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RECREIO - Daqui a uns anos, quando se fizer a História destes dias que vivemos em Portugal, talvez alguém revele qual foi o equivalente, no Palácio de Belém, nas sucessivas audiências que Cavaco Silva promoveu com banqueiros e outras corporações, ao enigma que a esfinge grega colocava aos viajantes: “Que criatura anda com quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao anoitecer?” . O nosso sistema permite prazos dilatados para a tomada de decisões, quando os define - o que nem sempre é o caso. Sabemos que a justiça é lenta, sabemos que o Parlamento é demorado, que a convocação de eleições tem prazos absurdos no mundo de hoje, que a justiça ignora o que é o tempo, e muito menos o tempo útil. O nosso Estado, de cima a baixo, por definição, prefere ignorar a existência desse anacrónico objecto que é um calendário. Não sei quem será que, na charada em que estamos metidos, fará o papel de Édipo na esfinge de Belém e decifrará o enigma. Na mitologia, quando Édipo acertou na resposta, a esfinge atirou-se de um precipício. O meu maior temor é que no caso português, a esfinge que temos escolha atirar o país para um precipício, salvando-se a ela própria. Quanto maior a demora, maior o precipício; quanto maior a indecisão, maior o risco. Nem quero pensar que a esfinge de Belém resolva ignorar as respostas para poder terminar o seu prazo de validade sem sobressalto.
SEMANADA - A adopção gay vai ter a sua quinta votação no Parlamento; Cavaco Silva afirmou, sobre a situação actual, que esteve cinco meses em gestão quando foi Primeiro-Ministro; António Costa afirma não querer governo de gestão; António Barreto disse que “quem tem de estar de acordo com o programa do governo é o Parlamento, não o Presidente da República”; Cavaco Silva afirmou, na Madeira, que não vê na crise política motivo para preocupações; no curto espaço que decorreu depois das promessas eleitorais verifica-se que a prometida devolução da sobretaxa caíu para 0%; José Sá Fernandes afirmou que “o futuro das cidades está nos candeeiros”; Porto, Setubal e Aveiro lideram o ranking das cidades com maior número de burlas reportadas às autoridades policiais, um total de 20 mil em cinco anos, 72% das quais são praticadas por pessoas que se fazem passar por funcionários de serviços públicos; as burlas informáticas triplicaram nos últimos seis anos; há dez instituições privadas de ensino superior em risco de encerrar por falta de alunos - no total as privadas perderam dez mil alunos em três anos; no âmbito do programa Portugal 20/20 foram aprovados 21 projectos turísticos no valor de 45 milhões de euros; um dos grandes produtores mundiais de cenouras quer instalar-se em Odemira; o número de funcionários públicos aumentou pela primeira vez desde 2011; José Sócrates foi visitar Pinto da Costa ao Porto, em retribuição da visita que este último fez ao ex-primeiro ministro quando estava detido em Évora; o ex-Ministro Miguel Macedo foi acusado de usar o seu cargo para favorecer amigos.
ARCO DA VELHA - Centenas de candidatos no exame para a carta de condução pagaram cinco mil euros para passar no teste - eram apetrechados com uma microcâmara na lapela para se poder visualizar, a partir do exterior, o exame que surgia nos ecrãs dos computadores do local dos exames e os candidatos recebiam, através de um sistema de comunicação por auriculares, as respostas certas dadas por especialistas que estariam numa carrinha estacionada perto - ao todo o esquema terá rendido um milhão de euros.
FOLHEAR - Da série de livros recentemente editados sobre o BES, o mais interessante é aquele que o historiador Luciano Amaral escreveu, e que foi agora editado pela D.Quixote: “Em Nome do Pai e do Filho… O Grupo Espírito Santo, da privatização à queda”. Luciano Amaral especializou-se em História Económica Portuguesa do Século XX e lecciona na Nova School Of Business And Economics, em Lisboa. Fugindo à habitual ladaínha sobre os acontecimentos de 2014, este trabalho de Luciano Amaral optou por fazer o paralelo entre o a actividade do Grupo Espírito Santo, nos últimos 30 anos, com a evolução da economia portuguesa no mesmo período, e também com os outros grupos económicos portugueses. Muito para além da espuma dos dias mais recentes e da procura de episódios sensacionais, a abordagem é mais distanciada e, também, mais enquadrada - o início do livro parte da actividade como cambista na segunda metade do século XIX e percorre a expansão ocorrida durante o Estado Novo até à nacionalização de 1975. Mas o grosso do trabalho centra-se no período entre 1985 e 2014, entre o regresso das actividades do GES a Portugal na segunda metade dos anos 80, enquadrando-o no tempo, até ao seu colapso em 2014. Cheio de informação, este livro de Luciano Amaral relata o que aconteceu ao longo dos anos e permite uma imagem tão focada quanto possível desta parte da História recente de Portugal. Ainda por cima está muito bem escrito.
VER - António Costa Pinheiro, falecido em Outubro passado, foi um dos grandes artistas portugueses, injustamente pouco conhecido entre nós. Na apresentação de uma exposição que reúne oito dezenas das suas obras, e que está na Galeria São Roque até final de Dezembro, o ensaísta e especialista em arte contemporânea Bernardo Pinto de Almeida manifestou a sua estranheza em não se ter feito nos últimos anos, em Portugal, nenhuma grande exposição retrospectiva do trabalho de Costa Pinheiro que permitisse a divulgação e compreensão da sua obra pelos públicos mais recentes. Em 1958 Costa Pinheiro fundou, com René Bertholo, Lourdes Castro, João Vieira, José Escada, Gonçalo Duarte, Jon Voss e Christo, o grupo KWY, que marcou uma época. Trabalhou em Paris e, sobretudo, em Munique. Apesar de estadas regulares em Portugal, foi na Alemanha que acabou por viver muitos anos, e foi lá que mais regularmente expôs. Agora a Galeria São Roque mostra obras feitas entre 1955 e 1985, e tem o título “Imaginação e Ironia”. Este é também o título do livro agora editado em português pela primeira vez, e que foi originalmente publicado na Alemanha em 1970, com arranjo gráfico do autor. A edição respeita o design gráfico da edição original alemã, que foi premiada pela Fundação Erika-Reuter Lemforde. Galeria São Roque, Rua de S. Bento 269.
OUVIR - Tori Amos começou a sua carreira musical em 1988 e tem duas dezenas de álbuns na sua discografia. O seu maior sucesso foi o álbum “Little Earthquakes”, de 1992, que vendeu mais de cinco milhões de exemplares. Depois desta sua fase mais popular tornou-se numa cantora de culto, muitas vezes trabalhando a solo com o seu piano. Em 2014 o seu album “Unrepentant Geraldines” mostrou como com o passar do tempo ela tem sabido desenvolver a sua criatividade. Em 2013 lançou-se na criação de uma peça teatral musicada, “The Light Princess”, estreada nesse ano no Reino Unido. A música é de Tori Amos, as palavras foram escritas com Samuel Adamson. Depois das apresentações ao vivo, Tori Amos empenhou-se em fazer a gravação em estúdio de toda a banda sonora, num processo longo que demorou 11 meses e que envolveu, além da orquestra, um conjunto de 26 actores que interpretararm 33 canções - duas são interpretadas por ela própria - "Highness in the Sky" e "Darkest Hour", e o resultado é um duplo CD. Tori Amos descreve a peça como um conto de fadas contemporâneo que fala dos problemas actuais dos adolescentes e das suas relações com os adultos. Amos compara-o, na temática e nas reacções que tem tido do público, a “Little Earthquakes”. A experiência era arriscada mas a legião de fãs de Amos ficará surpreendida, mas não desiludida, com este trabalho.
PROVAR - A minha família é originária do distrito de Portalegre, de maneira que as minhas memórias gustativas são muito marcadas pela região - do queijo aos enchidos, passando pela doçaria de terras como Nisa, Alpalhão e Amieira do Tejo. Esta região tem ainda muitos pequenos produtores, quase artesanais, e algumas instalações mais industriais. Muitas vezes é difícil encontrar nas grandes superfícies produtos regionais de pequenos produtores - e desta vez consegui descobrir bem no centro de Lisboa um sítio dedicado ao que de melhor há para oferecer no Alto Alentejo. Chama-se “O Cocho - Mercearia Alentejana” e fica na Rua de S. Bento 239, um pouco acima do Clube Nacional de Natação. Na página www.facebook.com/ocochomerceariaalentejana pode seguir-se o que vai surgindo por lá. Numa visita recente comprei o excelente Bolo Finto(na imagem), oriundo da Urra, Portalegre, uma massa bem temperada com erva doce. Cortado em fatias fica excelente em torradas. Mas o Cocho tem produtos de várias regiões do Alentejo e não apenas na área do petisco - lá se podem encontrar mantas tradicionais, pequenas peças de mobiliário e artesanato. Fiquei cliente.
DIXIT - “É fundamental que haja um governo que governe, rapidamente, porque há muita coisa parada” - Marcelo Rebelo de Sousa
GOSTO - Da candidatura portuguesa do fabrico de chocalhos a Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, que já obteve parecer positivo da comissão internacional de especialistas do organismo.
NÃO GOSTO - Do exagero de comentários por gente impreparada e da subalternização de notícias e factos na cobertura que as TV’s fizeram dos atentados em Paris.
BACK TO BASICS - “Seja o que fôr que os terroristas querem alcançar, de certeza que criar um mundo melhor não está entre os seus objectivos, já que aquilo que fazem é matar inocentes” - Salman Rushdie
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