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VAMOS CORRER RISCOS - Existem duas eras na Gulbenkian: antes e depois do Centro de Arte Moderna. Criado por iniciativa de Sommer Ribeiro apoiado por Madalena Perdigão, inaugurado em 1983, o CAM veio trazer uma lufada de ar fresco a uma instituição que bem precisava dela. A Gulbenkian abriu ao público em Outubro de 1959 e até 1974 desempenhou o papel de um Ministério da Cultura que era inexistente. A sua importância para a cultura portuguesa nessa época - e nos primeiros anos a seguir ao 25 de Abril - foi grande. Mas, como muitas vezes acontece, ao longo dos tempos, foi-se acomodando. Madalena Perdigão criou um sobressalto com o CAM, cujo programa se resumia numa das suas frases preferidas: “Vamos correr riscos”. E assim foi até ao seu desaparecimento precoce, em dezembro de 1989. Na década de 90 muita coisa mudou, desde logo com a preparação da Europália 91, que decorreu em Bruxelas, e impulsionou uma recuperação dos museus nacionais. Logo a seguir, com a inauguração do CCB e Culturgest em 1993, a Gulbenkian deixou de ser a monopolista bem instalada na corte do poder e da cultura. A década de 90, mais tarde com Lisboa Capital Cultural Europeia em 94, a Expo em 98 e os novos equipamentos culturais da cidade, transformou completamente o panorama e deixou a Gulbenkian numa encruzilhada, a perder público e notoriedade. Foi assim que entrou no século XXI, progressivamente perdendo relevância e sem uma estratégia clara visível. O CAM fechou em Agosto de 2020 e esteve em obras desde 2021 até este ano. O edifício original foi substancialmente alterado pelo projecto do arquitecto japonês Kengo Kuma e foi ampliada a área exterior com um novo jardim desenhado por Vladimir Djurovi. A gigantesca pala, com mais de 100 metros de comprimento, de inspiração japonesa, é a peça mais polémica da obra - a estrutura parece opressiva, sobretudo na zona mais baixa, a imagem que se tem do exterior, nomeadamente da rua Marquês Sá da Bandeira, não é agradável (na imagem). Só o tempo mostrará como vai ser o funcionamento do novo CAM, o rumo da sua Direcção, a capacidade de fazer uma programação que consiga atrair públicos e fazer a ligação com a Colecção da Gulbenkian, articulando se possível a do fundador e a contemporânea. O edifício original do CAM foi bastante modificado, tem agora mais 900 m2 de área expositiva e algumas novidades: é possível o acesso à área de reservas, numa sala visitável para ver obras da colecção, há zonas fixas e móveis preparadas para apresentar obras em suportes digitais de imagem e som e uma nova área, a Galeria da Colecção, onde serão mostradas obras do acervo do CAM - e esta é talvez a nova área do edifício que levanta mais dúvidas por ser relativamente estreita e não permitir recuo às peças, sobretudo as de maiores dimensões. A Gulbenkian não tem sido particularmente feliz com o resultado das escolhas que tem feito dos directores estrangeiros que tem escolhido. Vamos ver se o actual director do CAM, Benjamin Weil, conseguirá não se deixar fechar em lobbies e manter os olhos abertos para fora da teia de influências e dos lobbies convenientes ou de conveniência. Para já, o programa inaugural não é auspicioso, à excepção de Gabriel Abrantes e de “Linha da Maré”, na Galeria da Colecção, com peças importantes, embora se note a falta de algumas das obras mais emblemáticas do acervo que mereciam estar em destaque na reabertura do CAM e não escondidas nas reservas. Infelizmente a exposição “O Calígrafo Ocidental”, sobre a obra de Fernando Lemos e a sua relação com o Japão, podia ser um marco, mas tem uma montagem confusa que desmerece o artista. De resto nada mais a salientar. Daqui a uns meses perceberemos melhor se o novo edifício e a sua direcção são, ou não, uma oportunidade perdida. Até lá, como dizia Madalena Perdigão, vamos correr riscos.
SEMANADA - A carga fiscal na primeira metade deste ano foi de 36% do PIB, 1,6% acima do valor registado em igual período do ano passado; segundo o Eurostat, cada português desperdiça 336 euros em comida por ano, o que representa quase 11% do orçamento familiar em alimentação e o valor total desperdiçado anualmente pelos portugueses é de mais de 3,3 mil milhões de euros; no século XIX apenas 7% do território português era ocupado por floresta e hoje ela cobre 36% do território nacional; os incêndios da semana passada consumiram 135 000 hectares e a área total ardida este ano chega quase a 147 000 hectares, a terceira maior da década; registam-se anualmente cerca de 6000 crimes de fogo posto e o número de presos condenados por esse crime quase duplicou na última década; comprar casa em Lisboa é 70% mais caro que no resto do país; o filme “Divertida-mente 2” da Disney Pixar foi visto em Portugal por cerca de 1,3 milhões de espectadores e gerou uma receita bruta de bilheteira de 7,7 milhões de euros, a maior de sempre registada no país; o Ministro da Educação reconheceu que há ainda “mais de 200 mil alunos” sem todos os professores; nos últimos quatro anos o número de estudantes que reportaram problemas de saúde mental duplicou e transtorno de ansiedade e depressão são os problemas mais reportados; há mais de uma centena de leis por regulamentar desde 2003; até Julho Portugal importou 443 milhões de euros em paineis solares chineses.
O ARCO DA VELHA - A lista de espera para tratamentos de fertilidade no SNS indica que por falta de dadores cerca de mil mulheres aguardam por espermatozóides e 426 por ovócitos e o tempo de espera ultrapassa os três anos.
A ENERGIA DAS FLORES - Jorge Galindo é um pintor espanhol que divide o seu tempo entre Borox, perto de Toledo, e Gaia, onde também tem casa. Com forte influência de Julian Schnabel, com quem estudou, a obra de Jorge Galindo faz uso de uma ampla variedade de materiais, em superfícies exuberantes e coloridas. A sua nova exposição “Flama” está patente na Galeria Fernando Santos, no Porto, até 9 de Novembro (Rua Miguel Bombarda 526). Bernardo Pinto de Almeida, historiador e crítico de arte, afirma no texto que escreveu para a exposição que o título é uma “explícita alusão a esse fogo que parece consumir, desde sempre, as suas imagens”. A exposição apresenta um conjunto de obras de grandes dimensões, acompanhadas por uma série de pequenas obras executadas sobre livros abertos, colocados sobre estantes de orquestra para pautas musicais. O tema central das obras é a forma como Galindo vê e observa flores. Para Bernardo Pinto de Almeida o artista arriscou levar mais longe o seu processo de trabalho “nestas novas flores selvagens, que uma vez mais ampliam as que apareciam já nas séries anteriores, ao deixar cada vez mais fluentes e mesmo cada vez mais abstractos os gestos, a presença das colagens, as expressões da cor e do “ataque” do corpo na sua luta com a tela”. A Galeria Fernando Santos apresenta também a exposição de fotografia “25 Palavras ou Menos” de Luís Palma e uma exposição de novos trabalhos de pintura de Avelino Sá, "Eclipse" todas igualmente até 9 de Novembro.
O SURREALISMO E O SILÊNCIO - No Centro de Arte Manuel de Brito (Campo Grande 113) continua até 4 de Outubro a exposição “Os Artistas Surrealistas na Colecção Manuel de Brito” com obras de António Pedro, António Dacosta, Mário Cesariny, Paula Rego, Marcelino Vespeira e Mário Botas (na imagem), entre outros. Na galeria Vera Cortês Carlos Bunga apresenta novas obras em “Silêncio”, até 31 de Outubro (Rua João Saraiva 16 -1º). Carlos Bunga nasceu no Porto, estudou na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha e actualmente vive e trabalha perto de Barcelona. Bunga, que é um dos artistas portugueses com maior número de exposições realizadas no estrangeiro nos últimos anos, repetiu a sua presença na Bienal de S. Paulo em 2023. Outra exposição a reter é “Anton's Hand is made of Guilt. No Muscle or Bone. He has a Gung-ho Finger and a Grief-stricken Thumb”, um trabalho documental multimedia de Edgar Martins, que evoca a morte de um amigo próximo na guerra do Líbano em 2011, acompanhado por um photobook, que ficará até 16 de Novembro na Galeria Filomena Soares (Rua da Manutenção 80). Na Amadora, Galeria Municipal Artur Bual, decorre até 6 de Outubro uma exposição baseada na obra gráfica de Maria Helena Vieira da Silva, integrada no programa de itinerâncias da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, com mais de 50 trabalhos da artista feitos entre 1954 e 1988.
ADUBO PARA O PENSAMENTO - Em 1977 Jorge Luis Borges proferiu um conjunto de palestras no teatro Coliseo de Buenos Aires. Essas conferências foram gravadas e um jornal argentino publicou-as numa versão cheia de erros de transcrição, omissões e cortes arbitrários. Depois de, ao longo de dois anos, se ter recusado até mesmo a ouvir as gravações, Borges concordou em compilar as sete conferências, exigindo revê-las uma a uma. É o resultado desse trabalho que pode ser lido em "Sete Noites", o título que evoca as sete palestras: “A Divina Comédia”, “O pesadelo”, “as Mil e Uma Noites”, “O budismo”, “A poesia”, “A cabala” e “A Cegueira”. Num destes textos, “A poesia”, citando Emerson, Borges diz que “uma biblioteca é um gabinete mágico em que há muitos espíritos enfeitiçados. Atrevo-me a dizer que este livro é um bom exemplo disso, dá-nos que ler, para depois pensarmos. Roberto Bolaño, o poeta e escritor chileno já desaparecido, tem uma frase que define tudo: “Eu poderia viver debaixo de uma mesa a ler Borges.” Edição Quetzal.
WEEKEND - O festival Encontros da Imagem vai na sua 34ª edição. Com origem em Braga e extensões ao Porto, Guimarães, Barcelos e Vila Nova de Gaia apresenta mais de quatro dezenas de exposições. Pode ver todo o programa em encontrosdaimagem.com . Uma sugestão musical é o novo álbum dos Tindersticks, “Soft Tissue”, cuja capa aqui se reproduz, um regresso em grande forma da banda de Stuart Staples, já disponível nas plataformas de streaming. “Para finalizar, no próximo sábado e domingo, entre as 11H e as 18H, o Museu Bordalo Pinheiro, ao fundo do Campo Grande realiza a “Paródia no Bordalo”, com um conjunto de actividades desde uma feira do livro a oficinas artísticas, visitas guiadas e uma sessão de curtas metragens de animação, tudo com entrada livre.
DIXIT - “Nas fotografias mais institucionais, cerimónias do Estado Novo, o que mais impressiona é a pompa, as poses e a coreografia estereotipada” - José Pacheco Pereira
BACK TO BASICS - “Os meus pais ensinaram-me a ouvir o que os outros dizem antes de tomar uma decisão. Quando sabemos ouvir, aprendemos sempre” - Steven Spielberg
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
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