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AS NOVAS DITADURAS - Nunca gostei que me dissessem o que não podia ler, o que não podia escrever, o que não devia pensar. Também não me agrada que me digam do que devo gostar. Desagrada-me quem julga ter por missão indiscutível defender valores que podem ser os seus, mas não são os de todos - na religião, na ideologia, na política, nos costumes, na estética ou na ética, para só citar alguns. Prezo a liberdade de poder tomar decisões, arcando com a responsabilidade inerente. Habituei-me a pensar que a minha liberdade acaba onde começa a dos outros e tenho tentado viver assim. E irrita-me que alguém tente entrar na minha liberdade, na minha maneira de encarar a História, na minha maneira de ver os acontecimentos. Por isso, para mim o Livre é tão perigoso como o Chega e os últimos dias têm provado isso mesmo - mas não me ocorre dizer-lhes o que devem fazer. Existem certamente formas de analisar a História. Mas não existem duas Histórias. Existem factos - e depois existem interpretações - e estas são de quem as quiser formular, desde que não pretendam impô-las aos outros. Acontece que desde há uns anos, em todo o mundo, se evolui para uma forma de proto-ditadura que veste as roupagens do politicamente correcto, em que alguns decretam o que está certo e fazem julgamentos por conta própria. Muito facilmente se começou a confundir direitos de uns com pecados de outros e criou-se a tendência de querer que toda a sociedade aceite como verdade inquestionável aquilo que apenas a parte dela interessa. E isto é inaceitável, seja qual fôr o tema. É uma nova forma de ditadura.
SEMANADA - O Estado não sabe ao certo quantos prédios tem, nem ideia do valor do seu património imobiliário, revela uma auditoria da Inspecção Geral de Finanças; o Governo construiu o Orçamento retificativo com uma estimativa de contração do PIB de 6,9% e uma semana depois o Banco de Portugal colocou em causa os pressupostos utilizados pelas Finanças, avançando com uma previsão de uma recessão de 9,5%; Portugal é um dos 12 países com taxa de inflação negativa na zona euro; três anos passados sobre a tragédia de Pedrógão Grande o SIRESP continua sem cobrir várias zonas das zonas atingidas; segundo bombeiros da região as florestas dos concelhos onde morreram 66 pessoas estão por limpar; o deputado europeu do PAN abandonou o partido, mas não o seu lugar em Bruxelas, acusando a organização de colagem à esquerda; o mercado português registou a segunda maior quebra na venda de automóveis ligeiros na Europa; foi descoberto um depósito de 30 mil toneladas de resíduos perigosos numa antiga zona industrial de Setúbal, onde estão há mais de 20 anos; segundo a Marktest durante o confinamento aumentou o consumo de pizza e de cápsulas de café; o número de cesarianas realizadas nos hospitais públicos subiu pelo terceiro ano consecutivo atingindo em 2019 cerca de 30% dos partos realizados; o saldo entre nascimentos e mortes em Portugal continua negativo pelo 11º ano consecutivo, mas pela primeira vez nos últimos dez anos regista-se um aumento da população, graças à imigração.
ARCO DA VELHA - Caso Mário Centeno seja nomeado governador do Banco de Portugal, a sua acção vai ser avaliada por um conselho de auditoria que o próprio nomeou enquanto ministro das Finanças.
MAAT REINVENTADO - E pronto, o maat finalmente reabriu após o confinamento e obras de manutenção da estrutura afectada por uma tempestade no Inverno passado. Três destaques: a intervenção arquitectónica Beeline, a experiência sonora Extintion Calls e o PeepShow. As duas primeiras ficam até Janeiro do próximo ano, a última até 19 de Outubro. Beeline é uma intervenção arquitetónica que foi encomendada ao estúdio nova-iorquino SO – IL, e que ocupa a totalidade do edifício do maat. Trabalho de arquitetura efémera, área de eleição daquele atelier até à data, Beeline foi concebido para acolher o maat Mode 2020, um programa público de palestras e outros eventos com uma duração de seis meses lançado pela nova diretora do maat, Beatrice Leanza. Extinction Calls é uma encomenda especial a Cláudia Martinho, na qual a artista usa sons do arquivo para criar um percurso sonoro com espécies de aves extintas e ameaçadas. A paisagem sonora é espacializada em ressonância com o espaço acústico do maat e da intervenção Beeline criando uma diversidade de pontos de escuta. Peepshow agrupa um conjunto de 15 estruturas portáteis cujo interior pode ser observado por vigias de grandes dimensões e está integrado na Beeline. Estão expostas peças da colecção de arte Fundação EDP e cada uma das intervenções é o ponto de partida para uma série de conversas em torno da relação entre arte e realidade que terão a participação dos artistas representados: Catarina Botelho, Paulo Brighenti, Tomás Colaço, Luisa Ferreira, Horácio Frutuoso, Mariana Gomes, Pedro Gomes, André Guedes, João Louro, Maria Lusitano, João Ferro Martins, Paulo Mendes, Rodrigo Oliveira, Francisco Vidal e Valter Vinagre.
O SOM DA PANDEMIA - Quando a pandemia alastrou o pianista Brad Mehldau estava a meio de uma digressão pela Europa, que foi interrompida. Mehldau, casado com uma holandesa, divide o seu tempo normalmente entre Amsterdão e New York, cidade para onde iria quando tudo se precipitou. Durante meses esteve fechado na sua casa de Amsterdão e compôs 12 temas que integrou num álbum inesperado a que chamou “Suite: April 2020”. O disco evoca o espírito do tempo, do mês de Abril em que a pandemia dominou o mundo. A capa do disco é o texto de uma mensagem do pianista que descreve a música que compôs como um retrato sonoro de um tempo em que todos tiveram de se reencontrar a si mesmos. Os 12 andamentos da suite têm nomes como “Keeping Distance”, “Stopping, Listening, Hearing”, “Remembering Before All This”, “Uncertainty”, “Waiting” e três momentos do quotidiano do confinamento: “In The Kitchen”, “Family Harmony” e “Lullaby”. Há ainda três versões que Brad decidiu fazer de composições de outros músicos, três temas que escolheu como canções adequados ao espírito deste tempo: “Don’t Let It Bring You Down” de Neil Young, “New York State Of Mind” de Billy Joel e “Look For The Silver Lining”, de Jerome Kern. Disponível em edição especial limitada de vinil, em CD e no Spotify.
CRIME E MISTÉRIO - Comecei a ler policiais pela mão da colecção Vampiro - primeiro emprestados por um amigo, depois religiosamente comprados à medida que iam saindo. Foi ali que descobri os mestres dos policiais e um dos que mais me atraiu foi Raymond Chandler, sempre com o seu detective Philip Marlowe. Chandler nasceu em Chicago em 1888 e era administrador de empresas petrolíferas quando veio a Grande Depressão, em 1932. Foi nessa altura que começou a escrever - primeiro contos policiais e, depois, novelas. Este mês encontrei nas reedições contemporâneas da colecção Vampiro o seu segundo romance, “Farewell My Lovely”, ou “Perdeu-se Uma Mulher”. Voltei a descobrir o prazer da definição de personagens que Chandler fazia. É um estilo bem distante dos modernos policiais nórdicos que ultimamente são a minha paixão e que se baseiam muito na definição do perfil psicológico de polícias e criminosos. “Perdeu-se Uma Mulher” é o segundo romance de Chandler, originalmente publicado em 1940, a partir da junção de três contos que já tinha publicado em revistas. Mais tarde a história passou a filme, protagonizado por Robert Mitchum. Com uma boa tradução de Paula Reis, “Perdeu-se Uma Mulher” descreve a Los Angeles dos anos 40, os bastidores violentos e corruptos que evidenciam as tensões de uma grande cidade, com um cenário de tráfico de droga, jóias roubadas, mulheres sedutoras e assédios variados. Hoje em dia tudo o que é politicamente correcto cairia em cima do escritor e dos métodos do seu detective Marlowe. Se tal tivesse acontecido quando Chandler começou a escrever ter-se-ía perdido um dos grandes autores da literatura policial. Talvez em vez disso se tivesse escrito um outro livro - “Os Crimes do Politicamente Correcto”.
O ITALIANO QUE SE APAIXONOU POR SAGRES - Sagres sem vento e com a água do mar a boa temperatura? - Pois é raro, mas acontece. De qualquer maneira foi com esse pano de fundo que passeando pelas ruas do centro, junto à Pousada, encontrámos o Mum’s. À frente da casa, mal saída ainda do confinamento, está um italiano que há 11 anos trocou o restaurante que tinha em Milão e rumou a Portugal. Apaixonou-se por Sagres, convenceu a namorada, também italiana, a segui-lo e os dois puseram de pé o Mum’s passado um tempo. O foco da casa é a utilização de produtos da região, do azeite a frescos, com destaque para os produtos biológicos de produtores da costa vicentina, passando é claro pelo peixe, escolhido na lota de Portimão. Simão, aliás Simone, sommelier de formação, apaixonou-se pelos vinhos portugueses, de que fala com conhecimento e entusiasmo - sobretudo dos vinhos do Douro. Antes do Covid o Mum’s era conhecido pelos cocktails, servidos no bar e numa pequena esplanada - tinham boa fama os negroni, por exemplo. Agora, com menos mesas e o balcão à espera de melhores dias, o foco está nos jantares. A decoração do Mum’s é simples e imaginativa, Simão é um anfitrião notável, um contador de histórias, e na cozinha está um jovem chef português, de origem ribatejana, Alexandre Fidalgo. O couvert é simples e bom - do pão às azeitonas, passando por uma manteiga fermentada e uma maionese vegan. Nas entradas provou-se com muito gosto cavala fumada em consommé frio de peixe. A lista apresenta várias sugestões vegetarianas, mas inclui também opções para hereges dessa crença, como um magnífico polvo frito, extraordinário de textura e sabor, acompanhado por cevasotto de lima e aipo, que mais não é que uma variante de risotto em que o arroz é substituído por grãos de cevada. Outras opções, boas são o filete de peixe do dia com puré de aipo, nabo e agrião ou o lombo de bacalhau acompanhado de esmagada de batata com alecrim e espargos verdes. A refeição foi acompanhada por um Vale Pradinhos reserva branco, que cumpriu muito bem. No Mum’s não sei que elogie mais - se o talento da cozinha, se a hospitalidade de Simão. Na próxima ida a Sagres lá voltarei. Mum’s, Rua Comandante Matoso, 917 524 315, aberto aos jantares todos os dias excepto terça-feira.
DIXIT - "É perfeitamente desejável que possamos ter um Banco de Portugal acima da conflitualidade política e não como parte do combate político" - António Costa, em 2015, sobre o processo de nomeação do Governador do Banco de Portugal
BACK TO BASICS - “Um fanático é alguém que é incapaz de mudar de ideias e que não quer mudar de assunto” - Winston Churchill
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