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O COSTISMO - Pode acreditar-se numa pessoa que diz uma coisa e depois faz o seu contrário? Passo a citar António Costa: “Há 20 anos o que era governar à esquerda? Governar à esquerda era, em primeiro lugar, fazer nacionalizações. Hoje em dia nenhum partido socialista da Europa entende que as nacionalizações são instrumentos adequados à execução da sua política. Os últimos que entenderam isso foram os socialistas franceses em 1981 e, em 1984, iniciaram as privatizações das nacionalizações porque perceberam, e percebeu-se, que o instrumento nacionalização, ou seja a apropriação pelo Estado de determinados bens de produção, não alterava nem as relações de produção na empresa, nem alterava o papel das pessoas dentro da empresa, nem assegurava sequer uma maior redistribuição de riqueza”. Estas palavras foram ditas por António Costa a 27 de Janeiro de 1997, numa entrevista que Pedro Rolo Duarte lhe fez no programa “Falatório”, na RTP2. Ela está disponível on-line no arquivo da RTP, a afirmação citada pode ser ouvida ao minuto 18’35” da segunda parte dessa entrevista. E pouco antes, respondendo a outra questão de Pedro Rolo Duarte, sobre a esquerda, afirmava António Costa: ”PS e PC são duas famílias dentro do que designa habitualmente a esquerda. São hoje claramente duas famílias distintas porque houve uma fronteira, que se foi traçando ao longo de décadas, que era uma fronteira que foi traçada pela questão da liberdade”. O mote para estas respostas de António Costa foi dado pela citação que Pedro Rolo Duarte fez de declarações feitas na época, na entrevista a um jornal, por Manuel Alegre: “Estou cansado e saturado da política à portuguesa, os valores estão virados do avesso e os políticos têm horror à ideologia e pânico da política. Há muita cobardia, um carreirismo desbragado, canalhices e tanta gente rasteirinha. Tudo isto perverte os partidos e a própria democracia”.
SEMANADA - No ano passado 438 mil condutores perderam pontos na carta de condução, um aumento de infracções de 80% face ao ano anterior; em 2021 as infracções às normas da inspecção periódica a veículos aumentou 53%; o aumento anual da reforma levou 53 mil pensionistas a perderem rendimentos por terem passado para o escalão seguinte do IRS; a avaliação anual da qualidade do ar está há seis meses à espera da Direcção Geral da Saúde; mais de meio milhão de pessoas estavam isoladas no final da semana passada devido à pandemia; no início da semana Portugal era o quarto país da Europa com mais infecções registadas diariamente; a Comissão Nacional de Protecção de Dados aplicou uma multa de 1,2 milhões de euros à Câmara Municipal de Lisboa devido à comunicação de dados pessoais de promotores de manifestações repetidamente realizada pela gestão de Fernando Medina na autarquia; as vendas de vinho em Portugal no ano passado ficaram 19% abaixo do período pré-pandemia; o número de reclusos com mais de 60 anos quase triplicou nos últimos 12 anos; os casos de violência doméstica são a causa da atribuição de mais de metade das pulseiras eletrónicas; 94% do território nacional já está em seca meteorológica; o preço das casas em Portugal subiu 57% desde 2010; e as rendas aumentaram 24% no mesmo período; um quinto das vagas para estágios na função pública está por preencher; um estudo recente indica que a actividade política absorve mais de 500 funcionários públicos por ano e o Estado desperdiça mais de 30% da despesa graças à proliferação de “jobs for the boys”; os aeroportos nacionais tiveram em 2021 menos de metade dos passageiros de 2019; metade das vagas para médico de família na região de Lisboa e Vale do Tejo ficaram por ocupar; os serviços públicos foram alvo de 16 mil reclamações em 2021 no Portal da Queixa, um aumento de 19% face a 2020.
O ARCO DA VELHA - No caso de Tancos, o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, foi absolvido por, no entender do juiz, não ter percebido o que leu no memorando do director da Polícia Judiciária Militar.
LEITURAS COMPLEMENTARES - Esta semana destaco dois livros que têm em comum serem particularmente adequados aos tempos que vivemos, não só na Europa, mas também aqui em Portugal. Começo pela filósofa francesa Simone Weil e o seu ensaio “A Pessoa E O Sagrado”, escrito no último ano da sua vida, em 1943. Para Simone Weil, «há em todo o homem algo de sagrado, mas não é a sua pessoa. Também não é a pessoa humana. É ele, aquele homem, simplesmente». Na apresentação do livro, agora editado na colecção Livros Vermelhos da editora Guerra e Paz, escreve-se: “Na obra, a filósofa parte das suas mais essenciais assunções filosóficas – a beleza, a justiça e o mal – para este debate sobre a «pessoa», convocando também o direito e a democracia e isolando-a de qualquer colectividade, partido ou instituição”. Portugal terá sido o país que representou um ponto de viragem do pensamento de Weil. Na Póvoa de Varzim, assistiu a uma procissão católica em 1935. Um cortejo de mulheres de pescadores, vestidas de negro, percorria a praia, em luto, promessas e orações pelos maridos, e esses cantos, «de uma tristeza lancinante», segundo palavras suas, abriram nela a ferida mística que não mais a largaria. Albert Camus considerou-a «o único grande espírito do nosso tempo».
O segundo livro que hoje trago é precisamente uma recolha de textos de conferências e discursos proferidos por Albert Camus. O livro "Conferências e Discursos" reúne os trinta e quatro textos proferidos publicamente, ao longo de mais de vinte anos, por Albert Camus, incluindo o discurso pronunciado por ocasião do Prémio Nobel da Literatura 1957. Com exceção da reflexão sobre «a nova cultura mediterrânica», de 1937, todas estas comunicações foram realizadas no pós-guerra, resultado de solicitações que se foram multiplicando à medida que crescia a notoriedade do escritor e a vontade de ouvir o seu ponto de vista sobre as mudanças mundiais em marcha. Termino com uma frase de Camus, particularmente actual: «Prefiro os homens empenhados às literaturas empenhadas. Coragem na vida e talento nas obras, já não é assim tão mau.»
A ESCRITORA E O REALIZADOR - “O Princípio da Incerteza” é uma exposição centrada na parceria criativa que uniu Agustina Bessa-Luís a Manoel de Oliveira ao longo de quatro décadas. Por ocasião do centenário de Agustina, que se evoca este ano, a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, em Serralves, criou uma mostra onde acompanha os dez textos de Agustina que habitam a obra de Oliveira: cinco romances, dois diálogos, uma peça de teatro, um conto e um discurso lido pela própria escritora. A exposição é constituída por três áreas distintas: uma antecâmara com uma seleção de depoimentos de ambos os autores, através dos quais é possível antever como um e outro se foram posicionando relativamente ao trabalho que conjuntamente desenvolveram; uma sala onde é projetado, em contínuo, o registo vídeo de uma longa conversa entre a escritora e o cineasta, gravada em 2006; e uma terceira sala que, além de sequências fílmicas integra vitrines com documentação e outros objetos, distribuídos por 10 núcleos organizados cronologicamente e correspondentes a cada um dos títulos resultantes da colaboração entre Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira.
Para além de documentos de trabalho, rascunhos e manuscritos inéditos da autora, muitos anotados por Manoel de Oliveira (na imagem duas páginas de “Vale Abraão”), está ainda exposto todo um conjunto de elementos – anotações, esboços, fotografias, guiões e outros materiais que dão conta dos procedimentos adotados pelo cineasta quanto à transposição cinematográfica dos escritos de Agustina, bem como dos seus métodos de trabalho. Esta seleção é complementada por toda a correspondência trocada entre ambos ao longo de cerca de quarenta anos, que nunca antes havia sido exposta, sendo igualmente de referir uma ampla seleção de itens bibliográficos, documentos e objetos colocados em diálogo com cada um dos projetos que compõem o universo literário-cinematográfico criado pelos dois autores. Esta exposição, “O Princípio da Incerteza”, que fica patente até 5 de Junho, é acompanhada por um belíssimo catálogo que reproduz muito do material exposto.
A TRANSFORMADORA DE CANTIGAS - Cat Power gosta de fazer versões de músicas alheias. Tem a particularidade de muitas vezes as transformar por completo, criando quase novas canções - foi o que já aconteceu em 2000 no álbum “The Covers Record”, com a sua versão de “Satisfaction”, um original dos Rolling Stones ou “I Found A Reason” dos Velvet Underground. Mais tarde, em 2008, com “Jukebox”, ela percorreu temas de folk, country e blues de autores como Hank Williams, Joni Mitchell ou Jessie Mae Hemphill. Cat Power, Chan Marshall de seu nome, acaba de editar a sua terceira coletânea de versões, singelamente intitulado “Covers”. Aqui estão originais de Frank Ocean, Lana Del Rey, Nick Cave e até uma nova versão de um dos seus próprios temas - “Hate”, que passou agora a “Unhate.” Este novo “Covers” é talvez o seu disco com um leque mais alargado de inspirações e é o que melhor mostra o seu talento de reinventar canções. Veja-se o que fez a “The Endless Sea” de Iggy Pop, que inclui uma evocação de “Dirt” dos Stooges, até “I Had A Dream Joe” de Nick Cave, passando por um arrebatador “A Pair Of Brown Eyes” dos Pogues, ou à balada “These Days” de Jackson Browne, que já tinha sido interpretada por Nico. Nesta linha ouça-se ainda “I’ll Be Seeing You”, uma canção de amor popularizada nos anos 40 por Billie Holiday. Mas também pode ouvir como ela recria “Bad Religion” de Frank Ocean, uma melancólica interpretação de “White Mustang”, de Lana Del Rey, ou uma versão emocionante de “Here Comes a Regular”, dos The Replacements. O disco inclui ainda uma das canções que tem interpretado mais ao vivo, uma versão de “Pa Pa Power” do efémero projecto Dead Man’s Bones, do actor Ryan Gosling, um tema de protesto que se tornou o hino da campanha Occupy Wall Street. Ao longo da sua carreira Cat Power recolheu já inspiração em temas de Bob Dylan, Duke Ellington, Liza Minnelli ou dos Creedence Clearwater Revival. E cada uma das suas versões, como poderão constatar neste “Covers”, é uma nova canção. Disponível em streaming.
DIXIT - “A justiça jamais se reformará a ela própria” - António Barreto
BACK TO BASICS - “É fundamental ter boa memória para se ser capaz de cumprir as promessas que se fazem” - Friedrich Nietzsche
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