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O PUTATIVO CANDIDATO - Esta semana ficámos a saber, pela escrita do próprio José Sócrates, que a sua detenção e o processo subsequente foram desencadeados para, afirma convicto, impedir a sua candidatura à Presidência da República e também para criminalizar as políticas dos governos que liderou. Está escrito preto no branco logo nas primeiras linhas de um artigo que publicou na passada segunda-feira. Por um curioso acaso a decisão do juiz Ivo Rosa sobre Sócrates foi tomada na mesma semana em que se completavam dez anos sobre o pedido de ajuda externa. Cito, a este propósito, um desabafo do jurista João Gonçalves na sua página de Facebook: “o regime não apodreceu por obra e graça do Espírito Santo, o verdadeiro. Todavia, por entre prescrições e ajustes de contas entre magistraturas, um tribunal, pela primeira vez nestes mais de sete anos que a coisa leva, pronunciou alguém, com antigas responsabilidades de primeiro-ministro, pelos crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos, por causa e apesar dessas funções. Sócrates já tinha sido "removido da história". Não, como ele imagina, pelo PS. É o PS "dele", aliás, que anda pelo Governo e pelo Estado. Sócrates foi removido pela história da bancarrota de 2011, que obrigou o país a um ajustamento pretoriano de três anos, e pelo voto democrático. Pretender que isto tudo aconteceu para "beneficiar a Direita e atingir a Esquerda" é delirante. Ele que experimente "depender do voto do povo", coisa a que lhe repugnava voltar, e vai ver o que lhe acontece.” Desde há dias que Sócrates se apresenta como um mártir da democracia mas todo este caso é a prova provada das fragilidades da justiça em Portugal, das suas falhas, demoras, guerras internas, burocracias e contradições. Muito curiosamente soube-se também por estes dias que a Ministra da Justiça e o Governo não quiseram incluir na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção a proposta da Associação dos Juízes portugueses que eleva à categoria de crime a falta de justificação da origem do património dos titulares de cargos públicos - uma medida que por si só evitaria muita coisa. Quando se duvida da justiça abre-se caminho para duvidar da democracia.
SEMANADA - Segundo o CEO da Altice o contrato do sistema de comunicações de segurança SIRESP vai acabar a 30 de Junho, não existindo até à data negociações sobre o seu eventual prolongamento; a entidade que gere as certificações energéticas passou a ser abrangida pelas pelas cativações orçamentais; Portugal teve o terceiro crescimento mais lento da zona euro entre 1999 e 2016; no ano passado o total das remessas de emigrantes desceu 1,3% e as remessas dos emigrantes da Suíça superaram pela primeira vez as da França; no primeiro trimestre deste ano nasceram quase menos três mil bebés; quase 300 mil acidentes rodoviários fizeram na última década cerca de meio milhão de feridos e milhares de mortos; em 2020 o consumo de bacalhau caiu 12,6% devido ao encerramento de restaurantes durante a pandemia; segundo a Marktest cerca de 33% do poder de compra está concentrado em apenas 12 concelhos e em Lisboa e Porto estão cerca de 12% do total do poder de compra de Portugal Continental; Portugal teve a pior queda comunitária nas vendas a retalho e o volume de negócios nos serviços caíu 20%; António Guterres renovou convite a Ivo Rosa para que este se mantenha numa bolsa de magistrados ligada às Nações Unidas; entre Março de 2020 e Fevereiro deste ano foram registadas mais 685 mil mortes na União Europeia face à média dos três anos anteriores; um estudo recente indica que mais de metade dos portugueses não tenciona fazer férias este ano.
ARCO DA VELHA - No dia em que se voltou a pagar estacionamento em Lisboa, a aplicação ePark da EMEL teve problemas de funcionamento devido a “sobrecarga pontual inusitada”.
VER AS PAISAGENS - Volta e meia - mas é raro - acontece isto: entramos numa galeria para ver uma nova exposição e ficamos surpreendidos. Uma espécie de choque, como quando nos defrontamos com algo inesperado. Foi o que aconteceu com a inauguração, na semana passada, da nova exposição de Cabrita (Pedro Cabrita Reis) na galeria Miguel Nabinho (Rua Tenente Ferreira Durão 18B). Intitulada "Pinturas de Paisagem” a exposição tem mais de 80 pinturas e uma escultura (na imagem), a grande maioria das obras foram feitas durante 2020. A exposição decorre até 22 de Maio. Cabrita tem um fascínio pela paisagem e esta série de novos trabalhos mostra também o que foi a evolução da sua maneira de ver ao longo do confinamento - com algumas surpresas na forma final encontrada. Os preços oscilam entre os 10 e os 50 mil euros. Outros destaques: na Galeria Filomena Soares está “Places Of War” de Daniel Nave, um trabalho inspirado pelas destruições e cenários de guerra. E na Appleton está “Revolution My Body no.2”, o início de um ciclo de evocação da obra de Ernesto de Sousa. Fora de Lisboa destaque para “Caminhar Oblíquo”, de Duarte Belo, na Casa da Avenida e no Centro de Arte Contemporânea de Coimbra até 20 de junho de 2021 decorre a segunda exposição do ciclo “De que é feita uma coleção?”. E regressando a Lisboa no MAAT pode descobrir três novas exposições: as onze instalações de “Aquaria - Ou a Ilusão de Um Mar Fechado", as nove propostas de design e arquitectura e arte de “X Não É Um País Pequeno” e uma grande instalação interactiva “Earth Bits- Sentir o Planeta”. Este conjunto de exposições, todas encomendas internacionais, constituem a primeira programação da responsabilidade de Beatrice Leanza, a nova diretora do MAAT e são a concretização da sua ideia dos novos eixos da programação e utilização do edifício, colocando em primeiro plano questões de carácter social, ambiental e geopolítico.
O SOM DA SAUDADE - Rhiannon Giddens, americana, e Francesco Turrisi, italiano, têm um percurso musical comum - ela no banjo, ele no acordeão e percussão. Ambos vivem na Irlanda, longe dos respectivos países, e o novo disco tem um título que retrata a emoção e intensidade que passa pelas 12 canções do novo álbum, "They're Calling Me Home”. Este é um disco sobre a saudade, sobre a vida e a sua precariedade. Nasceu e reflecte o espírito que Giddens e Turrisi sentiram durante esta pandemia que mudou o curso das suas vidas de uma forma que não teriam imaginado antes de 2020. As inspirações musicais vão do bluegrass ao folk anglo-saxonico, a canções tradicionais americanas, passando pelas tradições musicais italianas. Pelo meio existem alguns temas originais e é neles que mais se encontram as questões colocadas por estes tempos e pelo confronto com a possibilidade da morte. Há versões fantásticas como a que encerra o disco, uma revisitação de “Amazing Grace”, a forma como abordam “When I Was In My Prime”, um original dos Pentangle, ou ainda a incursão pelo século XVII e Monteverdi em “Si Dolci è’l Tormento “. Logo nos primeiros momentos do disco, na faixa-título “Calling Me Home”, a voz de Giddens destaca-se e transmite uma emoção incontornável. Ao longo de todo o disco o banjo, o acordeão e a percussão que são a imagem de marca da sonoridade de Giddens e Turrisi, evidenciam que a simplicidade é muitas vezes a melhor conselheira e a melhor forma de transmitir emoções. Disponível no Spotify.
POEMAS DE AMOR - A poetisa grega Safo nasceu na segunda metade do século VII a. C., na ilha grega de Lesbos. Educada num meio aristocrático, os fragmentos da sua poesia são o testemunho da primeira autora da literatura europeia e considerados a síntese da perfeição lírica na Antiguidade. Nos seus versos é possível entrever o encantamento e o sofrimento amorosos, uma tensão constante entre juventude e velhice, marcados por um erotismo cuja aura chegou até hoje. Dos onze ou doze mil versos que são atribuídos à poetisa grega, chegaram até nós apenas uma ode completa e cerca de 200 fragmentos. Eugénio de Andrade dedicou muita atenção à obra de Safo e trabalhou as suas traduções. Foram esses 200 fragmentos que serviram de base para "Poemas e Fragmentos”, um olhar sobre a poesia de Safo pela mão de outro poeta. A nova edição retoma a versão revista em 1977 por Eugénio de Andrade que sobre a obra assinalou no texto de abertura: "os versos incomparáveis onde a experiência íntima e devastadora da paixão, aliada a um sentimento muito vivo da natureza, é comunicada sem ênfase e sem patetismo, com uma naturalidade até então desconhecida, e que a poesia ocidental não terá voltado a conhecer". E na mesma nota de abertura da obra, Eugénio de Andrade argumenta que a sua tradução é um ato de amor, sendo Safo uma das suas "fascinações mais antigas". Diz ainda Eugénio de Andrade que esperava que "o perfume a violetas das tranças de Safo" não estivesse de todo ausente dos versos por si traduzidos. "Os seus poemas de amor dirigiam-se frontalmente a mulheres", recorda ainda Eugénio de Andrade, o que terá levado séculos depois a sua poesia, reunida em nove livros, a ser destruída pelos cristãos dos séculos IV e XI.
PERDIZ EM BRIOCHE - Ao fim de tantos meses a inventar alternativas de refeições que proporcionem alguma variedade a imaginação acaba por se esgotar. Estamos em casa com saudades de nos sentarmos à mesa de um restaurante, por mais modesto que seja, e sermos surpreendidos com um petisco ao qual não nos abalançamos. Esta semana Miguel Esteves Cardoso relatava na sua coluna diária a alegria de encontrar jaquinzinhos com arroz de tomate. Serve isto para dizer que à medida que o confinamento avançou o recurso a coisas simples foi crescendo. Aproveitando estes dias mais temperados e a circunstância de alma gentil me ter oferecido um brioche em pão de forma, uma iguaria de múltiplas utilizações, ocorreu-me que um patê seria a sua companhia perfeita. Com recurso a uma lata de patê de perdiz da marca Do Monte, elaborado em Penha Garcia, saíu um jantar leve e petisqueiro. Este patê de perdiz tem boa consistência e melhor sabor e acompanha muito bem a massa do brioche - como era do dia nem precisou de ser aquecido. Foi acompanhado pelo tinto Dois Terroirs, de Cortes de Cima, da Vidigueira, com as castas aragonês, syrah e pinot noir. Devo dizer que deu muito boa conta do recado. Patê e vinho vieram desse local de boas surpresas que é a rua Acácio Paiva, em Alvalade - no caso da loja “dois dedos de conserva”.
DIXIT - “Este Juiz ou é ingénuo, ou faz-se de ingénuo, ou vive num mundo à parte. Em qualquer um dos casos um homem assim é um perigo à solta” - Marques Mendes, sobre Ivo Rosa.
BACK TO BASICS - “Um juiz é um estudante de direito que faz o enunciado dos seus próprios exames” - H. L. Mencken
(A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS)
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