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Um dia destes ouvi uma entrevista com o ex-ministro Marçal Grilo onde se lhe perguntava, como ex-responsável da pasta da educação num governo do PS, o que achava ele daquilo que os programas dos partidos diziam sobre o assunto. Resposta, lapidar: “não li nenhum programa”. O jornalista ficou um pouco espantado e não desarmou, perguntando-lhe se tem seguido os debates na televisão. A resposta foi ainda mais lapidar: “não vejo debates”. Fiquei com aumentada admiração por Marçal Grilo, de quem já tinha boa impressão pelo trabalho efectuado no Governo.
É raro encontrar quem tenha estado envolvido na política assumir com tanta frontalidade que não segue o que acontece em época eleitoral - ele faz aliás questão de sublinhar que mantém as suas ideias e que continua a acompanhar o que se passa no país, só que deixou de lhe interessar seguir a propaganda dos partidos. E na realidade programas e debates são isso mesmo: pura propaganda, zero de estratégia sobre o país. Por causa desta desassombrada opinião fui ler meia dúzia de programas e assisti a dois debates. Percebi que tinha perdido tempo.
Constatei que os programas são um chorrilho de banalidades, muitas vezes a dizerem coisas muito semelhantes, maioritariamente com medidas vagas e imprecisas, frequentemente com contraste entre o que se propõe e aquilo que se sabe que fez quando esteve no poder ou perto dele. Prefiro vasculhar a minha memória e recordar-me do que cada partido fez na oposição ou no governo, que medidas implementou de facto, quais as que não quis concretizar e quais as que travou ou impediu, propostas por outros. Curiosamente o programa do PS parece ser o projecto de um mundo ideal e de um país perfeito e concordo com muito do que lá vem. O problema começa quando me recordo do que foi feito e do que não foi feito nestes últimos oito anos pelos governos de António Costa. E, se não fizeram antes, quando até tiveram maioria absoluta, porque hei-de acreditar que farão agora? Se defenderam um Estado abusador, como acreditar que o querem mudar? No caso da AD - melhor dizendo do PSD que o resto da coligação é apenas exploração de memórias passadas - trata-se de um exercício, por vezes triste, de fuga a compromissos sólidos, à excepção de áreas que cabem contadas pelos dedos de uma só mão.
Os programas dos partidos, sobretudo daqueles que têm aspiração a governar, são um rol de promessas que, como se sabe, é artigo muito susceptível de ser levado pelo vento. Um exercício mais interessante que ler os programas para estas legislativas antecipadas, seria ler os programas apresentados nas legislativas de 2022 e depois ver o que o partido então vencedor, o PS, cumpriu do prometido. E ver também o que os partidos da oposição fizeram na Assembleia da República em prol das suas ideias. Bem sei que interessa olhar para o futuro, mas pode ser útil ver o que deram as promessas feitas há dois anos. Vamos agora ao outro lado da questão, que são as conversas entre partidos na televisão, naquele modelo vigente em que grande parte das perguntas não são respondidas porque os candidatos preferem falar de outros assuntos. Na realidade estes debates não me seduzem - ninguém vai ali discutir ideias: uns vão contrariar o que os outros dizem e proclamar que são melhores. Acreditar no que dizem é apenas um acto de fé.
Há um enorme contraste com o que se passava há umas décadas, quando se discutiam diferenças e se falava de estratégias de crescimento do país. Esta geração de políticos não tem estadistas, tem apenas propagandistas em causa própria. Veja-se este dado: mesmo o debate mais visto, o que opôs Luís Montenegro a Pedro Nuno dos Santos, transmitido em directo por três canais generalistas e três canais de cabo, num exercício de imposição pouco democrático, foi visto por cerca de 2,7 milhões de espectadores num universo de 9,3 milhões de eleitores. Apesar de terem açambarcado o espaço mediático apenas 30% das pessoas com direito a voto se sentiram interessados em seguir o que diziam os dois homens que têm por objectivo tomar o poder. É curto, muito curto. Mas serviu-me de alguma coisa ter visto este debate. Confirmei que não iria votar em nenhum daqueles partidos. E, mesmo com todos os incidentes que houve de permeio, continuo, este ano ainda, a votar na Iniciativa Liberal. O seu papel na Assembleia da República tem sido importante, têm exercido influência e conseguido impôr mudanças, fazendo diminuir abusos do Estado. Faço votos que tenham peso suficiente para conseguir mudar a Lei Eleitoral, para que os resultados de futuras eleições tomem em conta todos os votos. E permitam começar a fazer política de forma diferente.
(Publicado no semanário NOVO de 24 de Fevereiro)
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