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O CONFINAMENTO - A rotina é nestes dias o nosso pior inimigo. A rotina a que estamos forçados, a rotina do confinamento, a falta de socialização, a rotina da avalanche de notícias. Aos poucos os números elevadíssimos de consumo de internet e de televisão começam a voltar a valores mais próximos das médias anteriores ao Estado de Emergência. Embora continue alto o consumo de notícias, já começa a subir o consumo de entretenimento - filmes, séries, musicais, documentários, e, claro, culinária. O teletrabalho fez explodir a venda de impressoras domésticas e de máquinas de café. Na realidade as antigas rotinas são substituídas por novas. Olhamos para o horizonte e o ar está mais límpido. No espaço de poucas semanas a vida mudou imenso - desde o vazio das ruas das cidades até à maneira como reorganizamos os nossos hábitos. Há um contraste enorme que percorre a sociedade - entre aqueles que estão em casa a trabalhar, com tudo o que isso comporta, e aqueles que estão nos hospitais, na rua, nas tarefas essenciais que garantem a nossa vida colectiva. O Estado, esse ser sem cara e nas mais das vezes com pouco coração, até deu uns laivos de humanidade nestas semanas. Mas falta imenso - há sectores básicos da sociedade e da economia, sobretudo nas microempresas, que continuam a braços com tratamentos discriminatórios. O Estado, que há uns anos fomentou a criação dessas microempresas e a criação de postos de trabalho com a consequente redução dos números e custos do desemprego, ainda tem muito para fazer neste sector. Se nesta altura se criarem novas barreiras e diferenças entre vários áreas de actividade todos vamos perder. A pior de todas as rotinas é a da resignação, e há muita gente que conta com ela e com a aceitação do mal menor. E, no entanto, só recuperaremos se nos excedermos, se ambicionarmos reconstruir e recuperar. É isso que devemos exigir da Europa, é isso que devemos exigir dos Governos. Ficarmos na rotina não basta - é demasiado perigoso.
SEMANADA - Foram apreendidos mais de 100 quilogramas de cocaína no Porto de Sines durante uma operação de controlo a um contentor proveniente da América do Sul; segundo a CNN dois pandas do Jardim Zoológico Ocean Park, em Hong Kong, China, que não acasalavam há dez anos, fizeram-no quando o zoo fechou devido ao coronavírus; uma cobra pitão com 2,60 metros de comprimento que foi capturada na quinta-feira, no Percurso Pedestre da Fonte Benémola, em Querença, no interior do concelho de Loulé, foi transportada para o Zoo de Lagos; foram criadas duas áreas de refúgio para cavalos-marinhos na ria Formosa e as capitanias de Olhão e Faro, determinaram para estas zonas a "suspensão temporária da circulação de todas as embarcações"; um relatório do Conselho da Europa mostra que as penas de prisão em Portugal continuam a ter uma duração muito superior às dos outros países europeus e a taxa de mortalidade nas cadeias portuguesas está entre os 12 países onde essa estatística é a mais elevada; Portugal reciclou mais 10% em 2019, face ao ano anterior, tendo sido encaminhados para reciclagem mais de 388 mil toneladas de resíduos de embalagens, anunciou a Sociedade Ponto Verde; a pandemia está a afectar a indústria livreira e segundo a GFK, na semana de 23 a 29 de Março, venderam-se menos 66,7% de livros que na semana homóloga do ano passado; também segundo a GFK, na semana de 23 a 29 de Maio as vendas online de aparelhos eléctricos alcançaram 33% do total, quando antes do confinamento valiam 8%; comparando com igual período do ano passado a venda de impressoras domésticas aumentou 172% , as consolas aumentaram 122% e as máquinas de café 54% e os portáteis 33%.
ARCO DA VELHA - A Junta de Freguesia de Santa Clara, em Lisboa, deixou de ceder as suas instalações aos 150 idosos da Associação Unitária de Reformados e Idosos da Charneca que ali conviviam diariamente, para ceder o espaço ao Instituto de Emprego e Formação Profissional.
FOTOGRAFIAS - O Instagram tornou-se na galeria que vou visitando. Esta semana dei com a foto que reproduzo, da autoria de João Miguel Barros, um advogado português que trabalha em Macau e que tem desenvolvido intensa actividade como fotógrafo, curador independente e editor da publicação de fotografia “ZinePhoto”. Esta fotografia é um auto-retrato “Self-portrait of a not so young artist in times of crisis” e foi uma das imagens seleccionadas e premiadas pelo júri do Fotofestival Lenzburg, para a série “Times Under Pressure”. Pode saber mais sobre o festival em https://www.fotofestivallenzburg.ch/en/. O trabalho deste autor pode ser seguido em www.instagram.com/joaomiguel.barros e em http://www.jmb.photo/ . Outras sugestões, ainda no instagram: David Guttenfelder é um fotógrafo que trabalha regularmente para a revista National Geographic e tem estado a publicar no Instagram imagens de uma viagem que fez por estrada pelos Estados Unidos ainda antes do início da pandemia - podem encontrá-lo em instagram.com/dguttenfelder . Para terminar sugiro que visitem o instagram da cooperativa de fotógrafos Magnum, que tem feito uma série de iniciativas ligadas com estes tempos que vivemos - podem ver em instagram.com/magnumphotos . E um dos fotógrafos da Magnum é o britânico Martin Parr, cujo trabalho pode ser visto em instagram.com/martinparrstudio .
A VOZ - Cantora, pianista, compositora, Nina Simone percorreu muitos territórios musicais ao longo da vida. Entre os discos da última fase da sua carreira “Fodder on My Wings” é um registo que tem andado esquecido e que teve sempre uma divulgação reduzida. A editora Verve resolveu agora relançá-lo. Editado originalmente em 1982, gravado em Paris, o disco é influenciado pelos músicos africanos que ela encontrou na capital francesa - Paco Sery na percussão, Sydney Thaim nas congas e Sylvin Marc no baixo. A própria Nina Simone assegurou a voz, o piano, os arranjos e a produção musical e fez um dos discos mais pessoais e intimistas e que é dos melhores trabalhos da sua carreira, injustamente pouco conhecido. Há faixas surpreendentes, como “Liberian Calipso”, que juntamente com “Le Peuple en Suisse” e “I Sing Just To Know That I’m Alive”, são três faixas inéditas incluídas na nova edição. O álbum inclui 13 temas que exploram uma vasta gama de emoções, desde o “Heaven Belongs To You” que evoca os espirituais negros, cantado em francês e inglês, um primor de utilização da voz de Nina Simone em “Vous Êtes Seul Mais Je Désire Être Avec Vous” e a homenagem ao seu pai feito numa pessoalíssima versão de “Alone Again Naturally” (de Gilbert O’Sullivan), completamente transfigurado nesta interpretação - a cantora altera a letra, os arranjos e até a composição musical. “Fodder On My Wings” está disponível no Spotify.
DOIS MUNDOS - “Sementes Mágicas”, de V.S. Naipaul, é a continuação de um anterior romance, também já editado em Portugal, “Metade da Vida”. Destaca-se aqui de novo a forma de escrita de Naipaul, muito bem transmitida e interpretada pela tradução de Maria João Lourenço. Os dois romances acompanham a vida e as dúvidas de Willie Chandran, um homem de identidade incerta que, aos quarenta e cinco anos, se interroga sobre o seu papel no mundo e o sentido da sua vida. Willie Chandran tem atrás de si uma vida errante: saiu da Índia, onde nasceu, viveu em Londres, em Moçambique e em Berlim. E é a partir de Berlim, para onde regressara depois de deixar África e um casamento, que decide regressar à Índia. O seu regresso é estimulado pela irmã, Sarojini, uma realizadora de documentários empenhada politicamente, que considera que Willie leva uma vida passiva, sem direcção nem objectivo. Influenciado pela irmã resolve juntar-se a um grupo revolucionário clandestino e regressa à Índia - mas encontra-se perante uma organização dividida e é apanhado, digamos, pelo lado errado da História. Quando depois de muitas peripécias volta ao Reino Unido, onde a sua demanda começara trinta anos antes, encontra um país que virou costas ao seu passado colonial. Willie dá consigo a reflectir sobre aquilo em que a sociedade britânica se transformou e na sua própria vida. De certa forma “Sementes Mágicas” é a forma de Naipaul reavaliar a sua carreira e a sua obra e a personagem de Willie, assim como a sua evolução, têm não poucos paralelos com o que foi também a evolução da carreira literária de Naipaul e a sua visão do mundo - dos dois mundos da sua vida e da sua escrita, o da colónia e o da potência colonial.
COZINHADOS - Hoje aqui fica uma receita de época. Costeletas de borrego cortadas de forma generosa, não demasiado finas, conte entre 3 a 4 por pessoa, dependendo da respectiva volumetria dos convivas. Em casos acentuados, carregar na dose. Tempere-as generosamente com muito sumo de limão, sal e pimenta preta moída na hora. Faça-lhes uma cama e um cobertor com alecrim e deixe-a assim durante uma hora ou duas. Comece por cozinhar ao lume, numa frigideira que vá ao forno. Basta colocar um pouco de azeite no fundo bem espalhado. Com o lume alto cozinhe-as de um lado e outro até começarem a ganhar côr e a própria gordura das costeletas começar a invadir o recipiente. Quando estiverem a começar a tostar leve-as ao forno previamente aquecido a 200º e deixe-as estar durante dez minutos, virando-as a meio. Se gosta delas muito bem passadas (não é o meu caso), deixe ficar mais cinco minutos. Eu gosto de as acompanhar com ervilhas, levemente cozidas, e depois salteadas com hortelã picadinha bem misturada. Para companhia experimentei um vinho regional da península de Setúbal, da Quinta do Piloto, em Palmela - o Cabernet Sauvignon 2017 e a coisa correu muito bem.
DIXIT - “Há um velho ditado grego que apetece recuperar agora: “Aquele a quem os deuses desejam destruir, primeiro enlouquecem”. A Europa, antes de se destruir, está a enlouquecer” - Fernando Sobral
BACK TO BASICS - “Uma das grandes falhas da raça humana é que toda a gente quer construir de novo, mas muito poucos querem preservar e manter o que existe” - Kurt Vonnegut
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