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O ARAME - Resumo da semana política: em vésperas da feitura do Orçamento de Estado para o próximo ano o Bloco procura espaço, o PC dá vitaminas aos sindicatos e às suas greves, Costa sacode água do capote das negas que vai dando, Rio faz exercícios de aquecimento e Marcelo lança foguetes de sinalização. A geringonça está com falta de óleo nas engrenagens e Costa insinua a possibilidade de crise, deixa cair que pode ir a eleições tentar a maioria absoluta se a coligação de esquerda romper ou, se necessário fôr, procurar encosto em Rui Rio. O país anda preso por arames - o endividamento aumenta, o crédito ao consumo voltou a disparar, a corrupção em organismos públicos grassa, a judiciária investiga partidos, o ministro da educação escolheu a época de exames para andar em parte incerta e deixar a liderança do ensino a Mário Nogueira, o aeroporto de Lisboa (que é o motor da galinha de ovos de oiro do Turismo) está num caos, houve mais greves nos últimos dois meses que no ano anterior inteiro. A única coisa que funciona verdadeiramente bem é a propaganda do Governo. O exercício de poder está a assemelhar-se ao desbobinar de um rol de promessas. Como ouvi numa conversa esta semana, deixem-nos lá entreterem-se uns com os outros.
SEMANADA - Seis organismos públicos foram alvo de investigações sobre corrupção no espaço de um mês; o valor em crédito ao consumo concedido pelos bancos aumentou 6,9% em Maio face a igual mês do ano passado; a dívida do Estado português subiu 300 milhões em maio, atingindo um novo recorde de 250.313 milhões; o número de reclamações dos passageiros do transporte aéreo aumentou 35% em 2017; o organismo que fiscaliza os subsídios atribuídos pelo Estado considera que os organismos públicos dão apoios sem rigor nem objectividade; o número de acidentes com automóveis sem seguro cresceu 14% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com período homólogo do ano passado; em 2017 foram concedidas 46.827 licenças de uso e porte de armas de caça, cerca de mais 11 mil que no ano anterior; a primeira análise às contas da gestão de Bruno de Carvalho no Sporting detectou dívidas a fornecedores de pelo menos 40 milhões de euros; soube-se esta semana que a mais valiosa colecção de fotografia portuguesa, do ex-BES, agora à guarda do Novo Banco, está em más condições de armazenamento e a deteriorar-se.
ARCO DA VELHA - Há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos.
FOLHEAR - Um dos mais interessantes estudos sobre a história da fotografia em Portugal foi recentemente publicado em livro. Chama-se “Infâmia e Fama” e aborda “o mistério dos primeiros retratos judiciários em Portugal”, mais precisamente no período entre 1869 e 1895. Leonor Sá, a sua autora, desenvolveu este trabalho no âmbito da sua tese de doutoramento a partir de dois álbuns fotográficos, hoje pertencentes à colecção do advogado Francisco Teixeira da Mota, que os adquiriu em leilão, e que foram produzidos na Polícia Civil de Lisboa pouco depois da sua criação, em 1867. Filipa Lowndes Vicente, que é a curadora do Museu da Polícia Judiciária, escreveu no prefácio que “os tempos da fotografia judiciária são os tempos mínimos de colocar o detido, ou a detida, quieto, perante a lente. O momento imediato substitui a encenação e a verdade acaba por substituir o artifício”. E faz notar que enquanto o retrato encomendado a um estúdio fica na posse do fotografado ou da família, o retrato judiciário não fica com a pessoa que está representada e é mesmo provável que essa pessoa nunca o veja. “Nos anti-retratos - como lhes chama - os retratados não têm, à partida, direito a olhar para a sua imagem” - sublinha. Pelo seu lado Leonor Sá mostra e contextualiza os dois álbuns portugueses que são o centro do seu trabalho no que foi o desenvolvimento do retrato judiciário na europa do século XIX, mas também a utilização da fotografia como instrumento da antropologia. Para além da investigação sobre os dois álbuns, mostra a evolução da iconografia de ilustrações sobre criminosos, desde as medievais até aos cartazes de “Wanted” do far west norte-americano, ou até às criações artísticas sobre o tema feitas, contemporaneamente, por exemplo por Andy Warhol ou Ai Weiwei. Este é um livro fascinante para os apaixonados pela história da fotografia e pelas evolução das utilizações que ela teve em nome da Lei.
VER - Uma das mais importantes exposições de fotografia deste ano abriu agora em Lisboa, no Museu Berardo, e estará patente até 7 de Outubro (na imagem). Trata-se de “Between the Devil and the Deep Blue Sea”, uma exposição do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo, que se destacou pela forma como acompanhou e documentou o fim do apartheid na sociedade sul africana. Pieter Hugo é conhecido pela forma como desenvolveu a sua técnica de retrato, num contexto de referências das comunidades do seu país e da estética da arte africana. Considerado um dos grandes documentaristas da sociedade sul africana contemporânea começou pelo fotojornalismo, foca-se tradicionalmente em grupos marginais e nesta exposição vemos vários exemplos desses seus ensaios fotográficos. O nome da exposição é inspirado numa canção de George Harrison e no fundo esta é uma retrospectiva de várias fases do seu trabalho, organizada em 2017 para o Kunstmuseum Wolfsburg, na Alemanha com curadoria de Uta Ruhkamp. Outros destaques: no British Bar a derradeira edição da série de 15 exposições que Pedro Cabrita Reis criou para serem exibidas nas montras do estabelecimento, e que apresentou mais de quatro dezenas de artistas ao longo dos últimos 15 meses. Desta vez os convidados foram Luisa Cunha, Rui Toscano, João Paulo Feliciano, Ricardo Bak Gordon e Tomaz Hipólito. Se passarem pelo Museu do Caramulo, além das exposições de carros (actualmente uma com a história da Porsche), poderão ver “Black Box - Passeios”, uma mostra de trabalhos de Francisco Tropa, Jorge Molder, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Manuel Botelho, Teresa Segurado Pavão, Luisa Cunha e Gonçalo Barreiros, com curadoria de Rui Sanches.
OUVIR - “Both Directions at Once: The Lost Album” é uma recolha de gravações, na quase totalidade inéditas, feitas pelo quarteto de John Coltrane no histórico estúdio de Rudy Van Gelder em 6 de Março de 1963. Do quarteto faziam parte Coltrane no sax tenor e sax soprano, McCoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no baixo e Elvin Jones na bateria. Gravado um anos antes do referencial “A Love Supreme”, estas gravações, que totalizam 90 minutos, mostram a vitalidade deste quarteto sensivelmente a meio da sua existência. O próprio estúdio ajudou à sonoridade: um pé direito de quase 13 metros, com tecto de madeira abobadado, inspirou os músicos e as gravações ali realizadas eram de facto diferentes. Como é que as bobines destas gravações ficaram tanto tempo ignoradas? A Impulse, a editora com a qual Coltrane tinha contrato, teria perdido as masters numa mudança de instalações e só recentemente os originais em mono foram encontrados em casa da primeira mulher de Coltrane, Juanita Naima Coltrane. Aparentemente esta sessão de gravação destinava-se a cumprir o compromisso de gravação de um álbum para a Impulse. Provavelmente teria sido preciso regressar a estúdio para finalizar esse álbum, mas o que se passou nesse ano de 1963 com estes registos tinha ficado até agora desconhecido. O resultado está aqui, e é aliciante:14 faixas, vários takes de cada tema, alguns originais sem título. 90 minutos do quarteto de Coltrane, ouvidos 55 anos depois de terem sido gravados: tudo parece agora tão simples e acessível, tudo tão natural - mas percebe-se como era um passo nas direcções que Coltrane tomou depois, até morrer em 1967. Se quiserem este é um registo de uma época de transição e de auto-descoberta. E é um documento maravilhoso de um dos maiores músicos de jazz. CD Impulse, no Spotify.
PROVAR - A fruta é uma coisa muito incerta. No ano passado tivemos boa cereja e figos abaixo do mediano. Este ano temos cerejas abaixo do mediano mas os figos estão supremos. As chuvas inesperadas deram cabo das cerejas mas o tempo, no geral, parece ter ajudado os figos. Eu sou um apaixonado por figos - desde estes que agora aí andam, escuros, grandes, carnudos, até aos mais pequenos, verdes, tenros, que hão-de aparecer- se o Verão se dignar surgir. Mas para já estes figos estiveiros, os figos de Junho ou de S. João, são magníficos. Poucas frutas são tão versáteis como os figos: gosto de os misturar numa salada, ou como entrada, divididos em quartos acompanhados por presunto cortado bem fino. E gosto deles como sobremesa, e gosto deles como lanche. Eu, de figos, gosto de todos, evocação das memórias de estar na sombra debaixo das grandes figueiras a colhê-los maduros para logo ali os provar. Quando chegar a agosto espero que os pingo de mel façam jus ao nome. Fruta, para mim, é fruta da época. Já que hoje em dia é difícil comer pêssegos em condições, atiremo-nos aos figos que ainda sabem a boas memórias. E ainda nem falei das passas de figo...
DIXIT - “O mito acabou” - Jerónimo de Sousa; “De repente, toda a gente acha que é possível fazer tudo já e ao mesmo tempo” - António Costa.
GOSTO - Portugal é vice campeão europeu de satélites do tamanho de latas de refrigerantes.
NÃO GOSTO - O Fisco enviou multas relacionadas com a caixa postal electrónica de forma claramente abusiva, mostrando mais uma vez a sua falta de respeito pelos direitos dos contribuintes.
BACK TO BASICS - A música é o vinho que enche o copo do silêncio - Robert Fripp.
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