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ESQUINA 995 - 12 JUL 24
E DEPOIS DA GALINHA? - Na semana passada o INE informou que em 2023 tivemos 26,5 milhões de turistas visitantes, um aumento de 19,2% face a 2022, mais do que antes da pandemia. Já em sentido contrário o INE revelou que em 2023 o total da venda de produtos e prestação de serviços nas indústrias transformadoras diminuiu 2,1% em relação ao ano anterior. As estatísticas são o que são e olhar só para os números pode ser enganador. Mas a verdade é que o turismo é encarado por vários poderes e sectores como a galinha dos ovos de ouro da economia portuguesa e a indústria não. O problema com os ovos surge sempre quando as galinhas deixam de ser poedeiras e de repente as expectativas são frustradas. A explosão do turismo não afecta só Portugal e os seus efeitos são similares em todo o lado: menor qualidade de vida para os residentes, aumento de preços na habitação, descaracterização dos locais e centros históricos. Em cidades como Barcelona fazem-se manifestações contra o excesso de turismo e noutras, como Veneza, são implementadas medidas restritivas. Aqui as únicas medidas que se tomam estão centradas no aumento da taxa turística, que é para espremer um pouco mais a galinha enquanto ela ainda dá ovos. Por estes dias Portugal lembra o far west e a corrida ao ouro, aqui traduzido em turismo massificado. Acabar com o turismo é uma utopia, mas regulá-lo é um dever de quem manda nas cidades. Enquanto noutros países da Europa se debate como fomentar a reindustrialização, aqui pensa-se pouco ou nada nisso e vão-se iludindo as gentes com miragens digitais. E, no entanto, quando a turística galinha deixar de dar ovos será muito tarde para pensar em como fomentar a economia sem ser só com tuk tuks, hotéis ou TVDEs. Se não produzirmos, se não desenvolvermos indústrias, se não criarmos valor acrescentado, seremos estalajadeiros por mais algum tempo. Mas, e depois?
SEMANADA - No primeiro trimestre do ano o preço das casas em Portugal subiu seis vezes mais que na média da UE; em maio deste ano, as instituições financeiras emprestaram às famílias quase 1,4 mil milhões de euros em crédito à habitação, o terceiro valor mensal mais elevado desde finais de 2014; segundo a OCDE a Letónia e Portugal estão entre os países com os sistemas de pensões menos progressivos, criando uma elevada desigualdade salarial aos idosos; em duas décadas, um milhão e meio de portugueses saíu de Portugal, um número equivalente à eliminação de seis distritos do país; 1 em cada 3 jovens vive já hoje fora de Portugal; 20% dos jovens entre os 18 e 35 anos já acumularam pelo menos dois empregos; em 2000 só havia registo de dois cidadãos nepaleses em Portugal, em 2011 já passavam dos mil e em 2022 já eram mais de 23 mil; o verdadeiro investimento português em Defesa é metade do que foi oficialmente reportado à NATO; a PSP deteve nos primeiros cinco meses do ano 60 suspeitos de terem furtado carteiras, um número que duplicou face a igual período do ano anterior; Portugal ocupa o segundo lugar do pódio no número de erros detetados pelo Tribunal de Contas Europeu na utilização do dinheiro de Fundos de Coesão; metade dos alunos do 9.º ano de escolaridade que realizaram este ano a prova final de Matemática obteve nota negativa, inferior a 50%.
O ARCO DA VELHA - Um consultor jurídico da Assembleia da República defende que o Parlamento pode obrigar os cidadãos a entregarem comunicações privadas, como SMS, whatsapp ou e-mails, sem passar pelo Ministério Público e um juiz.
A REVOLUÇÃO DE POMAR - No Atelier-Museu Júlio Pomar está patente até 24 de Novembro a exposição “Revoluções 1960-1975”, focada numa época que marcou a actividade do artista. As mudanças, que caracterizam toda a sua obra, foram nesses tempos tão radicais que os quadros e as pesquisas do artista poderão, por vezes, julgar-se o trabalho de diferentes autores. Em 1963, Júlio Pomar mudou-se de Lisboa para Paris, inspirou-se noutras realidades, e realizou uma sequência intensa de exposições de sucesso, como a do Museu do Louvre, em 1971. A exposição agora apresentada é comissariada por Óscar Faria e pelo filho do artista e crítico de arte Alexandre Pomar. São dele estas palavras: “a década de 60 e os primeiros anos 70 foram marcados pela passagem para Paris e por novos temas de pintura, e pela transformação da sua pintura a partir das séries RUGBY e MAIO'68, a que se seguiram o ciclo do BANHO TURCO e outras variações sobre Ingres, e a série seguinte dos RETRATOS.” E, sobre a exposição: “Mostram-se algumas obras inéditas e outras que não voltaram a ser expostas desde os anos 60. A exposição agrupa algumas obras da viragem dos anos 50/60 (pinturas "negras" de uma pista ibérica que reuniria Goya e o primeiro Columbano), depois as cenas do trabalho do povo (pescadores e mariscadores, a pisa do vinho); algumas paisagens de 1961 a 68 (Albufeira, Lisboa, Porto e um Vista da Janela não localizado); algumas figuras de um bestiário pessoal; as tauromaquias e corridas de cavalos e as variações sobre uma Batalha de Uccello”. “Revoluções 1960-1975” apresenta obras provenientes de várias colecções, privadas e institucionais, ao todo uma centena de obras e cinco vitrinas com livros, revistas, documentos e fotografias. Na imagem está a obra “Table des Jeux”, de 1969, que pertence à Gulbenkian. O Atelier-Museu Júlio Pomar fica na Rua do Vale 7, Lisboa.
ROTEIRO - Em Cascais, no Centro Cultural, Catarina Pinto Leite apresenta até 15 de Setembro uma série de trabalhos inéditos intitulada “Vasos Comunicantes”, pinturas sobre tela e papel. Luísa Soares de Oliveira, curadora da mostra, observa que estes “Vasos Comunicantes” de Catarina Pinto Leite, “comunicam com a história: a história pessoal, em primeiro lugar, feita de memórias de territórios, passagens, percursos, histórias, leituras, imagens, autores; e a história coletiva da pintura e do desenho”. Na imagem um trabalho a cera de abelha e óleo sobre papel japonês, de 2024, com o título“Por entre os campos escondidos”. Outra exposição a ver é promovida pela CC11, uma associação cultural que centra o seu trabalho na fotografia e desafiou a curadora americana Maria Mann a organizar uma mostra de fotografia com autores estrangeiros, “De fora para dentro”, que nos mostrassem o seu olhar sobre Lisboa e o país, mas que se distinguisse das imagens estereotipadas que o turismo promove. Até 10 de Agosto, na Galeria Santa Maria Maior e no espaço CC11 @ Imago, cinco fotógrafos de nacionalidades diferentes mostram como vêem Portugal, de fora para dentro: o canarino Francisco Seco, o argentino Horacio Villalobos, o luxemburguês Marc Schroeder, o alemão Martin Zeller e o romeno Mircea Sorin Albutiu.
A MÚSICA POPULAR - Pode a música unir um povo? - a páginas tantas surge esta ideia em “Dedico-lhe o meu silêncio”, o mais recente, e provavelmente último romance de Mario Vargas Llosa. Esta é a história de como um jornalista de Lima, apaixonado por música peruana, em particular pela valsa crioula, segue a pista de Lalo Molfino, um guitarrista de excepção que descobre por acaso. É curta a carreira de Molfino, que morre novo, e o jornalista, Toño Azpilcueta, dedica-se a um livro que quer contar a história desse guitarrista, mas também da música crioula. A acção decorre no início dos anos 90 e cruza a música com as acções do Sendero Luminoso, um grupo revolucionário, violento, que deixa no país uma marca de divisão. É nesse contexto que Toño Azpilcueta compreende que a música peruana, as valsas, marineras, polcas e huainos, pode ser o ponto de união de um povo - uma ideia inicialmente escarnecida pelos académicos, depois aceite noutros círculos e que acaba por ser reconhecida como elemento capaz de quebrar preconceitos e barreiras raciais. Azpilcueta descobre onde Molfino cresceu, fala com amigos, enquadra-o no tempo, sempre com a sua música crioula como pano de fundo e faz o seu livro, que se torna num sucesso. Com base nesta história Mario Vargas Llosa escreveu um romance notável, que mostra o poder da música popular genuína, mostrando a sua superioridade em relação às falsificações e cópias que abundam em todo o mundo. “Dedico-lhe o meu silêncio” tem tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra e foi editado pela Quetzal.
VIOLONCELO POP - Mabe Fratti é uma violoncelista pop de 32 anos, da Guatemala e que vive na Cidade do México. Recomendo-vos que vão já a uma das plataformas de streaming e ouçam este seu novo álbum, o quarto a solo, “Sentir Que No Sabes”. São 13 canções envolventes, onde os arranjos e a voz vão do surpreendente ao emotivo, umas vezes mais melódicos, outras mais rítmico. Não há duas canções iguais, tudo vai mudando, com a linha de baixo sempre presente, a marcar o ambiente. Mabe Fratti é musicalmente aventureira, gosta de experimentar e embora se perceba que tudo é elaborado e pensado, também se sente que de alguma forma o seu trabalho nasce do gosto por improvisar musicalmente e depois ir depurando o resultado. É difícil catalogá-la num género - podia ser pop, mas também podia ser jazz ou música electro-acústica. Num dos temas, aliás duas versões do mesmo tema, “Elastica”, ela é mais radical e há quem diga que a forma como toca o violoncelo, fortemente amplificado, faz lembrar o trabalho de John Cale nos Velvet Underground. Nalguns pontos, como em “Kitana”, não fica longe da guitarra eléctrica. E há temas, como “Alarmas Olvidadas” que mudam de ambiente - e sentimento - de forma abrupta. A forma que usa a voz, que passa de delicada e intimista como em “Descubrimos Un Suspiro” a dura e expansiva como em “Margen del Indice”num ápice, é uma das características mais marcantes deste “Sentir Que No Sabes”. Disponível nas plataformas de streaming.
WEEKEND - Boa altura para conhecer a nova edição de “O Livro das Imagens”, de Rainer Maria Rilke e ler a sua poesia; na esplanada do bar e restaurante Flagrante Delitro da Casa Museu Fernando Pessoa, às quintas pelas 19h00 há duetos de jazz com músicos do Hot Clube; bebida de verão: gelo, água tónica e no fim, por cima, um café expresso.
DIXIT - “No ano em que comemoramos um dos raros génios nacionais, Camões, continuamos indiferentes aos estragos que a nossa língua teve com o Acordo Ortográfico” - José Pacheco Pereira.
BACK TO BASICS - “Os meus três anos de actividade política foram muito instrutivos sobre a forma como o apetite pelo poder pode destruir a mente humana, valores e princípios e transformar as pessoas em pequenos monstros” - Mario Vargas Llosa
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
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