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ESTAMOS NO REINO DA ILUSÃO

por falcao, em 17.06.22

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O IMPROVISO -  Foi necessário o sobressalto causado pelo encerramento, por falta de médicos, de serviços  de obstetrícia em diversos pontos do país para o Governo aparecer, tarde, a anunciar um plano de contingência. Mas a situação não é nova, vinha a desenhar-se já há algum tempo, havia alertas, e mais uma vez se verifica como na saúde este Governo corre atrás do prejuízo, sendo incapaz de prever, planear, evitar a crise. O caso dos problemas nas urgências de ginecologia e obstetrícia é apenas a face dramaticamente mais evidente de uma situação que atinge outras especialidades, que evidencia falta de planeamento, de equipamento e de pessoal. A resposta à catástrofe da pandemia Covid-19 veio criar a ilusão de que o Ministério da Saúde estava a funcionar bem. Mas quem funcionou bem foram os profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, auxiliares - que agiram para além do seu dever, não se poupando a esforços para salvarem vidas, apesar da descoordenação que existiu no Governo. Quando a pandemia aliviou começou a notar-se como o SNS está enfraquecido, sem alicerces. A quantidade de médicos e enfermeiros que sai do país devido à ausência de perspectivas profissionais e condições de trabalho é preocupante e há quase cem mil utentes do SNS sem médico de família.  Depois de termos recuado para a cauda da Europa em termos de evolução económica, começamos agora a estar no infeliz pelotão da frente da mortalidade associada a diversas patologias, incluindo a materno infantil. As coisas não são desligadas, o falhanço económico do Governo reflecte-se nisto também. António Costa, se estivesse em Hollywood, era um construtor de cenários de cinema, daqueles que criam a ilusão da realidade. Ele é bom a fazer promessas e a esconder o que ficou por fazer. Não tem é conseguido fazer aquilo a que se propõe. E essa incapacidade de resolver problemas é o retrato do Governo que temos, dirigido por um mestre do improviso, hábil em comunicação.



SEMANADA - Um quinto dos 800 técnicos superiores colocados em 2019 em diversos serviços, com o objectivo de rejuvenescer e modernizar o Estado, já desistiu da função pública; em 2009 os técnicos superiores entravam a ganhar 167% acima do salário mínimo, agora a diferença é de apenas 72,5%; daqui a dois anos 26 mil funcionários públicos atingem a idade da reforma; até 2030 pelo menos 39% dos professores actualmente em funções irão reformar-se; no final de Março a administração pública portuguesa empregava 741.288 trabalhadores, o número mais alto dos últimos 17 anos, um pouco mais que 15% da população empregada; os médicos com mais de 65 anos representam 24% do total; na gasolina, o peso fiscal em Portugal é de 46% e em Espanha é de 40%; 30% das terras das zonas rurais têm dono por definir; nos últimos quatro anos 2712 negócios imobiliários foram pagos em notas, num total de 38 milhões de euros em dinheiro vivo; os CTT foram alvo de 79 queixas por dia dos seus utentes devido a problemas de funcionamento; a venda de automóveis eléctricos cresceu quase 78% nos primeiros cinco meses deste ano; o preço da gasolina normal aumentou já 50 cêntimos desde o início deste ano; os vistos gold estão parados há mais de cinco meses por falta de regulamentação. 

 

O ARCO DA VELHA - O Estado só conseguiu atribuir 3,3% dos 750 milhões de euros previstos no Orçamento de 2021 para as micro e pequenas empresas.

 

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GRADES RASGADAS - A minha sugestão para hoje é que passem pelo MAAT e olhem bem para o antigo depósito de nafta, um cilindro gigante, que fica junto do edifício da Central Tejo. Aí poderão ver o trabalho que 48 artistas plásticos fizeram no passado dia 10 de Junho, numa evocação de um painel colectivo feito na mesma data em 1974 - e que infelizmente ficou destruído num incêndio que devorou a Galeria de Arte Moderna do antigo Mercado da Primavera, em Belém, o local onde foi feito. Nesta recuperação estiveram presentes alguns dos autores sobreviventes do mural original, vários dos mais conhecidos artistas portugueses contemporâneos e uma nova geração de artistas. Em 1974 celebrava-se o fim de 48 anos de ditadura, em 2022 celebram-se 48 anos de democracia - e o número de artistas é a chave comum. Ao longo de todo o passado dia 10 os 48 artistas trabalharam nos retângulos iguais da parede do antigo depósito de nafta, espaços que lhes foram atribuídos por sorteio. Ao longo do dia foi possível ver diversos processos de trabalho, a forma como vários artistas prepararam as suas obras, que agora ficarão à vista de todos durante dois anos, até ao 50ª aniversário do 25 de Abril de 1974. Para além dos sobreviventes de 1974 e dos que foram convidados por João Pinharanda, que comissariou esta iniciativa, estão também os que foram designados pelo Interferências- Culturas Urbanas Emergentes, um projecto desenvolvido por Vhils, António Brito Guterres e Carla Cardoso. Pedro Cabrita Reis, um dos artistas presentes (na foto) pintou uma grade rasgada. E, por feliz acaso ditado pelo sorteio, logo por baixo, está a obra de Francisco Vidal, um dos talentos da nova geração de artistas, onde se lê “Still Free”. 

 

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UMA HISTÓRIA APAIXONANTE - Há livros que são difíceis de largar, uma vez iniciados. É o caso de “O Fim É O Princípio”, um thriller cuja ação se desenrola entre uma pequena cidade na costa da Califórnia, antigo paraíso com vista para o Oceano, agora em processo de gentrificação, com elevada procura e a correspondente especulação imobiliária. A história gira à volta de Duchess, uma jovem de treze anos que se autointitula «fora da lei», e Walk, chefe de esquadra da polícia de Cape Haven, um homem que se defronta com fantasmas do passado e que  nunca saíu da pequena cidade. Duchess diz que as regras são para os outros, e desde cedo se fez protetora feroz do irmão mais novo, Robin, e figura adulta na vida de Star, a sua mãe solteira, incapaz de cuidar de si própria ou de velar pelos interesses dos dois filhos.  Walk pelo seu lado faz tudo para proteger Duchess e Robin, mas vive dominado pela necessidade de sarar uma ferida antiga, a de ter sido o seu testemunho a enviar Vincent para a cadeia, o seu melhor amigo, condenado pelo homicídio da irmã de Star. Culpado ou inocente, volvidos trinta anos, Vincent sai da prisão uma vez cumprida a pena e é Walk quem o vai buscar e traz para Cape Haven. No regresso Vincent começa a reparar a casa dos seus pais, abandonada desde que foi preso e não lhe faltam ofertas milionárias para a vender a um construtor local e dono de um bar, que arrasta um caso com Star. The Guardian descreveu “O Fim É O Princípio” como «um romance notável e comovente acerca de um crime e da vingança, do amor e da redenção.». O britânico Chris Whitaker escreveu um épico americano com uma galeria de personagens, cenários e situações marcantes. O livro, o terceiro do autor, originalmente editado em 2020,  foi considerado o melhor thriller desse  ano pela Crime Writers Association e a Bertrand Editora acabou de o lançar no mercado português.

 

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GRANDES CANÇÕES - Os Wilco levam três décadas de vida e são um dos nomes incontornáveis da música norte-americana destas décadas. Jeff Tweedy, o fundador da banda, tem na country music uma das suas fontes de inspiração mas os Wilco não são propriamente conhecidos por esse género musical. Por isso mesmo o novo álbum, “Cruel Country”, um duplo com 21 canções, gravado ao vivo em estúdio, é duplamente interessante: faz um retrato duro da América e musicalmente inspira-se na country - desde a forma como as canções estão estruturadas até às letras. O disco está cheio de observações sobre a realidade à volta da banda, descrição de sensações e enigmas que ficam a pairar no ar, em momentos em que só existe a música e as palavras quase desaparecem. É verdade que a melhor música country sempre foi a que conta histórias, e “Cruel Country” é um exemplo disso mesmo: as canções seguem uma narrativa e fazem sentido. Tweedy aborda de tudo: a história recente, a política e Trump, a mortalidade e até a utilidade - ou futilidade - da arte na América do no século 21. As palavras não deixam lugar a dúvidas. Na canção que dá o nome ao álbum Tweedy canta assim “I love my country like a little boy/Red, white and blue,” para depois rematar:  “I love my country, stupid and cruel.”  Neste “Cruel Country” não faltam canções marcantes como “Falling Apart (Right Now)”, “Please Be Wrong” ou “A Lifetime To Find”. Para terminar sugiro que ouçam os quase oito minutos do tema “Many Worlds'' onde todo o talento musical dos Wilco e de Jeff Tweedy se evidenciam. Disponível nas plataformas de streaming.



PETISCO SINTRENSE - Por um daqueles acasos inesperados fui parar a Sintra, num jantar de amigos, ao restaurante Taberna Criativa. Fica no centro da vila, perto do Museu de Artes de Sintra. É pequeno e acolhedor e tem uma equipa que funciona bem - na cozinha e na sala, sob a supervisão do chef Vitor Rocha. São dele as criações que chegam à mesa. Comecemos portanto pelo couvert - que inclui uma manteiga batida com algas que é um caso sério, acompanhada por bom pão. Nas entradas destaco um escalope salteado de foie gras caseiro, que vem com um pão de ló de chá verde ou uma madalena de abóbora, e com um toque de uma emulsão de moscatel, numa boa combinação de sabores. Outra possibilidade em matéria de entradas é um escabeche de codorniz no ponto certo de tempero. Como pratos de substância a lista propõe um risotto de lavagante com algas e, para os carnívoros, um belo entrecôte, no ponto, acompanhado por batatinhas e grelos salteados - ou então um magret de pato com cenouras e legumes. A lista de vinhos é bastante diversificada e com propostas sensatas em vários escalões de preço - e algumas boas surpresas de pequenas produções. Não hesitem em pedir ao chef uma sugestão de vinho, ele sabe o que escolheu para as prateleiras do seu restaurante. Entre as várias sobremesas possíveis destaco uma bem portuguesa e simplicissima: queijo da ilha, de nove meses de cura, acompanhado por um belo doce de abóbora e pedaços de noz. O Taberna Criativa fica na avenida Heliodoro Salgado 26 e a reserva é aconselhável pelo 21 018 6147.



DIXIT - “O primeiro-ministro não dá ponto sem nó, mas como vamos lá chegar, não sei” - António Costa e Silva sobre a promessa de aumento de 20% dos salários feito pelo Primeiro Ministro



BACK TO BASICS - “Pode-se enganar algumas pessoas durante muito tempo, pode-se enganar toda a gente por algum tempo, mas não se consegue enganar toda a gente sempre” - Abraham Lincoln

 

 




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