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Esta Esquina, que desde o início abordou quase sempre a política deste pequeno rectângulo que é Portugal, vai deixar de o fazer tão regularmente como até aqui. O estado do país e das instituições degradou-se, o sistema eleitoral continua viciado porque os grandes partidos não querem mudá-lo. Portugal podia ser um belo país, foi-se estragando, sem remédio, sobretudo nos últimos 20 anos. A Esquina passará pois a falar de outras coisas. E há muito que dizer...
COMO VAMOS DE PUBLICIDADE? - Os números dos investimentos de publicidade são um bom retrato da evolução dos hábitos de consumo dos media e da forma como os anunciantes os encaram em termos de alcance e eficácia junto dos públicos que querem atingir. Se olharmos para os números do primeiro semestre deste ano vemos que a televisão continua a ter a fatia de leão do mercado, com 47,5% do investimento total, sendo que 34,1% foram para os canais generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI) e 13,4% para os canais de cabo. Nos últimos anos verifica-se uma progressiva diminuição da fatia que os anunciantes gastam nos canais generalistas e um aumento do investimento nos canais de cabo. E a fatia total da televisão, que há dez anos significava mais de 56% , caíu quase dez pontos percentuais nesse período. Mas quem teve a maior queda foi a imprensa, que no início do século era o segundo meio mais procurado pelos anunciantes, e agora capta apenas 1,7% do total do investimento - há dez anos já estava em queda mas mesmo assim significava mais de 12%. A rádio tem conseguido resistir e no primeiro semestre deste ano captou 6,4% do investimento publicitário, que compara com 7% há dez anos. Um meio que cresceu de forma significativa foi o outdoor, a publicidade de rua, que subiu de 12,3% em 2014 para 14,8% no final de Junho. E, claro, a estrela da companhia é o investimento em digital, que passou de 15,3% em 2014 para 29,3% no primeiro semestre deste ano, e que inclui não só todo o universo de redes sociais e Google, mas também a publicidade nas edições digitais dos diversos meios de informação - televisão, rádio, imprensa. E tudo isto se passa numa situação de crescimento do mercado publicitário e de recuperação da queda ocorrida durante a pandemia. Comparando com 2014, e tendo por base os números finais de 2023, o crescimento registado foi ligeiramente superior a 28% e este ano deverá subir ainda mais. A paisagem mediática mudou muito nos últimos dez anos e analisar as alterações ocorridas ajuda a fazer um retrato das mudanças ocorridas na sociedade.
SEMANADA - Nos cinco primeiros meses deste ano verificaram-se mais mortes em acidentes rodoviários que no mesmo período de há dez anos; em dez anos morreram 45 pessoas e 30 ficaram feridas com gravidade em 56 acidentes com aeronaves em Portugal; desde 1986 há mais mulheres do que homens inscritos no Ensino superior e actualmente as mulheres representam 54% do total; em quatro anos o estado cobrou mais de três milhões de euros de multas por violações à lei do tabaco; 1,6 milhões de utentes do SNS não têm médico de família e há mais de 300 mil com registos incompletos que se arriscam a ser retirados das listas; no passado domingo o Serviço Nacional de Saúde tinha 17 urgências fechadas em todo o país; há mais de 30 consultórios dentários parados no SNS; no alojamento estudantil, o preço médio por quarto aumentou 12,5% este ano, o valor médio do quarto é hoje de 397€ e em Lisboa atinge 480€ ; o custo da habitação é hoje 23% mais cara em Portugal que em Espanha e Lisboa e Porto têm preços por metro quadrado mais altos que Madrid, sendo que em Lisboa, a diferença é de 60% mais; se olharmos para os rendimentos nos dois países, o salário mínimo português é 28% inferior ao espanhol e o salário médio está 16% abaixo.
O ARCO DA VELHA - Quando o edifício da secretaria geral do Ministério da Administração Interna, que tutela as polícias, foi assaltado na madrugada de quarta feira da semana passada, as câmaras de videovigilância estavam desligadas ou avariadas.
UM OLHAR DIFERENTE - Ochre Space, perto do Palácio da Ajuda, é um lugar dedicado à fotografia que existe graças à paixão de João Miguel Barros, que ali acolhe exposições, instalou a sua extensa biblioteca de photo books e promove workshops como os que a agência Magnum lá fez em duas ocasiões. Advogado baseado em Macau, com incursões por Lisboa, fotógrafo por esse mundo fora, apaixonado pelo trabalho de fotógrafos chineses e japoneses que conhece como poucos, João Miguel Barros apresentou esta semana na Ochre Space a primeira exposição com dezena e meia de fotografias, provas de época de início dos anos 70, do japonês Shoko Hashimoto. A exposição é baseada no seu livro “Goze”, um ensaio fotográfico no qual Shoko Hashimoto fotografou, desde finais dos anos 60 e na primeira metade dos anos 70, as mulheres cegas, chamadas “Goze”, que faziam digressões e atuavam nas zonas rurais ao longo do Mar do Japão. Durante dois anos Hashimoto seguiu três dessas mulheres e as imagens então obtidas constituem o pilar deste trabalho. A opção criativa de Hashimoto nestas fotografias foi acentuar os contrastes, sem cinzentos, de forma a que os rostos, os corpos, as sombras das árvores ou as casas sugissem como acentuadas manchas de preto e branco que criam um ambiente quase surreal. Nascido em 1939, Hashimoto viu este trabalho premiado não só no Japão, como em outros países. A exposição pode apenas ser vista nos dias úteis, só até dia 11, das 15h30 às 18h30 e vale mesmo a pena uma deslocação até à Ajuda, Rua da Bica do Marquês 31, a morada do Ochre Space. Para o próximo ano, João Miguel Barros prepara uma exposição do mais importante fotógrafo japonês, Eikoh Hosoe.
ROTEIRO - No Museu da Marioneta pode ver até 20 de Outubro uma notável exposição, “A Revolução das Marionetas 1970-1980” que mostra peças pouco conhecidas, grande parte delas recuperadas para esta mostra, com montagem de António Viana, e que reúne um conjunto de bonecos dos mais importantes marionetistas dos anos 70 e 80 representativos das grandes transformações na arte da marioneta e na sua apresentação a novos públicos. Na imagem, os bonecos de Cunhal, Soares e Eanes, feitos por Maria Emílio Perestrelo, numa fotografia publicada por Alexandre Pomar. O Museu da Marioneta fica no Convento das Bernardas, Rua da Esperança, n° 146 e está aberto de terça a domingo entre as 10 e as 18H. Outra sugestão é a exposição “Void”, do artista australiano James Bonnici, que reúne retratos e paisagem em pinturas e desenhos que usam a distorção e a manipulação de imagens como forma de trabalho -até 8 de Outubro no Espaço Exibicionista, Rua Dona Estefânia 157C. E em Viseu, até 9 de Novembro, na CAOS - Casa de Artes e Ofícios, em Viseu, pode ver “Quotidiano em Narração”, com obras de Ana Pérez-Quiroga. A CAOS fica no centro histórico de Viseu, Largo de S. Teotónio 30.
ENREDOS DA ARTE - No meio da pandemia, por um acaso do destino, um entregador de encomendas online, Jay, encontra uma antiga namorada, Alice, que não via há muitos anos. Nessa época já distante Jay era um promissor artista plástico, ela vivia dividida entre ele e um amigo próximo, Rob, também artista, menos idealista e mais comercial. Quando Alice o deixa e vai viver com Rob, Jay entra fase de grande criatividade, o seu talento é reconhecido, mas depois desaparece numa viagem sem destino, sem que ninguém saiba dele durante anos. Alice e Rob, entretanto casados, vão viver para os Estados Unidos, onde ele ganha notoriedade e se torna notado pelos coleccionadores. Na pandemia Alice, Rob e o seu galerista estão refugiados numa mansão perto de Nova Iorque quando o destino leva Jay à sua porta - um Jay que desistira de ser artista e trabalhava no que aparecesse, como entregar encomendas. Jago, o galerista de Rob, que também está na mansão, fica fascinado pela presença de Jay e confessa-se fã do seu trabalho passado. Quando Jay conta porque desapareceu e o que andou a fazer, Jago percebe que podia ali ter oportunidade de criar um mito em torno do regresso do artista desaparecido, uma reacção bem diferente da de Rob, temeroso que ele tivesse voltado para se vingar de ter perdido Alice. Até aqui o romance pode parecer um triângulo amoroso vulgar, mas o que torna “Ruína Azul” diferente é o papel de Jago, que em sucessivas conversas com Jay, quer levá-lo a criar e assumir uma obra de arte multimedia sobre o que aconteceu nos anos em que andou desaparecido. As diferenças artísticas entre Jay e Rob acentuam-se e o desenrolar da história de “A Ruína Azul” é uma viagem aos paradoxos do modelo de negócio da arte contemporânea, das relações entre artistas, os seus assistentes de estúdio, os curadores e galeristas. Este é um livro fascinante e Hari Kunzru, o autor, com uma dezena de obras publicadas, cria, com elegância, uma viagem aos bastidores dos conflitos que se desenvolvem no mundo da arte contemporânea, entre o idealismo, os excessos e o cinismo. “A Ruína Azul” é escrito de forma fascinante, tem edição da Quetzal com uma tradução exemplar de Salvato Teles de Menezes.
A AVIADORA - O novo disco de Laurie Anderson, “Amelia” é dedicado à pioneira da aviação Amelia Earhart cujo avião desapareceu no meio do oceano pacífico, a 2 de Julho de 1937, quando estava quase a conseguir ser a primeira mulher a fazer, sózinha, uma viagem de avião à volta da Terra. Neste novo disco de Laurie Anderson, o primeiro desde o brilhante “Landfall”, de 2018, o som do motor do avião de Amelia é criado a partir da manipulação de solos de guitarra de Lou Reed, que era o marido da artista. Anderson gravou a sua parte instrumental no aparatamento onde vive em Nova Iorque. “Amelia” tem 36 minutos de duração e 22 faixas. Não é um disco vulgar, é quase uma performance, uma narrativa, construída a partir de um ciclo de canções, que surgem como uma evocação do teatro radiofónico e que musicalmente se assemelha a um requiem. Anderson é acompanhada por uma orquestra de cordas, muita electrónica que ela própria executou e uma secção rítmica que evoca o jazz. São sons e canções que quase se conseguem ver, e não só ouvir. Disponível em streaming.
WEEKEND - A exposição permanente do Museu do Fado é um tributo ao Fado e aos seus cultores, divulgando a sua história desde a sua génese, na Lisboa oitocentista, até à atualidade. Ali podem descobrir o papel do Fado no teatro, no cinema, na televisão, a evolução da guitarra portuguesa, ambiente das casas de fado e as grandes vozes que o cantaram. O Museu do Fado pode ser visitado de terça a domingo, entre as 10 e as 18H e fica no Largo do Chafariz de Dentro nº1, em Alfama.
DIXIT - “Cavaco lançou medidas para resolver problemas difíceis e apresentar-se como um governante reformista. Montenegro contenta-se com tácticas à espera que o tempo lhe resolva a incapacidade de governar” - André Abrantes Amaral.
BACK TO BASICS - “Saber que não se sabe constitui, talvez, o mais difícil e delicado saber” - Jose Ortega Y Gasset
A ESQUINA DO RIO É PUBLICADA SEMANALMENTE, ÀS SEXTAS, NO SUPLEMENTO WEEKEND DO JORNAL DE NEGÓCIOS
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