias e Bruno Vieira de Amaral foi buscar o título do livro a uma citação de John Banville que adoptou como epígrafe desta obra: «O passado bate em mim como um segundo coração.» O livro fala das aspirações da juventude, dos amores e as desilusões, também das humilhações, dos ódios gratuitos e inexplicáveis, das noites solitárias da adolescência,de querer ver um filme sozinho no cinema. Aqui cruzam-se as memórias de infância, os hábitos familiares, as férias grandes,os primeiros amigos, um rol de afectos e recordações. Bruno Vieira do Amaral publicou o seu romance de estreia, “As Primeiras Coisas”, em 2013 e de então para cá escreveu, entre outras coisas, mais um romance, um livro de contos e uma biografia de José Cardoso Pires. No fim do livro, em “O adulto é o túmulo da criança”, Bruno Vieira do Amaral conta esta história: “Lembro-me que tinha cinco anos e o fotógrafo pediu-me para segurar uma maçã e aproximá-la da boca, como se a fosse morder, mas sem abrir a boca. Devia olhar para a câmara e sorrir. Obedeci. Vestido com o meu pullover azul seguro a maçã vermelha, inteira, e olho para a câmara com um sorriso”. Lindo, não é? Edição Quetzal
EMOÇÃO - Por estes dias descobri um disco que, na altura em que saíu, em finais de Setembro deste ano, me passou despercebido. Tenho estado a ouvi-lo frequentemente e, quanto mais o ouço, mais me convenço que é um dos grandes discos do ano. Trata-se de “Angels & Queen Part 1”, dos Gabriels, um trio de gospel de Los Angeles em que as vozes fazem uma rara ligação entre ritmos e melodias. Há aqui influências tribais que se conjugam com subtilezas de percussão e manobras sábias de produção em estúdio. É extraordinária a forma como a invulgar voz de Lusk casa com os arranjos ao longo das sete canções deste disco. Baladas como “To The Moon”, “If Only You Knew” ou “Mama” são diferentes mas complementares ao impulso rítmico lançado por “Angels & Queens”, a faixa de abertura, ou esse empolgante desafio que é “Taboo”, ou ainda a marca soul de “Remember Me” e “The Blind". E assim, quase num repente, se esgotam os sete temas deste disco surpreendente. Mas, quem são os Gabriels? Em primeiro lugar vem Lusk, maestro de um côro de gospel que participou em 2011 no programa de Tv “American Idol” e a seu lado estão Ari Balouzian, que é o compositor de serviço ao trio e, finalmente, Ryan Hope, que assegura além da sua participação musical os originais vídeos da banda - foi aliás ele que encontrou nome para o grupo, Gabriels, em honra da rua onde cresceu em Sunderland. Lusk fornece o carisma e a voz poderosa e original mas este é um trio que funciona bem em conjunto, os talentos completando-se. Neste novo disco foram ajudados em estúdio por Sounwave, que tem trabalhado frequentemente com Kendrick Lamar e que aqui assume a produção, conseguindo uma sonoridade de contrastes, ora tumultuosa, ora sossegada. “Angels & Queen Part 1”, dos Gabriels, está disponível nas plataformas de streaming, na primavera do próximo ano sairá a segunda parte.
MOÇAMBIQUE À VISTA - Aqui há uns dias provei umas das mais deliciosas chamuças de que tenho memória. A massa era finíssima, estaladiça, enxuta, sem gordura, e o recheio cremoso era feito à base de um camarão picado e bem temperado com o sabor dos coentros a revelar-se. A coisa passou-se no Kaia Kahina, um restaurante na Parede, Rebelva, que se dedica à cozinha moçambicana e ao qual gastrónomo amigo me levou. Do menu faz parte um leque de pratos de caril, muito bem confeccionados e com base em caranguejo, camarão e frango. A acompanhar vem um arroz basmati impecável, solto e saboroso. Outras opções da lista são Matapá de camarão à moçambicana feito com preceito com amendoim torrado, chacuti de cordeiro ou de frango, e esse templo da cozinha indo-portuguesa que é o balchão de vitela, assim chamado pelo condimento utilizado, o balichão. Resta dizer que um dos pratos mais procurados da casa é o sarapatel Nas sobremesas não podia faltar a bebinca, tradicional e séria, construída em nove camadas. A lista de vinhos é curta mas existem cervejas moçambicanas - as célebres 2M e Laurentina Kaia Khaina, para que saibam, significa “a nossa casa” em changana, a língua mais falada em Maputo. Esta bela casa fica na praceta Lagoa de Óbidos 85, Parede, Rebelva, reservas aconselháveis pelos telefones 211 931 440 e 912 376 277, já que a sala não é muito grande.
DIXIT - “Se a vanguarda só convive com a vanguarda, com públicos de vanguarda, não vale a pena. Temos que ser de vanguarda dentro do sítio mainstream”- Miguel Esteves Cardoso
BACK TO BASICS - “A melhor forma de prever o futuro é inventá-lo” -Alan Kay
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