Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



O TEMPO DOS INTOLERANTES

por falcao, em 20.08.21

R0002475.JPG

OS NOVOS FANÁTICOS - Nos últimos dias um grupo de fanáticos apelidou de assassino o homem que comanda, com êxito, o processo de vacinação que já salvou numerosas vidas desde que ele iniciou funções. Um outro grupo de fanáticos atacou e danificou um centro de vacinação na Azambuja. Os dois casos são bons exemplos dos efeitos práticos do fanatismo - neste caso dos que condenam o uso de vacinas. Cada um tem direito à sua opinião e, em última análise, tem direito a decidir se quer ele próprio ser vacinado ou não. Mas não tem o direito de perturbar o trabalho de quem está a vacinar ou quem quer ser vacinado. Estes comportamentos são exemplos daquilo que os fanáticos dos extremos do espectro político podem produzir na ânsia de ganhar notoriedade. Estou convencido que há entre os negacionistas do Covid-19 e os opositores das vacinas pessoas com ideologias em teoria diametralmente opostas mas que se encontram num mesmo ponto: o desrespeito pelos direitos e liberdade dos outros, um desrespeito pela sociedade em que vivem e um extremo egoísmo. Cito, a propósito, o Papa Francisco: "Vacinar-se é uma forma simples mas profunda de promover o bem comum e de cuidarmos uns dos outros, especialmente dos mais vulneráveis", apelando a que cada um contribua para erradicar a pandemia com um "pequeno gesto de amor". Tenho sempre este velho lema que bem me vai guiando: a liberdade de cada um termina onde começa a de outras pessoas. Estes novos fanáticos são por natureza intolerantes - mudam de bandeira ao sabor do vento, sempre a querer limitar o que outros podem fazer ou pensar.



SEMANADA - 60% das 20 mil contratações da Função Pública no último ano são contratos a prazo; no final de Junho o emprego público atingiu o valor mais alto desde 2011, atingindo os 731 mil trabalhadore; o ganho médio mensal na Administração Pública é de 1801 euros enquanto a média global nacional é de 1208 euros; os consumidores portugueses endividaram-se em 16,6 milhões por dia em crédito ao consumo; a letalidade nos idosos não vacinados é três vezes maior do que nos vacinados; um estudo do Instituto Gulbenkian da Ciência indica que 63% dos idosos com mais de 70 anos mantêm anticorpos contra o coronavírus seis meses após a vacinação; há mais de 200 mil pessoas sem médico de família; o Governo não respondeu a um quarto das perguntas formuladas por deputados em requerimentos na Assembleia da República no segundo ano desta legislatura; duas em cada três câmaras municipais não cumprem as regras do Regulamento Geral de Protecção de Dados, três anos após a legislação ter entrado em vigor; na área dos registos e notariado há falta de cerca de 1700 trabalhadores e as filas de quem procura os serviços aumentam; os aeroportos portugueses receberam cerca de dois milhões de passageiros em Junho, o número mais alto desde Fevereiro do ano passado; a Altice Portugal diz só ter tido conhecimento do valor proposto pela Anacom para a tarifa social de internet através da comunicação social; sete dezenas de deputados concorrem à liderança de Câmaras Municipais. 

 

O ARCO DA VELHA - Um Jardim de Infância mandado construir pela Câmara do Entrocamento, inaugurado em 2008 e que custou 1,2 milhões de euros, está em risco de ruir e vai ser demolido porque tem falhas estruturais que impedem a sua recuperação.

 

image (1).png

UM RISCO EM ÁGUEDA - Para quem estiver a norte proponho uma visita a Águeda, ao belo edifício do Centro de Artes, projectado pelo atelier AND-RÉ, no local onde antes existia uma fábrica de cerâmica. Inaugurado em 2017 o edifício tem uma área total de 4500 metros quadrados, inclui um auditório, uma área de exposições e um café-concerto. Se lá for por estes dias , até 12 de Setembro, poderá ver na sala estúdio a exposição “Risco” que põe em confronto dois tempos na Pintura de Helena Dias: por um lado apresenta um conjunto de três trabalhos produzidos entre 1974 e 1976 (os únicos existentes deste período), por outro mostra um conjunto de trabalhos produzidos entre 2018 e 2020. Um pouco mais de 40 anos separam umas obras das outras, no entanto, embora com linguagens técnicas diferentes, há elementos (e preocupações) formais constantes: a Helena Dias interessou e continua a interessar, quase obsessivamente, a prática pura da Pintura. A imagem que acompanha esta nota é de uma obra sem título de 2019, fotografada por André Lemos Pinto. Raquel Guerra, a curadora da exposição, sublinha que o título “Risco” põe em evidência duas abordagens: remete para o elemento formal que caracteriza as obras presentes neste projeto, e evidencia os riscos e a coragem inerentes a retomar a Pintura após um interregno de cerca de 28 anos. Se estiver em Lisboa aproveite para visitar no Museu Nacional de Arte Antiga a exposição “Vi O Reino Renovar, Arte no Tempo de D.Manuel I”, uma exposição criada para assinalar o quinto centenário da morte de D. Manuel I e que estará na Galeria de Exposições Temporárias do MNAA até 26 de Setembro. A exposição mostra a relação do monarca com a prática artística, uma das mais importantes de toda a história portuguesa, patente na forma como promoveu., patrocinou e encomendou obras de arquitectura, iluminura, pintura, escultura ou artes decorativas e também, como utilizou a produção artística na sua estratégia de representação e afirmação real.

 

image.png

FILOSOFIA NAPOLITANA - No início do século XX a paisagem do golfo de Nápoles atraía nomes ilustres a Capri e Sorrento, como Walter Benjamin, Bertolt Brecht, Maksim Górki e um então jovem filósofo, Theodor W. Adorno. Reza a lenda que foi aí, junto ao Vesúvio que nasceu, dos encontros destas personalidades, uma das mais importantes correntes filosóficas do século XX - a teoria crítica. Martin Mittelmeier, um autor alemão contemporâneo escreveu “Um Filósofo em Nápoles”, um livro publicado em 2013 e agora editado em Portugal pela Temas e Debates, com uma boa tradução de Pedro Garcia Rosado. O livro explora como a cidade de Nápoles – as paisagens, as pessoas, os turistas e os debates com o grupo de intelectuais que encontrou na cidade italiana – ajudou a criar as bases para o pensamento filosófico de um dos mais importantes e influentes pensadores europeus do século XX, Theodor W. Adorno. E deixa questões:  Como pode um país e um ambiente produzir um determinado sistema de pensamento? E porque é que a paisagem marcada pelo Vesúvio causou tanto impacto na vida e nas ideias de Adorno? Martin Mittelmeier conseguiu uma fusão entre filosofia, biografia e relato de viagens e mostra como a paisagem e a geografia de Nápoles se transformaram em filosofia, ao mesmo tempo que nos ajudam a redescobrir um dos pensadores mais influentes da história. Na realidade, como já foi citado pela crítica, «esta obra procura desmontar como a filosofia de Adorno nasceu de uma viagem pelo golfo de Nápoles na sua juventude. E que a força da sua filosofia, o fascínio que ela exerce e os problemas que suscita podem ser explicados por esta sua génese.»

 

IMG_1851.jpg

VER & OUVIR - Hoje em vez de limitar os sentidos à audição, sugiro que os compartilhem com a visão. E assim a sugestão musical da semana é uma série documental da Apple TV+, absolutamente extraordinária, intitulada “1971, o ano em que a música mudou tudo”. A primeira temporada está no ar, tem oito episódios centrados no final dos anos 60 e no início dos anos 70 - e como o título indica, sobretudo em 1971 - que é o ponto de partida para muitos dos factos que se relatam. Por ali passam nomes como Marvin Gaye, mostrando a  importância, muitas vezes esquecida do conteúdo e significado do seu álbum “What’s Going On”. Mas também Bob Dylan, George Harrison e o concerto para o Bangladesh realizado há 50 anos, a 1 de Agosto de 1971. Destaco logo no primeiro episódio a fantástica interpretação de Neil Young  para a sua canção “Ohio”, sobre a intervenção policial na Universidade de Kent que provocou quatro mortos entre os estudantes que protestavam contra a intervenção americana no Vietnam. A série tem numerosas imagens originais (e muitas vezes inéditas) da época e mostra a importância de nomes como Jim Morrison, Sly Stone, Ike e Tina Turner, James Brown, Curtis Mayfield, Joni Mitchell ou Carole King na criação das sonoridades que moldaram esses tempos. Mas mostra também o fim dos Beatles e o explodir de David Bowie, as crises dos Rolling Stones e até o papel de nomes que transformaram o jornalismo como Hunter S. Thompson. Um documento imprescindível. Cito, a terminar, palavras de John Lennon que sintetizam bem esses tempos”A discórdia é o combustível que alimenta a democracia”. Demasiada gente esquece-se disto.

 

IMG_1854.jpg

SOBRE A IMPORTÂNCIA DO POEJO - Eu adoro poejo - o cheiro, o sabor… Há uns meses dedicámos uns vasos a ervas aromáticas. Umas tiveram algum sucesso de crescimento, outras nem tanto. Mas o poejo é o campeão: um vaso a abarrotar. Desde então não nos falta o seu cheiro e sabor. Por isso mesmo fomos experimentar a velha açorda de bacalhau, mas com poejo em vez de coentros. A meio do processo ocorreu-me se um grande amigo que não suporta coentros, suportará poejo. Assunto a investigar. O prato é simples. Escalda-se o bacalhau dois ou trÊs minutos, guarda-se a água onde se preparou e num outro tacho coloca-se gengibre laminado, um pouco de cebola roxa picada  (eu sei, não é o costume, mas fica bom), muito poejo (folhas separadas dos caules e caules cortados em troços) e refoga-se o bacalhau escorrido  da escaldadela, misturando-se bem e em lume branco. Quando a coisa estiver no ponto que desejamos adiciona-se a água usada para o bacalhau e um pão caseiro de véspera, de preferência sem côdea. Mexe-se até se esfarelar para a consistência desejada. No fim colocam-se dois ovos a escalfar por cima no tacho e quando a clara começar a ficar opaca polvilhar tudo com folhas de poejo picadas e serve-se imediatamente. Um clarete refrescado acompanha muito bem - sugiro o da Adega de Penalva.

 

DIXIT - “Comem salsichas toda uma vida, e depois afirmam que não querem uma vacina porque dizem que não sabem o que lá está dentro” - lido no twitter

 

BACK TO BASICS - “Um fanático é alguém que se recusa a mudar de ideias e não aceita mudar de assunto” - Winston Churchill

 

(Publicado no Jornal de Negócios de 20 de Agosto de 2021)



Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 11:00



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.



Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D
  274. 2003
  275. J
  276. F
  277. M
  278. A
  279. M
  280. J
  281. J
  282. A
  283. S
  284. O
  285. N
  286. D