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A LINHA COR DE ROSA - De repente Pedro Nuno Santos e André Ventura deram as mãos e, obviamente por mero acaso, desataram a aprovar em conjunto propostas que contrariam as intenções e planos do Governo. Estão no seu direito e nada impede que se juntem. No entanto, convirá recordar que para Pedro Nuno Santos, durante a campanha eleitoral, havia uma linha vermelha em relação ao Chega. Agora, feitas as eleições, no quadro parlamentar, a linha vermelha deixou de existir e PS e Chega convivem num mapa cor de rosa. Ora isto quer dizer que a partir daqui as críticas de Pedro Nuno Santos a quaisquer entendimentos parlamentares com o Chega soam a falso. Ficamos a saber que aquilo que é vermelho para os outros, é cor de rosa para o PS. Mas este entendimento com o Chega em relação às SCUT mostra uma outra coisa: sem sobressaltos Pedro Nuno Santos passou de líder do regresso da ferrovia para mentor de maior utilização do automóvel. Estes singelos episódios parlamentares entram naquele crescente rol de coisas que levam as pessoas normais a não acreditar no que os políticos dizem. Se não conseguem ser coerentes no que afirmam, como se pode ter confiança no que dizem querer fazer? Pedro Nuno Santos até já sugeriu que, mesmo estando na oposição, consegue tomar mais medidas que o actual Governo. Talvez ele se possa recordar que o PS, ao fim de oito anos de governo, deixou por resolver as reivindicações de recuperação do tempo de serviço dos professores, o pagamento de suplementos de risco para as forças de segurança, a revisão salarial dos guardas prisionais, os suplementos e horas extraordinárias dos funcionários judiciais e os aumentos e revisão da carga horária de médicos e enfermeiros. Será que se esqueceu disto tudo?
SEMANADA - Para que seja possível, nas eleições europeias de 9 de Junho, votar em qualquer lado o Estado adquiriu 29 mil computadores para os quais são necessários 12.000 técnicos, mas ainda falta contratar 2600 para que exista um em cada mesa de voto, como é obrigatório; os pagamentos feitos no retalho durante 2023 alcançaram uma média diária de 11,6 milhões de euros; o excedente orçamental do Estado que existia em fevereiro transformou-se em saldo negativo no final de Março, segundo a Direcção Geral do Orçamento; um estudo divulgado na semana passada indica que o futebol contribui para a economia portuguesa com 667 milhões de euros, ou seja 0,26% do PIB; em 2023 as duas ligas profissionais de futebol pagaram 228 milhões de euros entre impostos e segurança social; segundo o INE o sector cultural no seu todo gera um volume de negócios anual superior a 8 mil milhões de euros num universo de 75 mil empresas que empregam quase 200 mil trabalhadores; uma em cada cinco autarquias cobra o valor máximo de IMI; a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial está parada há seis meses e não tem sequer enquadramento legal para exercer as suas funções; Portugal é o 3º país da UE com mais infecções hospitalares; apenas 8% dos doentes em hemodiálise são tratados em hospitais do SNS; mais de 60% dos trabalhadores portugueses por conta de outrem ganham no máximo um salário-base até mil euros, de acordo com os valores declarados à Segurança Social; mais de metade dos crimes sexuais contra menores investigados pela Polícia Judiciária em 2023 foram cometidos no seio da família.
O ARCO DA VELHA - A agência para a migração tem 400 mil pedidos pendentes, é alvo de 7600 processos e gera 52 queixas judiciais por dia pelos atrasos na legalização dos migrantes.
VER A SURPRESA - Arte que não desafia nem surpreende pode ser agradável à vista mas fica-lhe a faltar uma parte importante da sua razão de ser. Quando numa exposição vejo uma obra inesperada, o meu primeiro reflexo é procurar pensar o caminho criativo que culminou naquele trabalho. Nalguns casos não se descortina a razão, noutros percebe-se o pensamento. A exposição que Patrícia Garrido inaugurou esta semana na Sociedade Nacional de Belas Artes, uma peça única que enche por completo o salão nobre do edifício, e que a fotografia aqui publicada mostra parcialmente, é um desafio que nos obriga a procurar as suas origens e é uma afirmação pessoal de revisitação de memórias, que repetidamente surge na carreira da artista. Numa peça desta dimensão, que só pode ser vista de fora, o visitante é remetido ao papel de espectador da evocação dessas memórias. Com o título “11 Casas (2024)” esta escultura, feita integralmente em cantoneira metálica, remete para a história de vida da artista, revisitando um tema que lhe tem sido frequente: os espaços que habitou. Aqui, Patrícia Garrido evoca onze das casas onde viveu, recriando os seus espaços à escala real, misturando-os e fundindo-os num exercício de geometria variável, inspirado em memórias de uma vida, e que parte do desenho para a criação de formas e estruturas que se cruzam e sobrepõem num labirinto. A obra agora apresentada foi construída expressamente para o Salão Nobre da SNBA, será depois desmontada e pode ser vista só até 1 de Junho. Este é um projecto da Fundação Carmona e Costa, coordenado por Patrícia Garrido e Manuel Costa Cabral.
ROTEIRO - A Galeria Ratton, dedica-se à criação de obras de artistas contemporâneos em azulejo e tem ao longo dos anos mantido colaboração com uma grande diversidade deles. Agora apresenta painéis e azulejos inéditos de Manuel João Vieira e Pedro Proença, sob o título genérico “O Que Faz Falta e a Falta que Faz - 25 de Abril 50 anos” (na imagem). Apresenta também uma selecção de painéis de azulejo de de Bartolomeu Cid dos Santos, João Vieira, René Bertholo e Josephine King. A exposição fica patente até 6 de Setembro na Ratton, Rua da Academia das Ciências 2C, Lisboa. No MAAT, até 26 de Agosto, pode ser vista no uma mostra de fotografias, vídeos e peças escultóricas do fotógrafo francês Nicolas Floc’h, incluindo uma série que realizou no estuário do Tejo e nos Açores. O MAAT proporcionou a Floc’h a residência que deu origem ao mural “A Cor da Água – Rio Tejo”, composto por 408 fotografias das cores da água deste rio – no troço entre Castanheira do Ribatejo e Bugio –, e foi parceiro (com o Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, Açores) da campanha que lhe permitiu registar as fontes termais subaquáticas ao largo da ilha de São Miguel. Na galeria Sá da Costa, ao Chiado, Catarina Pinto Leite apresenta até 26 de Maio a exposição “Palimpsesto”, um trabalho de colagens baseadas na recuperação de obras da artista danificadas numa inundação. E em Coimbra prossegue até 30 de Junho a 5ª Bienal com o título “Fantasma da Liberdade”.
UM LIVRO QUE SE COME - Jim Harrison tem uma extensa obra literária, da poesia à ficção, passando pelo ensaio, mas aquilo que o tornou mais popular foi escrever sobre comida. A imprensa norte-americana, onde tanto escreveu sobre restaurantes e gastronomia, chamava-lhe “o poeta laureado do apetite.”Uma Grande Almoçarada” é o livro, agora editado entre nós, que reúne alguns dos seus melhores textos sobre comida, vinhos, e também a felicidade da partilha de uma refeição. Aqui, neste livro, está o relato de um almoço francês que tinha 37 pratos - e que dá o título ao livro - até um texto divertidíssimo sobre as colunas e os críticos de vinhos, as rivalidades entre o vinho branco e o vinho tinto, passando por recordações do seu convívio com outros apreciadores de comida como Orson Welles, Jack Nicholson e Anthony Bourdain. Jim Harrison, que morreu em 2016 aos 79 anos, é autor de três dúzias de livros, além disso escreveu argumentos de cinema, foi crítico literário e fez artigos sobre desporto, viagens e comida - que é o tema que nos traz aqui hoje. Com uma tradução exemplar de Isabel Lucas, o livro inclui 47 dos seus textos mais célebres. Pego no divertido “Apontamentos sobre vinho”, de onde roubo estas linhas: “A prova de vinhos presta-se a comédia, mas o mesmo acontece noutras profissões de grande valor intrínseco, desde cientistas loucos a strippers virtuosas e políticos cheios de boas intenções”. Num outro texto sublinha: “Nunca me contenho à mesa porque é mais divertido comer do que não comer”.E, um pouco mais à frente: “a invenção do supermercado tem sido, de um modo geral, desastrosa para a saúde humana”, para logo a seguir defender os mercados locais, as lojas que vendem boa charcutaria artesanal ou queijos de produtor em vez de pastas fabris - e declara, peremptório, que em Paris preferia os mercados locais às catedrais e museus. A descrição da infelicidade sentida num restaurante com estrelas Michelin, onde lhe serviram um frango sem as respectivas pernas, é outro monumento. Edição Quetzal.
JAZZ COM HARMÓNICA - Se, como eu, são fãs da música que Ennio Morricone compôs para filmes, então aconselho que procurem “Ennio”, um álbum que reinterpreta alguns dos seus temas mais conhecidos, aqui interpretado pela harmónica de Grégoire Maret e o piano de Romain Collin. O primeiro dos 12 temas é o clássico “Once Upon a Time in America”, bem acompanhado por “ A Few Dollars More”, “The Good, The Bad And The Ugly”, “Once Upon a Time in the West”, “ Cinema Paradiso”, “ The Sicilian Clan” ou “Man With a Harmonica”, entre outros. Maret é um discípulo de Toots Thielemans, o músico que levou uma instrumento muitas vezes considerado um brinquedo, como a harmónica, para a primeira linha do jazz. Grégoire Maret trabalha regularmente com o pianista Romain Collin, com quem já havia gravado um outro álbum de versões, em 2020, “Americana”. No novo trabalho Maret e Collin percorrem repertório de Ennio Morricone, com temas das numerosas bandas sonoras que compôs. É muito curioso ouvir como os dois músicos dialogam entre a harmónica e o piano, desenhando versões que não são cópias dos originais, antes criam um universo sonoro distinto do ambiente orquestral criado por Morricone. Num dos temas, “Se Telefonando”, surge um dueto vocal entre Cassandra Wilson e Gregory Porter. E em todo o disco é patente a forma como Grégoire Maret e Roaming Collin transportaram para o jazz o trabalho de um compositor que admiram. Disponível nas plataformas de streaming.
DIXIT - “Qualquer fiscalista dirá que a tributação empresarial é o maior obstáculo ao crescimento económico e ao aumento dos salários em Portugal” - Manuela Ferreira Leite
BACK TO BASICS - “Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo.” — Albert Camus
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
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