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A NATUREZA HUMANA - Há quem no Governo lamente aquilo a que chamam “a cultura de suspeição generalizada” sobre os políticos. O que eu acho extraordinário é que lamentem o clima, em vez de prevenirem que existam motivos de desconfiança em relação às pessoas e de descrença em relação às instituições. Todas as semanas surgem mais casos, que envolvem mais gente - agora começou a vez dos deputados, com o caso de Jamila Madeira, do PS, que, estando no Parlamento, era consultora da REN, ou com o caso de João Pinto Moreira, do PSD, que está a ser também investigado do caso da corrupção na Câmara de Espinho. São obviamente casos diferentes, e todos são inocentes até haver condenação em julgamento - embora se saiba que os julgamentos e investigações são histórias intermináveis. Mas aquilo que se passa mostra o grau de podridão de um regime onde quem escrutina os políticos são os aparelhos partidários onde eles cresceram, que frequentam e que em muitos casos dirigiram. Não deve haver juízes em causa própria, mas o que se passa tantas vezes nos maiores partidos é isso mesmo. A maioria dos aparelhos partidários são viveiros de teias de favores, dependências, compadrios, protecção de familiares, cunhas e interesses. Dirão muitos que os pecados e pecadilhos são fruto da natureza humana e não do funcionamento da política - e que, em última análise, são as falhas de carácter que proporcionam a ocorrência dos casos mais graves. Mas existe um clima de facilitismo combinado com uma convicção de impunidade, aliado a muita falta de bom senso, que são a explicação verdadeira para isto. Não é só o sistema político que precisa de ser reformado, os partidos são hoje o viveiro onde crescem os vícios e os problemas.
SEMANADA - Em 2021, Portugal tinha 2801 pessoas com mais de cem anos, quase o dobro do que acontecia há uma década; no ano passado foram vendidos 12.725.898 livros, por um preço médio de 13,75 euros, num total de cerca de 175 milhões de euros, um aumento de 16,2% face a 2021; o salário médio dos portugueses cresceu apenas 3% desde 2010; as multas por carta de condução caducada duplicaram em 2022 face ao ano anterior; o preço médio da produção agrícola na UE aumentou 24% em 2022; o Tribunal Constitucional demorou três anos a indicar a direcção da Entidade da Transparência, que tem por missão verificar as declarações de rendimentos e incompatibilidades dos políticos e titulares de altos cargos públicos; alguns ex-ministros de António Costa juntam-se regularmente num jantar convocado através de um grupo de whatsapp dinamizado por Matos Fernandes, intitulado “descamisados”; em 2022 foram apreendidas em Portugal mais de 16 toneladas de cocaína; as exportações de bicicletas fabricadas em Portugal ultrapassou em 2022 a barreira dos 800 milhões de euros; em 2022 foram criadas em Portugal 48.404 empresas, um aumento de 14% face ao ano anterior; um estudo do Ministério da Defesa indica que só 1,4% dos jovens portugueses se interessa por questões de participação e cidadania; a Sociedade Portuguesa de Matemática acusou o Ministério da Educação de atirar a aprendizagem da Matemática no ensino secundário para “mínimos históricos inexplicáveis”.
O ARCO DA VELHA - A Comissão para a reforma da Saúde Pública pediu a demissão porque, ao fim de três anos, não vê resultados práticos das análises e das propostas que apresentou.
AS LETRAS DAS ARTES - S. Martinho da Anta, distrito de Vila Real, concelho de Sabrosa, foi a terra natal de Miguel Torga e tem um museu com o nome do escritor, projectado por Eduardo Souto Moura, com um amplo espaço expositivo. Desde sábado passado e até 26 de Março ali pode ser vista uma série de obras de João Vieira, que raramente têm sido expostas em conjunto. Com curadoria de Manuel João Vieira, a mostra revela pela segunda vez - a primeira foi nos Artistas Unidos, em Lisboa, há mais de uma década - uma das mais relevantes séries realizadas pelo artista, terminada pouco tempo antes de João Vieira morrer. A exposição mostra seis pinturas de grandes dimensões (450 x 250 cm) e estas obras de João Vieira, expostas no Espaço Miguel Torga, evocam outras tantas artes: “Dança” , “Teatro”, “Imagem”, “Pintura” , “Palavra”, “Música”. João Vieira fez cenografia para teatro, encenações, performances, filmes, e música, além de pintura. Segundo Manuel João Vieira, "este é, depois do políptico 'Silêncio Chinês' ou da recriação em escala real dos painéis de S. Vicente, o maior conjunto articulado na obra de João Vieira." A carreira de João Vieira nasceu em 1934 em Anelhe, Vila Real, começou a expôr em 1956, em 1960 fundou o Grupo KWY, juntamente com Lourdes Castro, René Bertholo, José Escada, Gonçalo Duarte, Jan Voss e Christo e teve uma longa e diversificada carreira até à sua morte em 2009. (a imagem aqui publicada é do Centro Miguel Torga).
DESENHAR - Pedro Cabrita Reis gosta de expôr fora dos grandes centros urbanos e de imaginar como a sua obra pode ser descoberta por públicos menos habituados a conviver com ela. Por isso aceitou um convite de Alexandre Baptista que organizou o ciclo “O Desenho como Pensamento” em Águeda. “… queres que te faça um desenho ?...” foi o título escolhido por Pedro Cabrita Reis para a exposição que abriu na semana passada na Sala Estúdio do Centro de Artes de Águeda e que se prolongará até 22 de Fevereiro. Para esta exposição o artista escolheu 151 obras, todas em papel, desde desenho a grafite até aguarelas, e pinturas a óleo e acrílico. Todos os trabalhos expostos são recentes e foram feitos num período de dois anos. O trabalho mais antigo é a série de desenhos a grafite “Femmes”, de 2020. A exposição está montada como um Cabinet d’Amateur, a meio caminho entre um museu particular e o que se vê quando se entra num ateliê de artista durante o seu trabalho. Há obras encostadas à parede, algumas deixadas no chão (como a série de aguarelas feitas para a capa da revista “Colóquio”, da Gulbenkian), as paredes têm com todo o espaço disponível ocupado, como se pode ver na imagem (fotografia Centro de Artes de Águeda). “Gostei de imaginar e de fazer este trabalho, da mesma forma que gosto da ideia de descobrir novos espaços e de mostrar o meu trabalho fora das grandes cidades: acharia um desafio expôr, por exemplo, numa colectividade recreativa” - afirmou Pedro Cabrita Reis. A exposição faz parte do segundo ciclo “O Desenho como Pensamento” , que integra 18 exposições individuais, três colectivas e seis conversas temáticas que decorrerão até 30 de Setembro.
UM HOMEM SÓ - Frederik Beckman é um dos escritores suecos contemporâneos mais populares e a sua obra de estreia, “Um Homem Chamado Ove”, tornou-se um clássico e foi adaptado para o cinema num filme protagonizado por Tom Hanks. E de que fala o livro? Ove não é o típico vizinho com quem nos apeteça cruzar na rua. É um velho solitário e antipático que aparentemente não gosta de pessoas. Protesta contra quem não respeita os sinais de trânsito, queixa-se de quem não sabe fazer reciclagem corretamente, já para não falar sobre os que ignoram como preparar um café de cafeteira como deve ser. Ove é o tipo de homem que aponta o dedo a tudo o que não lhe agrada e que não consegue compreender aqueles que anseiam pela reforma: como pode alguém passar a vida inteira à espera do dia em que se torna desnecessário? Aos 59 anos, custa-lhe conceber que o mundo pula e avança, que ele não pode ficar agarrado ao passado, perigosamente sozinho e infeliz de tão rabugento, depois de ter perdido a única pessoa que dava cor aos seus dias. Esta é uma história de solidão e tristeza que o seu autor consegue transformar na redescoberta do prazer pela vida. Uma série de circunstâncias, a começar pela chegada de novos vizinhos, consegue devolver a Ove, aos poucos, a fé na humanidade. E, ao mesmo tempo, as pessoas que o rodeiam começam a perceber que o bairro não seria o mesmo sem ele: seria um lugar mais frio, menos solidário e, por mais estranho que pareça, também muito menos divertido. Fredrik Beckman foi colunista e blogger, este romance foi originalmente editado em 2012 e depois disso já publicou mais seis romances, duas novelas e um livro de não ficção. Está traduzido em 46 línguas e, no total, já vendeu 19 milhões de exemplares de todas as suas obras.
COMIDAS MAL ENCENADAS - O encerramento do restaurante dinamarquês Noma, criado e dirigido pelo chef René Redzepi, veio chamar a atenção sobre o mundo dos restaurantes de luxo, que praticam o que se convencionou chamar fine dining - refeições com extensos menus de degustação, preços altos e enormes equipas a realizar todo o trabalho, na maior parte dos casos com horários sobrecarregados e com salários diminutos ou, até, inexistentes, sob a capa de estágios. O que é certo é que aquilo que está a acontecer ao Noma começa a colocar em causa restaurantes onde o conceito é mais valorizado que a comida, em que o aparato é mais importante que a genuinidade. Investigações jornalísticas em vários restaurantes deste género, nos Estados Unidos, mostraram que afinal muitos produtos utilizados, ao contrário do que era anunciado, não vinham de produções próprias nem próximas e alguns eram até adquiridos em grandes superfícies. Um deles, o Willows Inn, perto de Seattle, parece ter sido o inspirador do filme “The Menu”. Tal como o restaurante cujo chef é representado por Ralph Fiennes, o Willow Inn ficava numa ilha, a que os comensais, que pagavam 500 dólares por cada jantar, acediam de barco. E, como no filme, os empregados não tinham horários e eram sujeitos a diversos abusos. Esta cultura de restaurantes teatralizados foi, na minha opinião, muito estimulada pelas perversas estrelas Michelin que por vezes dão mais importância à aparência que à realidade, privilegiando a decoração dos pratos e a exuberância do serviço. O bom sinal é que esta queda de reputação do fine dining está a trazer de volta a procura por restaurantes mais informais, mais acessíveis, onde os clientes podem escolher o que pretendem comer e não são obrigados a seguir uma lista que alguém imaginou. Termino a parafrasear um escrito recente de Miguel Esteves Cardoso sobre este assunto e que sintetiza o que eu também acho: “um bom restaurante é aquele onde se quer ir todos os dias almoçar”.
DIXIT - “As pessoas são escolhidas por quem de direito. Caso aceitem, não devem ser obrigadas a responder a questionários arbitrários e intrusivos” - António Barreto.
BACK TO BASICS - “A política é a arte de evitar que as pessoas participem em questões que as preocupam” - Paul Valéry
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