Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



O INTOCÁVEL ESTADO

por falcao, em 03.03.23

IMG_0474.jpg

DESIGUALDADES - Se um vulgar cidadão se atrasa a cumprir as suas obrigações para com o Estado tem tolerância zero, salta-lhe a máquina burocrática em cima, sem apelo nem agravo, sem recursos, sem decisões judiciais. Mas há uma excepção: o Estado é muitíssimo tolerante consigo próprio. Desculpa-se pelos atrasos, esquece-se do que devia fazer, deixa as coisas correr quando lhe dá jeito. Vou dar um exemplo, que está relacionado com um dos maiores escândalos da justiça portuguesa na última década. O caso é o que envolve José Sócrates, o exemplo é a Lei que regulamenta o sorteio de juízes para, diziam, tentar melhorar a transparência na distribuição dos processos em tribunal. A lei entrou em vigor em Outubro de 2021, o Governo estava obrigado a regulamentá-la no prazo de 30 dias para que ela pudesse começar a ser aplicada. Até hoje não foi regulamentada, apesar de ter passado ano e meio, continua pois sem poder ser aplicada. E assim os juízes continuam a ser designados pelo método antigo, o do sorteio. O que é que isto tem a ver com Sócrates? -  os seus advogados aproveitam a vantajosa ausência de regulamentação para, de cada vez que é sorteado um juiz para apreciar um recurso do processo do ex-Primeiro Ministro e líder do PS, apresentarem novo recurso a pedir o afastamento do juiz designado por a distribuição ter sido feita através de um sorteio que já não está previsto na lei em vigor. Recapitulemos: José Sócrates foi detido há mais de oito anos, em Novembro de 2014, foi acusado em Outubro de 2017 e pronunciado em Abril de 2021. De então para cá há  uma teia de recursos a bloquear o processo e as primeiras prescrições - o objectivo de todos estes expedientes - acontecem já em 2024. Data de julgamento é coisa que não existe. Ninguém me convencerá que estes atrasos de regulamentação são ingénuos ou casuais. 

 

SEMANADA - A idade média da população portuguesa é agora de  46,8 anos, um aumento de 4,7 anos em relação a 2012, o que constitui a maior subida registada em igual período na União Europeia; o preço dos alimentos está a aumentar mais em Portugal na zona euro e produtos como ovos, leite fresco e comida de bebé são aqueles onde se regista maior desvio; nos produtos alimentares não transformados o aumento verificado em Fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado é de 20,11%;  a Lei que prevê a divulgação dos contratos dos gestores públicos foi aprovada há mais de uma ano, mas ainda não foi publicado nenhum contrato; uma sondagem recente mostra que os três principais problemas indicados pelos portugueses são a inflação, o estado da governação e a corrupção; o endividamento da economia portuguesa aumentou 19,1 mil milhões de euros em 22, para um total de 793,8 mil milhões; em 2022 foram criadas mais de 48 mil empresas em Portugal, mais 14% que em 2021; uma consulta de psiquiatria infantil chega a ter um prazo de 200 dias de lista de espera em alguns hospitais públicos; em Janeiro o total dos depósitos de particulares em bancos diminuíu 2,5 mil milhões de euros face a Dezembro de 2022 e as subscrições líquidas de certificados de aforro aumentaram 2,9 mil milhões de euros no mesmo período; um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos e cinco mil vão aposentar-se até 2030.

 

O ARCO DA VELHA - O Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou a presença de Lula da Silva na cerimónia do 25 de Abril no Parlamento, a fazer um discurso, sem que isso tenha sido discutido e decidido na própria Assembleia da República.

 

491_Sol Lewitt-6-L.jpg

UMA COLECÇÃO IMPERDÍVEL  - Desde quarta-feira e até 8 de Abril poderão ver na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa,  uma parte da colecção de arte moderna e contemporânea de Norlinda e José Lima, apresentada sob o título “Uma terna (e política) contemplação do que vive”. Empresário e industrial da área do calçado,  José Lima, e a sua mulher, Norlinda, professora de profissão,  adquiriram ao longo dos anos uma vasta e importante colecção com mais de 1300 obras de arte, contabilizando cerca de 250 artistas portugueses e 230 internacionais, colocada em depósito no Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira, sua terra natal e onde o casal vive. Numa entrevista de 2021 José Lima considerou-se “ um colecionador invulgar porque não estudou e tudo o que aprendeu foi por si, lendo os livros, visitando museus, exposições e ateliês, falando com curadores, galeristas e artistas”. Na Sociedade Nacional de Belas Artes (Rua Barata Salgueiro 26) estes coleccionadores apresentam 120 das suas obras, de autores como, entre muitos outros, Julião Sarmento, Lourdes Castro, Paula Rego, Rui Chafes, Ana Jotta, Pedro Chorão, Jorge Queiroz, Anish Kapoor, Andy Warhol, Christo, Joseph Beuys, Damien Hirst, Pistoletto ou Sol Lewitt (na imagem). “A abordagem deste projeto é focada no ponto de vista dos colecionadores, procurando expor o maior número de artistas possível, num ângulo que nos permita viajar com os públicos pela História da Arte Contemporânea”, afirma Helena Mendes Pereira, diretora da zet gallery, de Braga, que assegurou a curadoria desta exposição. 

 

image-4.png

O TESTEMUNHO DE UMA VIDA - Manuel S. Fonseca é um homem de sete instrumentos - uns foi tocando ao longo da sua vida profissional, outros toca agora com belas orquestrações. O Manuel é um homem com a vida marcada pelo cinema, a escrita, a música, suas paixões confessas apenas suplantadas pela forma como fala da Luanda e de Angola, onde foi menino e cresceu. Este livro, é uma colectânea de escritos, ditos, crónicas de jornal, posts de blogues, reunidos ao longo de uma dúzia de anos. São recordações de paixões e declarações de fidelidade a muitas coisas que viveu, que fez, que sentiu. Há momentos em que é um livro de aventuras, umas tão ternas como aquela pescaria de caranguejos, feita com o seu pai, pelo areal fora, em que os crustáceos se iam escapando do saco que o Manuel menino deixou entreaberto, para que todos fugissem de novo para o mar  -  tudo culminou com pai e filho a comprarem caranguejos a pescadores locais para não chegarem a casa de mãos a abanar. Mas é também a recordação dos momentos em que Angola começou a traçar o seu próprio caminho, os dias de Fevereiro de 1961, o clima vivido, os medos sentidos. Livro de observações, divide-se entre as recordações de infância, as aventuras de adolescência, os dias da independência e a declaração de amor ao Liceu Salvador Correia, que o fez homem e é o manifesto que encerra este livro que fala de filmes de nomes como Godard, de canções de Aretha Franklin e de Bob Dylan, das marcas dos tempos que viveu. Aqui se cruzam memórias de Angola e episódios de vida - “Este é o meu livro de África”, diz o Manuel aos seus amigos, sorrindo com os olhos, como costuma fazer. A edição, não podia deixar de ser, é da sua “Guerra & Paz”, que fundou e é agora a sua vida.

 

image-3.png

DISCOS ARTIFICIAIS - Foi há 22 anos que os Gorillaz lançaram o seu primeiro disco e agora têm o seu oitavo álbum de originais,  “Cracker Island”. The Guardian já escreveu que era um dos seus melhores trabalhos de sempre e parece-me que tem razão. Os Gorillaz, convém recordar, são uma banda virtual, anónima, que vive deliberadamente sem caras em palco, apenas imagens de avatars de inspiração BD, que protagonizam os músicos. Na origem da coisa esteve Damon Albarn, dos Blur, e o seu amigo Jamie Hewlett, que desenhou os bonecos. Nos Gorillaz Damon Albarn fez aquilo que não conseguia nos Blur - explorou outras sonoridades, andou por territórios fora do pop formatadinha. Banda virtual, os Gorillaz têm nomes imaginados: 2D canta e está nas teclas, Murdoc Niccals está no baixo, Noodle na guitarra e Russel Hobbs na bateria. Em palco estão projecções dos bonecos, não há musicos à vista, e mesmo assim os concertos são um acontecimento. Ao longo destas mais de duas décadas passaram pelos Gorillaz muitos músicos convidados e Albarn é o único membro permanente. Os cruzamentos musicais que Albarn consegue entre músicos de diversos géneros são talvez a razão de ser da notoriedade que a banda conseguiu. “Cracker Island “ é um disco pop que parece programado a IA para satisfazer os consumidores de música em streaming - mas isso é uma vantagem. Aqui estão colaborações tão diversas de nomes como Stevie Nicks, Thundercat, Tame Impala e Bootie Brown, Bad Bunny, Beck ou e La Soul entre outros. O resultado é que não há duas canções iguais e que a maioria delas são mesmo bem apanhadas. Nada como ouvir para confirmar. “Cracker Island" foi feito para as plataformas  de streaming e é lá que o podem encontrar.

 

ARROZ DE FUNGOS - Este é o tempo dos cogumelos, portanto é aproveitar. No mercado existem muitas variedades de cogumelos, uns deliciosos fungos que são uma óptima matéria prima para um arroz que fará uma bela refeição - será o dia ideal para convidar aquele amigo vegetariano que fica sempre subalternizado numa mesa. O primeiro conselho é que escolham umas duas ou três variedades de cogumelos (shitake, portobello, shimaji), lavando-os bem em água corrente. Uma vez feita a lavagem e depois de escorridos, cortem-nos em pedaços não demasiado pequenos e reservem. Num tacho largo coloquem azeite e meia dúzia de fatias finas de cebola roxa e deixem refogar em lume brando até ficar translúcida. Depois adicionem os cogumelos, temperem com sal e um pouco de vinho branco seco, tapem o tacho e deixem em lume baixo durante dez minutos. Ao fim desse tempo adicionem arroz carolino e envolvam bem, adicionando a água na quantidade normal devida para a quantidade de arroz que usaram. Mexam tudo muito bem de novo, voltem a tapar e deixem em lume brando até o arroz estar cozido. Rectifiquem o tempero com um pouco de pimenta preta moída na altura, e uma generosa colher de sopa de manteiga, mexam tudo de novo muito bem, voltem a tapar e deixem a repousar uns cinco minutos. Podem servir, bom apetite. 

 

BOM - O Urso de Prata do Festival de Cinema de Berlim, o prémio do Júri, foi para João Canijo e o seu filme “Mal Viver”, uma consagração mais que merecida.

 

MAU - Como diz António Barreto, “as políticos e as práticas seguidas actualmente por Portugal (em relação à imigração) são incentivos à clandestinidade, ao tráfico de mão de obra, ao abuso dos trabalhadores e a novas formas de racismo”.

 

DIXIT - “Não podemos delegar responsabilidades e ficar à espera que a Igreja resolva sozinha os desmandos. Seria tornarmo-nos cúmplices desta vergonha” - Pedro Norton

 

BACK TO BASICS - “Não chega ter uma boa cabeça, o fundamental é usá-la bem” - Descartes

 



Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 11:00



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.



Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2003
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D