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A RODA LIVRE - Razão tinham aqueles que, há um ano, lançaram alertas sobre os perigos de uma maioria absoluta. Não se enganaram nem um bocadinho. Em vez da estabilidade anunciada, conhecemos a instabilidade, traduzida em 13 substituições de membros do Governo. Em vez de um gabinete coeso tivemos compadrios, indícios de corrupção, sordidez, desnorte, problemas éticos. Em vez de reformas que melhorem o país tivemos imobilismo, mais problemas na justiça, saúde e, sobretudo, educação. Em vez de aproveitarmos os recursos, temos de novo uma emigração portuguesa para o estraneiro, da geração em que o país mais investiu na formação, que é em termos absolutos, próxima do que se passou na década de 60 com, nessa altura, mão de obra desqualificada. Uma maioria absoluta, um ano de instabilidade. Perdeu-se tempo. Perdem-se recursos. Não se começou a resolver os maiores problemas. Esta semana, numa entrevista colocada no canal de serviço público de televisão, e que teve 770 mil espectadores, António Costa, garantiu que a legislatura é para chegar ao fim e até brincou: “O meu médico diz-me que estou bem”. O problema, na realidade, não é a saúde de Costa, que todos desejamos que continue em boa forma, mas a adesão das suas afirmações à realidade. O problema é a sua capacidade de fazer coisas em vez de fazer habilidades. António Costa é uma pessoa divertida e um político habilidoso. Mas não é um fazedor. É um equilibrista, um trapezista da política. E quando se viu com maioria absoluta achou que já não precisava de ter a rede de segurança que a geringonça lhe deu. E entrou em roda livre, que é o actual estado da nação.
SEMANADA - Portugal tem cerca de quatro milhões de pessoas com idade igual ou superior a 55 anos; 2,6 milhões de portugueses vivem com menos de 660 euros por mês; em dezembro a taxa de inflação homóloga na zona euro foi de 9,2%, menos nove décimas que no mês anterior; 9,6% foi a inflação em Portugal em Dezembro, mais três décimas que no mês anterior; PS, PSD e Chega chumbaram a desclassificação de documentos militares da Guerra Colonial; em 2022 registaram-se 103 escalas de cruzeiros no Porto de Lisboa, um aumento de 43% face a 2019; um estudo da Universidade Católica indica que sete em cada dez jovens discutem política mas preferem modos de participação sociais e cívicos em vez de modos formais; nove em cada dez jovens já votaram pelo menos uma vez, sendo as eleições legislativas aquelas que lhes suscitam maior participação; o Portal da Queixa identificou uma subida de 57% no número de reclamações dirigidas aos serviços de entrega de refeições ao domicílio, comparativamente com 2019 e a Uber Eats é a marca que recebe mais queixas dos consumidores; segundo a OCDE quase um quinto do dinheiro que sai do Estado em financiamentos e apoios volta ao Estado sob a forma de impostos e taxas; segundo o INE o alojamento turístico registou 26,5 milhões de hóspedes e 69,5 milhões de dormidas, em 2022, que correspondem a aumentos homólogos de 83,3% e 86,3%, respectivamente; a taxa de desemprego em Portugal subiu para 6,7% em dezembro, segundo o INE; um estudo da Marktest indica que o número dos portugueses que bebem café fora de casa está a cair e atingiu o valor mais baixo dos últimos dez anos.
O ARCO DA VELHA - No caos da educação contabilizam-se 40 ministros do sector , mas apenas um constante interlocutor, o português que mais vezes se sentou com governantes - Mário Nogueira.
OS CÍRCULOS - A nova exposição da semana é, sem dúvida, “Et Sic in infinitum" de José Pedro Croft, que pode ser vista na Fundação Arpad Szenes -Vieira da Silva até 28 de Maio próximo. Incorporando a sua experiência de escultura, desenho e pintura, José Pedro Croft desenvolve o seu trabalho a partir de variações entre grafismo e geometria, muitas vezes desafiando noções de espaço. Se em momentos anteriores as linhas rectas e as formas lineares tinham uma presença recorrente, nestes seus trabalhos mais recentes o que ele ensaia é a exploração das possibilidades do círculo, das linhas curvas. Os trabalhos expostos foram feitos nos últimos dois anos, com excepção de duas obras, uma gravura de 1996 e uma escultura em calcário negro e ardósia, de 1987. O curador desta exposição, Sérgio Mah, faz notar que o título “Et sic in infinitum” é uma citação da frase que consta em cada um dos lados de um desenho do físico e cosmologista Robert Fludd, reconhecido como uma das primeiras representações da criação do universo. É também de Sérgio Mah esta síntese da exposição: “Em geral, estas obras distinguem-se pela sua sobriedade e elegância formal. Contudo, é importante frisá-lo, essas qualidades não visam o deleite formalista ou o mero conforto contemplativo. Pelo contrário, são atributos que estimulam a indeterminação, o carácter problemático e enigmático das obras, que espicaçam a perplexidade de quem as defronta”. Na semana passada, na Casa Atelier Vieira da Silva, foi inaugurada a exposição de novos trabalhos de Catarina Pinto Leite, “O Grau Zero de todas as coisas”. Outros destaques: na Galeria das Salgadeiras (Rua da Atalaia 12), Daniela Kirtsch apresenta “Take Me To The Dawn” até 18 de Fevereiro. E, também até 18 de Fevereiro, há uma exposição retrospectiva da obra em pintura de João Abel Manta, na Sociedade Nacional de Belas Artes, Rua Barata Salgueiro, em Lisboa.
LIBERDADE - Isaiah Berlin foi um filósofo, historiador de ideias e teórico político. Defendeu o liberalismo contra o extremismo político e o fanatismo intelectual. Em 2002 uma série dos seus ensaios foi reunida sob o título genérico “Liberty”. E foi a partir dessa edição que agora se edita em Portugal “Esperança e Medo, Dois Conceitos de Liberdade”, com tradução de Jorge Pereirinha Pires e Maria José Batista. Os textos levantam questões essenciais, tantas vezes incompreendidas por quem detém o poder: «Porque é que eu devo obedecer a outrem?» «Porque é que não hei‑de viver como quero?» «Tenho de obedecer?» «Se eu desobedecer, posso ser coagido?». Berlin foi claro quando escreveu: «Liberdade é um termo cujo sentido é tão poroso que existem poucas interpretações a que este pareça capaz de resistir. Não proponho discutir a história desta palavra proteiforme nem os mais de duzentos sentidos registados para a mesma pelos historiadores de ideias. Proponho examiná‑la em não mais do que dois desses sentidos, que considero serem os sentidos centrais e que têm atrás de si uma grande parte da história humana e, atrevo‑me a dizê‑lo, a história ainda por vir.». E esses dois sentidos são o negativo (ausência de coacção) e o positivo (o direito de se ser senhor de si mesmo). O livro aborda temas que vão desde a democracia liberal e dimensão e papel do Estado, até à esfera e limites da liberdade individual. Como disse John Gray, um filósofo político inglês, «num mundo em que a liberdade humana se espalhou mais lentamente do que a democracia, os escritos de Berlin sobre liberdade e decência básica são mais instrutivos e úteis do que nunca». Edição Guerra & Paz.
MÚSICA AVENTUREIRA - John Cale, aos 80 anos, surpreende mais que muitos músicos actuais cheios de espalhafato, mas vazios de ideias. Só para situar John Cale foi um dos pilares dos Velvet Underground na segunda metade dos anos 60, e, mais tarde, o produtor responsável por alguns dos melhores trabalhos dos Stooges, Patti Smith, Nico ou Modern Lovers. Ao mesmo tempo foi desenvolvendo a sua própria obra e ainda encontrou ocasião para meter a mão no tema “Hallelujah”, responsável por dar notoriedade a um Leonard Cohen, até aí pouco conhecido. John Cale lançou-se agora a um novo trabalho, “Mercy”, o seu 17º álbum de originais. Há temas que evocam e homenageiam amigos seus, como David Bowie e Nico, mas na maioria das canções ele assume frontalmente abordar o presente, como acontece em “ The Legal Status Of Ice”, enquanto chama para o seu lado uma geração de novos talentos, como a voz de Weyes Blood, os provocadores Fat White Family ou os experimentalistas Animal Collective, a cantora colombiana Tei Shi, o duo de pop electrónico Sylvan Esso ou Laurel Halo, que já ganhou o título de álbum do ano da revista The Wire. É esta abertura de espírito e desejo de descobrir novos caminhos que torna o trabalho de John Cale fascinante. É como se em vez de lermos o relato de viagem de um explorador do início do século XX, estivéssemos a ouvir as descobertas sonoras possíveis neste século XXI, através de um aventureiro musical. “Mercy” e os seus 12 temas, uns instrumentais, outros cantados, estão disponíveis nas plataformas de streaming.
COMIDA CONCEPTUAL - Aqui há uns dias, ainda a noite era uma criança e a fome apertava, fui seduzido por umas luzes num pátio frente à Assembleia da República, onde surgiu a palavra “O Jardim”. Fui tentado a ver se a coisa funcionava, ou seja, se o que eu via, de mesas e cadeiras, correspondia à ideia de um restaurante. Uma vez entrados e simpaticamente sentados, eis que, quando analisámos a lista e fizemos o pedido, o empregado, com um olhar inquisidor, perguntou-nos: “Explicaram-vos o conceito?”. Foi nesse momento que percebi que tinha caído num terrível equívoco. “O Jardim” não é um restaurante, é apenas um conceito. Eu, confesso, não gosto de conceitos em vez de restaurantes. É uma mania minha. O local tem imenso conceito, quantidades inversamente proporcionais, qualidades medianas e preços muito pouco conceptuais e bastante materiais. No fundo, ir lá é um tempo perdido. E se quiserem ir à casa de banho, cuidem-se que a sinalização é conceptual, daquelas onde não se percebe bem o género. Uma coisa meio woke, portanto - aliás, o local quer afirmar-se pela contemporaneidade, nada mais que outro conceito. Não percam tempo - o local assemelha-se em inutilidade gastronómica aos piores momentos dos debates que decorrem lá em frente, na Assembleia da República.
BOM - “A Nova Paródia- Comédia Portuguesa”, criada por Hugo van der Ding para o Museu Bordalo Pinheiro, 16 deliciosas páginas, à venda no Museu.
MAU - A falta de coragem do PSD em se demarcar de acordos com o Chega
DIXIT - “Portugal tem um problema de corrupção grave” - Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados
BACK TO BASICS - “Os homens são tão simplórios e obedecem de tal forma às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar.” - Nicolau
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