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REFORMAR O REGIME - Para o ano, quando se celebrarem os 50 anos da queda do Estado Novo, arriscamo-nos a ter um regime que, paradoxalmente, deixa a democracia ser corroída. A maior celebração que se podia fazer dos 50 anos de liberdade e democracia seria alterar a Lei Eleitoral, para que ela possa ser mais justa, uma lei que reflicta mais o sentido da escolha dos eleitores, não desperdiçando votos como agora acontece, uma lei que aproxime mais os eleitos de quem os elege. Um segundo passo da celebração seria conseguir mudar o funcionamento da justiça, garantindo que os cidadãos não passam uma vida à espera de uma decisão que nunca mais é julgada. E o terceiro seria dar passos concretos no sentido de tornar a economia mais próspera, recuperar o nosso atraso e tirar-nos da cauda da Europa, para onde caímos nos últimos anos. Muita gente pensou que, com a maioria absoluta, que agora existe a sustentar o Governo, António Costa iria empreender reformas sérias que permitissem conseguir os três pontos mencionados e, também, resolver os problemas na saúde e na educação. Mas já se viu que isso não acontece e que este Governo não dá sinais de querer fazer quaisquer reformas. Ao contrário da geração anterior de estadistas que fundaram esta democracia portuguesa, António Costa não é um reformista. É alguém que pensa mais em si e no seu partido do que em Portugal e nos portugueses. Tudo indica que é essa marca que deixará para a História. Assim as celebrações dos 50 anos serão um cenário de festa, mas sem o golpe de asa necessário para salvar o regime e a democracia da degradação em que se vai deixando envolver. Esta semana uma sondagem indicava que metade dos portugueses está insatisfeita com o rumo da democracia na última década. Dá que pensar.
SEMANADA - O aeroporto de Beja tem voos sem controlo alfandegário por falta de pessoal; 19 instituições de ensino superior receberam no último ano 154 queixas de assédio sexual e moral, discriminação e questões pedagógicas; nos primeiros quatro meses de 2023 foram detidos 15 taxistas pelo crime de especulação; em 2022 Portugal foi o quarto país da zona euro com maior aumento da receita fiscal, na ordem dos 16,6%, enquanto a média europeia foi de 9%; em 2022 cerca de 58% dos portugueses não leram um único livro; o preço médio das casas em Portugal aumentou 10% no ano passado e o valor do metro quadrado alcançou os 1500 euros, o maior valor de sempre; 630.700 euros é o valor que os jogos sociais e online renderam diariamente à Segurança Social em 2022; a pior situação de falta de médicos do país está em cinco concelhos do estuário do Tejo, à volta de Lisboa; Portugal tem a 12ª maior inflação alimentar da Europa e açúcar, azeite, leite e ovos são os alimentos que tiveram a maior alta de preços em doze meses; 40% do salário dos portugueses é gasto em supermercados e restaurantes; Viana do Castelo é o concelho onde mais se gasta com alimentação e Lisboa ocupa a penúltima posição; o Conselho de Finanças Públicas alertou para o aumento da despesa de quase dois mil milhões de euros face ao previsto.
O ARCO DA VELHA - No site da Direcção Geral do Tesouro e Finanças os mais recentes relatórios disponíveis sobre a situação económica e financeira do Sector Empresarial do Estado datam de 2015, há oito anos.
A IMAGEM DOS DIAS - Esta semana destaco exposições que evocam a nossa História recente. A mais surpreendente está no Museu do Aljube, em Lisboa, e mostra as fotografias que Ana Hatherly fez no próprio dia 25 de Abril de 1974. Hatherly foi académica, investigadora de literatura portuguesa, escritora, cineasta, artista plástica e poeta. Em 1974 tinha 44 anos, acabara de regressar a Lisboa depois de concluir um curso de cinema na London Film School. Francisco Bairrão Ruivo, historiador e investigador do Museu do Aljube, salienta no texto que escreveu para esta exposição que as imagens de Hatherly são “o prenúncio de algo”. O mais interessante destas fotografias, agora exibidas pela primeira vez, é o facto de elas mostrarem um outro olhar sobre o que se passou nesse dia: Hatherly fotografou de dentro do sítio onde as pessoas estavam e não de fora, retratando multidões, como a maioria das imagens dos fotojornalistas da época mostraram. Num outro texto sobre a exposição Sofia Teixeira Gomes e Pedro J. Marquéz, sublinham sobre este trabalho de Ana Hatherly:“ela vai para a rua, sendo não só uma observadora, mas também parte daquilo que retrata” e “escolhe ângulos inesperados, que fogem da ortodoxia, sendo uma personagem activa da revolução e estando próxima daquilo que documenta” . “A Artista Saíu à Rua”, assim se chama a exposição, está no Museu do Aljube Resistência e Liberdade até 31 de Dezembro (Rua de Augusto Rosa 42, à Sé). Uma outra exposição relacionada com o 25 de Abril partiu da iniciativa de José Pacheco Pereira, a partir do acervo recolhido pela Ephemera e reúne cartazes, postais, emblemas, faixas, cinzeiros, pratos, discos, objetos das mais diversas naturezas e dos mais diferentes partidos políticos, que ilustram esses tempos.“Sinais da liberdade — Iconografia da democracia no arquivo Ephemera”, está até 28 de Maio no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa.
A MULHER QUE DIZ NÃO - “Uma longa viagem com Maria Filomena Mónica”, do jornalista João Céu e Silva, é o resultado de uma série de entrevistas realizadas em 2022, onde as perguntas e respostas são intercaladas por observações e relatos do autor sobre o momento em que as conversas iam decorrendo. Reproduzo as linhas iniciais do livro: “Ainda não se chegara às primeiras três horas de conversa quando se percebe que Maria Filomena Mónica decidira revelar pilares importantes do seu percurso de vida e obra através de quatro afirmações categóricas: a intelectual que na juventude se considerava uma analfabeta, apesar de ter feito o curso de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa; o ter optado por estudar em Oxford só porque Salazar proibia a Sociologia; a filha que não queria acatar os preceitos da religião católica que orientaram a vida da mãe, bem como a imagem que tem de si de uma rebelde de “minisaia, loura e gira”, que assustava os rapazes seus contemporâneos”. João Céu e Silva realizou duas dezenas de conversas com Maria Filomena Mónica e o resultado é um livro que revela muitos aspectos pouco conhecidos da sua vida “certas histórias nunca contadas e silêncios a que decidira pôr um fim”. Aos 80 anos faz um balanço de vida e pelo evoluir do livro ficamos a conhecer a análise da socióloga, cronista e investigadora, bem como as suas visões sobre Portugal e os principais acontecimentos das últimas décadas. Mas também o lado pessoal da rapariga atrevida que nunca permitiu que a classificassem como uma «boneca bonita». Segundo um escrito feito pela sua mãe, a primeira palavra que a filha disse foi “não”. “Foi uma atitude - sublinha João Céu e Silva - que manteve ao longo das oito décadas de vida que já leva”. Edição Contraponto.
GUITARRADA - Gosto de guitarras, gosto de ouvir um disco de músicos de jazz onde a guitarra pode ser a peça central, o que nem sempre é evidente. Dominic Miller é um guitarrista argentino que durante muito tempo tocou com Sting. Apesar de ter nascido na Argentina, aos 10 anos foi para os Estados Unidos e, depois para Londres e a fase inicial da sua carreira esteve marcada pelo trabalho de músico de estúdio em discos de nomes como Pretenders, Phil Collins, Level 42 e, claro, Sting. Ao mesmo tempo desenvolveu a sua carreira e publicou dezena e meia de álbuns mais pessoais. Os seus três discos mais recentes foram gravados para a ECM e destaco o novo “Vagabond” onde além de Miller tocam Ziv Ravitz na bateria, Nicolas Fiszman no baixo e Jacob Karlzon no piano. No novo disco este quarteto interpreta oito temas originais de Dominic Miller. "All Change”, o tema que abre o álbum, e “Me Viego” são composições onde a sua forma de tocar guitarra se destaca, enquanto "Clandestin", “Altea” ou ainda “Lone Waltz” são exemplos de um consistente trabalho do quarteto, com destaque para a relação entre a guitarra e o piano. Disponível nas plataformas de streaming.
PETISCOS DO SUL - Numa pequena rua junto às Amoreiras nasceu um restaurante alentejano que merece uma visita. Chama-se Talega, invocando o saco de pano onde tradicionalmente se guardava o pão. O local teve uma existência anterior pouco característica e há cerca de um mês, por mão de uma família de Mértola (que lá tinha o restaurante Paragem), virou-se para os sabores do Alentejo, com uma cozinha simples e despretensiosa, mas fiel às tradições e de boa qualidade na matéria prima e boa confecção. Ao almoço há um menu onde se encontram especialidades como sopa de cação com pão frito, ensopada de borrego com hortelã ou cozido de grão à alentejana, tudo em doses generosas - e todos eles deram boa conta de si. Normalmente neste menu há oito escolhas possíveis, que vão variando ao longo da semana, sendo que algumas se mantêm mais ou menos constantes. Além destes três pratos, já passados no teste, já ouvi voz avisada gabar o coelho frito e as febras grelhadas com alhinho O menu, que vale 10,90€, inclui ainda bom pão alentejano com azeitonas, sopa, sobremesa e um copo de vinho, além do café. Mas se quiser, fora do menu, pode optar por outros pratos como posta de vitelão na chapa, um bom pedaço de carne mertolenga, ou secretos de porco preto . Nas entradas tem enchidos variados, presunto de bolota e um queijo de ovelha curado de Cuba. Nos doces, além de maçã assada e pêra bêbada, há especialidades como creme de requeijão com água mel e sericaia com ameixa de Elvas. O vinho da casa é o da cooperativa de Pias mas a carta tem outras escolhas da região, como Herdade de Grous. A rematar pode pedir um licor de poejo. Além da sala, o restaurante tem uma esplanada abrigada nas traseiras. Talego, Rua Prof Sousa Câmara 147, telefone 211 393 122.
BOM - O discurso de Chico Buarque ao receber o prémio Camões.
MAU - A atribuição à mulher de Lula da Silva da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, por iniciativa de Marcelo Rebelo de Sousa.
DIXIT - “A incúria na gestão da coisa pública é antes de mais um problema político e de desorganização” - Ricardo Arroja, sobre a TAP e as empresas públicas.
BACK TO BASICS - “A democracia liberal, para sobreviver, precisa de levar porrada, precisa de ser posta em causa, precisa de ser criticada, precisa do perigo de ser substituída, precisa de aprender a defender-se” - Miguel Esteves Cardoso.
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